Minas Tirith

Galadriel estava em seu quarto, e aquele era o mesmo quarto no qual ficara hospedada quando viera à Valfenda, de Caras Galadhon com sua filha Celebrían. Celeborn havia partido para a guerra naqueles dias, e temendo que a mão de Morgoth alcançasse a floresta dourada, a senhora dos Galadhrim, viajou para longe com sua filha, ainda jovem na época. Ela agora fuçava um baú onde Celebrian escondia um velho diário. Como poderia saber aquilo? Bem, ela obviamente sabia de muita coisa. Inclusive, foi a primeira a saber sobre o romance secreto entre Celebrian e Elrond, e em segredo o manteve até que Celeborn os encontrou aos beijos na biblioteca e daí, já não foi mais secreto. Ela riu. Seu marido sempre fora muito ciumento com sua filha, tal como era Elrond com a dele.

— Encontrou? — Indagou ele, que sequer sabia que Celebrian possuía um diário.

— Não. E ficará difícil se cada coisa que encontrarmos você tentar enfiar na bagagem para Valinor. — Resmungou Galadriel para o Marido. — Se ela não levou essas coisas, provavelmente deve ser porque não as quer consigo.

— Mas… Você até agora não me disse o que exatamente acha que está acontecendo com Arwen. — Galadriel revirou os olhos. — Por que exatamente estamos procurando isso? Quero dizer, você certamente já sabe o que está havendo. Eu digo que deixemos Elrond descobrir por si só. Exatamente como ele fazia comigo. Acho merecido.

— Eu não pretendo dizer a ele. — Ela afirmou. — Apenas quero ter certeza. — Celeborn soltou uma risada abafada e sentou-se na cama, olhando-a revirar o pequeno caixote. A loira ficou em silêncio e suspirou, pegando um pequeno caderno do fundo do baú. Soprou a poeira e o abriu com um sorriso alegre e o olhar estreito, tentando decifrar o que estava escrito. Era o que eu pensava.

— E… O que é?

— É melhor que ela diga. — Guardou novamente o antigo diário de sua filha. — Enfim, já que deixaremos Elrond no escuro quanto a esse assunto, posso apenas lhe dizer, meu amado, — Ela sorriu para Celeborn. — Que provavelmente o reino dos homens ainda não chegou ao fim.

Arwen estava na varanda de seu pai, com Ellada, assistindo enquanto Elrohir tentava, sem muito sucesso, montar em um cavalo selvagem que encontrara nas montanhas. Aparentemente o animal gostava do ambiente de Valfenda, mas detestava que o montassem, jogando o elfo no chão várias e várias vezes, e arrancando altas gargalhadas de Elladan.

— Ele não gosta de você! Desista! — Gritou ele para o irmão.

— Não mesmo, irmãozinho.

— Olhe lá! Não vai querer viajar para Valinor todo quebrado. — Zombou. — Aliás, não sei porque você precisa de um cavalo novo.

Elrohir revirou os olhos, montou novamente o cavalo, que se ergueu e preparou-se para lançá-lo longe, mas Elrond surgiu naquele exato momento e agarrou as rédeas, que haviam prendido no mesmo, e falou algumas palavras em sua própria língua de modo que o animal se aquietou. E apenas sobrou Elrohir pendurado de cabeça para baixo. Elladan quase caiu da sacada de tanto rir do irmão.

— Vocês dois podem ir tentar se matar em outro lugar que não a minha casa? — Bufou o elfo mais velho. — Onde estão seus avós?

— Acho que estavam caçando alguma coisa na biblioteca. — Disse Elrohir ainda de cabeça para baixo, preso na sela do cavalo. — O senhor sabe, coisa de gente dessa idade.

— Você é quase tão velho quanto eles. — Zombou Elladan.

— Claro, você só esqueceu uns seis anos nessa contagem. — Ele ofegou. — Pode me tirar daqui?

— Eu não.

Elrond não ficou mais para ouvir as discussões dos gêmeos. Subiu as escadas e encontrou Arwen sentada na janela, distraída demais com seu pequeno projeto de costura para que notasse sua aproximação.

— Eles finalmente a tiraram do quarto.

A elfa levantou os olhos para ele.

— Galadriel praticamente me obrigou. Disse para eu arrumar a bagunça que estava em meu quarto e sair um pouco. Sob ameaças. — Elrond riu. Achavam um absurdo que Galadriel conseguisse fazer aquele tipo de milagre, quando nem mesmo ele podia. — Você viu Estel?

Ele concordou.

