Fate

Os primeiros flocos de neve caíram quando chegaram a Valfenda. Era uma tarde clara, mas fria O inverno começaria dali a dois dias e isso também significava que em breve deveriam partir novamente. Elrond pela primeira vez pareceu realmente contente em ver Elladan e Elrohir de volta, mesmo que ambos estivessem mais preocupados em guardar os barris de vinho que Thranduil lhes dera como presente. Provavelmente precisaria ter uma conversa séria com o Rei Élfico sobre ficar incentivando o comportamento dos dois. Daeron chegou logo depois deles com Aragorn e Arwen, a quem o senhor de Valfenda recebeu com um fortíssimo e saudoso abraço.

— Por que demoraram tanto? — Indagou ele e Arwen apontou Elladan e Elrohir.

— Enrolaram durante todo o trajeto. — Elrond riu ao ver os meninos discutirem sobre como e qual seria a melhor forma de guardar os barris. — Mas chegamos não é?

Ele concordou. Os demais logo se acomodaram em seus antigos aposentos. Estavam cansados da viagem e em breve viajariam novamente ao ermo, pois embora Calion, filho de Caranthir já não pudesse exercer qualquer poder sobre eles, o verdadeiro mal que habitava seu coração tivera origem em algo muito maior e agora crescia para além das fronteiras de Imladris ou Trevamata. Arwen e Elrond apenas permaneceram na varanda da última casa do vale, apreciando o pálido pôr do sol, em silêncio até que ele finalmente disse.

— Não deveria ter discutido com você. — Ela o olhou, abaixou a cabeça e não disse nada imediatamente. — Estava certa, eu a tratei como uma criança. Isso não foi certo.

— E eu... Acho que deveria ter escutado o senhor. Ou ao menos... Tentado.

Elrond riu.

— Você é igual a sua mãe. Sempre foi. Não importa o que eu dissesse, nunca me escutou. — Ela abriu a boca para responder, mas ele a interrompeu. — Mas eu não mudaria nada em você. Nem em seus irmãos, por mais estranhos que eles sejam. — Eles ficaram em silêncio por algum tempo, tornando a olhar para o sol que se punha por detrás das rochas do vau. — Arwen... Não mudei minha posição sobre Aragorn. Você sabe.

— Eu sei. — Manteve seu olhar distante.

— E espero que entenda porquê.

— Eu entendo...

— Pode ao menos pensar no que eu disse? — Ela concordou, mas ficou em silêncio. Elrond se aproximou e a abraçou, envolvendo seus ombros com um dos braços e a puxou para perto de si. Arwen continuou em silêncio, mas ele sabia que havia escutado o que ele dissera. Viu algumas lágrimas escorrerem pelo rosto alvo de sua filha e a abraçou com ainda mais força. — Preciso que esteja pronta para navegar quando for a hora. Você compreende?

Ela levantou os olhos ainda marejados.

— Eu o amo, Ada. — Sua voz soou embargada pelo choro. — Como posso compreender a necessidade de deixá-lo?

Aquelas palavras o feriram como se recebesse um ferimento de espada, mas não respondeu. Manteve-se irredutível em sua decisão. No dia seguinte, após descansarem da viagem e da batalha em Trevamata, os guardas de Valfenda pareceram novamente recuperar o vigor. Estavam no pátio, preparando-se para partir. Elladan e Elrohir estavam com eles e Daeron preparava flechas novas para seu arco, enquanto Aragorn ajudava os estribeiros a acalmar um cavalo selvagem que acharam na colina.

— Aragorn. — Ele o chamou, após ver que o animal finalmente se aquietou. O rapaz o olhou e aproximou-se um tanto desconfiado, mas não disse palavra. — Posso ter um minuto de seu tempo?

Ambos foram em silêncio até o ponto mais alto de sua casa. Ainda estava frio e os flocos de neve agora davam à mata de pinheiros, ao longe, um manto branco. Aragorn o observou andar de um lado a outro com algo que parecia um pergaminho em suas mãos e algo que parecia embrulhado em uma manta vermelha.

— O que aconteceu? — Indagou. — Imagino que não tenha mudado de ideia quanto a me deixar ir para o norte.

Elrond negou.

— Não. Mas tenho evitado essa conversa há anos, meu jovem E creio que muita dor de cabeça teria sido evitada se não o tivesse feito. — O rapaz franziu o cenho sem entender a que se referia. — Quando sua mãe e Legolas o trouxeram, há vinte anos atrás, eu tive uma visão. A visão de Isildur, seu ancestral. Brandindo a espada quebrada de Elendil, a mesma com a qual ele derrotou Sauron pela primeira vez.

— Já me contou isso.

