In My Dreams

Diferentes tipos de sonhos


A primeira coisa que Mina notou ao abrir os olhos foi a pasta escolar jogada no chão, ao lado de suas pantufas. Piscou algumas vezes e sua mão foi imediatamente para a têmpora direita, que latejava de forma extremamente incômoda. Levantou do sofá, só então percebendo o edredom sob o qual estivera. A estampa floral e o perfume doce indicavam que era de Sana e Mina franziu a testa. Desceu o olhar para seu próprio corpo, ainda vestia o uniforme e nem mesmo retirou o blazer antes se jogar no sofá. Resmungou alguma coisa e se levantou. Recolheu e dobrou o edredom, andou a passos lentos até o quarto de Sana. Bateu levemente na porta e ouviu um baixo “pode abrir” em resposta.

— Bom dia, Bela Adormecida. - Sana brincou, mas seu rosto mantinha uma expressão séria. Mina sorriu, sem graça. - Pode deixar ele em cima da cama.

Sana estava sentada em sua mesa de estudos. Os livros e cadernos espalhados indicariam que ela estava se aplicando para as provas, já bem próximas, porém Mina sabia que a menina estava na verdade jogando algum otome game qualquer em seu celular e iria correr para ela quando estivessem há apenas uma ou duas semanas de distância das provas.

— Obrigada pelo cuidado, Sana-chan. - Mina entrou no quarto e deixou o edredom sobre a cama. Esperou que a amiga a interrompesse, mas suspirou em alívio ao sair do quarto sem maiores problemas.

Já em seu próprio quarto, Mina começou a retirar o uniforme. Tirou o blazer e desfez o nó da gravata, sentia que precisava urgentemente de um banho. Ela não estava acostumada a dormir durante a tarde e pegou no sono logo que chegara em casa. Nem sequer trocou de roupa ou foi para seu quarto. Agora Mina começava a dar razão para a preocupação aparentemente sem sentido de Sana. Começou a repassar o dia em sua mente, percebendo que não se lembrava de quase nada do que aconteceu por estar distraída demais. Além disso, havia mais uma coisa da qual Mina não se lembrava... Como os sonhos haviam começado? Quando eles haviam começado?

Sentou-se na cama, subitamente confusa. As sensações que experimentava em seus sonhos eram tão intensas e reais, era uma experiência forte demais para que ela não tivesse nenhuma recordação do instante em que começaram. E no entanto, ela não tinha.

A têmpora ainda latejava, precisava lembrar-se de tomar um remédio quando terminasse seu banho. Suspirou pesadamente e levantou-se. Terminou de despir-se e retirou uma toalha limpa do guarda-roupas, enrolando-a em seu corpo. Empurrou aqueles pensamentos para o fundo da mente, não tinha tempo para se preocupar com eles agora. Além disso, seus encontros noturnos – ou nem tão “noturnos” assim – não ofereciam nenhum risco além de a deixar excessivamente feliz.

***

Mina procurava pelos potes da cozinha, completamente perdida. Tinha certeza de que havia comprado remédios para dor há pouco tempo, ela estava sempre precisando deles por causa do balé. Sana entrou na cozinha com uma expressão entre confusa e divertida ao ver o rosto de Mina.

— O que você está fazendo, Minari?

— Procurando os remédios que comprei esses dias. Sabe onde eu guardei?

Sana riu.

— Claro que sei, você deixou comigo.

— Deixei? Por quê? - Mina a encarou, com uma expressão ainda mais engraçada de confusão.

— Porque você disse que estava tomando esses remédios com frequência demais e isso poderia fazer mal para a sua saúde. Você queria procurar maneiras alternativas de lidar com as suas dores nos pés e pernas. - Sana ergueu a sobrancelha. - Posso saber para que você quer remédios?

— Minha cabeça está latejando um pouco. Não chega a doer, mas é incômodo e eu não vou conseguir me concentrar em nada se continuar assim.

Sana assentiu. Deixou a cozinha e voltou dois minutos depois com um pequeno comprimido branco em mãos. Entregou-o a Mina e observou enquanto a menina colocava água em um pequeno copo e engolia o remédio.

— Deve melhorar em breve. Eu te dei um dos meus comprimidos porque os seus são fortes demais.

— Obrigada, Sana-chan.

Mina sorriu. Seu sorriso se transformou em um olhar arregalado de surpresa quando Sana a abraçou repentinamente.

— Minari... Você sabe que pode me contar qualquer coisa, certo? Eu sempre estive e sempre vou estar aqui para você.

