Evening Star



Por quase dois meses seguidos, fez o mesmo caminho todas as noites. Legolas não sabia para onde ele ia depois do pôr do sol. Nunca sabia. E também nunca perguntava, mas isso não significava de modo algum que ele não o via sair. Estreitava os olhos sempre que Aragorn inventava alguma desculpa torpe para precisar sair, mas não levantava oposição. Então novamente, ele fazia o caminho da melodia. Cada dia, uma diferente, mas a Balada de Lúthien era sua favorita, e talvez a de sua precursora. Ela narra o conto de Beren e Lúthien, e o amor entre um homem da linhagem de Húrin e uma Elfa de sangue nobre, dos Sindar. Aragorn não acreditava em contos de fadas, mas a melodia lhe era cantada por sua mãe, anos antes e era a única coisa dela que ainda se lembrava.

Após alguns minutos, finalmente chegava à clareira. Sempre iluminada pela lua e pelas estrelas e em silêncio se postava, por detrás da mesma árvore, ouvindo o doce som da harpa. Até que a música se extinguisse e ele finalmente voltasse para casa.

— O som está ótimo. — Observou uma voz, que a despertou do alento trazido pela melodia. Levantou os olhos e viu Elladan sorrir para ela. O elfo olhou ao redor e sentiu um calafrio. — Mas o Ada odiaria saber que está sozinha na floresta a até a essa hora.

— É difícil esconder alguma coisa dele. — Garantiu Arwen, entregando a harpa ao irmão, os dois puseram-se a caminhar de volta ao castelo e ela sentiu-se tentada a dizer-lhe que talvez não estivesse sozinha, mas temeu que Elladan se preocupasse, e afinal, não tinha certeza do que sentia.

— E como está a velha Galadriel?

— Como sempre. Ela parece ter se tornado membro de um tipo de clube de magos. — Soltou uma risada alta, que Elladan acompanhou ainda mais escandaloso.

— Magos? A avó é louca! Ainda obcecada com a história do Anel.

Arwen parou no meio do caminho, incomodada com a menção do Anel e o olhou parecendo temerosa.

— Não sei o que devemos pensar sobre isso, irmão. Galadriel pode ser muitas coisas, mas alimentar loucura e superstições nunca foi um de seus robes.

— O Um anel? — Elladan sossegou, mas ele estava perturbado com a ideia. — Bem, esqueça. É melhor que voltemos o quanto antes para casa.

Ela concordou e o seguiu até a entrada da casa do senhor seu pai. Elrond estava na varanda, escrevendo algo em uma caderneta. Levantou-se e abraçou Arwen, indo junto com ela para dentro da casa.

— Estava novamente no bosque?

— Arwen parou o caminho que fazia até o quarto.

— Eu... senti saudades de tocar.

Elrond mostrou-lhe um sorriso fraco e sentou-se, analisando o antigo instrumento, o qual Elladan deixara sobre o estofado de sua sala. Era a Harpa de Celebrian, sua esposa e mãe dos gêmeos Elladan, Elrohir e de Arwen, que era apenas uma elfing quando a mãe foi emboscada por Orcs no caminho para Lothlorien, quando ia visitar seus pais. Celebrian fora torturada e atormentada, recebendo ferimentos profundos e envenenados, que jamais se curaram e lhe causaram profundas feridas emocionais. Sem mais sentir o prazer em sua vida, horrorizada e assombrada pelas memórias de sua tortura, ela não desejava mais permanecer na Terra-média e navegou para o oeste no ano seguinte.

— Você é tão boa quanto ela, sabia? — Arwen baixou o olhar e tentou sair daquele assunto. Odiava falar sobre sua mãe, e sempre que o saudoso senhor Elrond trazia seu nome à memória, imagens perturbadoras assombravam seus sonhos na noite seguinte. Ela evitava ao máximo.

— Obrigada... eu acho. — Agradeceu um pouco sem graça e fez o caminho até seu quarto.

O dia se passou lentamente, mesmo para Arwen, que estava ansiosa por voltar novamente ao bosque e continuar treinando a harpa de sua mãe. E embora não dissesse em voz alta, aquela não era a única real razão pela qual continuaria indo até lá, mas tinha medo de dizê-lo a qualquer que fosse. Principalmente a seu pai, que estava tão preocupado com tudo. A noite foi longa e assombrosa, não pudera dormir com tranquilidade e atribuía a isso, em parte ao fato de ter novamente se lembrado de sua mãe, mas nunca dissera isso a Elrond ou a seus irmãos, embora todos estes soubessem perfeitamente que estivera presente no fatídico dia em que Celebrian fora atacada.

Quando o sol finalmente se pôs, ela pendurou o instrumento por uma corda ao ombro esquerdo e saiu silenciosamente, contornando a varanda para que Elrond não a visse. Elladan e Elrohir estavam fora, então não corria o risco de encontrá-los no meio do caminho. Passou com pressa por entre as árvores e adentrou à floresta. A noite estava bela e clara, perfeita como só a primavera poderia confeccionar. Ela quase esqueceu de agradecer aos Valar por essa dádiva.

