The Song of Luthien



O dia terminou sem que pudesse perceber, pois seus olhos ficaram fixados na elfa de cabelos negros e longos, durante toda a noite. Esquecera-se de suas indagações sobre os Dunedain, sobre as terras ermas, até mesmo esqueceu a existência de Legolas, que tentava inútilmente contar-lhe como foram suas novas aventuras além das fronteiras de Rivendell. Sua atenção estava sempre dividida entre olhar curiosamente para a jovem Arwen Undómiel e ouvir o que seu amigo dizia. Em sua última tentativa, Legolas seguiu o olhar do garoto até o rosto de Arwen e seu semblante se transformou de imediato.

— Estel... Estel!

— Oi! — Ele o olhou de sobressalto.

— Às vezes eu me esqueço de que você não é um elfo. — Observou Legolas, quase rindo. — E de que não tem mais a mente de uma criança.

— O que? — Indagou-lhe sem entender o que ele queria dizer, então o elfo fez um discreto sinal com a cabeça, indicando a direção onde Arwen e Elrond conversavam. — Eu só... fiquei curioso.

— Não fique. — Aconselhou Legolas, os dois agora caminhavam para a varanda, de onde ainda se podia ouvir a música e ver os que estavam lá dentro, mas poderiam conversar sem serem incomodados. — Pode perguntar a mim. — E antes que ele abrisse a boca para perguntar, o elfo adiantou-se com a resposta. — Ela é Arwen Undómiel, filha de Elrond, deve ter uns dois mil e tantos anos, e meu pai só não me perturba para me casar com ela, porque acredita fielmente que os descendentes dos Noldor são amaldiçoados. — Riu.

Ele fechou o semblante ao ouvir falar no assunto. Por que agora, Legolas vinha com essa piada sobre casamentos?

— E você se casaria com ela?

Por que não? Arwen era bela, e jovem na contagem dos Eldar, vinha de uma linhagem nobre e pura, mas Legolas, não pareceu dar importância a nada daquilo.

— Não…— E o jovem Estel suspirou aliviado, sem sequer entender porquê. Legolas, entretanto possuía uma ótima visão e sorriu, achando graça da forma com o garoto se comportava. — E nem você. — Ele o olhou espantado. — Ela tem idade para ser a tatara-tataravó da sua tatara-tataravó, senão mais. Além de ser irmã dos seus irmãos adotivos.

— E ainda assim deve ser menos rabugenta que você. — Provocou.

— Muito engraçadinho. Quero ver fazer essa piadinha quando eu o pendurar em uma árvore, pelas orelhas.

Aquilo costumava funcionar antes de seus quatorze anos, mas agora, Estel ria de sua vã tentativa de ameaça-o.

— Eu não sou mais criança, Legolas. — Disse orgulhoso. — Sou um homem feito. O que você pode fazer? É quase um aposentado.

— Se você diz... — Então sacou uma espada e apontou na direção do mais novo. — Então venha tentar me derrubar.

— Com prazer, velho!

As espadas se chocaram entre risos e empurrões. Legolas era um elfo experiente e conseguia prever cada ataque do rapaz, mas sua intenção não era lutar verdadeiramente com ele. Normalmente deixava que tivesse esperança de vitória antes de golpeá-lo e derrotá-lo e atormentá-lo pelo restante da semana. O fazia desde que o pequeno filhote alcançou força suficiente nos punhos para segurar uma espada, e aquilo fora bem mais cedo do que pensou. Mas agora, Estel era um homem de vinte anos, lutava com bravura e destreza e quando lhe parecia oportuno sempre inventava novos golpes para surpreender o Elfo. Como fora agora. Ele deixou-se ser jogado ao chão e quando Legolas apontou a espada para ele, deu-lhe uma rasteira com a primeira perna, a qual o loiro evitou saltando por cima, e a segunda o pegou de surpresa com um chute no calcanhar.

— Oh! — Legolas caiu ao seu lado e ele apontou a espada para ele. — Pilantra!

— Você perdeu. Hora de se aposentar.

