Immortal Star

Segredos em dobro


Como eu tinha dito antes, San não era uma pessoa boa... Mas ele era ótimo em esconder suas verdadeiras intenções. Algumas eram boas. Só algumas.

A luta que se seguiu foi uma das mais raras que o Coliseu dos Deuses já presenciou, pois foi a primeira vez que eles conseguiram ver uma Xamã de Combate lutando. Era uma classe rara, e geralmente, eles não saiam de sua vila, lá no norte do mundo.

Mas nossa xamã nervosinha ainda tem mais coisas para contar. Existe um segredo absurdo que ela e San guardam que poderia mudar todo o mundo. Esse foi o motivo dela ter odiado tanto o guerreiro cabeludo. E também vai ser o motivo dessa parte da minha história.

Mas antes, vou contar uma outra coisa que estava acontecendo ao mesmo tempo, e que fará você, meu caro ouvinte, ficar desesperado por respostas.

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Shiro abriu os olhos, mas logo teve que fechá-los novamente. A luz das tochas em seu quarto pareciam mais luminosas do que de costume. Claro, essa não era bem a situação. O problema era que ele tinha dormido pesadamente por mais de dezesseis horas direto, logo depois que saiu da Unidade de Tratamento Intensiva.

Depois do combate contra Mana, ele tinha acordado só as cinco horas da manhã do dia seguinte. Ele acordou, viu que seus companheiros não estavam no quarto, sentiu dores absurdas no corpo e decidiu dormir de novo.

Agora, tinha sido um pouco diferente. Ele acordou bem melhor, vendo que estava com sua energia mágica quase completamente cheia, e as dores mais fortes haviam desaparecido. O que lhe incomodava ainda era a fome de leão que estava sentindo. Isso era normal por dois motivos muito simples: primeiro que ele estava mais de vinte e quatro horas sem colocar nada no estômago e segundo que o veneno de Mana tinha lhe corroído boa parte das paredes de gordura de todo o seu sistema digestivo.

Shiro sorriu quando percebeu a potência absurda do veneno de sua rival, mas riu mais alto quando lembrou que seu próprio remédio tinha lhe ajudado a ficar vivo. Nem sua honra estava manchada. Não que ninjas tivessem muita, pra começo de conversa.

O ninja, ainda todo enfaixado da cabeça aos pés, forçou o corpo para ficar sentado na sua cama. Só havia um membro de seu time ali no quarto além dele, e esse alguém era White.

O paladino estava sentado na pequena mesa redonda do quarto, totalmente mergulhado em concentração com uma grande pilha de papel espalhada pela mesa. Com o barulho da cama, White se vira na cadeira e encara Shiro tentando sair da cama.

— Tem certeza que você já está bem o suficiente para andar? — perguntou o Líder da Guilda, se levantando da cadeira de madeira.

— Relaxa, to bem sim. — Shiro fica em pé, ao lado da cama, e sente uma leve fisgada nos ossos. Ele precisava de uma reabilitação e uma grande mesa cheia de carne para forrar o estômago. — Você parece ocupado... E sua cara está horrível. Quanto tempo faz que você não dorme?

— Não durmo desde ontem. É por uma causa urgente. E infelizmente, você está envolvido nisso. — diz White, batendo a mão em cima dos papéis na mesa. Shiro fechou a cara na mesma hora. Aquela expressão no rosto do paladino não era coisa boa. Ele o conhecia bem o suficiente para saber que algo terrível tinha acontecido. Ou estava preste a acontecer.

— O que houve? — perguntou o ninja, lentamente se aproximando da mesa.

— Ainda não houve nada. E sinceramente, eu espero que não haja mesmo. — White se vira para a mesa e a revira por uns segundos, retirando dois papéis dali e os entregando para Shiro. — Você tem uma missão. Ultra secreta e ultra urgente. Nível SS.

— O QUÊ!? SS? — depois de gritar assustado, o ninja começa a passar os olhos pelos dois papéis entregues a ele. Ele não estava gostando nada do que estava lendo. Aquele nível de missão era o mais alto em sua Guilda e ele só tinha participado de apenas uma missão daquelas. E se tratava de uma guerra em escala nacional. — Uma missão conjunta com o Ravidel e a Kuro? Você está juntando os três líderes de investigação das nossas principais filiais! White, o que isso significa?