— Eu sei disso, Sana. Mas porque esse cuidado todo? - Mina retribuiu o abraço, contudo ainda estava confusa. Sana sempre foi a que gostava de abraços e toques entre as duas, mas Mina era mais reservada em relação à isso, então Sana respeitava seu espaço. Então, Mina não estava acostumada com essas súbitas demonstrações de carinho.

— Só queria me certificar de que você se lembra disso. - Sana se afastou e sorriu. - Não se esqueça do nosso jantar e almoço de amanhã!

Sana saltitou de volta para seu quarto e deixou Mina parada no meio da cozinha, segurando o copo agora vazio e com a cabeça cheia de perguntas. Sana só agia daquela forma quando ela sabia de algo que Mina escondia, mas esperava até que a menina contasse. Então... Como Sana sabia?

***

— Você tem balé hoje, certo? - A voz de Momo interrompeu a conversa animada entre Dahyun e Sana, as duas desviaram o olhar para Mina, que até então comia em silêncio.

Já era o horário de almoço na escola. Todo o período da manhã passara incrivelmente rápido, como um borrão, mas o motivo da frustração de Mina era o fato de que não havia sonhado com a garota misteriosa naquela noite, depois de seu estranho cochilo à tarde. O assunto Sana havia sumido de sua mente e agora ela formulava teorias sobre o que poderia ter acontecido. Só podia vê-la uma vez ao dia? Algo aconteceu e ela não pode aparecer? Na última noite, ela havia aparecido tarde também.

Mina torcia para que pudessem voltar à praia mais uma vez. Ela queria continuar dançando, queria continuar sentindo as mãos suaves dela em sua cintura e as ondas mornas batendo em seus pés e pernas. Queria que ela a ensinasse a ser quem quisesse nos sonhos. Ela não queria ser nada em especial, queria apenas estar o máximo de tempo possível com aquela garota. Aquela garota... Qual era seu nome?

— Mina! - Sana a cutucou e Mina parou com os hashis a meio caminho da boca.

— Desculpe, o que?

— Perguntei se você tem balé hoje. - Momo a olhava com cara de riso. - Eu realmente queria que você tivesse derrubado a comida com o susto que a Sana te deu.

Mina baixou os hashis e cerrou os olhos para Momo.

— Eu tenho sim. Esse ano o número de aulas aumentou, são quatro dias na semana. Estou meio preocupada, porque preciso equilibrar o balé com a escola. É nosso último ano e no final dele nós temos os exames para a faculdade.

O rosto divertido de Momo caiu e ela jogou os braços sobre a mesa dramaticamente.

— Eu só perguntei se você tinha aula, não precisava nos lembrar dos desastres que estão por vir.

— Você tem que começar a se esforçar, Momoring. Já estamos na metade do ano. - Dahyun comentou e riu da cara de choro da garota. - Vamos lá, não é um martírio tão grande assim.

— Fale por você, geniozinho. - Momo resmungou.

— Me pergunto se eu vou surtar quando meu último ano chegar também. - Dahyun fez careta. - Nayeon unnie me ligou ontem à noite. Ela parecia estar tendo um ataque de bipolaridade. Nos dez primeiros minutos estava rindo e falando que sentia minha falta, os outros cinquenta minutos da ligação ela passou chorando e dizendo que não ia passar na faculdade, que ela ia ser a filha deserdada e desonrada, nossos pais iriam fingir que eu era filha única. Eu não sabia o que fazer para acalmá-la pelo telefone.

Nayeon era a irmã mais velha de Dahyun. Obviamente, as japonesas não a conheciam, contudo Dahyun falava tanto sobre ela que era quase como se acompanhassem a vida da menina em tempo real. Sabiam que tinham a mesma idade, que Nayeon agia como se fosse a irmã mais nova, que ela queria fazer faculdade de Artes Cênicas e falava mais do que deveria. Talvez esse último detalhe fosse genético. Sana costumava brincar que no dia em que se conhecessem, Nayeon chamaria a polícia para ela e Momo por assédio, já que as duas provavelmente agiriam com ela do jeito que agiam com Dahyun.

— Você vai ficar preocupada também, Dahyunnie. É meio inevitável, é uma fase delicada. - Mina disse, séria. - Mas tenho certeza de que todas nós vamos nos sair bem. Inclusive sua irmã. - Então sorriu, sendo recompensada com o gigante e brilhante sorriso da menina mais nova do grupo.

Nós temos um futuro brilhante pela frente.

