Departure from society

O dia já estava claro, quando Arwen finalmente abriu os olhos. O sol ainda não havia surgido, e aquilo a tranquilizou, pois imaginou que seu pai suporia que estaria em seu quarto. Sentiu algo pesado sobre seu corpo e sorriu ao ver Estel dormir como uma criança com a cabeça sobre sua barriga. Deveria tê-lo acordado antes do amanhecer, mas acabou por também pegar no sono. Na verdade, sentiu-se cansada após aquela noite, como pensou nunca poder estar. Mas era uma sensação boa, apesar de precisar afastar de si o pensamento de que seu pai a mataria por ter se entregado a ele antes de estarem casados. Entretanto, não se arrependia deste feito. Já pertencia a ele, de qualquer modo.

— Estel… — O chamou, e ele apenas se moveu, abraçando-a como se ela fosse um travesseiro. — Estel, acorde! Já amanheceu.

— Só mais cinco minutos, Legolas…

— Legolas? — Ela riu. — Você vai ter sorte se ele não notar a sua ausência. Temos que sair daqui.

O homem abriu lentamente os olhos e levantou a cabeça, só então notando onde estavam. E sim, havia adormecido na floresta. Arwen estava sob seu corpo, tentando fazer com que levantasse, mas ele ainda estava sonolento e se pudesse ficaria mais um dia alí.

— Por que temos que sair? — Disse com a voz abafada, após tornar a deixar a cabeça sobre a barriga da elfa.

— Deve ser… — Arwen tentou levantar a cabeça dele mais uma vez, e ele obedeceu, agora a olhando com um brilho nos olhos. — Deve ser porque estamos no meio da floresta, nús! E veja! — Apontou com alguma dificuldade na direção da ponte. — Alguém pode nos ver de lá. Alguém como o Legolas, ou Elladan, e Elrohir, ou, que Eru nos livre, alguém como meu pai, e aí, estaremos mortos antes do fim do dia.

Eles voltaram para casa e para sua felicidade, sua ausência não fora notada. Claro, Legolas sabia que Aragorn não estava em casa, então logo supôs o pior, mas o Dúnadan tentou despistá-lo de todas as formas e quando disse que estivera fora com Elladan e Elrohir, o príncipe élfico simplesmente acreditou. Aconteceu que os gêmeos realmente estiveram fora, mas não estavam fazendo nada muito louvável. Boromir os levara para algum canto perto dalí, em um vilarejo nas montanhas para conhecerem uma taverna peculiar, onde beberam hidromel até não conseguirem mais. Por essa razão, Boromir ainda estava dormindo quando apareceram. Elrond, claro, não deveria saber de sua iniciação na vida noturna, por isso aceitaram introduzir Aragorn na narrativa e ainda dizer que sua ida até o vilarejo não foi por outro motivo, senão para expulsar meia dúzia de orcs que rondavam por lá.

— Meia dúzia? — Duvidou Arwen. — O pai não vai acreditar nisso.

— Ele também não vai acreditar que você estava dormindo no seu quarto. — Retrucou Elrohir e fez um sinal de cadeado em frente à própria boca. — Então, estamos salvando a sua pele, irmãzinha. De nada!

Ela deu um soco no ombro do irmão.

— E onde exatamente você estava, a propósito? — Elladan pareceu ser o único que notou que havia alguma necessidade de inventarem uma história, só não entendia porquê.

— Eu?! Em lugar nenhum! — Disse rapidamente.

Os gêmeos olharam para Aragorn, que fez cara de paisagem e fingiu-se muito surpreso ao ver Merry, Pippin, Frodo e Sam virem em sua direção.

— Bem… — Mithrandir apareceu logo depois, apoiado em seu cajado, lançou um olhar suspeito sobre os outros quatro que estavam na sala, mas nada disse a respeito. — Creio que seja hora de partirmos. Esperaria até amanhã, mas quanto mais cedo melhor.

Então eles viram Boromir vir logo depois com uma bolsa de água morna sobre a cabeça. Elladan mordeu a bochecha para não rir, e o fez em momento exato pois seu pai vinha acompanhando o homem e seu olhar era severo sobre ele e seu irmão, embora eles suspeitarem que Boromir nada lhe falara sobre a tal Taverna.