— É algo grande, Shiro. Maior do que tudo o que a gente já fez. Algo que você não tem nem ideia do tamanho. Aliás, nem eu tenho. — o Líder da guilda se senta e continua a revirar os documentos. — Você vai receber os detalhes quando os outros dois chegarem aqui na cidade. Até lá, eu ordeno que você fique em espera e descanse muito. Você vai precisar.

— Bom... Por onde eu devo começar?

San estava sentado em sua própria cama, mordendo uma maçã vermelha. Ele não parecia que tinha estado entre a vida e a morte há apenas algumas horas atrás. No momento, eram perto das nove da noite, e fazia só uma hora que ele tinha saído da enfermaria e voltado para seu quarto junto com os companheiros de equipe.

O pessoal não conseguia acreditar no fato dele sair da enfermaria andando com as mãos nos bolsos, dizendo "E aí pessoal, tudo tranquilo?", para depois ir caminhando sem ajuda nenhuma até o quarto, onde ele disse que todos deveriam esperar. Kula perdeu a conta de quantas vezes perguntou para ele se ele estava se sentindo bem. E nesse mesmo número de vezes, San respondeu que estava tudo bem.

Depois que eles chegaram no quarto, o garoto machucado pediu gentilmente que alguém lhe trouxesse uma janta bem preparada, pois estava sentindo muita fome. Como nenhum deles haviam comido ainda, eles deixaram o quarto, foram para o refeitório do Coliseu e trouxeram suas bandejas para jantarem todos juntos no quarto com San.

O jantar foi feito em silêncio, mas todos ficavam olhando para o garoto que devorava sua comida sem quase mastigar direito. Depois, ele foi até sua bolsa de papel e tirou uma maçã. Se sentou na cama e então viu que todos os três amigos lhes encaravam. Foi quando ele perguntou se havia algo que eles gostariam de lhe perguntar. Mulkior disse que havia muito a ser perguntado, e foi quando San disse aquilo ali mais cedo.

— Comece dizendo sobre esse negócio de você usar Energia Mágica também. Você nunca usou isso enquanto estava comigo e nem sequer comentou algo do gênero. — falou Mana, que estava sentada em sua cama, bem do lado da de San.

— É, eu imaginei que você me questionaria sobre isso. — San deu outra mordida na maçã. Mastigou, engoliu e depois se preparou para falar de novo. — Primeiro vocês devem saber que eu nasci com um certo problema. Eu nasci com um Potencial Mágico ridiculamente baixo. Se formos colocar em números, um ser humano normalmente nasce com um potencial de "50", mas eu nasci com "20". Isso faz com que seja impossível eu me tornar uma classe mágica.

— E por isso você treinou as técnicas que usam Energia Vital. — disse Mumu, chegando a uma conclusão óbvia. O mago estava sentado na mesa redonda, bem ao lado de Kula. Estava com os braços cruzados em cima do móvel e parecia realmente curioso.

— Exatamente. — outra mordida na maçã foi dada. San sabia que iria falar demais, então apontou para a jarra de água que estava em cima da mesma mesa em que eles conversavam. Kuchi entendeu o gesto imediatamente. Se levantou, pegou um copo e o encheu de água, o levando para o garoto logo depois. — Obrigado Kula. Então, como eu dizia... — ele deu um gole na água. — Eu tenho um baixo potencial, mas isso não significa que eu não possa usar magias. Mas como eu tenho pouco, eu não poderia usar mais que três ou quatro magias por combate. Então eu precisei pensar muito em o que eu deveria usar para complementar minhas habilidades. E o resultado foi esse que vocês viram hoje.

— Magia de Auto Suporte. Foi uma ideia engenhosa. — disse Mana, sem se mexer da cama. — Junte isso à sua velha habilidade de controle de energia quase perfeita, e você acaba virando uma máquina de guerra.

— Sua análise de combate também é impressionante. Eu percebi que você fez de tudo para economizar energia durante as três lutas, tendo em mente que precisaria lutar até o final. — disse o mago de ferro.

