The prince's escape

O sol estava se pondo a oeste da grande torre negra. Arwen suspirou imaginando quantos mais precisaria ver antes que pudesse finalmente escapar daquele lugar. Não sabia exatamente quanto tempo Calion a mantivera presa ali, mas seu filho já não era mais um pequeno brotinho, agora Eldarion falava algumas palavras, às quais ela mesma ensinara ao notar que ele estava finalmente disposto a aprender. Ele começou a dar alguns passos no último verão, ou teria sido no outro? Já não sabia mais, agora Eldarion podia correr pelo quarto, do qual eles nunca podiam sair e saltar freneticamente sobre a cama, quando tinha energia suficiente para isso. Sua altura, agora passava da metade de sua coxa, e ele estava crescendo cada vez mais, aquele ritmo era demasiado rápido para um elfo. E assombrava-lhe ver o quanto ele havia mudado em tão pouco tempo, enquanto nada nela era diferente.

— Naneth? — Ela olhou para o menino, que brincava sobre a cama. Ele era tal como Calion o descrevera. Tinha seus olhos e o rosto semelhante ao seu, mas alguns traços também eram do pai. A curiosidade, por exemplo. Naneth, por enquanto, era a única palavra que ele falava com maior frequência que as outras.

Arwen se aproximou e sentou-se ao seu lado.

— O que foi, meu amor?

— Me conta de novo, quem é o meu pai, e o seu, e... e tudo? — Ele sempre pedia isso. — E depois me conta a história do dragão? E dos anéis?

— São muitas histórias, para uma noite só, não?

— Mas... Eu vou ficar quieto. Eu prometo. — Suplicou ele, puxando sua mão para que ela deitasse ao seu lado.

Arwen prontamente fez como ele pedira e repetiu, como fazia em todas as noites, todas as histórias que ele amava ouvir. E claro, que ele não ficava quieto enquanto ouvia. Interrompia o tempo todo para perguntar uma ou duas coisas e fazê-la ensinar-lhe a pronunciar as palavras em élfico, embora até mesmo a língua comum ainda fosse difícil para ele. Antes do final da noite, entretanto, ele se aquietou e deixou que sua mãe terminasse a última narrativa. Arwen tinha esperanças de que ele dormiria no meio da primeira história, mas isso não ocorreu.

— Você precisa dormir. — Disse, interrompendo a história sobre o dragão. Eldarion estava abraçado ao seu corpo e a encarava com um sorriso alegre. — Nós podemos continuar amanhã, certo?

Ele assentiu, mas então sua expressão mudou.

— Ele está vindo. — O rosto do menino se fechou em uma expressão irritada. — O elfo malvado.

A porta se abriu de súbito, após ele dizer aquelas palavras. Calion passou por ela e os encarou com frieza.

— Já vão dormir? — Indagou. Arwen não respondeu. Levantou-se rapidamente e pediu que Eldarion ficasse onde estava. — Vim saber se você já pensou sobre minha proposta de casamento. Há quase quatro anos faço a mesma pergunta.

— Bem, minha resposta é a mesma. Eu já sou casada.

Ele riu.

— É, mas até quando? — Aproximou-se lentamente, vendo-a recuar. — Seu marido é um mortal, um idiota mortal. Ele vai morrer Arwen. E você não estará por perto para chorar a morte dele. — Então olhou para Eldarion, que o encarava com o rosto fechado. — E seu filho também. Ele vai morrer diante dos seus olhos. A menos que repense minha proposta.

Irritada com tais provocações, ela acertou o rosto do elfo com um tapa, deixando a marca de seus dedos na pele dele. Calion apenas virou o rosto, surpreso, mas respirou fundo e tornou a olhá-la.

— Vá para o inferno! — Ela o desafiou com o olhar. — E não coloque meu filho no meio de suas chantagens sujas.

— Minha paciência está no fim. — Calion aproximou-se um pouco mais e a agarrou pelos braços, puxando-a para perto de si. — Tenho tolerado isso há mais de dois milênios.

— Me solte!

— Ou o que?! Vai gritar? Ninguém vai ouvir você. — Agora seu rosto estava ainda mais próximo ao dela. — Sabe que posso forçá-la a me dar o que eu quero, mas não o farei, pois a amo. De que outra prova você precisa?!

Arwen tentou lutar e livrar-se dele, e o empurrou para longe de si.

— Que me liberte. A mim e ao meu filho.

— Não. — Ele disse com seriedade. — Traria Aragorn e seus irmãos direto a mim. Não sou tolo.

— Então... Deixe-o ir. Por favor, eu fico, não me importo, mas deixe que ele vá. — Calion caminhou até a porta e parou ao ouvir o que ela dizia. Seu olhar alternou-se entre o garoto, que ainda o encarava em silêncio, e a elfa, que suplicava entre lágrimas. — Por favor... Por favor, Calion, deixe-o ir.

Seus pedidos foram inúteis. Ele apenas saiu e os trancou novamente. Arwen deixou seu corpo cair sobre a cama e as lágrimas em seu rosto. Eldarion permaneceu em silêncio, observando-a, então aproximou-se e a abraçou com ternura.