— Se Boromir ainda puder seguir viagem. — Aragorn disse com humor disfarçado.

— Estou bem. — resmungou o loiro. — Não é meia dúzia de… — E Elladan fez mímica para que ele dissesse: — Orcs, que irão me fazer desanimar.

— Orcs?! — Merry e Pippin indagaram pavorosos e animados ao mesmo tempo. — Onde? Vocês os mataram?!

— Claro, claro! — Elrohir disse. — Apenas não fizemos coleção de suas cabeças, pois eram asquerosas demais. Seis orcs horríveis de… De…

— Isengard! — Chutou Aragorn.

— É, esse lugar aí!

— Tivemos sorte de chegar ao vilarejo a tempo, Adar. — Elladan entrou na encenação.

Gimli, o anão, entretanto, respirou pesadamente e os olhou com desconfiança.

— Por que parece que os elfos e Aragorn estão mentindo? — E Legolas lhe deu um leve empurrão para que se calasse. — Ô, sua fada efeminada!

Mas Elrond ignorou aquilo. Na verdade, não acreditou em uma só palavra, mas também não falou a respeito. Não que duvidasse da parte dos orcs, isso com certeza ele não duvidava, embora fosse mentira. Mas duvidava que Boromir tivesse tido uma concussão que o deixou de ressaca e com um hálito infernal de cerveja barata.

De qualquer forma, estava feliz em poder livrar-se de Elladan e Elrohir, que voltariam às fronteiras após a partida da Sociedade do Anel, uma vez que bufaram, espernearam e reclamaram que não queriam deixar ainda a terra média. Tudo o que Elrond lhe disse foi que não adiantaria postergar aquela viagem, pois se morressem em batalha, iriam para os Salões de Mandos e o encontrariam em Valinor, de uma forma ou outra. Os meninos deram de ombros, e não pareceram preocupados com aquilo. Mas também não lhes disseram porque não queriam ir logo, uma vez que isso implicaria em contar sobre a decisão de sua irmã, em ficar.

Quando o sol estava para lá da metade do céu, eles se despediram no portão leste de Valfenda. Arwen e Estel não disseram muita coisa um para o outro. Na verdade, sua despedida nada mais fora que uma longa e silenciosa troca de olhares, que se desfez quando Mithrandir apressou os companheiros para prosseguirem. Ela ofegou, engolindo as lágrimas insistentes e desviou os olhos dele, antes que partisse. Elrond a abraçou e levou-a para dentro da casa, murmurando algo inaudível mesmo para os ouvidos de um elfo. Então antes do pôr do sol, Imladris estava novamente silenciosa e um mórbido vento frio soprava no vale. O inverno agora alcançou seu estágio mais frio, embora o clima de Rivendell fosse fresco, nunca muito quente, nem muito frio. Mas todo aquele silêncio e quietude deixaram ecoar a tempestade, que agora se agitava no coração de Arwen.

— Lindir me disse hoje que irá para Valinor ao fim da primavera. — Dissera Elrond casualmente durante o desjejum. Ela o olhou e permaneceu silenciosa. — Fico feliz que ele vá e esteja seguro.

— O senhor fala muito sobre isso, ultimamente.

— Meu coração está ansioso pelas Terras Imortais. Eu já teria partido muito antes se pudesse, mas preciso ficar para auxiliar os homens nessa guerra. — E um sorriso raro surgiu involuntariamente em seus lábios, de modo que Arwen ficou surpresa quando olhou para ele novamente. — Eu ainda sonho com sua mãe, Celebrian, todas as noites. Ela me está aguardando. — Então virou-se para ela. — A todos nós. É por isso, que eu insisto que vá.

Arwen baixou os olhos e traçava um desenho imaginário com os dedos sobre a mesa sem dar-lhe uma resposta clara. Era injusto que ele a colocasse naquele impasse, embora por anos estivera travando uma batalha interna e decidindo se realmente partiria para a terra de sua família, ou se manteria sua promessa a Estel. Ele entenderia se quisesse partir, e não tinha dúvidas disso, mas não queria afastar-se dele. Assim, como também não desejava separar-se de sua família, tampouco de sua mãe, de quem não pudera despedir-se antes que ela partisse para Valinor. Elladan e Elrohir chegaram logo em seguida, estranhando o clima pesado na sala de refeições.

