Noite de natal, 24 de dezembro de 1993.

Após as festividades, Michael Jackson despediu-se de seus amigos e empregados, cederia ao sono profundo, ou tentaria, havia sido um ano difícil. Não tinha o que comemorar, mas buscava se reerguer. Ele sentia que precisava tentar lutar contra isso ou, então, morreria.

Contudo, apenas uma vez ou outra refletia sobre esse seu medo. Na maioria das vezes, encontrava-se asfixiado por pensamentos tristes. Desde tenra idade, vinha acumulando decepções e frustrações, estas que carregava no belo sorriso em seu rosto, mas a que lhe presentearam naquele ano era dolorosa demais para suportar.

Olhou-se uma última vez no espelho para certificar-se de que não havia se perdido. Estava ali, ainda. Não era o mesmo, era outro, mas estava ali. Michael, desde o ocorrido, não conseguia mais ver a si mesmo quando olhava em seus olhos castanhos escuros. O semblante sofrido, oculto por sua autoprodução, era um segredo compartilhado apenas entre si e seu eu do reflexo. Só Deus e ele sabiam o que estava passando.

Trancou-se em seu lugar seguro. Pôs seu lindo pijama vermelho de tecido brilhoso. Usou suas meias confortáveis e deitou-se.

Não sem antes medicar-se. Normalmente não gostava de ceder, fácil assim, aos medicamentos. Buscava resistir, lutava contra a insônia, mas aquele ano estava caótico, e, por muitas vezes, jogou a toalha para a batalha. Foi até onde conseguiu.

Deitou-se. Cobriu-se. Esperou a droga fazer efeito.

Apagou.

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25 de dezembro - 00:00 hrs

Michael estava com o sono tão leve, que conseguiu acordar ao ouvir uma risada doce e infantil ecoar pelos seus corredores.

Sabia que não havia crianças em Neverland, não havia mais. Não era possível… Estava tendo pesadelos, assim acreditava. Cobriu-se com mais vontade, abraçou-se ao travesseiro, mas a risadinha ecoou mais e mais forte.

"Os empregados não ouviram isso?", pensou. Era o equivalente a ter uma criança correndo pelos corredores e fazendo bagunça, alguém além dele teria que ouvir isso.

Suspirou e levantou, mas estava com medo. Michael às vezes era, também, uma criança. Tinha medo, sobretudo porque sabia, acreditava, tinha absoluta certeza que não havia crianças em Neverland.

— Espero que seja um ratinho…

Murmurou para si próprio, numa tentativa de se auto acolher. Pôs seu belíssimo Fedora preto, calçou os sapatos e destrancou sua porta.

Viu um vulto.

Assustou-se e não se aproximou. O vulto direcionou-se para a sala da lareira, onde, rapidamente, esta foi acesa, dando lugar a um espaço quente e aconchegante. Michael engoliu seco.

— Quem é…?

Agora, se aproximou.

Lentamente caminhou até a sala. Deparou-se com sua poltrona virada de costas para si. Quando esta se virou, seus olhos arregalaram.

— Oi, Mike!

Michael engoliu seco novamente.

Era… ele mesmo.

Ou ao menos parecia. Era um menino. Tinha seus aparentes 12 ou 13 anos, a pele cor de chocolate, os olhinhos brilhantes e escuros, o black bem cortadinho e usava uma charmosa roupa do início dos anos 70.

O garoto sorriu para o cantor, que tentou manter os pés no chão, mas já acreditando se tratar de magia. Não era difícil para Michael se encantar.

— Você… sou eu?

Murmurou com aquela sua voz doce e curiosa. O menino arqueou a sobrancelha.

— Não, não! Você é você. Eu sou eu.

Ele assentiu.

— Ah, okay… então… quem é você?

O menino sorriu, parecia ter ficado satisfeito com a pergunta.

— Sabia que ia perguntar isso…

Ele se levantou e tornou a falar enquanto caminhava, de um lado para o outro.

— Eu sou o Espírito do Passado! Do seu passado! E a gente vai lá, agora, fazer uma visitinha, okay?

Aquela afirmação deixou o homem bem intrigado. Com um suspiro, sua resposta veio logo em seguida.

— O que tem o meu passado? Ele não é um dos melhores passados do mundo…

— Eu sei que não.

Disse o garoto, incisivo. Articulava bem, como um adulto e sem timidez, mas carregava a doçura da infância na voz. Michael parecia surpreso, realmente aquele menino não era ele, apenas parecia bastante.

Ele continuou.

— Mas tem uma coisa nele que você precisa ver. Você está se esquecendo e se perdendo um pouco. Só tô aqui pra te lembrar quem é você e de onde você veio.

Ele estendeu a mão.

— Vamos?

Michael, a princípio, apenas engoliu seco e o encarou, ainda um pouco receoso. Ele definitivamente não queria voltar ao seu passado, mas, se aquele espírito julgava ser tão importante, não negaria tal alerta.

— Nós vamos voltar logo…?

— Se você for rápido, talvez a gente volte antes do sol nascer.

O homem aquiesceu. Após, fechou os olhos, ainda com medo, e segurou a mão do garoto, que sequer saiu do lugar.

De repente, tudo ao redor da dupla esvaiu, dando espaço para outro ambiente. Michael sentiu a atmosfera à sua volta mudar e, só então, curioso, abriu os olhos e se encantou.

Estava em casa. Estava em Indiana.