***

Mina estava parada na grande sala espelhada da companhia de balé. Encarava seu reflexo em um dos espelhos enquanto terminava sua sequência de aquecimento. Executava os passos perfeitamente, no entanto sua mente não parecia estar presente. Sua professora, parada no canto da sala, pareceu perceber isso. Aproximou-se calmamente de Mina enquanto ela executava passos apoiada em uma das barras e colocou a mão em seu ombro. A garota virou-se.

— Sensei? Eu fiz algo errado? - Interrompeu os passos e arrumou a postura. O olhar crítico, porém doce de sua professora indicava que ela não estava satisfeita, contudo também não estava irritada.

Mina ingressara em Royal Ballet School ainda muito nova. Aquela era uma das melhores companhias de balé do mundo. Não fazia muito tempo desde que a companhia abrira novas filiais ao redor do mundo, sua matriz era localizada em Londres, Inglaterra. Mina fora uma das primeiras alunas da filial aberta em Tóquio e se orgulhava muito disso. A dança era sua maior fonte de felicidade e estar em uma das melhores - e mais rígidas – companhias faziam todo seu esforço valer a pena.

— Você executou seus passos perfeitamente, no entanto não parece estar prestando atenção ao que está fazendo. Isso é perigoso, Miyoui-san. Sabe que o menor deslize pode provocar erros e acidentes sérios.

Mina abaixou a cabeça, envergonhada.

— Me desculpe, sensei. Ficarei atenta.

— Eu espero que sim. Veja bem, Mina... Eu não deveria estar te falando isso tão cedo, mas eu quero que você se prepare o máximo possível. - Mina franziu a testa. - A matriz de Royal Ballet está organizando uma apresentação de La Bayadère. Essa apresentação será feita exclusivamente por alunos das filiais abertas. Você foi uma das alunas que selecionamos para participar do processo de seleção para a peça. - Mina não conteve uma exclamação de espanto. - Esse é o motivo pelo qual suas aulas aumentaram de frequência e eu a ensino sozinha. Você devia estar se perguntando. Mina... Fui eu que escolhi você. Entre todas as minhas alunas, eu acredito que você seja a melhor. Sei que pode conquistar muito não apenas com sua técnica, mas com a emoção que é capaz de passar enquanto dança. Eu não quero que perca isso.

Mina assentiu mecanicamente. Sentia-se anestesiada e incapaz de proferir qualquer palavra coerente, suas pernas tremiam e ela precisou agarrar-se à barra. A professora sorriu.

— Você já pode ir hoje. Posso ver que tem muito sobre o que pensar e eu não quero te sobrecarregar ainda mais... Pense com cuidado sobre essa apresentação, Mina. Ela será feita na própria matriz... Se você passar, vai se apresentar na Inglaterra.

***

Mina entrou silenciosamente no apartamento. Retirou os sapatos e calçou as pantufas, tirou o blazer do uniforme e pendurou-o num gancho ao lado da porta. Sana estava na sala assistindo um anime qualquer e assustou-se quando Mina apareceu do nada.

— Jesus! Virou um fantasma, andando por aí sem fazer barulho? - Colocou a mão no coração.

— Desculpe, Sana-chan.

— Minari, você está muito mais pálida do que o normal! Está se sentindo bem? - Sana levantou-se, preocupada. - É por isso que chegou mais cedo?

— Estou e não estou... Eu recebi uma notícia e não sei bem como reagir a ela ainda. Quando estiver com os pensamentos organizados, eu venho conversar com você, tudo bem?

Sana assentiu, ainda meio assustada.

Mina foi para o quarto, onde tirou o uniforme lentamente, sendo invadida por uma sensação de déja vu pelo dia anterior. Colocou o pijama e deitou-se, cobrindo-se até as orelhas. Ela queria dormir e sonhar logo.

A garota, aquela garota tornava tudo mais fácil para si. Só queria vê-la por alguns minutos e que ela lhe dissesse que tudo ficaria bem, mesmo que agora Mina sentisse que estava chegando em um ponto decisivo de sua vida e tudo seria mais difícil. Seu coração apertou-se repentinamente e as lágrimas chegaram a seus olhos, Mina não sabia se de felicidade, frustração, medo. Ela sentia uma onda de coisas que não sabia como classificar, e a única coisa que ela queria sentir agora era a calma e a paz que a presença da menina de seus sonhos trazia.

Mas o que era tão fácil à noite, de manhã seria um enorme obstáculo e agora ela sabia disso.

***