Misunderstanding

Desde a infância, Estel dividia o quarto com Legolas. Havia espaço suficiente para ambos. O jovem Dunedain deixava sua cama ao lado da janela e sua vista da floresta era perfeita. Passou uma boa parte da madrugada olhando para ela, imaginando se não deveria ter avisado à Arwen que não iria até lá. Ela pareceu chateada quando a viu na manhã seguinte, não disse uma sequer palavra durante o desjejum, ainda que seus irmãos a tentassem incluir em uma de suas piadinhas, e ela apenas ria sem nunca responder.

Sentiu-se culpado por isso, e pensou que provavelmente deveria se desculpar com ela. Quando todos os outros deixaram a sala de refeições de Elrond e foram procurar seus interesses, ele a seguiu até o jardim, notando que Arwen adiantava os passos ao notar que ele vinha a seu encalço.

— Pare. — Ela pediu.

— Só quero falar com você. — Ela parou, ainda de costas para ele e Estel passou adiante, ficando de frente a ela. — Eu... sinto muito, não ter podido estar com você ontem ao pôr do sol.

— Está tudo bem... — Ela tentou passar, mas ele pôs o braço a sua frente, impedindo-a.

— Não, não está. Eu poderia ter lhe dito antes, poderia ter avisado. E não o fiz, deixei que meus sentimentos estúpidos me dominassem.

Arwen o olhou confusa quanto ao que ele dizia.

— Seus sentimentos?

Ele concordou e segurou carinhosamente seus dois braços, olhando em seus olhos.

— É que eu vi quando abraçou Glorfindel.

Glorfindel? Ela soltou uma risada alta e bela, mas que fez o semblante do rapaz mudar, ele ficou confuso.

— Não pode ter ciúmes de Glorfindel, ele é como se fosse um irmão mais velho para mim. — Parou por um instante. — Bem mais velho.

Só então sua cabeça começou a raciocinar com um pouco mais de lógica. Fazia sentido, pois se Arwen estivesse de fato interessada em Glorfindel, que motivo teria para se entristecer com sua ausência àquela noite?

— Então...? É que eu imaginei...

Ela riu novamente do que ele disse, pegou sua mão e o puxou consigo para o jardim, dizendo que imaginava coisas demais.

Aproveitou para contar-lhe sobre a engraçada ocasião em que conheceu Glorfindel. Ele vinha praticamente nu pela floresta, e assustou a todos, pois aqueles que haviam visto a queda de Gondolin nas eras passadas o viram sucumbir em batalha, mas Galadriel apenas riu e jogou sobre ele uma capa, dizendo-lhe o quanto esperou por seu retorno.

— E foi assim que nos tornamos amigos. — Ela explicou, sem notar que ainda não soltou a mão de Estel e quando percebeu, afastou-se um pouco envergonhada.

— Eu fui tão idiota! — Reclamou ele, imaginando-se um tolo por ficar enciumado. — Você se tornou alguém de extrema importância pra mim, no tempo em que nos conhecemos, e eu...

— E você...? — E um ano era pouquíssima coisa para alguém que já viveu por quase três milênios. Mas ela já o amava, e sabia que ele também, pois podia vê-lo em seus olhos, apenas ainda não tivera coragem de dizer.

Ele deu alguns passos adiante, ainda desajeitado. Não possuía ainda muito jeito para lidar com o sexo oposto e Arwen definitivamente o deixava nervoso, principalmente quando lhe sorria daquela forma. Não que houvesse algo de errado com o sorriso dela, era perfeito. Ao menos a seu ver ele se perdia facilmente, podendo ficar horas e horas olhando para ela, como que num encanto. Demorou um pouco até que notasse que seus rostos estavam demasiadamente próximos, na verdade ele só percebeu ao sentir a respiração branda da elfa como um vento gelado, mas agradável em seu rosto. Ela ergueu o rosto para olhá-lo nos olhos e Estel desviou seu olhar para os seus lábios avermelhados, porém quando passou por sua mente o desejo de tocá-los, uma voz chamou por ela vinda de alguma parte do jardim.

— Arwen! — Chamou pela segunda vez, e ela rapidamente afastou-se ao reconhecer a voz de Elladan, seu irmão mais velho. Ele os encontrou logo em seguida. — Aí está você! A avó acabou de chegar para o banquete, está perguntando por você. — E só então percebeu a presença de seu irmão adotivo, fez uma careta de estranhamento mas apenas o cumprimentou.

— Certo, eu já vou vê-la.

