Suspicions

Houve júbilo quando os guerreiros retornaram da batalha, cansados e feridos em sua maioria, mas ainda dispostos para festejar. Théoden os aclamou como heróis entre o povo de Rohan e lhes deu muitas honrarias. Para Legolas e Gimli, a comemoração virou outra competição, agora para ver quem conseguia beber mais e sem desmaios.

Aragorn decidiu não envolver-se na brincadeira. Ficou em algum canto com seu copo de vinho intocado, baforando sei cachimbo, quando Eowyn surgiu com um cântaro com o qual servia os cavaleiros. Ele a observou de longe e abriu um sorriso fraco, mas tornou a olhar para o próprio copo, ainda cheio, lembrando-se dos tempos em que bebia com Elladan e Elrohir. Seus irmãos adotivos agora estariam se amontoando ao redor de Eowyn como dois abutres, e provavelmente Legolas os arrastaria para longe envergonhado com aquilo. Ele provavelmente não prestaria atenção nisso. Estaria ocupado com os olhos em Arwen. Ela normalmente prendia sua atenção em quase todos os assuntos.

— Ainda nem bebeu sua bebida! — A voz de Eowyn chamou sua atenção, despertando-o de seus pensamentos. — Já deve estar quente, eu posso pegar outra se quiser… — Ela estendeu a mão para pegar o copo, mas Aragorn o segurou. Suas mãos se encontraram naquele momento e ela sentiu seu corpo esquentar.

— Eu vou terminar essa, obrigado. — Disse Aragorn, trazendo o copo para perto de si. Eowyn pareceu decepcionar-se quando ele quebrou o contato. Ela ficou algum tempo o observando como se quisesse dizer algo, mas seus olhos se perderam nos dele. Aragorn desviou o olhar. — Está tudo bem?

— Eu só… É que… O senhor foi muito corajoso hoje. — Disse ela.

— Me chame de Aragorn. Só Aragorn.

— Certo.. Aragorn. — Ela virou-se para ir, mas tornou a olhá-lo. — Meu tio disse que você lutou com ele contra os orcs de Dol Guldur quando invadiram as nossas terras, mas, ele deve ter se enganado.

— Não. Ele está correto. Théoden era ainda príncipe quando lutamos juntos.

— Mas… Isso… Foi há uns quarenta anos, você precisaria ter no mínimo cinquenta, e ainda assim não faria sentido. — Ele manteve seu olhar sério. Eowyn arregalou os olhos. — Espera você tem?

— Um pouco mais que isso.

— Sessenta? — Aragorn negou com a cabeça. — Setenta? — Novamente errou. — Espera, você não pode ter oitenta!

Ele sorriu.

— Oitenta e sete.

— Ah… Você é um dos Dunedain! Os homens do norte abençoados com vida longa! — Ele assentiu. — Não sabia que ainda haviam remanescentes.

— Bem poucos. — Então virou o copo com vinho na boca e o esvaziou em pouquíssimo tempo.

— Eu… Ah… Eu vou pegar mais vinho!

Ele assentiu e Eowyn desapareceu rapidamente na multidão.

Os rumores da guerra chegaram a Rivendell. Galadriel instalou-se alí após a derrota das tropas de Sauron. Elrond a abrigou em sua casa, e ela lhe avisou que não retornaria a Lórien, mas partiria dalí para os portos cinzentos quando fossem vitoriosos, e mesmo que não fossem, partiriam de mesmo modo.

Naqueles meses, Elladan e Elrohir já não iam mais para fora de do vale, pois as estradas tornaram-se deveras perigosas e seu pai pediu que se mantivessem por perto, eles assim como todo o contingente de guardas. Os meninos andavam preocupados com sua irmã, Arwen, pois quase nunca a viam fora do quarto e quando acontecia, ela não ficava mais que duas horas com eles, sempre alegando estar cansada ou sentir algum desconforto estranho no corpo. Elrond começou a suspeitar que sua filha estivesse doente, o que não era comum para os elfos, na verdade nunca acontecia, exceto se fossem envenenados, mas ele não acreditou que fosse esse o caso. Pediu qie Galadriel falasse com ela, uma vez que Arwen ainda mantinha certa distância e ainda estava chateada por precisar deixar a Terra Média.

— Posso entrar? — Galadriel invadiu o quarto da neta, surpresa ao notar a bagunça que estava. — Você já foi mais organizada.

Arwen estava sobre a cama, deitada com a barriga para baixo e o rosto coberto por um travesseiro. Olhou-a por debaixo dos cobertores.

— Eu vou arrumar isso, alguma hora.

— Você está bem? — Galadriel sentou-se na beirada da cama e levou a mão até a testa dela, mas nada de anormal parecia estar havendo.

— Acho que sim. Só estou cansada, embora não tenha feito quase nada o dia todo, além dessa bagunça.