— Minha análise não é só em combate. Eu observo tudo o tempo inteiro. — San dá a mordida final na maçã, atirando o resto que sobrou na lata de lixo ao lado de sua cama. — Por exemplo, é fácil dizer aqui que entre nós, eu sou o mais fraco. Kula tem a maior quantidade de energia mágica de nós, seguido por Mana e depois você Mulkior, com pouca diferença. Já no aspecto força física, Mulkior vem em primeiro. Mana é a mais rápida e mais precisa de todos nós, e provavelmente tem a maior variedade de golpes, mas eu não posso confirmar isso ainda.

— Espera... Você chegou nessa conclusão assistindo só uma luta de cada um de nós? — perguntou Kuchiki, que também tinha outra dúvida na mente. A dúvida era que San tinha dito que Mumu teria MENOS energia mágica do que Mana. Um mago tendo menos energia mágica do que um assassino? Desde quando?

— Sim. Uma luta foi o bastante pra eu definir muitas coisas para o bem do nosso time. Inclusive o fato de que temos realmente uma chance enorme de ganharmos esse torneio.

— Está exagerando, San. — disse Mana. — Duas lutas não deveriam ser o suficientes para termos alguma certeza. Ainda tem muitos times perigosos lutando e ganhando dos outros sem lutarem com todas as forças. O mais certo a se fazer é considerar que, a cada nova luta que faremos, ela será ainda mais difícil.

— Acho que entendi o que San quis dizer. — era Mulkior que estava falando nesse momento. — Ele não conseguiu ver apenas o nosso potencial, como também deve saber que nós ainda temos muitos truques debaixo da manga, não é?

— Acertou em cheio. — respondeu San, dando um sorriso típico dele. — Mas Mana tem razão. Cada nova luta que iremos fazer, será mais difícil que a anterior, pois os nossos inimigos virão mais preparados. E que por falar em vir preparado...

San tinha sentido a presença dela a alguns metros de distância, vindo com passos pesados pelo corredor de pedra do lado de fora do quarto. Três segundos depois, alguém estava batendo na porta do quarto do time da Immortal Star.

Mumu foi quem se levantou e foi até a porta, não se impressionando muito ao ver quem era. Eles foram avisados. O mago abriu a porta e deixou duas mulheres entrarem. Elas estavam acuadas, parecendo estar entrando na jaula de um animal feroz.

Mochizuki e Geovanna olhavam para todos os cantos, contando quantas pessoas tinham ali. Eram só os quatro membros do time mesmo, e isso fez as duas se acalmarem um pouco. Bem... As duas não. Geovanna se acalmou. Momo não.

A xamã estava parecendo uma múmia, enfaixada em todos os lugares possíveis do corpo. Ela estava mais branca do que normalmente já era, o que lhe tornava algo parecido com uma vampira. O olhar fixo em San, querendo beber o seu sangue quente, também ajudava as pessoas ali presentes terem uma imaginação bem parecida. E San não ajudou em nada quando levantou a mão e disse "Oi Momo, como você está?", como se nada tivesse acontecido.

— Corte o papo furado, San! — respondeu a xamã, furiosamente. — Me diga logo o porque você está com o pergaminho!

— Você não se acalmou ainda. Tudo bem, eu não vou te enrolar. Mas saiba que pra mim te explicar o porque eu estou com ele, eu vou ter que contar para todos aqui nesse quarto o segredo que seu povo guardou por quase um milênio. Tem certeza disso?

Mochizuki não respondeu de imediato. Ela olhou para o lado e encarou Geovanna, que estava com uma cara de quem realmente não estava entendendo nada. A garota só estava ali junto com Momo porque tinha implorado para vir. Como a garota achava que San só iria lhe dizer o motivo de estar com o pergaminho, ela não se importou com o fato da amiga lhe acompanhar.

Mas agora era diferente. Revelar todo o segredo de seu povo... De sua família... De toda uma geração de guardiões que morreram para proteger esse segredo... Ela confiava em Geovanna o suficiente para não se preocupar, mas com o resto do time de San era diferente. E eles não pareciam que sairiam do seu quarto só pra não ouvir a história. Era um dilema.

Mas o que ela tinha a perder? Ela JÁ tinha perdido tudo e estava preste a recuperar pelo menos alguma coisa. Ela precisava deixar bem claro que só sairia daquele quarto carregando o pergaminho que San tinha nos bolsos.

