Lómë

Era o vigésimo ano desde a partida dos gêmeos, Daeron e Aragorn e faziam exatos vinte anos que Arwen estava em Lothlórien com seus avós. Sua estadia por lá, de certa forma a deixou mais animada, como Galadriel dissera que faria, e ao contrário do que Elrond pensava, que a distrairia a ponto de esquecer totalmente sua afeição por Aragorn, na verdade não foi o que aconteceu. Haldir era o único Elfo que ia com frequência às fronteiras e ao retornar trazia-lhe, quando tinha, notícias sobre Aragorn. Entretanto, as mesmas deixaram de chegar no décimo quinto ano, e embora ficasse preocupada por isso, Galadriel lhe disse que era comum que ocorresse.

— Ele está em uma árdua missão, minha criança. — Disse ela. — Tenha paciência.

Ela concordou, mas as palavras da senhora Galadriel não a acalmaram. O tempo apenas se passou, embora em Lórien as coisas parecessem sempre quietas e silenciosas, as estações não pareciam fazer efeito, embora para os Elfos fosse assim em todo lugar, Lothlorien era singular e emanava suavidade e calmaria por todo o ar. Haldir retornara com seus irmãos no final do inverno do vigésimo ano. Viera de Valfenda e trazia-lhe notícias de seu pai, que aparentemente preparava os moradores do vale para partir. Quase metade dos elfos de Imladris já haviam embarcado e ele tinha esperanças de que ela estivesse a bordo antes da última viagem para o Oeste. Arwen não respondeu àquela pergunta e de qualquer forma, Haldir demoraria algum tempo antes de levar a ele a resposta. Embora tivesse pensado bastante a respeito de Valinor e provável necessidade que teriam os eldar de partir para as terras imortais, seu coração estava preso em Aragorn e ela relutava em aceitar aquele pensamento. De qualquer forma, sabia que ao menos um de seus irmãos já havia confirmado sua partida. Elladan evitava tocar no assunto e olhava para ela sempre que seu pai o fazia. Ele temia em deixá-la e ela sabia, e queria poder confortá-lo, mas seu coração também estava temeroso.

Na última noite do inverno, Galadriel recebeu notícias de que os Elfos viram um vagante nas fronteiras. Haldir lhe trouxe Aragorn no dia seguinte, parecia extremamente cansado, com um soldado que vem de muitas batalhas. Ele lhe disse que viera após separar-se de seus companheiros nas Terras de Mordor, e que temendo ter sido seguido pelos servos do inimigo, vagou pelo Ermo por quase cinco anos, até finalmente sentir-se seguro para voltar. Haldir havia tido dificuldades para encontrá-lo de início, uma vez que a qualquer que perguntasse à oeste das montanhas enevoadas, ele era chamado "Passolargo", embora o apelido não fizesse sentido aos Elfos e à Leste de Valfenda, ele atendia por seu nome de infância: Estel, pelo qual Elrond o chamara a fim de que não fosse encontrado por Sauron. O uso da dupla identidade, de alguma forma contribuiu para manter-se sempre oculto.

— Devo dizer, foi uma ótima ideia. — Observou Galadriel, quando finalmente o trouxeram à sua presença. — Mas seus companheiros, de certo estarão preocupados, sem saber de seu paradeiro.

— Talvez... — Ele ponderou. Ainda se sentia cansado.

— Descanse, Estel. — E sim, ela o chamava por aquele nome por costume, por mais que soubesse seu nome verdadeiro. — Amanhã, te sentirás novamente revigorado.

Ele concordou e recebeu grato o acolhimento da senhora. Galadriel não lhe disse que Arwen estava em sua casa, e também não contou a ela sobre o retorno de Aragorn, quando conversaram horas depois, ainda que sua neta parecesse inquieta e ansiosa, após estar há cinco anos sem saber nada dele. Mandou que preparassem um banho quente para o guardião, que agora já não era mais um jovem rapaz. Aragorn, agora estava no auge de seus quarenta e dois anos e havia alcançado o ápice de sua maturidade de corpo e mente. Embora para ela e para Elrond, se fosse ao menos mais maduro que Daeron, Elrohir e Elladan, estaria de bom tamanho. Vestiu-o com roupas finas, das que os elfos silvestres de Lórien costumavam usar, cinza e prateado eram suas cores e ele parecia reluzir à luz da noite.

Dormiu durante quase o dia inteiro, hospedado em Caras Galadhon, o lar do senhor e da senhora de Lothlórien, e Galadriel não buscou incomodá-lo. Imaginou que ele realmente necessitasse de um descanso, e sua dedução estava correta. Aragorn despertou revigorado e pronto para seguir viagem novamente até Mirkwood, onde se juntaria a seus companheiros. Deixou o refúgio de Galadriel e quando chegou ao jardim, que Celeborn senhor dos Galadhrim cultivava, pensou que seus olhos provavelmente estavam danificados, e se não fosse assim, teria visto Arwen conversando com sua avó em algum canto do jardim. Piscou algumas vezes e ficou imóvel no mesmo lugar, até que ao perceber sua presença, Galadriel cutucou a neta e apontou-lhe a direção onde ele estava.

— Aragorn?! — Um sorriso alegre desenhou-se nos lábios rubros da elfa, e ela apressou seus passos até ele, não deixando de rir ao ver o quanto ele estava surpreso com sua presença. — Elen síla lúmenn’ omentielvo [ Uma estrela brilha sobre a hora de nosso encontro ]

Aquelas eram as palavras de saudação habitual de seu povo, mas ela as dissera com sinceridade, então o envolveu em um forte e saudoso abraço, ao qual Aragorn de pronto correspondeu, apertando-a entre seus braços, como quem protege algo extremamente valioso.