A elfa de cabelos dourados concordou mostrando que entendia o que ela falava, mas ainda assim, seu olhar era preocupado. Já havia visto isso antes, mas preferiu não comentar. Imaginou que fosse algo que Arwen preferisse manter em segredo.

— Seu pai me disse que a encontrou sozinha na floresta quase duas semanas depois da partida da "Sociedade do Anel". — Ela não respondeu. — Disse que você estava estranha, assustada foi a palavra, mas que não quis comentar sobre isso com ele. — Arwen manteve-se em silêncio, levantou o corpo e ficou apoiada sobre os cotovelos, mas ainda não conseguia encará-la. — Pode me contar seja o que for que está acontecendo com você.

— Calion voltou. — Disse finalmente. — Ele… Às vezes aparece para mim. Como se fosse um fantasma, mas eu sei que não é. Ele consegue me tocar às vezes. — Fez uma expressão enojada e ao mesmo tempo desesperada. Aquelas estranhas aparições ocorriam com alguma frequência e ela tinha medo de que ele tentasse fazer qualquer coisa irreversível. — E eu não consigo lutar. Não tenho poder contra ele.

Galadriel a abraçou, afagando seus cabelos escuros enquanto ela chorava, apoiada em seu colo.

— O Bruxo de Angmar… — Murmurou para si mesma, como se lembrasse de algum fantasma. Sabia-se que o rei Bruxo tinha o poder de projetar-se no pensamento de outras pessoas, e tornar-se tão sólido a ponto de machucá-las de verdade. Sauron também tinha esse costume. — A quanto tempo ele faz isso?

— Desde que… desde que Estel e os outros se foram. — Disse ainda com a voz embargada. — Eu não posso dizer ao meu pai, ele vai tentar me forçar a ir embora. Calion quer que isso aconteça. Ele quer que eu sofra, quer me separar de Estel. Me disse que eu iria pagar por tê-lo traído.

Galadriel Franziu o rosto. Calion nunca fora muito normal e sequer era o mais eloquente de seus parentes. Na verdade desaprovava em tudo a estranha amizade que ele tinha com sua neta, quase tanto quanto desaprovava a amizade dele com Thargon, Herenvar e Cementárion.

— Como é possível que você o tenha traído?

— É que eu… — Ela mordeu o lábio, ficando inteiramente vermelha. — E Estel, nós…

— Por Iluvatar! — Galadriel disse pausadamente. — Arwen, o que deu em você?!

— Eu sei que foi precipitado. — Admitiu. — Mas eu o amo e ele é tão…

— Ah, eu não quero os detalhes. — Riu a elfa loira, interrompendo a narrativa. — E qual das duas coisas tem a ver com o seu aparente cansaço?

Arwen pensou por alguns instantes mas não respondeu. Apenas afastou-se do assunto, embora sua avó parecesse determinada a resolver uma das duas questões.

— Bem, quanto à nova bruxaria de Calion, teremos de avisar ao seu pai. Ele saberá o que fazer e tentarei dizer-lhe que não a envie para Valinor ainda… — Galadriel ponderou por alguns instantes. — Me espere aqui.

Elrond não pôde evitar sentir-se culpado quando soube o que estava havendo, mas pensou que, no final, não havia muito o que pudesse ter feito. Arwen evitou dialogar com ele desde sua última discussão há quase um mês e desde então, seu comportamento só se tornou mais estranho.

— Você poderia ter me dito! — Disse ele, tentando manter um tom compreensível, mas falhou.

Arwen abriu a boca para responder, mas não o fez.

— Não a perturbe, Elrond. — Pediu Galadriel, enquanto a analisava, parada na porta do quarto. — Estranho… Elessar deveria servir como amuleto a esse tipo de aparições.

— Eu… — Arwen limpou a garganta antes de prosseguir. — Não estou com ela.

Os olhares de seu pai e de sua avó tornaram para ela.

— E onde está? — perguntou Elrond.

— Com Estel. Eu a deixei com ele para protegê-lo.

Galadriel abriu um sorriso feliz, mas disfarçou quando Elrond se virou para ela, suspirou e depois voltou sua atenção para a filha.

— Sabe que não tornará a vê-lo, não é?

— Elrond! — Galadriel o repreendeu. — Mithrandir me disse que o filho de Caranthir estava agora aliado a Saruman e à sua traição. Não acho algo difícil de acontecer. E ele provavelmente aprendeu alguns truques enquanto esteve em Orthanc. — Divagou Galadriel. — Talvez eu possa criar um cinturão como o que protegia Lórien e Doriath antes dela, mas não durará muito tempo. Nosso inimigo está furioso e a luz dos eldar já se extingue.

— Certo. — E tornou a olhar para Arwen — Você precisa sair daqui, então. Se Calion consegue fazer contato com você, ele provavelmente a encontrará em breve.