A xamã vampiresca andou até a mesa onde Kula ainda estava sentada, puxou uma cadeira e se sentou. Tentou respirar fundo e aliviar a mente. Olhou para San e disse que ele podia começar a contar.

— Muito bem. Antes de eu começar, deixe-me dizer que o que vocês ouvirão aqui, é um segredo tão absurdo que se vocês vendessem essa informação, o dinheiro que vocês ganhariam daria pra comprar uma cidade inteira. Claro que a pessoa que comprou essa informação de vocês iria mandar matá-los imediatamente depois de pagarem. Isso é algo de escala mundial. É mais seguro manter como um segredo. Sabendo disso, se vocês não tem certeza se é bom ou ruim de ouvir essa conversa, então saiam do quarto.

Houve um silêncio sepulcral no quarto. Nem a respiração das pessoas ali presentes era possível ser ouvida. Geovanna estava claramente assustada. Ela não esperava ouvir aquilo. Ela só tinha implorado para a amiga lhe levar junto porque queria ver San. Ela queria saber como ele estava depois da luta, se estava machucado ou pelo menos consciente. Só vê-lo já estava bom. Mas se era um segredo que ele iria contar e iria confiar nas pessoas aqui para guardarem segredo, então ela gostaria de ouvir.

Já Mana e Kula não aguentavam mais tanta curiosidade. A assassina imaginava que para deixar Mochizuki em um estado onde ela perdesse o controle, San precisaria estar relacionado a algo grandioso demais. Mulkior pensava como sua parceira. Ele não fazia ideia do que San poderia ter feito, mas em se tratando do rapaz, tinha que ter algo a ver com mortes e guerras. Eles não erraram.

— Vou começar dizendo que o que tenho em mãos é provavelmente um dos tesouros mais caros e perigosos do mundo. — San tira o pergaminho do bolso interno de sua roupa e mostra para todos no quarto. Momo olhou bem para o pergaminho e tirou a conclusão final de que realmente era verdadeiro. Ela era uma das últimas pessoas vivas no mundo que conseguiriam identificá-lo. — Vou ter que começar contando como eu conheci a Mochizuki. Isso foi há quase dois anos atrás. Eu recebi um pedido de uma vila muito ao norte de Arlan, para um trabalho muito importante. Eu nunca tinha ido até lá, e nenhuma informação a mais tinha chego em minhas mãos. Curioso, eu me aprontei para enfrentar o frio e fui até a vila. Fiquei impressionado quando cheguei, pois logo de cara vi que aquela vila estava repleta de guerreiros com uma aura poderosa. Eu fui indicado até a casa da Líder da Vila, que era onde morava Momo e seus pais. — nesse momento, a xamã abaixou a cabeça e segurou as lágrimas, pois tinha acabado de lembrar da visão que ela teve durante a luta. — Quando eu entrei na casa, eu devo admitir que me senti inseguro. O poder mágico dessa garota aqui e dos seus pais era imenso. A mãe dela veio se apresentar, dizendo que ela era a atual Líder da vila, mas que sua filha logo iria tomar esse posto. Ao olhar e analisar Momo, eu entendi o porque. — nesse momento, todos no quarto olharam para a xamã, lhe deixando encabulada. A garota não tentou levantar a cabeça ainda. — Sua mãe começou dizendo que eu estava sendo contratado para um trabalho realmente grande, e que tudo o que eu tinha que fazer era proteger aquela vila com a minha vida. Eu estranhei na hora e a questionei. Ela disse que aquela vila guardava um segredo milenar e que alguém de fora tinha descoberto. Então eu perguntei do porque me contratar, e ela disse que não poderia pedir ajuda a nenhuma Guilda, pois elas só concordariam em trabalhar se soubessem o tal segredo. E como eu já tinha fama de trabalhar somente pelo dinheiro e era muito bom em guardar segredos, eles ficaram sem alternativas. Ainda meio relutante, eu aceitei o trabalho. Sinceramente, eu não acreditava que uma vila tão escondida daquelas pudesse guardar algum segredo tão grande assim. E foi quando tudo começou a dar errado. — San parou por poucos segundos, levantando a cabeça. Ele estava tentando se lembrar de cada detalhe. — No dia seguinte, a mãe de Momo recebeu uma carta. Era um "ultimato". Nessa carta, dizia que se eles não entregassem o tesouro para o Rei de Deicius, que era a Capital de Arlan, em vinte e quatro horas, as tropas da cidade iriam atacar a vila e matar todos os moradores.