Alassëa omentielman nan [Eu estou feliz com nosso encontro]. — Manteve o abraço por longos instantes. — Há quanto tempo está aqui? — Ele indagou quando finalmente se separaram. Arwen franziu a testa, como seu pai às vezes fazia.

— Desde que foi para o norte com meus irmãos.

— Fazem vinte anos! — E então, a estranha contagem de tempo dos Eldar novamente o assombraram. Vinte anos se passaram, e Arwen sentia não serem mais que poucos dias. Mas nada disse, não a esse respeito. — Você continua linda, sabia? Na verdade... Eu não sei porque estou surpreso. Vai continuar assim por bastante tempo.

— E você cresceu. — Arwen segurou uma de suas mãos, e manteve os olhos fixos nos dele. — Está mais maduro.

— Sempre fui o mais maduro. — Ele riu, vendo-a levantar uma das sobrancelhas.

— Nem de longe!

Galadriel sorriu ao assistir de longe o reencontro dos dois e ignorou totalmente os comentários de seu marido que repetia que Elrond ficaria furioso por aquilo.

— Mas ele merece. — Terminou Celeborn. — E ainda acho pouco.

Passaram algum tempo juntos sob as árvores douradas, falando a respeito do tempo em que estavam afastados. Aragorn lhe contara sobre como Mithrandir os fizera percorrer quase toda a terra média em busca de Gollum, a invasão dos Orcs de Dol Guldur e a batalha nos campos de Rohan, ou a insensata e perigosa excursão dos guardiões às profundezas de Mordor. Arwen passara horas ouvindo contar sobre as aventuras e desventuras que haviam tido longe de sua casa. Ela, no entanto não tinha muito oque dizer, afinal tudo o que fizera naqueles últimos vinte anos ( que a seus olhos não foram mais que vinte dias, ou uma vintena de horas, e ao mesmo tempo, pareciam ter sido uma vintena de séculos ) foi estar em Lothlórien com a senhora Galadriel e seu avô Celeborn. Então, limitou-se a ouvi-lo e a entusiasmar-se pelas histórias de guerra de Aragorn nas quais em maioria seus irmãos estavam embriagados. Espere... Quase havia se esquecido!

— E onde estão Elladan e Elrohir? — Indagou ela.

— Eu imagino que estejam em Mirkwood. É para onde irei quando deixar a floresta de Lórien. — Arwen baixou o olhar e continuou caminhando ao seu lado, tentando não demonstrar que havia se entristecido ao ouvi-lo falar de sua partida. Notando que aquilo a incomodava, Aragorn tornou a segurar sua mão e lhe mostrou um sorriso singelo. — Mas não pretendo fazê-lo ainda. Pois eu seria no mínimo um tolo, se partisse imediatamente após tanto tempo separado de você.

Ela sorriu, mas não parecia totalmente confiante do que ouvia. Na verdade, Aragorn notara que a seriedade de Elrond tornara-se um dos traços mais fortes nela, ao menos após aqueles vinte anos. E era raro vê-la sorrir genuinamente, como ocorrera quando se reencontraram, há poucos dias.

— O que está te preocupando? — Indagou, após alguns instantes caminhando em silêncio.

Arwen respirou fundo e manteve o ritmo, sem responder-lhe. Caminharam novamente em silêncio até um lugar que eles chamavam de Cerin Amroth, uma colina perto do centro de Lothlórien, onde - diziam - que o rei Amroth construiu sua casa, na Segunda Era do Sol. Ainda haviam pilastras envoltas por raízes e se erguiam da terra, enfeitadas por eleanors, que se estendiam por todo o monte. Arwen particularmente gostava daquele lugar, e com alguma frequência escondia-se ali quando criança. Ainda caminhava imersa em pensamentos e esqueceria facilmente de que Aragorn estava com ela, se ele não fizesse muito mais barulho que os Eldar, ao caminhar.

— As sombras são escuras, mas meu coração se alegra. Pois você, Estel, será um dos grandes cuja coragem a destruirá.

Aragorn sorriu, mas sua expressão era mais preocupada que esperançosa.

— Infelizmente, não posso prever esse fato, e como isso vai acontecer está oculto para mim. — Ele gentilmente a virou para poder olhar em seus olhos. – Mas vou acreditar na sua esperança e esperar. E eu rejeito essa sombra com todas as minhas forças. Mas da mesma forma, senhora, O Crepúsculo não é para mim. Pois sou um homem mortal, e se você me apoia, estrela da tarde, você também deve renunciar ao crepúsculo.

Arwen olhou para o oeste, onde o crepúsculo se punha, mas seu corpo permaneceu ali, imóvel como uma árvore branca e imortal. Ela permaneceu em silêncio por tanto tempo que Aragorn começou a se preocupar se ela ainda estava viva. Mas o que pareceu muito tempo foi apenas alguns minutos. Então novamente tornou a encará-lo e segurando em sua mão, por fim lhe disse:

— Estou do seu lado, Dunadan, e viro as costas para o Crepúsculo. No entanto, aquela é a terra do meu povo e a antiga casa de toda a minha família. — Os lábios dele se entreabriram, surpresos por ouvi-la dizer aquilo. Quer dizer, havia se esquecido totalmente que ela ainda tinha aquela opção, por mais que, sentisse que seria doloroso para ela abrir mão da herança de seu povo. E ainda mais sacrificoso para Elrond. Ela amava o pai intensamente. Ele balbuciou, mas Arwen, carinhosamente pôs a mão em seu rosto e o olhou com serenidade. — Está tudo bem. Essa é a minha escolha.