Eles começaram a rir e se levantaram. As roupas estavam cheias de folhas e terra do jardim da varanda. Um som único de aplauso chamou sua atenção e eles se recompuseram ao ver o senhor Elrond parado junto à porta.

— Está ficando cada vez melhor, meu rapaz. — Elogiou.

— O senhor Legolas me tem treinado muito bem. — Legolas e Elrond trocaram olhares por poucos segundos, como se conversassem por código. — Mas... eu gostaria de poder ser útil de alguma forma, meu senhor. — Suas palavras se perderam enquanto dizia. — Eu posso ajudar os elfos na guarda, ou ir para as fronteiras com Legolas. Já estou crescido, posso me cuidar.

Elrond balançou a cabeça positivamente, mas não assentiu com o que o jovem pedia. Olhou-o de cima a baixo, julgando sua estatura. Era apenas um pouco mais baixo que Elrohir, o mais alto de seus filhos, tendo quase a mesma altura de Elladan, mas este também era mais alto que ele. Ele fora miúdo e pequeno nos primeiros anos de sua vida, como todos os meninos dos Dunedain, agora era forte e grande como um guerreiro Élfico. Ele riu.

— Eu sei que pode.

— Senhor... — Legolas tentou intervir, mas Elrond fez sinal para que o deixasse continuar.

— Mas o seu destino não está em Valfenda, na Guarda ou nas fronteiras, Estel. Deve ficar aqui, e deve ficar seguro, até que chegue o tempo em que poderá sair e ser o que está destinado a ser.

E até que aquilo fosse possível, ele permanecia trancafiado em Valfenda, agora já há dezoito anos, dezoito anos faziam desde que se tornou hóspede e filho de Elrond e a calmaria de Imladris tornava sua mente perturbada. Ele revirou os olhos para aquilo e bufou irritado com as palavras do Elfo. Deixou a varanda e atravessou o salão com pressa. Aquela história de destino e proteção tornara-se fadigante para ele. Era noite, e o sol já havia se escondido por entre as rochas do vale, os elfos deixaram as ruas e procuravam suas próprias casas. As estrelas brilhavam com mais intensidade no céu azul e uma linda lua nova surgiu por entre as fendas da montanha. Ele se sentou em uma das pedras na floresta e ficou algum tempo observando enquanto o astro subia ao céu para fazer companhia à luz das estrelas. Seus olhos se voltaram para a casa de Elrond, a última casa do vale, de onde ainda se podia ouvir a música, A Balada de Lúthien, uma das músicas de sua infância e que contavam sobre as histórias da Terra-Média. A melodia ficara em sua cabeça após algum tempo, e ele começou a imaginar que talvez Legolas inventasse de vir à sua procura com alguma estúpida desculpa do porque Elrond temia em enviá-lo ao ermo.

Levantou-se então e continuou sua caminhada pela floresta. E a melodia que antes ficara em seu subconsciente, passou a ser murmurada por entre seus lábios fechados e quando deu por si a estava entoando em voz alta, enquanto passeava pela mata. Para sua felicidade, Valfenda era um lugar seguro e não havia perigo em suas dependências. Ao menos, não o perigo de que Legolas falava quando se remetia às terras além do vale. Sua caminhada no coração da floresta terminou, tal como sua canção, quando ouviu uma percussão de harpa que vinha de algum lugar na mata. Estava relativamente escuro, e ele imaginou-se sozinho, mas seguiu o som até uma clareira, iluminada pela lua e as estrelas, e então ele a viu. A elfa de cabelos longos e negros, que caiam ondulados como cascatas por suas costas desnudas e pelos ombros, enquanto ela dedilhava com habilidade uma harpa de ouro o conto sobre o qual ele cantava há poucos instantes.

A música iniciara-se do ponto em que ele havia parado e Estel escondeu-se atrás de alguma árvore, evitando ser visto por ela, temendo perturbar a calmaria da noite e tirar-lhe a atenção de sua performance. Ele ficou ali, em silêncio, por longos minutos, e quando a canção finalizou e ela guardou o instrumento, tratou de sair dali com silêncio e rapidez.