— Ele marcha para Minas Tirith. Deve ter chegado a Osgiliath pela manhã. — Arwen assentiu e tornou a encarar a linha de costura, mas seu pai levantou seu queixo para que olhasse para ele. — Ele vai conseguir. Precisa conseguir.

— Sei disso.

O olhar do elfo caiu sobre suas mãos a bandeira que ela desenhava com a linha de costura.

— Queria ter a mesma segurança que você.

Então um baque chamou sua atenção e eles olharam para o pátio, onde Elladan e Elrohir agora estavam, mas haviam sido arremessados contra a parede e o cavalo fugiu de volta para a floresta. Elrond bufou. Deixou-os alí, e saiu perguntando a sim mesmo, porque razão não os havia amarrado a um dos postes dos navios de Círdan, o armador e os forçado a ir logo para a terra abençoada.

Enquanto isso, a centenas de milhas dali, Théoden e seus cavaleiros ouviram um som estridente preencher o ar. Olharam para cima e eis um enorme Nazgul Voador pairando sobre suas cabeças.

— Para a fortaleza! — Ele gritou.

Então, novamente o cavaleiro branco surgiu, montando o senhor dos cavalos, o mais veloz e majestoso de todos. Gandalf e Scadufax passaram por eles como a luz cortante de uma lanterna em meio à escuridão e lançou um faixo de luz ao céu, o que afastou os espectros para longe. Os portões da fortaleza de Minas Tirith foram levantados e eles puderam passar e esconder-se de seus inimigos.

— Ah, bom te ver, Gandalf… — Aragorn disse quase aliviado. Talvez estaria, se não sentisse que iriam morrer a qualquer hora.

— Não podem ficar aqui. — Avisou Gandalf. — Há soldados vindo de todos os lugares. Não poderão contar com a ajuda dos elfos dessa vez. A maioria deles partiu e muito poucos ainda ficaram. — Seu olhar pousou sobre Legolas, por alguns instantes. — Os Orcs atacaram Mirkwood pela manhã. E outros estão a caminho de Lórien e Valfenda. Mas a maioria deles estará aqui ao anoitecer.

— Eles sabem chegar a Valfenda? — Indagou Aragorn com preocupação.

— Não acho que saibam. — Gandalf ponderou. — A menos que tenham ajuda. Me disse que Calion havia se juntado a Saruman, mas não o encontramos em Isengard. Talvez tenha arranjado um aliado mais poderoso.

Legolas pareceu aflito com aquilo. Na verdade, as palavras “orcs em mirkwood” ainda ecoavam em sua mente. Os companheiros ficaram em silêncio, como se não quisessem dizer nada sobre aquela possibilidade.

— Também não quero que pensem nisso agora. — Ordenou o mago. — Não hoje, e não agora. Valfenda estará segura como sempre esteve. — Olhou para Legolas. — Seu pai está bem, Legolas verdefolha. Ele e Tauriel.

O elfo assentiu, mas seu olhar era temeroso, como uma criança que se finge confortada do medo do escuro. Aragorn vendo sua aflição, deixou a mão repousar sobre o ombro do amigo. Eles olharam ao redor. Os soldados se preparavam para lutar. Boa parte deles sequer havia alguma vez segurado o punho de uma espada na vida, eram meninos com menos da idade que Aragorn tinha quando aprendeu a lutar sem deixar a espada cair. Aquilo o preocupou, mas não deixou que os outros vissem. Não demorou muito e ouviu-se um clamor de trombeta.

Eles correram para o portão e a cena que viram era lastimável. Faramir, Capitão de Gondor, retornara, arrastado por seu cavalo. Os soldados correram para socorrê-lo, espantados com o fato de que nenhum de seus companheiros terem retornado. Então, como uma resposta cruel, ouviu-se um baque contra a torre e uma cabeça humana caiu sobre eles. E uma, e mais uma, e outra, e mais outra. E em meio ao espanto e ao horror, começaram a reconhecer que eram os rostos dos companheiros de Faramir. Mortos. Decapitados e mutilados. Os orcs os lançavam desde Osgiliath contra a fortaleza branca, deliciando-se com o horror que tomava o coração dos homens.

— Eles vão nos matar. — Resmungou um dos recrutas, que estava ao lado de Aragorn. Sel nome era Haleth, e ele não devia ter nem mesmo doze anos. — Os outros estão dizendo que não há esperança. Eu não quero morrer.

— E você não vai. — Garantiu Aragorn, embora não tivesse certeza. — E Haleth? Sempre há esperança.