— Calma aí! — disse Mulkior, estendendo a mão. — O próprio exército do rei iria atacar uma vila do próprio reino? Que tipo de Rei pensa em fazer tal loucura?

— Esse é exatamente o ponto que eu quero que vocês entendam. — continuou San. — O "segredo" daquela vila valia muito mais do que podemos imaginar. E os pais de Mochizuki sabiam que aquele não era um simples blefe. Não era uma intimidação. E eles não iriam entregar o tesouro. Foi aí que eu entendi o porque eles não tinham pedido ajuda da Capital do Reino em primeiro lugar... Então a líder da vila juntou todos os guerreiros da vila, e depois de um grande discurso, os levou para a linha de frente, protegendo a entrada frontal da vila. Eu tive que me juntar a eles, tendo que cuidar da vida dessa garota aí também. — falou o contador da história, apontando para a xamã que tinha acabado de levantar a cabeça para encará-lo.

— Mas o quê? Desde quando? — perguntou Momo, claramente emburrada.

— Foi um pedido de seu pai. Ele disse que não queria deixar a filha e futura líder da vila correr nenhum risco de vida. — San respondeu tão diretamente e claramente que a xamã tinha certeza que não era nenhum tipo de mentira. Isso fez com que todo o esforço da garota em segurar as lágrimas fosse por água abaixo. Mochizuki levou as mãos nos olhos e começou a chorar. Mas San não parou de contar a história. — Ao passar as tais vinte e quatro horas, nós conseguimos ver o exército de Deicius marchando contra a vila. Eram milhares de homens. O Rei não estava brincando mesmo. Foi então que uma pessoa se aproximou da entrada da vila, vindo muito a frente da marcha do exército. Era o vice comandante do exército real. Ele veio para dar uma última chance para a vila, dizendo em alto e bom tom para que todos se rendessem, que suas vidas seriam poupadas. Ficou frente a frente com a líder da vila. Nesse momento, eu, que estava ali pertinho deles, pude sentir a intenção assassina daquele cara. Ele não estava ali para dar aviso nenhum! Estava ali pra dar início a uma guerra! E... Foi onde aconteceu. — Momo intensificou o choro, porque lembrava muito bem dessa parte da história. Era a parte que ela mais odiava. — Quando a líder da vila disse que não entregaria nada para ninguém, o vice comandante sacou a espada e em um só movimento, cortou a cabeça dela fora. Acho que isso deve ter criado uma semente de ódio infinita em todos os guerreiros da vila. Com o golpe, o pai de Momo perdeu o controle e atacou o assassino de sua mulher, o matando a sangue frio momentos depois. Furioso, o pai dela mandou que todos avançassem para cima do gigantesco exército real, que já estava vindo em nossa direção. A única que tinha ficado para trás era a própria Momo, que não parava de olhar para o corpo caído e sem cabeça de sua mãe. Daqui pra frente, um verdadeiro banho de sangue tinha se iniciado. Os guerreiros da vila se provaram realmente poderosos. Cada um daqueles batalhadores valiam por cinco ou seis soldados do exército real. Então inicialmente, a batalha se mostrou vantajosa para nós, principalmente por causa do terreno onde a batalha estava ocorrendo. Mas o que o exército não tinha de habilidade, eles tinham em número.

— CHEGA SAN! — gritou Mochizuki, ainda chorando desesperadamente. Todos no recinto a olharam. — Chega dessa história! Eu não aguento mais! Não conte mais nada!

