Infinite Arms

A primeira coisa que eu fiz


Parei em frente a minha janela no fim da tarde. James mandara um e-mail dizendo que não precisávamos ir trabalhar naquela sexta-feira para ter um descanso para a exposição. Passei a tarde toda em casa pensando na foto que havia achado no livro de Fabrizio. Era a mesma que o senhor havia tirado na praça e o fato dele ter guardado-a tinha me surpreendido.

Olhei os carros passando lá embaixo. Tinha pouco tempo para me arrumar, mas a única coisa que queria fazer era ver Fabrizio logo e abrir a tal carta. Pensava o tempo todo nas palavras que havia me dito e se tiveram um real sentido. Independentemente disso, iria procurá-lo e conversar com ele mesmo sem saber realmente o que iria dizer.

Afastei da janela e andei até o banheiro. Quando saí, enrolada na toalha, o cheiro de lavanda tomou conta do quarto e o céu tinha tomado diferentes tons de azul. Significava que o grande momento havia chegado.

Quando estava colocando meu comprido vestido branco que deixava minhas costas a mostra, ouvi o telefone tocar. Pensei duas vezes em atender e depois de desligá-lo tive vontade de não ter atendido mesmo. Era Alan dizendo que havia arrumado um jeito de ir à exposição. Aquilo deveria ter me deixado feliz, mas nem por um segundo senti empolgação e sim arrumei um jeito de desligar o telefone e acabar de arrumar.

Deixei meu cabelo cair pelos meus ombros e fiz uma trança como se fosse uma tiara. Gostei do resultado, parecia delicado. Passei uma maquiagem levemente preta e batom nude. Quando me olhei no espelho me senti bem, mas um vazio tomava conta da minha alma.

Antes de sair, peguei a carta de Aronne e coloquei na bolsa junto do pequeno discurso que havia feito já que sempre tinha que falar sobre a exposição. Preparar aquilo havia sido um pouco confuso já que não sabia muito bem sobre o que falaria, mas esperava que tudo saísse perfeitamente bem. Dirigi até o museu com o coração a mil.

*

– Você está incrível, Allie! – James apareceu completamente animado. Usava um terno elegante e como sempre parecia um chefe completamente atraente. – Em poucos minutos iremos começar.

– Obrigada. – sorri. – James, viu Fabrizio? – minha boca ficou seca ao perguntar.

– Ele deve estar chegando. – e saiu conversando com um casal de convidados.

Comecei a observar telas da exposição. As que havíamos escolhido antes da viagem estavam bem ali. O tema preferido e nem sempre retratado pelo museu onde eu trabalhava estava bem ali. O amor.

Tudo girava em torno do amor naquele lugar. Obras sobre corações partidos, saudade e aquele tal final feliz. Parei na frente de uma obra de um pintor australiano. Era uma fada solitária chorando ao ver que seu amor estava no chão, morto. Ou desmaiado, como o autor um dia escreveu. Era lindamente confuso.

Minha atenção foi tirada das telas quando ouvi um som de piano tocando Passanger Seat. Procurei o piano por todas as partes e finalmente o achei no fim da sala. Observei o rapaz que o tocava e vi que o conhecia.

– Fabrizio? – falei ainda longe.

Ele me olhou com um sorriso torto e logo voltou a olhar para o piano. Perguntei-me porque nunca havia me falado que tocava mesmo em todo aquele tempo que ouvia um som de piano no hotel de Roma. Talvez tivessem coisas sobre ele que eu jamais saberia.

Hesitei um pouco em me aproximar, mas logo estava na frente do piano. Observei-o tocar. Usava um terno escuro e seus cabelos estavam devidamente arrumados, mas a barba sempre por fazer.

Quando parou de tocar, ele se levantou e deu lugar ao verdadeiro músico da festa. Deu a volta no piano e parou na minha frente.

– Pedi que me deixassem tocar. – deu de ombros. Evitava achar o meu olhar.

– Você sumiu desde a viagem.

Silêncio.

– Tentei falar com você, mas não...

– Vamos, Allie. – James apareceu e me puxou pelo braço.

Mal tive tempo de me despedir, pois James me levou até perto da escada que dava para um pequeno palco.

– Boa sorte. – ouvi Fabrizio. Olhei para ele mais uma vez. Era incrível como tudo conspirava para que não falasse com ele.

Suspirei antes de subir a escada. As pessoas haviam se reunido de modo a ficarem de frente para mim. Subi a escada e parei na frente do microfone. Olhei no meu lado esquerdo e uma tele quase do meu tamanho estava coberta por um pano branco. A tela de Aronne. A tão esperada tela.

– Boa noite. – comecei. – Bem vindos à décima quinta exposição de arte. – dei uma pausa olhando para todos. Um sorriso formara na boca de muitos ali e o silêncio era tão grande que quase conseguia ouvir minha respiração. – Primeiramente, quero dizer o quanto a exposição é importante para o museu e o quanto trabalhamos para que ficasse pronta. Não é só uma questão de expor e sim de passar algo para cada pessoa que vem aqui observá-la. – li no papel. – Mas, a verdade é que eu não preciso de um discurso escrito. – apontei para o papel e todos riram. Senti um alívio e soube como continuar usando meu coração. – Nesses últimos dias, eu e meu parceiro de trabalho, Fabrizio – apontei para ele. – fizemos uma viagem até a Itália para procurar um pintor incrível chamado Aronne. Queríamos obras dele para a exposição e incrivelmente conseguimos uma. – ouvi todos rirem novamente, inclusive Fabrizio, que com os braços cruzados, me observava falar. – Aronne foi incrível com a gente e foi uma lição de vida estar junto dele. Como vocês sabem, perdeu a esposa para uma doença, mas ele a amava. E a amou até o fim de sua vida. – parei de novo com o medo de chorar como algumas pessoas já estavam fazendo. – Mas, quando pedimos uma de suas obras para a exposição, entendi completamente o motivo dele não disponibilizá-las porque era algo tão pessoal e as lembranças, por mais tristes que fossem, eram somente dele. E acho que quando se ama e se perde alguém, não queremos nem por um segundo nos separar das lembranças que ainda nos fazem conectado à pessoa. Então ele pintou algo para a exposição e vocês vão ter o prazer de presenciar uma obra inédita feita por alguém tão incrível.

Quando acabei de falar, todos aplaudiram e eu senti que mesmo sendo um discurso quase informal, tinha falado o que deveria. Então, James surgiu ao meu lado e puxou o pano branco da tela.

Ao deparar com a pintura, lágrimas saíram pelos meus olhos instantaneamente e a primeira coisa que eu fiz foi procurar os olhos de Fabrizio no meio do público.