Gundabad

Os cavaleiros rumaram para o Norte, seguindo seu rei, que agora, montando Hasufel, os conduzia pelas montanhas enevoadas, rumo às Ered Mithrin. Era o vigésimo terceiro dia de cavalgada e Aragorn sentia-se angustiado sempre que se lembrava que seu filho, com não mais que três anos de idade, fazia todo aquele trajeto no dorso daquele mesmo cavalo. Como eles já haviam imaginado, Eldarion não se lembrava do caminho e mesmo que não fosse assim, não poderia saber dizer-lhes os nomes ou descrever os lugares em que esteve. E eles seriam no mínimo tolos se confiassem na eloquência de uma criança de três anos.

— Esse caminho nos leva a Gundabad. — Comentou Elladan, apreensivo. — Me assusta que Calion tenha ido nessa direção, embora eu não me surpreenda que ele esteja aliado aos orcs.

— Não há mais orcs em Gundabad. — Gimli, que por alguma razão também estava com eles, disse quase em um tom orgulhoso. — Legolas e eu lhes fizemos uma visitinha depois da guerra do Anel.

— Foi divertido. — Concordou o príncipe elfo. — Mas nós, provavelmente deveríamos ter deixado alguém vigiando a fortaleza. Ou... Sei lá, tê-la derrubado.

Aragorn não lhes respondeu. Continuou quieto, obedecendo apenas o caminho que Hasufel fazia. Ao final do dia, chegaram à vista do monte Gundabad. Estava abandonado, tal como Gimli dissera, e uma densa mata começava a crescer em torno de uma única e sinuosa trilha, que subia a encosta da montanha. O cavalo seguiu por ela, sendo acompanhado pelos outros com dificuldade. Estava escuro e os galhos das árvores invadiam a trilha ao redor deles. Os pequenos carvalhos retorcidos, aos poucos foram dando lugar às árvores altas que faziam sombra à luz da lua, e formavam um túnel de vegetação em torno do caminho. Ao final dele, o rei pôde vislumbrar uma grande construção de pedra negra, provavelmente tirada da antiga fortaleza dos orcs. Haviam mais deles ao redor, guardando a torre. Ele desceu do cavalo e fez sinal para que os outros parassem.

— Esse lugar não está abandonado. — Avisou.

— Há quarenta orcs ao todo. — Disse Legolas, preparando o arco. — Estão desgarrados, provavelmente aliam-se ao primeiro sujeito que lhes dá alimento e algo pelo que lutar.

— Ora, o que estamos esperando?! — Gimli agarrou o machado, mas Aragon lhe fez sinal para não se mover.

— Eles são muitos, e nós viemos em um grupo pequeno. Temos que ser furtivos. — Então o olhou com um sorriso torto nos lábios. — Como nos velhos tempos.

— Ah, os velhos tempos! — O anão suspirou. — Acho que em nome disso, dá para esperar.

De madrugada, Calion, filho de Caranthir, ouviu uma agitação entre os guardas de sua fortaleza. Armou-se rapidamente e correu até a única janela que havia em seu quarto e de lá viu o Rei Elessar, com o príncipe Legolas e Gimli, e Elladan, o meio elfo. Seu rosto fechou-se em uma expressão de ira e ele afundou para dentro da fortaleza, correu até o quarto onde mantinha Arwen trancada. Ela não estava dormindo. Na verdade, não pudera dormir desde que mandou seu filho embora, incerta quanto ao destino dele.

A elfa levantou os olhos para ele assim que o viu passar pela porta, armado e com pressa.

— Calion?

— Disse que eles não a encontrariam viva.

Ele a puxou pelo braço para que se levantasse da cama e a arrastou consigo pela fortaleza.

— O que você vai fazer?

— Se não posso tê-la para mim, Aragorn também não a terá. — Forçou-a a subir um lance de degraus, enquanto tornava mais forte o aperto de suas mãos em torno do braço da elfa.

— Você está louco! Me solte!

Arwen tentou soltar-se, mas não teve sucesso, lutou contra seu agressor, desequilibrando-o e quase derrubando-o junto consigo da escadaria. Calion enfureceu-se e lhe acertou o rosto com as costas das mãos.