— Agora já é tarde, Momo. — ignorando o pedido da garota, San continuou. — Eu vi Momo muito lá atrás, gritando e chamando por sua mãe enquanto o pai dela corria em direção ao Comandante Geral do Exército. E aqui é onde aconteceu o segundo desastre. Vendo que não tinha ninguém para interromper sua luta, o pai de Momo desafiou o Comandante para um duelo de morte. Tinha sido a mesma coisa que apostar uma moeda com o Demônio. Aceitando o convite, o Comandante partiu para cima e os dois tiveram uma luta intensa e perigosa. E o resultado foi desastroso. O Comandante acertou um golpe de ponta exatamente no meio do coração do pobre coitado recém viúvo. Eu acho que olhei para trás nesse momento. Enquanto o pai caía, a filha se levantava. Momo correu para a batalha invocando um de seus espíritos. Foi a primeira vez que ela iria ter que matar alguém na vida, então eu não pude culpar o medo que ela sentiu naquela hora. Mas eu acho que a raiva de ver seu pai caindo morto aos pés do Comandante tinha feito ela perder o juízo. Eu tive que correr atrás dela, dando cobertura. Momo foi atacando e avançando pouco a pouco, deixando um rastro de sangue dos inimigos pelo caminho. Eu fui só ajudando a empilhar os corpos. Depois de tanto avançar, ela finalmente tinha chegado onde queria: na frente do maldito que tinha acabado de matar seu pai. Mas Momo não fez o mesmo que o pai. Ela não o desafiou. Ela simplesmente pulou em cima dele, preparada para matar ou morrer. E por sorte, ela o matou. Com a morte de seu Comandante, o exército real ficou perdido. Eles debandaram e fizeram uma retirada urgente, recuando até o primeiro posto avançado deles. Como Momo ainda parecia fora de si, eu a fiz mandar seu povo recuar para a vila para uma reunião estratégica. Era mentira. Eu só tinha dito aquilo para não fazer com que Momo continuasse correndo loucamente atrás dos inimigos junto com o restante dos guerreiros de sua vila.

— Mas San, você disse que eles estavam debandando! — disse Mulkior. — Isso significa que eles não estavam mais organizados e ainda estariam em uma grande desvantagem! Vocês deveriam ter continuado o avanço!

— Não Mumu, eu entendi o porque San fez isso. — essa era Mana falando. — Se os guerreiros da vila continuassem avançando, eles teriam que enfrentar o exército no posto avançado deles, onde eles estariam mais protegidos e provavelmente mais organizados. Se Mochizuki e seus guerreiros chegassem lá, eles acabariam sendo aniquilados.

— Exatamente. — respondeu San, que continuou. — Foi só depois que voltamos para a vila que percebemos a situação desesperadora em que nos encontramos. Não havia sobrado quase ninguém vivo. Haviam muitos feridos...Resumindo, se nós entramos naquela batalha com trezentas pessoas, tinham sobrado somente cem. Talvez menos. E essa não foi a pior parte. Depois que chegamos a vila, os guerreiros começaram a perder o controle. Eles viram seus amigos e familiares morrendo ao seu lado, e muitos deles já não tinham mais a vontade de lutar. Ou seja, aquele "cem" que eu tinha dito mais cedo, acabou de diminuir para uns "setenta". Entendem o que eu digo? Aquela vila não teria mais chances. Todos os guerreiros iriam morrer, e o exército entraria na vila e mataria todos os inocentes dali. Não sobraria nada, e o tal tesouro acabaria sendo roubado. Eu senti uma enorme pressão no peito nesse momento. Eu iria ficar ali para morrer por um povo que eu nem conhecia? Eu não queria morrer daquele jeito. Então eu pensei em fugir sozinho. — foi por ter dito isso que Momo conseguiu parar de chorar. Agora a raiva estava começando a voltar e tomar mais importância. Geovanna foi a única que percebeu a mudança de expressão da amiga. — Por causa da falta de Comandante do Exército Real, eu ainda teria mais ou menos um dia até eles declararem um novo Comandante e iniciarem o último ataque. Mas antes de poder planejar a minha fuga, alguém veio me procurar. E esse alguém era Hiki, um dos moradores da vila.

— Hiki? O sapateiro desaparecido? — perguntou Mochizuki. Ela estava realmente confusa, porque ela não sabia nada daquilo. Essa parte da história era novidade pra ela.