Na verdade, temia que todos alí terminassem mortos. Ele inclusive. Passou a caminhar pela muralha da cidade branca, sozinho, já que seus companheiros tentavam falar com Legolas, que estava disperso e perturbado pelas palavras de Gandalf. Ficou alí, olhando ao longe, talvez buscando aluma esperança, mas sem achar. Seus pensamentos vagaram para longe dalí, atravessando os anos, o rio e as florestas, ele via-se em Valfenda, há quase três meses, antes de partir com a Sociedade do Anel para um destino incerto.

Arwen estava com ele. E sua visão era tão clara, que julgou estar em algum estúpido sonho daqueles que não se deseja acordar. Era noite e estavam na floresta, a mata de pinheiros. A lua cheia iluminava todo o lugar e o reflexo do rio podia ser visto entre as folhas das árvores sob as quais se escondiam. Aquela fora uma das noites mais especiais que tiveram desde que se conheceram e ele pôde ouvir a respiração branda da elfa sob seu corpo, enquanto apoiava a cabeça em sua barriga, sentindo o toque carinhoso dela em seus cabelos.

— Não quero me separar de você. — Ela disse num sussurro.

— De que está falando? Eu vou voltar.

— Não é isso… — Arwen suspirou. — Eu realmente não quero me separar de você.

Ele apoiou-se sobre os cotovelos e a olhou com seriedade.

— Me sinto um tolo, mesmo te amando tanto… Um dia vou envelhecer e morrer, e esse amor verdadeiro também vai acabar. Por outro lado, não poderei encontrá-la mesmo depois da morte.

Ela franziu o rosto e balançou a cabeça.

— Pare de dizer isso.

— Digo porque está em meu coração. Tenho esses pensamentos desde que te vi. Ás vezes eu gostaria de ser como você, minha amada, gostaria de parar de pensar no fim de minha linhagem.

— Também estive pensando… Em partir e me juntar ao povo humano em seu fim.

Os olhos de Aragorn se estreitaram.

— Quer dizer… Morrer? — Ela não lhe respondeu. — Arwen… A morte não faz parte da sua natureza.

— Elros, irmão do meu pai, escolheu se tornar humano e ficar destinado a morrer. Elrond, meu pai escolheu a imortalidade. Quanto a mim…

— Eu não pediria isso a você. — Ele a interrompeu. — Não tenho coragem de ver o brilho dos seus olhos desaparecer em minhas mãos.

Aragorn levantou gentilmente a mão e tocou-a. O rosto de Arwen era macio e frio, e sua pele branca deixava seus lábios mais vermelhos que as maçãs mais lindas de Valinor. Arwen também o tocou, mas com seus lábios nos dele. Então, com um gesto gentil, ela envolveu a mão de seu amado nas suas. Sua expressão era fria, mas gentil, e Aragorn não conseguia tirar os olhos dela.

— Por que você acha que ficarei separada do meu único amor por uma eternidade triste e sem fim? — Ela sussurrou tão baixinho que se alguém os estivesse observando não teria ouvido uma palavra. Aragorn suspirou, ainda não convencido. — Estel… — Ela levou a mão até seu rosto e sorriu para ele. — Mesmo que o Senhor do Escuro governe tudo o que conhecemos e tire você de mim. Não se surpreenda se me ver esperando por você do outro lado, porque onde meu amado for, eu estarei.

Um sorriso saudoso surgiu nos lábios de Aragorn, enquanto ele encarava o horizonte para lá dos campos de Pelennor.

— Senhor Aragorn? — Ele sobressaltou-se ao ouvir a voz de Éowyn. — Desculpa, eu não queria assustá-lo.

— Só… Fiquei distraído. — Ele se recompôs. — Deveria descansar. A batalha chega com o amanhecer.

Afastou-se na direção da fortaleza, mas ela o seguiu.

— Meu senhor, eu… Sinto que não retornaremos para casa.

Ele parou no meio do caminho, respirou fundo e prosseguiu.

— Não pense assim, Éowyn. Ainda não estamos mortos.

— É que… Eu não quero morrer sem que eu lhe tenha dito algo que, para mim, é de extrema importância. — Ela agarrou seu braço, fazendo-o parar e olhá-la.

— Certo. Então, diga,

— Eu… Te amo. — Ela disse com um sorriso alegre de uma criança. Aquilo o fez sentir-se estranho e quase engasgar com a própria saliva.

— Ahn… Certo? Desculpe-me… Você o quê?

— Sei que é estranho, nos conhecemos há poucas semanas e o senhor tem idade para ser o meu avô, mas… Eu não posso evitar me sentir assim, e…

— Éowyn… — Aragorn viu a necessidade de interromper. Aquela conversa já rumava para algo muito estranho. — É a sombra de uma pensamento, o que você ama. Não posso dar o que você procura.