In My Dreams

Nós podemos dançar sob as águas


— Mina? Mina? Terra chamando Miyoui Mina! - Mina sobressaltou-se com a voz de Sana tão perto de seu ouvido e virou-se para olhar para a amiga, claramente aborrecida. Sana afastou-se um pouco e Mina suavizou a expressão. – Momo foi esperar Dahyun e eu resolvi passar para ver se a reunião já acabou. Porque ainda está aqui?

Mina olhou ao redor, confusa. Em que momento a reunião havia acabado? Ela nem ao menos se lembrava de quais assuntos haviam discutido, mas as folhas assinadas à sua frente sugeriam que várias coisas haviam sido resolvidas e ela deveria arquivar a ata. Massageou a têmpora. Um formigamento em sua cabeça começava a se tornar incômodo.

— Eu fiquei para terminar de organizar os papéis e devo ter me distraído. Provavelmente deve ser resultado da noite mal dormida.

Sana franziu a testa. Até onde sabia, Mina dormira pelas horas suficientes para o descanso completo do corpo e do cérebro, haviam acordado mais cedo do que de costume, mas ela também se deitara muito cedo na noite anterior.

— Certo. Você já quer ir pra sala?

— Quanto tempo temos até a aula começar?

Mina já havia se levantado e segurava um furador enquanto tentava arrumar os papéis para furá-los e colocá-los em uma das pastas do arquivo. Sana aproximou-se e tirou os papéis da mão de Mina, alinhando-os sobre a mesa antes de posicioná-los cuidadosamente sobre o furador. Entregou-os a Mina, que agradeceu com um pequeno sorriso e um aceno de cabeça. Quando fechou a pasta e guardou-a no armário de metal, Sana aproximou-se e colocou a mão em sua testa. Mina enviesou o olhar.

— Minari, você está doente?

— Eu estou perfeitamente bem, já disse. - Sorriu novamente, mas a preocupação de Sana não se esvaíra.

— Faltam dez minutos para o início das aulas... - Respondeu em um tom baixo.

— Deveríamos ir então. Preciso deixar alguns livros no armário antes de ir para a sala.

Sana assentiu. Tirou o celular do bolso enquanto Mina pegava sua pasta e digitou uma mensagem rápida para Momo.

“Você também tem achado a Mina estranha nos últimos dias?”

Guardou-o novamente antes que Mina se virasse. Saíram da sala em silêncio.

***

Momo girava o lápis entre os dedos distraidamente enquanto encarava as costas de Mina, sentada algumas cadeiras à frente. Havia lido a mensagem de Sana minutos atrás e sinceramente a menina não havia percebido nada de diferente, desde então não tirava os olhos de Mina, tentando descobrir ao que Sana se referia. Ela a mesma de todos os dias, a amiga adorável e quieta que sempre fazia as coisas como elas deveriam ser feitas. Naquele instante, Mina ouvia atentamente a voz da professora de história, que falava sobre o Japão Imperial, e tomava notas. Insatisfeita, Momo mordeu a ponta do lápis e virou-se para olhar para Sana, que se sentava ao seu lado. Surpreendeu-se ao ver a menina revirar os olhos para si.

“Se olhar mais um pouco, a nuca dela vai queimar. Depois a gente conversa.”

E assustou-se ao ver o bilhete que parecia ter se materializado à sua frente. Deu de ombros e amassou-o, Sana estava vendo coisas demais.

***

As três japonesas sorriram quando a pequena Dahyun entrou na sala, sorrindo e trazendo consigo dois bentō— um para si e outro para Momo. Aquilo já havia virado um hábito que Mina e Sana consideravam perigoso. Não duvidavam que Momo poderia seguir Dahyun até a Coreia no final do ano por culpa de seu estômago. Momo levantou-se e bateu palminhas, animada, indo buscar Dahyun na porta da sala de aula. Mal haviam se sentado e Momo já abria um dos pequenos potes, arrancando risadas das outras três.

— Dahyun-chan, peço desculpas pelo incidente de hoje de manhã. - Mina parecia envergonhada ao falar e Dahyun sorriu, tranquilizando-a.

— Está tudo bem, senpai. Eu sobrevivo andando desacompanhada por um dia.

— Será? Sana não sobreviveria. - Momo fez uma careta ao levar um tapa na testa da garota.

— Continua comendo e cala a boca. Aliás... Mina, nós esquecemos nosso almoço. - Sana virou-se para Mina e franziu a testa mais uma vez. Normalmente era Mina quem se lembrava de guardar o almoço das duas. Embora a expressão de culpa em seu rosto fosse engraçada, o incômodo de Sana aumentou. - Vamos comprar alguma coisa?

— Desculpe, Sana-chan. - Mina abaixou a cabeça.

— Você está se desculpando demais hoje, Minari. Está tudo bem esquecer, é normal. - Dahyun observou.

É normal, mas não vindo de Mina.

Sana lançou um olhar na direção de Momo, que parecia mais séria. Aparentemente ela havia entendido. Mina não estava agindo normalmente.

***

— A propósito, como foi a reunião hoje, Minari? Muito assunto chato?

— Não são assuntos chatos, Momo, eles são importantes para que a escola funcione direito.

— Para que a escola continue sendo chata.

Momo riu do olhar de advertência dado por Mina. Sana e Dahyun esperavam por elas no portão, aquele era o dia das duas ficarem para limpar a sala e Mina precisava se certificar de que todas as salas estavam fechadas antes de ir embora, era parte de sua função. Momo resolveu acompanhá-la, ficaram em silêncio na maior parte do tempo - era comum quando se tratava de Mina - mas Momo ainda tinha a mensagem de Sana na cabeça.