Era ali, no coração da floresta, sob a luz da lua e das estrelas, que sentia inspiração para tocar sua harpa dourada, dedilhar as cordas e sentir a vibração produzida por cada tom e acorde. Naquela noite, a saudade de Celebrian a tomara por completo, fosse por seus tortuosos pesadelos, ou pelas palavras de seu pai na noite anterior e A balada de Lúthien escapuliu por entre seus lábios em um tom vívido e suave, agradável aos ouvidos de quem ouvisse, embora ela não tivesse certeza de que alguém realmente pudesse ouvir. Sua voz era doce e acompanhava o toque da harpa como a relva acompanha a margem de um córrego. Aumentando e diminuindo a altura conforme ela entoava os acordes, sem jamais desafinar, afinal era uma Elfa. Quase não havia imperfeições em seu povo.

E por trás de sua árvore, o único ouvinte de seus concertos noturnos a via refletir o esplendor da lua, e ficou extremamente tentado a aproximar-se dela. O canto que há meses fora singelo e alegre, tornara-se saudoso e triste com o de um rouxinol. E ele franziu o cenho para isso, não entendendo o que mudara nela, mas quando pensou em deixar o esconderijo, os olhos marejados de Arwen, encontraram os seus e ele sabia que ela o poderia ver. Seu olhar tornou-se temeroso, e ele deu um passo para trás, mas foi tomado por uma estranha coragem e decidiu aproximar-se da Elfa, que agora pusera fim à sua canção.

— Tinuviel! — Ele exclamou quando estava perto o suficiente para que ela o pudesse ouvir. Arwen ergueu uma das sobrancelhas e tentou saber se deveria se sentir grata pelo elogio ou se ele estava simplesmente delirando.

— Por que está me chamando por esse nome? — Indagou?

— Foi o nome que Beren encontrou para descrever Luthien quando a viu em Doriath pela primeira vez. E agora, tenho a sensação de estar vivendo o mesmo sonho que ele.

— Não sou Lúthien Tinúviel. — Ela avisou e o analisou dos pés à cabeça. — E você certamente não é Beren, filho de Barahir.

Ele negou com a cabeça, mostrando-lhe um sorriso terno. Luthien não tocava harpa, ao menos não que ele pudesse se lembrar.

— Sou Estel. — Estendeu a mão para ajudá-la a se levantar e Arwen aceitou de bom grado. — E vivo na casa do senhor Elrond. Ele me acolheu como filho, quando ainda era criança.

Mas ela riu com alegria, e disse:

— Então somos parentes, acredito. Pois eu sou Arwen, filha de Elrond, e também me chamo Undómiel.

Estel estreitou os olhos ao ouvi-la dizer seu nome. Na verdade, Legolas já lhe havia dito a seu respeito, mas a ideia de serem "parentes" passara-lhe despercebida até então.

— Frequentemente se observa — disse ele. — Que em tempos perigosos os homens escondem seu principal tesouro. Mas mesmo assim surpreendo-me com Elrond e com seus irmãos, pois, embora tenha vivido nesta casa desde a infância, nunca ouvi falar de você. Como será que nunca nos encontramos antes? Com certeza seu pai não a trancou junto com seu tesouro?

— O que?! Não! — Ela riu, erguendo os olhos para as Montanhas que assomavam no leste.

— Morei um tempo na terra dos parentes de minha mãe, em Lothlórien. Faz pouco tempo que retornei para visitar meu pai outra vez. Já faz muitos anos que não caminho em Imladris. — Então Aragorn ficou surpreso, pois ela não parecia mais velha do que ele, que por sua vez ainda não vivera muito mais que vinte anos na Terra-média. Mas Arwen olhou em seus olhos e disse: — Não fique admirado! Os filhos de Elrond têm a vida dos eldar.

Então Aragorn ficou consternado, pois viu nos olhos dela a luz élfica e a sabedoria de muitos dias; mas daquela hora em diante amou Arwen Undómiel, filha de Elrond.

— Mas por que vem aqui à noite? — Disse apenas para puxar assunto. — Não é perigoso?

— Me diga você. — Ele abriu a boca para responder, mas foi vencido. — Por acaso deveria temê-lo, Estel?

Ela lembrava seu nome, e aquilo fez com que sentisse uma sensação estranha aquecer seu corpo.

— De modo algum, minha senhora. De modo algum.

Aquela foi a primeira vez que voltaram juntos para a casa do senhor Elrond, bem, ao menos até o meio do caminho. Conversaram bastante a respeito da música que era a favorita dos dois, sobre coisas que Arwen vira enquanto estivera fora em Lothlorien, sobre os grandes reis élficos e os Dúnedain, as batalhas da primeira era, os contos de Valinor e outras coisas fantásticas sobre as quais ele poderia ouvi-la falar por toda a noite, embora já tivesse estudado tudo a respeito. Ao chegarem próximos da casa, viram Elladan, Elrohir, e Daeron, um primo distante dos dois na porta, e ela parou imediatamente, segurando em sua mão para que não prosseguisse.

— Espere. — Pediu. Estel olhou para frente e só então entendeu o motivo. — Talvez seja melhor que nos separemos aqui. Elladan e Elrohir não conseguem manter a língua dentro da boca e não quero que eles fiquem nos atormentando.

— Eu posso contornar o riacho. Você vai em frente. — Sugeriu, mas ele foi o primeiro a quem Elrohir avistou e chamou em voz alta. Arwen negou com a cabeça e o deixou.

— Você pode ir. — Disse ela. — Espero vê-lo novamente.

E dito isso o deixou. Para sua sorte, os meninos estavam tão bêbados de um vinho que Haldir lhes trouxera de Lothlorien, que nem mesmo notaram a sombra de sua irmã mais nova afastar-se para o outro lado do riacho. Logo chamaram Estel para participar de sua pequena "comemoração".