Salão principal, rancho Neverland - 11:05 hrs

Michael admirou todo o lugar. Viu os seus amigos entrando para lhe fazer uma surpresa, o salão todo enfeitado, os empregados empolgados, logo em seguida voltou a encarar o espírito.

— Nós voltamos no tempo, senhor Espírito do Presente?

Indagou, a voz na tonalidade sarcástica. Este, por sua vez, revirou os olhos.

— Muito engraçado, sempre fazem a mesma pergunta… Olha, a minha função é relembrar o seu presente. As coisas que aconteceram no seu dia. Pra exemplificar, meu poder alcança até o dia de ontem, feliz?

— Foi só uma pergunta…

Murmurou Michael, com um sorriso sapeca no rosto e as mãos por trás do corpo. Ele, agora, começou a caminhar pelo lugar e admirar as luzes piscando em multicores, até que seu olhar caiu sobre sua melhor amiga, Elizabeth Taylor, que aguardava ansiosamente a sua chegada em frente à porta do seu quarto.

— Elizabeth…

— Ela que fez tudo isso pra você, não foi?

Indagou o espírito. Michael o encarou de canto, em seguida aquiesceu.

— Foi meu primeiro natal. Eu nunca tinha enfeitado Neverland pra isso…

— E como você se sentiu quando viu tudo isso?

Ele deu ombros.

— Eu nem sabia como se comemorava isso… Era muito fora da minha realidade. Acho que ela fez isso pra que eu me distraísse com alguma coisa.

Eles, agora, passaram a admirar as expressões curiosas que o Michael das lembranças fazia ao contemplar a belíssima árvore de natal e os presentes. As pessoas das memórias se acomodaram e o cantor passou a abrir os lindos pacotes coloridos.

— O que é?

Michael riu baixinho.

— Super Soaker. Vários deles. Ah, eu adoro essas pistolas d’água, são divertidas.

Pela primeira vez, aquele espírito ranzinza esboçou um sorriso discreto.

— Você gostou da surpresa?

Ele sorriu.

— Eu precisava dela.

O espírito aquiesceu, em seguida segurou sua mão mais uma vez.

— Vem…

Caminharam para longe daquela belíssima cena e saíram da mansão. Agora, estavam passeando pelos campos esverdeados de Neverland, que, naquele momento, estavam sob um cobertor enorme de neve.

— Por que não sentimos frio?

— São apenas lembranças, elas não afetam em nada especificamente.

O cantor assentiu.

— E pra onde estamos indo?

— Vamos ver o que você precisa ver… Eu não vim aqui pra te mostrar coisinhas felizes. Você precisa despertar.

Ele suspirou.

— De novo isso… e eu ainda não sei o que estão tentando me falar.

— Michael, não podemos te dar a resposta, você precisa chegar a ela sozinho. Só assim você vai se convencer de alguma coisa.

O puxou com mais convicção e o levou até um dos cantos de Neverland, um lugarzinho aconchegante onde era possível descansar sob a sombra enquanto observava o parque, ao longe, funcionando. Eles acabaram por encontrar Elizabeth Taylor e um Michael Jackson mais cabisbaixo, agora vestindo trajes de frio.

— Vamos esquecer esse assunto por hoje, está bem? Michael, você precisa viver, você não pode se prender nisso.

Ele encarava o horizonte, como se buscasse algum conforto em algo ou alguém distante. Michael ficou o admirando observar o nada, parecia conectado com aquilo. Ele reconhecia que, às vezes, o fazia na esperança de encontrar um milagre para os seus problemas.

— Eu não consigo dormir…

— Ah, Michael…

Taylor se aproximou e abraçou o amigo, que retribuiu timidamente. Ele parecia um pouco apático, havia chorado tanto que já não tinha mais o que pôr para fora. Seu olhar já não possuía brilho, e foi daquela mesma forma que ele havia se despedido dos amigos naquele dia.

Michael lembrava do sorriso falso no rosto, no fim da tarde. Aquele que ele exibia para não machucar as pessoas com os seus problemas.