— Não completamente. Na verdade, Aragorn, foi você quem eu vi. E a lâmina de Elendil não estava mais partida. Então quando eu o vi, tive certeza absoluta de que era você. Agora ou mais tarde, não sei. Mas você deve restaurar o reino dos homens e livrar esta Terra Média do poder de Sauron, que cresce novamente em Mordor. — Ele manteve-se em silêncio. — Um grande destino o aguarda: elevar-se acima de todos os seus antepassados desde os dias de Elendil, ou então cair na escuridão com tudo o que resta de sua estirpe. Muitos anos de provações estendem-se diante de você. Você não deve ter uma esposa, nem assumir compromisso com qualquer mulher, até que seu tempo chegue e que você seja considerado digno disso.

E agora, o semblante de Aragorn, filho de Arathorn, era severo e triste como se pudesse sentir sobre os ombros o peso de sua sina.

— Legolas me havia avisado. E eu não quis ouvir.

— Entenda. Não estou falando apenas de minha filha. Você ainda não deve comprometer-se com a filha de homem algum. — Continuou. — Entende o que digo? — Aragorn assentiu com a cabeça, deixando que prosseguisse: — Mas quanto a Arwen, a bela Senhora de Imladris e de Lórien, estrela Vespertina de seu povo, ela é de uma linhagem superior a sua e já viveu neste mundo tanto tempo que para ela você não passa de um tenro broto ao lado de uma bétula jovem de muitos verões. Ela está muito acima de você. E mesmo que não pensasse assim e o coração dela se voltasse na direção do seu, eu ainda me sentiria triste por causa do destino que nos foi imposto.

— Que destino é esse? — perguntou Aragorn.

— Que, enquanto eu permanecer aqui, ela viverá com a juventude dos eldar — Respondeu Elrond —, e quando eu partir ela irá comigo, se assim escolher.

— Estou vendo — disse Aragorn — que fixei meus olhos num tesouro não menos precioso que o de Thingol, desejado outrora por Beren. Este é meu destino. — Então, de súbito, o poder de previsão de seu povo aflorou-lhe na mente, e ele disse: — Mas veja, mestre Elrond! Os anos de sua permanência estão chegando ao fim, e a escolha logo deverá ser imposta aos seus filhos, a escolha de se separarem ou do senhor ou da Terra-média.

— É verdade — disse Elrond. — Logo, pelos nossos cálculos, embora muitos anos dos homens ainda devam se passar. Mas não haverá escolha para Arwen, minha amada filha, a não ser que você, Aragorn, filho de Arathorn, se coloque entre nós e faça com que um de nós dois, você ou eu, sofra uma separação amarga, que ultrapassará o fim do mundo. Você ainda não compreende o que deseja de mim. — Elrond suspirou e depois de um tempo, olhando gravemente para o jovem, disse outra vez: — Os anos trarão o que devem trazer. Não vamos falar mais nisso até que muitos se tenham passado. Os dias estão escurecendo, e muito está por vir.

Eles se despediram após essa frase. Aragorn não discordava de Elrond e certamente entendia a relutância do mesmo em deixar que Arwen se envolvesse com ele. Mas saber disso não aliviou seu pesar e não tornou mais fácil o momento de despedir-se dela. Talvez por essa razão a tivesse evitado durante toda a manhã do dia de sua partida, pois dizer-lhe adeus e saber que talvez não tornaria a vê-la, pois por propósitos maiores seus destinos se separavam, era quase como apunhalar-lhe com uma faca no coração e em seguida matar-se de igual modo.

Mas apenas Elladan pareceu notar que ele estava silencioso e que não desapareceu no meio do dia como era seu costume. Ficou por toda a manhã com eles, preparando armas e suprimentos para sua viagem às fronteiras, até que o mais velho dos filhos de Elrond se cansasse de seu silêncio.

— O que pensa que está fazendo? — Indagou. Aragorn o olhou sem entender exatamente a que ele se referia. Estava amolando algumas flechas.

— Não parece óbvio?

— Não falo disso. Me refiro ao fato de estar aqui o dia todo. Você não deveria... Sei lá, ir falar com Arwen antes de partir?

Ele baixou o olhar para as flechas novamente.

— Não, eu acho que não conseguiria me despedir dela.

— Não pode ser tão dramático assim. — Bufou. — Está sóbrio?

— Seu pai me aconselhou a não fazer isso. — Esclareceu ele. — E está certo. Não posso.

Elladan assentiu e virou-se para sair, mas antes voltou e o encarou com tamanha seriedade, que ele teve dúvidas se não era o próprio Elrond em sua frente.

— Sabe que sou seu amigo, não é? — Ele concordou. — Ótimo. Mas saiba que se fizer minha irmã sofrer, eu vou te jogar de um penhasco. O mais alto que eu achar.

— Anh... Elladan?

— Eu quero que levante a droga da sua bunda daí e vá falar com ela. — Ele ficou parado o encarando. — Agora.