— Não vou a lugar algum! — Protestou ela, vendo o rosto de seu pai ser tomado por uma expressão pesada. — E o senhor não pode me obrigar.

— Eu não estou pedindo!

Ele foi na direção dela, mas Galadriel o deteve.

— Vocês dois não vão começar a discutir agora. — Pediu a senhora dos Galadhrim, agarrando o braço do genro. — Venha, Elrond, deixe-a em paz.

O elfo hesitou, mas fez conforme ela havia dito. Voltou contrariado para sua sala e jogou-se irritado e frustrado sobre o sofá Galadriel olhou para ele com um sorriso zombeteiro.

— Isso não é engraçado. — Ele resmungou.

— Não, não é. Você precisa parar de tentar levá-la consigo, Elrond. — Ralhou a elfa mais velha.

— Ela é minha filha!

— E Elros era seu irmão. Grande coisa! Você pôs embargos à escolha dele, tal como está fazendo agora, e de que adiantou? Precisa parar com isso. — Ele moveu-se desconfortavelmente sobre o sofá e desviou o olhar para o fogo que crepitava na lareira. — Sei que você teme separar-se dela. E isso é inevitável. Mas esses podem ser os últimos anos de vocês dois juntos, quer que ela os passe irritada e sempre discutindo?

Ele bufou e levantou-se, deixando a sala logo em seguida. Galadriel suspirou. Aquilo provavelmente seria mais difícil do que havia pensado. Mas ainda precisava criar uma proteção sobre Valfenda, e isso talvez evitasse que Calion pudesse invadi-la. Fosse por magia ou qualquer outro meio.

A noite caiu fria sobre o vale de Imladris. Elrond ainda estava fora, quando Galadriel foi ao quarto de sua neta ver se ao menos ainda respirava, já que ela não dava sinal de vida algum e não saía daquele "covil". Desejou-lhe uma boa noite e depois, juntou-se a Celeborn em seu próprio quarto. Arwen ficou algum tempo ainda sob os cobertores e após enrolar bastante, finalmente decidiu ir até o banheiro e tomar um banho. Talvez assim seu corpo finalmente relaxasse. A água não estava quente, mas não estava gelada, e ela afundou-se na banheira após alguns minutos. Voltou à superfície e ficou alí, em silêncio olhando para algum ponto fixo, até sentir uma presença em seu quarto.

— Eu não tenho uma visão dessas desde que éramos crianças. — Arwen sentiu seu coração congelar e segurou firmemente a borda da banheira. Não lhe deu uma resposta, por mais que pudesse. Ele não estava mais usando o encantamento que a deixava paralisada, na verdade sabia que ela não poderia feri-lo com armas. Os olhos da elfa encararam sua espada, encostada na parede do outro lado do quarto, mas Calion riu para ela quando notou isso. — Você não é tão ingênua, é? Sabe que não pode me matar nessa forma.

— O que você quer?

— Eu acho que a essa altura… Já está óbvio. — Ele rodeou a banheira, se posicionando atrás dela, deslizou lenta e suavemente as mãos por seus dois braços até os ombros e apertou levemente seu pescoço. Aproximou os lábios do ouvido da elfa e sussurrou: — Eu sei do seu segredo. — Ela arregalou os olhos com espanto. — Não se preocupe. Não vou dizer a ninguém. Isso seria difícil até mesmo para mim, estando a algumas milhas de distância. Sem contar, que revelar-me agora acabaria com toda a diversão.

— Se revelar? — Ela riu com desdém. — Metade da Terra-Média sabe que você é aliado de Saruman. — Calio se afastou como se ponderasse àquele respeito. — Não é difícil deduzir, você sabe. Só uma cobra é capaz de conviver com outra. Qual foi a mentira que Saruman lhe contou para te comprar?

Então, ele avançou sobre ela e agarrou seu pescoço com uma das mãos, apertando-o com considerável força. Arwen perdeu a reação e agora já tinha dificuldades para respirar. Calion a puxou para perto, aproximando seu rosto do dela.

— Você fala demais para alguém em desvantagem. — Avisou ele. — E tem sorte, pois meu amor me impede de matá-la. — Apertou mais um pouco e ela sentia que a qualquer instante não poderia mais respirar.

— Seu… Seu amor, ou… sua impotência? — Arwen provocou-o ainda assim. — V-você… É um covarde. Covarde demais para aparecer pessoalmente e descobrir se posso ou não feri-lo com aquela espada.

Calion recuou com aquelas palavras e sentiu algo bloquear seus movimentos. Não era Arwen, certamente. Ela estava assustada e preocupada demais para fazer aquilo. Era algo muito mais poderoso. Olhou para as próprias mãos, que agora desvaneciam e praguejou qualquer coisa que ela não pôde ouvir, antes de desaparecer. Arwen soltou a respiração, grata por saber que o cinturão que Galadriel estabelecera estava funcionando.