— Seja sincera… por favor… isso ainda vai demorar muito, não vai? Tudo isso…

Ela suspirou.

— Eu não sei, mas se durar 10 anos ou 10 meses, eu vou estar aqui pra você.

Ele a apertou em seu abraço.

— Eu só queria ajudar as pessoas. Por que é tão difícil...?

— Sabe do que estão falando?

Indagou o espírito, enquanto observava aquelas lembranças dialogando. Mesmo com a distância, ainda era possível ouvi-los claramente.

Michael parecia intocável, sua expressão era apática e enigmática. Ele sorriu de deboche e virou o olhar na direção do homem ao seu lado.

— Isso é alguma brincadeira…?

— O que você acha?

— Estão falando da acusação. Eles estão falando sobre a acusação.

Ele suspirou.

— Primeiro, aquele garotinho aparece e me faz ver uma das piores cenas do meu passado, critica a minha vontade de ajudar as pessoas e vai embora. Depois, você aparece, relembra os meus problemas e, me deixe adivinhar, vai me dizer que tudo isso só está acontecendo porque sou bonzinho demais?

O espírito não parecia abalado. Ele apenas arqueou a sobrancelha, olhou para o cantor com um ar de deboche, em seguida voltou a encarar aquelas lembranças.

— Olhe…

Michael suspirou e retornou a contemplar. O seu eu da memória estava, agora, sozinho.

— Não é sobre ser bom, é sobre carregar mais do que se pode aguentar. É sobre dar às pessoas mais do que elas merecem. Agora vamos embora…

— Agora? Por quê?!

O espírito suspirou e iniciou o processo de transformação. Todo o ambiente começou a dissipar, até que o véu profundo da madrugada cobrisse o lugar e as paredes se fizessem presentes.

Estavam, novamente, no salão de jogos.

— Porque eu perdi.

O espírito deu as costas e se retirou. Michael suspirou, já estava cansado e furioso com aquelas almas.

— Como você espera que eu ignore tudo isso depois do que vocês me fizeram rever? Espírito do Presente!

Tentou segui-lo, mas, tal como o outro, o perdeu de vista.

Ele havia partido.

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04:00 hrs

Michael tentou dormir mais uma vez, todavia, dada exatas quatro horas, sentiu um frio desconfortável pairar no seu quarto.

Teve medo do que veria. Lembrou-se das palavras ameaçadoras do Espírito do Presente. Lembrou-se de como elas proferidas arrepiaram todo o seu corpo de forma nada agradável. Indagava-se o que veria agora, se iria gostar do que iria ver. Indagava o porquê de tudo aquilo, orava para que o dia clareasse logo.

Então… uma mão o tocou.

Diferente das outras entidades, essa veio buscá-lo em seu lugar seguro. Só por perceber aquele detalhe, Michael suspirou lentamente de medo.

Em movimentos lentos, removeu o cobertor do rosto e levantou-se. Fechou os olhos, os abriu apenas quando já estava sentado na cama.

E então… viu um homem.

Um homem alto, ou ao menos, dali, parecia. Terno preto, braçadeira vermelha. Os cabelos eram lisos e compridos na altura dos ombros, a pele era muito mais pálida que a sua, os lábios eram vermelhos, e, embora estivesse um pouco diferente, Michael se reconheceu naquele homem quando contemplou os seus profundos e enigmáticos olhos negros.

Não parecia com ele… ao menos, não ainda. Só podia ser…

— … Espírito do Futuro… estou certo?

Indagou, a voz suave, já conformada. O espírito não respondeu, apenas levou a mão fria ao rosto de Michael e acariciou a sua bochecha com as costas da mão, como o cantor costumava fazer. Após aquele carinho, sorriu discretamente, parecia ter saudades de um tempo que não voltaria mais para si próprio.

Lentamente se afastou e, em poucos instantes, o ambiente começou a mudar. Michael parecia um pouco mais interessado, afinal, o futuro era o único pedaço de sua vida que ainda desconhecia. Todavia, o que viu do outro lado não parecia nada com o que estava imaginando para si próprio.

Sem neve, sem decorações, sem luz.