— Eu acho bom não me provocar. — Disse ele, olhando nos olhos marejados da elfa, então tornou a agarrar-lhe os dois braços dessa vez, com uma única mão e a levou consigo para o topo da torre. Era uma espécie de terraço, cercado por pedras negras, e de lá, podiam ver a batalha que se estendia no chão. Só então, Arwen entendeu o motivo da irritação do elfo. — Aragorn!

Ele gritou para o rei, que interrompeu a luta, matando com Anduril, um orc que vinha para cima de si. Aragorn levantou os olhos e então o viu. Calion, filho de Caranthir, no alto da fortaleza, com sua esposa presa entre um dos braços, enquanto com o outro, ele segurava uma espada curta contra o pescoço dela. Elladan parou ao seu lado e levou a mão ao arco, que estava preso ao ombro, mas o rei o deteve a tempo.

— Ele vai matar sua irmã se fizer isso. — Disse. Então levantou a voz para o elfo no alto da torre: — Liberte-a, Calion! Liberte-a e deixaremos que parta em segurança para Valinor.

— Você sabe que eu vou matá-lo, não é? — Elladan disse baixo, mas levou uma cotovelada de Legolas logo em seguida.

— Ele não precisa saber.

Aragorn lançou um olhar sério sobre os dois. Não pretendia passar por um homem mentiroso, embora matar Calion, filho de Caranthir, lhe parecesse muito mais agradável.

— Vocês acham mesmo que sou um idiota?! — Riu Calion. — Eu vejo os pensamentos de vocês. Querem me matar. E vão me apunhalar. Assim que deixar essa torre.

— Se matá-la, nós também o mataremos. — Garantiu Aragorn. — Então é bom que ouça minha oferta.

— Você deveria ouvi-los. — Arwen sussurrou para ele, e sentiu em resposta a isso, as mão de seu captor apertarem-se em torno de seu rosto.

— Fique quieta. — Ele ordenou. — Minha vida seria um inferno em Valinor. — Disse alto para que os outros pudessem ouví-lo. Apertou ainda mais a mão, deixando marcas avermelhadas nas bochechas da elfa. — E seus irmãos eventualmente me matariam, mesmo que fossem expulsos de lá por causa disso.

— Calion, por favor... — Ela disse com alguma dificuldade. Seus olhos se alternaram entre o olhar do marido e de seu agressor.

— Acabou, Arwen. — O elfo sorriu, mas sua expressão era triste, embora uma escuridão maligna estivesse presente em seus olhos. — Você deveria ter me escolhido.

Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, algo o acertou e jogou-o para trás, fazendo com que soltasse a elfa, que precisou segurar-se em uma das pedras para não se desequilibrar e cair. Calion caíra morto ao seu lado, com uma flecha atravessada no pescoço. Arwen tornou a olhar para baixo e viu seu irmão e Legolas ao lado dele, ambos com arcos apontados em sua direção. Aragorn também os olhou surpreso. E logo depois chegou Gimli com o machado banhado em sangue escuro de orc e os olhou.

— Ué, já acabou?

— Eu acho que sim, meu amigo. — Legolas sorriu para ele, e depois viu Aragorn correr para o interior da Torre. Elladan ainda estava ao seu lado, parecendo não acreditar. — Meu senhor, Elladan?

— Então finalmente acabou...

— Você o matou. — Disse o príncipe.

— É meu sonho de infância. — Riu. — Mas eu acho que foi uma morte muito sem graça.

Legolas franziu o rosto para ele.

— A morte não é engraçada, meu amigo. Mesmo que seja merecida.

Aragorn correu pelas escadarias da fortaleza, que para a sua surpresa não era como um esconderijo de orcs, mas era escura e cheia de labirintos. Mas não demorou para que encontrasse Arwen, no topo da torre, ainda encarando o corpo sem vida de Calion, filho de Caranthir.

— Arwen? — Ela levantou os olhos e seu rosto se iluminou ao vê-lo. Ela correu em sua direção e o abraçou, sentindo os braços do marido apertarem-se à sua volta. Ficaram algum tempo assim, em silêncio, até que se afastaram. — Eu estava começando a perder a esperança. Pensei que nunca mais veria você.

— Não diga isso... — Ela pediu. — Não acredito que está aqui. E que todos esse pesadelo acabou. Como me encontrou?