Arwen, se despediu de ambos e fez o caminho de volta para a casa, deixando-os a sós. Elladan olhou para Estel de modo sugestivo, então deu um tapa em suas costas, dizendo.

— Eu acho bom você me arranjar sobrinhos. — Brincou, vendo-o arregalar os olhos, espantado, mas não disse mais nada, apenas seguiu sua irmã, deixando-o sozinho no jardim.

Legolas ouviu o tilintar de espadas próximo ao pátio e, encostado em uma árvore que usava como alvo para acerta-la da janela do quarto, observou atentamente ao treinamento dos soldados. Aquela semana estava monótona a seu ver e ele sentia que Elrond se preocupava com alguma coisa nos ermos. A notícia trazida por Glorfindel de Lothlórien o preocupava tanto quanto sua presença deixava Estel perturbado. O rapaz ainda se ressentia por vê-lo tão próximo a Arwen e na noite do dia em que veio, sequer desapareceu pela floresta. Legolas pensou que talvez fosse melhor assim. Não desejava que aquilo se tornasse uma complicação para ele e o propósito pelo qual estavam alí. Aliás, poucas foram as vezes em que se ouviu falar de amor entre homens e elfas, ou vice e versa e nenhuma das histórias terminou bem. Na verdade, sempre que qualquer um de qualquer raça inventava de apaixonar-se por um indivíduo dos Eldar, o resultado era desastroso e só restavam dor e sofrimento no final.

Ele sabia disso e talvez por essa razão, desaprovasse a relação dos dois. Vira o que a dor da perda e o contato com a mortalidade haviam feito à Tauriel, sua amiga de infância, quando por crueldade do destino, afeiçoar-ra se a um dos anões de Erebor. Mas como seu próprio pai lhes havia dito, anões, como qualquer outra criatura de Arda são mortais e criaturas mortais em algum momento morrem. E ele viu Tauriel definhar em sua amargura após a morte do anão, na batalha dos cinco exércitos, até que seu pai não suportando vê-la daquela forma, fez com que navegasse para o Oeste, embora contra sua vontade. Não estava lá quando ocorreu. Na verdade, Thranduil lhe manteve informado sobre Tauriel nos seguintes dez anos após sua partida para o Norte e sobre a viagem para o Oeste foi a última coisa que ouviu sobre ela ou sobre o reino da floresta.

Entretanto, notou após algum tempo ser inútil tentar afastar seu protegido da filha de Elrond, que o parecia perseguir por onde fosse, inconsequente e talvez alheia ao mal que tudo aquilo poderia acarretar. O rapaz lutava com bravura e conseguia fazer frente até mesmo aos elfos da guarda de Imladris e aquilo o deixou de certa forma orgulhoso, até que durante a batalha, a atenção de Aragorn foi tomada por algo que provavelmente estava do outro lado do pátio, a varanda, de onde Elrond podia observar o treinamento. Arwen agora estava debruçada sobre o parapeito e com um singelo sorriso acompanhava a luta.

— Não baixe a guarda! — Legolas gritou para o rapaz, tarde demais. Seu braço foi atingido por um golpe, que não o cortou, mas doeu e provavelmente ficaria roxo mais tarde.

— O que há? — Elladan tirou o capacete e o jogou no chão. Já estava suado, após meia hora treinando com ele. — Isso foi muito descuido, Estel.

— Tá tentando me matar?

— Eu mesmo não. — Riu o elfo. — Eu não mataria o meu cunhado e irmão adotivo favorito.

— Espera... Cunhado?!

Elladan ergueu a espada em sua direção e levantou uma das sobrancelhas.

— Preste atenção na luta. Pode bajular minha irmã o quanto quiser depois.

— Não vai se repetir. — E tornou a lutar com ainda mais bravura.

Legolas revirou os olhos. É claro, que agora ele faria o possível para vencer e impressionar Arwen. Típico de um bobalhão de sua idade. Bufou. Se Thranduil estivesse alí agora, provavelmente estaria zombando de sua cara e dizendo que todo o castigo para ele era pouco, afinal era exatamente o que o Rei precisava aturar dele e de Tauriel em sua juventude.

Para sua felicidade, não haveria desculpas para Estel se enfiar na mata naquela noite. Aparentemente o senhor Elrond preparara uma espécie de festa, uma das muitas que se costumavam fazer por lá, ele já nem se lembrava o motivo, uma vez que as comemorações do povo da floresta eram diferentes dos costumes em outros reinos élficos.