Infinite Arms

O tom desafiador que havia em sua voz


Saí da minha sala e andei até a sala do meu chefe, que me esperava olhando para a janela. Vê-lo parado ali me deu um frio na barriga e percebi que até então nunca foi preciso que ele tivesse uma conversa séria comigo, mas daquela vez as coisas pareciam ser um pouco mais sérias. Eu trabalhava para um museu famoso da cidade que organizava exposições que iam desde obras de pintores desconhecidos até importantes equipamentos da física, mas meu setor era geralmente levado para o lado emocional e eu era boa nisso.

Respirei fundo antes que ele percebesse que eu já estava ali e finalmente falei com ele.

- Sr. James, queria falar comigo?

Como se levasse susto com minha presença, se virou rápido e ficou me observando com uma expressão pacífica. Tive que admitir que ele era um homem atraente e ficava ainda mais interessante usando um terno e com a postura ideal de chefe. Balancei a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos e prestando atenção em cada movimento seu, para tentar decifrar o motivo que levara a me chamar ali.

- Só James, por favor. – sorriu, o que me fez ficar mais aliviada. – Allie, te chamei aqui porque temos uma “missão” pra vocês. – fiquei observando e senti um frio na barriga, mas não sabia ao certo se era por ter ouvido “missão” ou “vocês”.

- Vocês? – finalmente perguntei, mas minha atenção foi tirada para um barulho na porta.

- Desculpe-me a demora. – ouvi uma voz desconhecida.

- Sente-se Fabrizio. Preciso conversar com os dois juntos.

Olhei para meu lado enquanto aquele homem de blazer preto sentava-se do meu lado. Seus cabelos também eram pretos e sua barba por fazer o deixava com um toque sério, amenizado pelo verde suave de seus olhos. Percebi que era o homem que trabalhava no andar de cima e eu raramente o via.

- Esse ano vamos ter outra exposição e vocês sabem, nunca decepcionamos. – a voz de James era profissional. – Estivemos pensando muito bem sobre o que iríamos fazer, até que ligamos para a Itália e ficamos sabendo sobre um pintor, escultor e físico chamado Alessandro Aronne. As pessoas que já viram suas obras as acham incríveis e seria uma boa ideia usarmos na exposição. – fez uma pausa e começou a bater sua caneta na mesa. – Mas temos um pequeno problema. Ou pior, dois. O primeiro é que ele é um pouco difícil nisso de vender telas, porque dizem que todas são inspiradas em sua mulher, que morreu ano passado. – entregou uma passagem para cada um de nós.

- O que isso significa? Quer nós dois na Itália? – perguntei olhando sem piscar para o passaporte. Algo me assustava.

- Exatamente. Temos que fazer a melhor exposição e conto com vocês. – olhei para Fabrizio, que continuava parado, sem manifestar.

- E qual seria o outro problema? - perguntou enquanto passava a mão em seu rosto.

- A exposição de obras de Aronne só permite a entrada de casais. – deu um sorriso de uma criança prestes a aprontar algo. – Allie, você é nossa melhor profissional e Fabrizio, é o melhor em negociar obras e além de tudo, já morou na Itália, vai ser mais fácil sabendo como falar italiano, mesmo que Aronne saiba falar nossa língua, é como se você fosse mais familiarizado.

- Só permite a entrada de casais? – perguntei. – Isso significa que...

- Vai além do profissional, eu sei, mas preciso que vocês finjam ser um casal. Caso não aceitarem devido às condições, posso encontrar outros na empresa.

- Eu aceito. – ouvi Fabrizio falar. Sua voz era calma e ao mesmo tempo desafiadora.

James me olhou e vi que Fabrizio fez o mesmo. Olhei para Fabrizio e percebi que pela primeira vez ele me olhava nos olhos. Um leve sorriso se formava em seus lábios e percebi o mesmo tom desafiador que havia em sua voz.

- Meu noivo, talvez ele não gostaria...

- Compreendo. – James disse.

- Acho que vamos ter que achar outra pessoa. – percebi imediatamente que Fabrizio era um tanto atrevido.

- Eu aceito. – falei mais alto que devia, enquanto me levantava. Olhei rápido para Fabrizio e depois para James, que sorria. – Quando saímos?

- Amanhã de manhã. – suas palavras me afetaram como um balde de água fria, mas havia aceitado aquilo pelo meu trabalho, apenas.

James ergueu sua mão e cumprimentou cada um de nós.

- Achei que seria mais difícil. – riu. – Mando um e-mail com informações que vocês precisarão hoje à noite. Estão liberados.

Andei até a porta com o coração disparando. Não sabia se o que mais me assustava era o fato de uma viagem não programada ou fingir fazer casal com um homem que eu mal conhecia. Hesitei e pensei em voltar até aquela sala e dizer que não podia fazer aquilo, mas dei de cara com Fabrizio parado atrás de mim e quase trombei em seu corpo, a não ser por questão de centímetros.

- Oi. – sua voz era calma. – Está pensando em desistir da viagem?

- O que te levou a pensar isso? – disse levantando a sobrancelha e encarando-o.

- Talvez o fato de estar nervosa e andando em direção à sala do chefe? – ele ria.

- Não, não vou desistir. Só esqueci meu passaporte em cima da mesa. – disse a primeira coisa que veio na minha cabeça.

- Esse passaporte que está em sua mão? - apontou para minha mão, fazendo com que eu me sentisse como uma idiota.

- Pensei ter esquecido ele. – disse suspirando, como se me rendesse.

Fabrizio não disse nada. Apenas passou por mim e andou em direção à saída. Bati a mão na minha cabeça e tentei pensar em algo pra falar, mas me sentia envergonhada.

- Te vejo amanhã. – olhou pra trás para falar. – Se não desistir, é claro.

Tentei sorrir, mas estava brava demais para isso. Apenas esperei perde-lo de vista e saí da empresa. Enquanto dirigia para a casa do meu noivo, pensei que não havia motivos para ficar brava. Respirei fundo e liguei o som. Tocava uma música de um jovem chamado Jake Bugg e logo reconheci seu talento.

Parei no sinaleiro enquanto batia levemente os polegares no volante, seguindo o ritmo da música. Estava bem mais tranqüila e acabei percebendo que desde que comecei a pensar sobre os preparativos do casamento, minha tensão aumentou, mas talvez, naquele momento a viagem para a Itália seria algo bom que fosse fazer com que eu me sentisse calma e descansada.

A não ser que Fabrizio me desse algum tipo de trabalho, o que eu já estava esperando, mesmo não desejando.