— Hasufel. Foi muito inteligente mandá-lo com Eldarion. — Explicou Aragorn, levando a mão gentilmente ao seu rosto, notando as marcas avermelhadas em suas bochechas. — O que ele fez com você?

Ela segurou sua mão e balançou a cabeça.

— Não é nada demais. Estamos livres agora.

•••

Elrohir e Faramir estavam escondidos atrás das paredes do corredor, em silêncio, pois o mínimo movimento poderia entregar sua posição. Ouviram o som longínquo dos passos leves de Eldarion, que vinha distraidamente em sua direção. O menino já estava despistando há algum tempo, tentando escapar do banho. Ele fez isso por dias, após seu pai ir para o norte com Legolas, Elladan e Gimli. Passava o dia todo no estábulo, procurando Hasufel, na primeira semana, e depois passou a bajular, Brego, o antigo cavalo que levara o rei Elessar à batalha, e embora Brego pudesse ser agressivo com outros cavaleiros, não era assim com Eldarion, e por ser muito pequeno, o menino às vezes conseguia esconder-se em sua baia. Normalmente, a única que conseguia fazer com que ele lhes obedecesse era Eowyn, mas ela normalmente tinha outras coisas para fazer.

— Enganado por um moleque de três anos. — Murmurou Faramir. — Eu, capitão de Gondor.

— Fique quieto. — Disse Elrohir. — Ele está vindo.

Os passos aumentaram naquela direção e o garoto passou por eles, parecendo estranhar a quietude que estava no corredor. Ele olhou para trás e acabou vendo Elrohir e quando tentou correr, Faramir o agarrou e o ergueu no colo.

— Pegamos você! — Disse o capitão, orgulhoso de si mesmo.

— Ah! Me solta! — Eldarion esperneou e choramingou, tentando livrar-se deles, mas era consideravelmente mais fraco que eles.

— Nada disso, pequeno príncipe! Você vai para o banho agora. E vamos logo, antes que você comece a se parecer com um filhotinho de orc.

— A senhora Éowyn vai nos matar se não encontrá-lo de banho tomado. — Disse Faramir.

— Não! Eu odeio banho! — Continuou resmungando, enquanto Elrohir o levava de volta ao quarto, onde já havia uma bacia com água quente o esperando.

O elfo soltou uma risada alta para ele.

— Você odeia tudo. É quase tão reclamão quanto seu avô.

Após alimentado e de banho tomado, Eldarion normalmente adormecia, após fazer seu tio andar com ele por todo o castelo. Elrohir normalmente fazia o que ele pedia, tal como fazia com Arwen, quando ela era criança e no fim da noite, acabava voltando com o menino dormindo em seu colo. Antes disso, no entanto, quando os dois estavam no muro, ao lado da árvore branca, a mesma que Eldarion tentara duas ou três vezes escalar, apenas para cair e ficar chorando, até que seu tio o colocasse em cima de um dos galhos apenas para vê-lo feliz, ouviu-se o clamor das trombetas de prata de Gondor. O rei estava retornando.

Elrohir novamente pegou o sobrinho no colo e apontou-lhe a direção onde vinham os cavaleiros. Seu pai vinha montado em Hasufel, com Arwen junto com ele. Logo atrás vinham Elladan, e Legolas, que trazia Gimli na garupa do cavalo.

— Naneth! — Eldarion gritou animado, quando conseguiu ver sua mãe em meio à escuridão.

— É, ela voltou. — Elrohir sorriu em alívio ao finalmente ver sua irmã. — Vamos descer.

A agitação tomou toda a fortaleza, com o retorno do rei e da rainha de Gondor. Faramir e Éowyn foram os primeiros a chegar ao portão, juntamente com os guardas da cidadela, logo atrás deles, vinham Elrohir, com Eldarion no colo, e obviamente ele levou um sermão de Éowyn por ainda não ter feito com que o menino dormisse.

— Naneth! — Eldarion gritou para a mãe, que sorriu ao vê-lo e correu até ele. Arwen o pegou no colo e o apertou entre os braços, em um abraço saudoso, feliz e aliviada em tê-lo nos braços novamente, após todo aquele pesadelo que passaram em Gundabad. — Eu fiquei com saudade de você.

— Também senti sua falta, meu amor. — Ela sorriu quando seu olhar encontrou o de seu irmão, Elrohir, e com a mão que ainda tinha livre, ela o puxou para o abraço também.