— Ah! Sapateiro de dia... Espião de Deicius de noite. — San olhou para Momo, só para ver a nova expressão de terror estampada no rosto da pobre xamã. — Foi ele que espalhou o segredo da sua vila e de seu povo para os ouvidos do Rei daquele reino. Eu não sei o que se passou pela cabeça dele, mas chuto que deve ter sido a mais simples e pura ganância. Ele veio me pedir ajuda. Se revelou como um espião trabalhando diretamente para o Rei, e que aquela guerra estava servindo para que ninguém notasse a busca que ele mesmo estava fazendo, procurando pelo tal tesouro. Ele também disse que tinha encontrado o tesouro, e que se tratava de um baú de ouro trancado com inúmeras riquezas não encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Ele queria fazer um trato comigo, que era só eu ajudá-lo a levar até o Rei e ele dividiria a recompensa comigo, que era incrivelmente alta.

— Baú? E esse pergaminho é o quê? — perguntou Kula, enquanto se sentava do lado de Mulkior para continuar ouvindo a história.

— Isso eu mesma... Explico. — era a voz fraca de Mochizuki. Todos olharam para ela nesse momento, percebendo o baixo astral da garota. Momo enxugou as lágrimas com as costas da mão, levantou a cabeça e continuou falando. — O "verdadeiro" tesouro é realmente o que San tem em mãos. Mas essa informação só é passada para a Família do Líder da Vila. Para proteção, todo o resto da vila apenas sabe que o tesouro é um baú de ouro, que realmente existia e que continha o pergaminho dentro. É como uma camuflagem.

— Eu já estava planejando fugir, então não me custaria nada conseguir um "extra" no processo. — continuou San, depois de tomar o resto da água em seu copo. Não foi só Momo que tinha se irritado ao ouvir isso. — Depois de aceitar o trato, Hiki me levou até a casa de Momo. Ninguém percebeu minha saída do acampamento dos guerreiros, pois todos estavam mais preocupados em se lamentar e chorar pelos familiares perdidos. Quando chegamos lá, o sapateiro foi até um quarto, retirou um grosso tapete de pele do chão, revelando um compartimento secreto no local. Foi aí que as perícias secretas de Hiki apareceram. Ele destrancou o compartimento com uma série de ferramentas que eu reconheci muito bem como sendo de ladrões habilidosos. Com tudo aberto e sem armadilhas, Hiki tirou o tal baú de ouro. Ele era ligeiramente pequeno, mas era muito pesado. Hiki o chacoalhou para ter certeza de que era aquilo que queria, e quando ouviu o tilintar das inúmeras moedas que tinham dentro, seus olhos brilharam. Mas estávamos com pressa. Eu coloquei o baú no ombro e fugimos da vila por trás, longe da visão de todos.

— SAN, VOCÊ É UM MALDITO MESMO! — gritou Mochizuki. Não haviam mais lágrimas em seus olhos. Ela se levantou da cadeira com vontade, batendo a mão na mesa de madeira.

— Me deixe terminar, Momo! — dessa vez foi San que levantou sua voz. Ele não queria se irritar com a garota, mas ela estava nervosa demais pra sequer prestar atenção no que ele falava. Ele esperou cinco segundos, e vendo que ela tinha voltado a se sentar na cadeira e ficado em silêncio, decidiu continuar. — Nós não fomos entregar o baú logo após termos saído da vila. Hiki estava curioso demais sobre o que havia dentro do baú. Então nos escondemos em uma pequena caverna muito ao sul de sua vila e decidimos abrir o tal baú. A ideia dele era que nós poderíamos tirar um pouco das moedas ou tesouros que tinham dentro antes de entregar ao Rei, já que ninguém sabia exatamente o que tinha dentro daquilo. Então ele usou as mesmas ferramentas de antes para abrir o baú... O que levou algumas horas. Mas ele tinha conseguido. — San fez uma rápida pausa, segurando o pergaminho na sua frente. — O que tinha dentro do baú nos encheu os olhos. Eu admito que estava impressionado com a quantidade absurda de joias raras de diversas cores e tamanhos. Com certeza era uma riqueza guardada a quase mil anos. As duas únicas coisas que não eram moedas de ouro ou pedras preciosas, era esse pergaminho e uma coroa de vidro.

— A Coroa de Ainu. — disse Momo. Todos voltaram a olhar para ela. — É uma coroa mística feito em vidro, mas por algum motivo desconhecido, era inquebrável. A existência dele também só era conhecida pelos membros da família do Líder da Vila.