— Não chora, mãe. — Ele pediu.

Arwen respirou fundo e sorriu para o filho. Então um pensamento lhe ocorreu, olhou para a janela. A escuridão já descera em volta da torre. Hasufel, o cavalo de Aragorn ainda estava lá embaixo, pastando. Calion fizera questão de roubá-lo também e fora nele que cavalgaram para aquele lugar. Ela não sabia exatamente onde estavam, mas Hasufel era um cavalo inteligente, de Rohan, e ele certamente conhecia o caminho para casa. Estava decidida. Daria um jeito de sair daquele lugar. Pegou Eldarion no colo, e olhou pela janela. Estava quieto lá embaixo. Quieto, escuro e frio, com em todas as noites. Calion, certamente não estava acordado. Ele começou a sentir o cansaço inerente aos mortais, e não sabia disso. Estava ocupado demais tentando mantê-la prisioneira, imaginando que se a mantivesse alí até que Aragorn envelhecesse e morresse, talvez tivesse uma chance de tê-la para si. Era um tolo. Certamente, ele não sabia de sua escolha. Ela não viveria para sempre e sua vida estava ligada à de Aragorn.

Ainda com Eldarion agarrado a seu pescoço, escalou com cuidado as pedras da fortaleza.

— Segure-se firme. — Pediu. Ele obedeceu, como sempre fazia e quando finalmente chegaram em terra firme, Arwen suspirou em alívio. Aproximou-se de Hasufel, que soltou um gemido abafado, mas não fez mais nenhum barulho. — Shhh! — Arwen fez um sinal e o animal se aquietou se, feliz ao saber que ele ainda a reconhecia. — Mae govannen, Hasufel! [ Bom ver você, Hasufel ].

— É o cavalo! — Eldarion parecia feliz e confuso ao mesmo tempo.

— É sim. — Então o pegou novamente e o colocou sentado sobre a cela. — Precisa segurar firme. Hasufel vai levá-lo até seu pai.

— Mas eu não quero ir sem você. — O menino ameaçou chorar, mas se aquietou ao sentir o toque da mãe em seu rosto.

— Eldarion, meu amor. Me ouça. — Pediu. — Eu estarei logo atrás de você. Mas precisa ir. Agora.

— Não...

Ele tentou agarrar sua mão, mas Arwen afastou-se e precisou ignorar os apelos e choros do filho. Ouviu um ruído ao longe e pareceu que algo se movia na fortaleza. Não demoraria para Calion notar sua ausência. Eldarion era pequeno e não sabia cavalgar, mas Hasufel cuidaria dele até que chegasse a Gondor. Sentia-se culpada por mandá-lo sozinho, sem proteção, mas que outra esperança tinha? Aproximou-se do cavalo e lhe disse algo, na antiga língua dos elfos e depois sussurrou para ele:

— Encontre um caminho seguro para casa. noro lim, Hasufel [ Corra Rápido, Hasufel ]!

E como se algo despertasse dentro de si, Hasufel galopou para longe, levando em seu dorso o pequeno Eldarion, agarrado às rédeas e chorando, desesperado, incerto se voltaria a ver sua mãe outra vez. Arwen suspirou em alívio quando não os viu mais, mas ouviu algo aproximar. Ela se virou, e afastou-se, antes que Calion agarrasse seu braço.

— Para onde o mandou?! — Ele avançou furioso em sua direção, ela se afastou mais uma vez.

— Para longe de você. Não pode mais ferí-lo agora.

— Sua tola! — Calion investiu mais uma vez e agarrou seu pulso com tanta força, que ela gritou. Ele a puxou para perto e segurou em seus cabelos negros. — Os orcs o matarão! Era isso o que queria? Enviar seu filho para a morte mais cedo, assim você não teria de vê-lo morrer diante de seus olhos.

— Me solta!

— Não! Minha paciência com você se esgotou. — Ele a empurrou, fazendo com que caísse ao chão. — Seu tempo acabou, Arwen.

•••

— Eu não sei o que fazer. — Aragorn bufou, encarando os mapas com frustração. — Fazem mais de três anos que estamos procurando e não há pistas em lugar algum nessa maldita terra.

Haviam acabado de retornar de uma longa busca de quase seis meses ao sul e ao leste. Pensavam que talvez Calion estivesse abrigado junto aos Haradrim ou a qualquer povo lestense, uma vez que este estivesse a serviço de Sauron, não muito tempo atrás.

— É como se tivessem simplesmente desaparecido. — Elladan jogou-se na poltrona ao lado do rei.

Elrond os encarou também frustrado. Queria gritar com eles e esbravejar. Na verdade, queria gritar com todo mundo, mas aquilo não os levaria a canto algum. De qualquer forma, Aragorn e seus filhos já haviam feito todo o possível. Aquele era o quarto ano que sua estadia na Terra Média era prolongada. E Círdan entendera, vista a atual situação. Ele também temia que se decidisse partir antes do tempo, Elladan e Elrohir inventassem de ficar.