— Nós resolvemos algumas pendências e só. - Momo foi tirada de seus pensamentos pela voz calma de Mina, que fechava a última janela.

— Algum motivo especial para terem trocado o horário?

Mina mordeu o interior da bochecha, parando um segundo para pensar. Deveria haver um, mas ela não se lembrava.

— Eu não me lembro, então provavelmente não era nada demais.

— Você anda esquecendo coisas demais. - Momo fez careta.

— Eu só estou cansada, Momoring. E você não pode me dar sermão, esquece até de vestir o uniforme do jeito certo.

— Touché. - Mina riu. Trancou a porta e guardou o grande molho de chaves, indicando com a cabeça que já poderiam ir embora.

Sana e Dahyun conversavam animadamente quando as alcançaram, alguma coisa sobre música. Mina fez careta lembrando do gosto musical um tanto “exótico” da melhor amiga, estava torcendo para que ela não influenciasse Dahyun. A pequena garota - e as pessoas ao redor dela - não mereciam aquilo.

Enquanto caminhavam para a estação, o assunto de alguma forma havia mudado para trilhas sonoras de animes - aquilo provavelmente era resultado da intromissão de Momo. Mina ouvia apenas alguns trechos da conversa, perdeu-se em seus próprios pensamentos e se assustou quando Momo se aproximou para se despedir, não percebeu que já haviam chegado na estação.

Foi igualmente calada todo o caminho dentro do metrô, e da estação até prédio. Falou apenas para dizer “tchau” a Dahyun quando se separaram, faltando apenas um quarteirão até o apartamento.

***

A areia afundou sob seus pés, enquanto caminhava em direção ao límpido mar esverdeado à sua frente. Por um instante, preocupou-se. Aquele não era seu campo, porque o lugar estava diferente? Ela não viria naquela noite?

O peso em seu coração aliviou-se ao distinguir uma pequena figura um pouco mais adiante, parada exatamente no lugar onde as ondas quebravam e retornavam, silenciosas, ao mar. Ela usava um short e camiseta, ambos brancos e sem nenhum detalhe. Estava sempre vestida de forma simples e na opinião de Mina, aquilo a deixava ainda mais perfeita.

Eu quero saber quem é você.

O vento soprava ali também. Sentia-o bagunçando levemente seus cabelos e o via levando pequenos grãos de areia em seu caminho, contudo ele não estava frio. Ele estava sempre presente nas noites que as duas dividiam - Mina se perguntou se ele poderia trazer a sua resposta no mundo real. Riu da ideia enquanto terminava de percorrer os últimos passos que a separavam da pequena garota e dessa vez, foram seus braços a envolverem a cintura dela. Ouviu a risada suave.

— Cedo o suficiente dessa vez?

— Estou feliz por te ouvir mais vezes. - Mina suspirou. - Nunca é tempo suficiente.

A garota virou-se. Seus cabelos curtos também estavam bagunçados e um sorriso brincalhão dançava por seu rosto. Ela segurou as duas mãos de Mina e deu dois passos para trás. Os pés de Mina tocavam a água agora. Pequenas conchas provocavam leves cócegas e Mina riu. A areia molhada alojava-se entre seus dedos e Mina deu curtos chutes, aproveitando a sensação de maciez - da areia sob seus pés e das mãos da menina entrelaçadas com as suas.

Ainda puxando Mina, continuou caminhando para trás, até que suas pernas estivessem cobertas até a altura dos joelhos pela água salgada. Em Mina, ela batia um pouquinho antes deles, devido a diferença de altura.

A garota aproximou-se e abraçou Mina, sendo retribuída praticamente no mesmo segundo. Começou a andar, levando Mina consigo: dois passos para um lado, e então um para trás. Dois para o lado, um para a frente. Mina parou, confusa, e afastou-se um pouco para poder olhar seu rosto.

— O que está fazendo?

— Dançando. - Sorriu.

— Na água?

— Mina, em um sonho, somos livres para fazer qualquer coisa. Podemos dançar dentro da água, sobre a água, embaixo dela. Nossos movimentos continuarão tão livres quanto as ondas, porque aqui não há nada que seja capaz de nos prender.

Mina intensificou o aperto em torno dela.

— Mesmo em um sonho real como esse?

— Mesmo nesse sonho.

— Você é real? - Fez a pergunta de olhos fechados, temendo a resposta.

— É claro que eu sou real. Mais do que você pensa.

Mina afastou-se novamente.

— Me ensine a dançar sob as águas.

***

Sana mordeu o lábio inferior, encostada no batente da porta de seu quarto e observando Mina encolhida como uma bola no sofá. Ela ainda vestia o uniforme e a pasta estava caída ao seu lado. Aproximou-se a passos lentos, tocando a testa da menina assim que chegou suficientemente perto. Estava gelada, incrivelmente gelada. Aquela não era uma temperatura normal, o dia nem ao menos estava frio. Estava prestes a acordá-la quando notou o sorriso em seu rosto. Um sorriso fechado, mas verdadeiro, um dos mais bonitos que Sana já vira iluminar o rosto de Mina. Suspirou, resignada.

Foi até seu quarto e pegou o edredom jogado sobre a cama, levando-o de para a sala e arrumando-o sobre Mina. Voltou para seu quarto. Não viu quando a menina se mexeu um pouco, o sorriso desapareceu e surgiu novamente. Dessa vez, aberto.

***