— Está tudo bem? — Perguntou o gêmeo mais velho.

— Sim. — Ela os olhou, forçando um sorriso. — Já estão indo?

— Já era para estarmos lá, mas Elrohir planeja esvaziar a dispensa antes, aparentemente. — Lançou um olhar severo sobre o irmão, que não respondeu pois estava com a boca cheia.

— Tragam notícias sempre que puderem. — Pediu Elrond. — A batalha para a qual Estel e seus companheiros caminham, temo eu, que irá cair sobre todos nós. Temos de estar prontos para qualquer coisa.

Após o desjejum, Arwen acompanhou os irmãos até a saída do vau, montada sobre o cavalo negro de seu pai e despediu-se deles, agradecendo por terem decidido ficar por ela, mesmo qie fosse por pouco tempo. Ela sentiria falta dos irmãos. E sentiria falta de seu pai, mas odiava que ele a ficasse pressionando com esse assunto. Desmontou no caminho de volta e guiou sem pressa o cavalo pela floresta de pinheiros. Estava sombria, embora o dia mal houvesse se iniciado. Caminhou por algum tempo, imersa em pensamentos até que um estranho som por entre a mata chamou sia atenção. Ela olhou ao redor e sentiu um calafrio, mas julgou não ser nada, quando torno ia olhar para frente entretanto, seu corpo congelou e pareceu que a cor havia abandonado sua pele.

— Olá, Arwen. Você sentiu minha falta? — Ela não respondeu. Ainda estava paralisada, como se não soubesse como responder. Calion, filho de Caranthir sorriu vitorioso e quando se aproximou, o cavalo sobressaltou-se e como se repudiasse sua presença, correu para longe dele. Arwen ficou alí, parada como se estivesse sob algum encantamento sombrio. — Pois eu senti a sua. Durante todos os malditos sessenta anos.

Elrond viu de sua janela, o cavalo voltar sozinho por entre as árvores. Seus olhos se arregalaram e ele correu para a direção do mesmo e entrou na floresta às pressas em busca de sua filha.

— Poderia ter continuado lá. — Disse ela finalmente, mas ainda sem poder se mover.

Calion andou ao redor dela, como se a analisasse. Chegou por trás dela e pôs a mão em seu ombro, massageando com movimentos leves. pôde ouvir a respiração da elfa tornar-se acelerada e a pele dela parecia repelir o seu toque.

— Tanto tempo se passou, minha amada. — Ele aproximou-se um pouco mais, encostou o rosto em seu pescoço e respirou fundo. — Mas eu ainda amo você. E a perdôo por ter fugido de mim na primeira vez. — Deixou uma das mãos deslizarem pelo pescoço da elfa e segurou-o com alguma força, prendendo-a entre seus braços. — Por ter me deixado mofar naquele lugar horrível, em Trevamata.

— Calion, por favor…

E agora ele soltara seu pescoço e afastou-se.

— E por… ter se entregado a Estel como uma prostituta qualquer! — Disse entre dentes, tornando a olhá-la e acertou seu rosto com um tapa, forte o bastante para causar um pequeno corte em sua bochecha. Arwen virou o rosto, mas ainda não conseguia mover o restante do corpo. Olhou-o novamente assustada ao ver que ele sabia daquilo. — Sim, eu vi. Eu vejo bastante coisas.

— E ainda não vê que eu não quero nada com você? — Desdenhou ela. Calion avançou novamente em sua direção, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, ouviu-se novamente um som ecoar pela floresta.

Arwen olhou ao redor e quando tornou sua atenção a ele, Calion havia desaparecido, quase tão depressa quanto aparecera, e ela finalmente voltou a respirar tranquilamente ao ver seu pai vir ao seu encontro.

— Arwen! — Ele se aproximou com preocupação ao vê-la parada no meio da floresta. — O que aconteceu, você está bem?

Ela demorou alguns segundos para responder, notou que podia enfim mover-se.

— Estou. — Disse com a voz baixa. — Eu só… — Tentou dizer algo, mas as palavras pareceram desaparecer. — Estou bem. Vamos voltar