— Gondor está sendo vigiada por todos os lados. Os elfos da floresta tomaram Lórien e vigiam cada sombra. Legolas está cuidando disso. — Observou Faramir. — Ele não está no leste, Isengard está sob a proteção dos Ents, e isso também vale para Fangorn, então... A menos que Calion os tenha enterrado vivos, talvez devamos olhar em direção ao norte.

— Ele não seria estúpido de ir nessa direção. — Elrohir ponderou. — Quer dizer, é cheio de orcs e... outras coisas mais ruins que os orcs.

— Ele é estúpido para muitas coisas. — Aragorn encarou o mapa mais uma vez. Mais especificamente, a região das montanhas de ferro. — Onde mais o segundo vilão mais pernicioso da terra média poderia se esconder?

Então ouviu-se uma agitação. Éomer, rei de Rohan, veio pessoalmente com mais alguns soldados, e requisitou a atenção do rei. Aragorn bufou, à contragosto, mas foi ao encontro dele. Éomer aguardava na sala do trono, juntamente com Hama, que fora o braço direito de seu tio Théoden.

— Me disseram que você tem algo importante a me dizer, Éomer. — Iniciou Aragorn. — Imagino que deva ser, para que você viesse pessoalmente.

— De fato é, meu amigo, mas você deve dizer se é ou não assim. — Ele então fez um sinal para que o Rei de Gondor o seguisse e eles foram até o estábulo. Os olhos de Aragorn brilharam, quando viu Hasufel, e o cavalo levantou as patas e relinchou alegremente. Em seu dorso, estava agarrado, um menino, pequeno demais para montar, ao menos a seu ver. — Ele chegou há mais ou menos três dias. O encontramos em Edoras. Recusou-se a deixar Hasufel e aparentemente a falar com estranhos. Nós pensamos que... Bem, como Calion também havia levado seu cavalo, ele provavelmente seja...

— O meu filho.

Ele encarou o pequeno garotinho, agarrado ao pescoço de Hasufel. Ele tinha cabelos negros, longos e ondulados, até o ombro. Seus olhos eram cinzentos e suas feições inevitavelmente o faziam lembrar-se de Arwen. Aragorn evitou sorrir. Evitou ter esperanças, apesar disso. Pediu que os demais os deixassem, e aproximou-se lentamente de seu cavalo, sussurrando-lhe palavras em Élfico e só então voltou-se para o menino, que o encarava silencioso, tal como chegara.

Ma esselya ná? [ Qual o seu nome?]

Ele hesitou um pouco, e pareceu surpreso ao ver que outra pessoa sabia a língua que sua mãe lhe ensinara. Mas então, finalmente respondeu, baixo e acanhado.

Essenya Eldarion ná [ Meu nome é Eldarion ].

Aragorn sorriu para ele. Ele havia escolhido aquele nome, embora o pequeno Eldarion não soubesse disso.

— É um bonito nome. — O menino ficou em silêncio, então como se buscasse um ponto em comum para fazer prosseguir a conversa, Aragorn acenou para Hasufel. — Gosta de Cavalos? — Ele concordou com a cabeça. — Sua mãe te ensinou a montar?

Ele negou dessa vez e seus olhos ficaram marejados. Agarrou novamente a crina de Hasufel e deitou-se sobre seu dorso.

— Ei, está tudo bem. Não vou te fazer mal.

— Naneth... — Disse baixinho e com a voz chorosa. — Ficou com o elfo malvado. E disse pra eu ficar com Hasufel. E que ele me levaria até o papai. — Aragorn sorriu para ele. — É você?

— Bem… Sou eu, sim.

Quando a noite caiu, precisaram tirá-lo do estábulo, e embora o menino chorasse e esperneasse, recusando-se a afastar-se do cavalo, foi vencido pelo cansaço e acabou adormecendo. Aragorn, pessoalmente o tomou nos braços, e levou-o ao seu próprio quarto. Estava maior do que da última vez que o pegara no colo, mas ele sentiu seu coração aquecer, ao vê-lo finalmente em casa e seguro.

— Aí está nosso garoto! — Elladan e Elrohir amontoaram-se na porta, curiosos para ver o sobrinho. Aragorn apenas fez um sinal para que não fizessem barulho. — Uau! Como pode ter crescido tão rápido?

— Ele não é um elfo. — Riu Aragorn. As crianças élficas de fato demoravam muito mais tempo para crescerem.

— Ele deve ter uns quatro ou três anos agora. — Observou Elrohir. — Veio cavalgando?

— É mais fácil dizer, que veio agarrado em Hasufel.

— Mas de onde? — Elladan franziu o rosto. — Ele ainda é novo, não deve saber o caminho, ou lembrar-se de algo.

— Eu não sei... — Ponderou o rei, deixando o quarto e fechando a porta atrás de si. — Mas tê-lo aqui me conforta, e tenho a sensação de que isso é um bom sinal. De certo, Hasufel conhece o caminho de volta. Vamos acompanhá-lo pela manhã.