— Hiki ficou encantado com a coroa, mas sabia que não poderia ficar com ela. — continuou San. — Ele a colocou de volta no baú, enquanto eu tirei o pergaminho e o abri. Enquanto eu me preparava para ler, Hiki disse que iria separar um pouco do tesouro para nós dois. Não me importei e comecei a leitura. Eu nem tive tempo de ler tudo. Parei na metade e me espantei. Não estava acreditando no que estava lendo. Eu senti um certo desespero correndo pelas minhas espinhas. Isso aqui... — San apertou levemente o pergaminho que segurava. — Isso aqui REALMENTE valeria o preço de um Reino inteiro! Olhei para o lado e vi Hiki totalmente concentrando na contagem. Ele não poderia ler! Um homem daqueles acabaria fazendo um uso sinistro do pergaminho e isso nos levaria a ruína do mundo. — todos na sala começaram a ficar tensos e inquietos. Mana foi a que mais estava nervosa, porque era a primeira vez que ela via San falar com tanta preocupação daquele jeito. Mochizuki era a única que se mantinha do mesmo estado, porque ela sabia o que havia no pergaminho e sabia que San não estava falando asneiras. — Sabendo disso... Eu ataquei Hiki e lhe quebrei o pescoço, encerrando a vida do traidor e espião. Juntei todos os tesouros, coloquei dentro do baú e o fechei, trancando-o novamente sem o pergaminho. Fiz um buraco na neve e joguei o corpo do sapateiro dentro, o fechando logo em seguida. Era a primeira vez que eu estava agindo por impulso. Eu sabia que algo precisava ser feito. Eu ainda tinha tempo. Só tinham se passado umas quatro ou cinco horas desde que saímos da vila, então o exército real ainda não havia atacado e destruído a vila. Mas eu não poderia voltar. Seria mais perigoso ainda. Então eu decidi correr para Deicius. Cheguei lá praticamente sem fôlego, umas três horas depois. Ainda tinha tempo. Eu fui em uma estalagem, aluguei um quarto e deixei o pergaminho lá mesmo, dentro de um travesseiro de penas. Depois saí e fui direto pro Castelo, pedindo uma audiência com o Rei. Por sorte, o Rei estava livre naquele momento e eu consegui falar com ele naquele mesmo instante. Eu contei que era um parceiro de Hiki, e disse que ele não tinha conseguido escapar com vida da nossa fuga, mas que eu tinha trazido comigo o tão maravilhoso e rico baú de ouro. — Momo estava voltando a ficar nervosamente explosiva, mas Geovanna correu em seu lado e a segurou, pedindo calma. — O Rei ficou com a mesma cara de Hiki ao olhar para o Baú. Como ele viu que ainda estava trancado, ele não perguntou nada sobre eu já ter visto o que havia dentro. A minha sorte era que ele era totalmente estúpido. Ele me recompensou grandiosamente e me mandou embora no mesmo segundo. Ele não queria que eu visse o que havia dentro do baú. Antes de sair, eu lhe perguntei sobre as tropas, e ele disse que mandaria os soldados voltarem para o castelo, já que era inútil continuar guerreando. Foi aí que eu calmamente saí do Castelo, fui até a estalagem, peguei as minhas coisas e fugi. Digo "fugi" porque o maldito Rei tinha ordenado que me matasse antes de sair da cidade, pois eu não poderia ficar sabendo do Baú. Nisso, o desgraçado era esperto. E é por isso Momo, que eu continuo com o pergaminho.

O silêncio tomou conta do quarto por uns momentos. A história de San tinha tocado o fundo do coração dos membros de sua equipe, e Geovanna também parecia maravilhada. Mas o que cada um pensava naquele momento era totalmente diferente. Havia mais raiva entre os pensamentos do que deveria.

Mochizuki se levantou da cadeira, a empurrando contra a parede. Ela estava preparada para atacar San. Estava machucada ainda, mas não estava nem aí. San estava meio deitado na cama e não poderia se esquivar de golpe nenhum.

O que adiantou ele ter lhe contado aquilo tudo? Só provava que ele continuava sendo um maldito fugitivo de uma figa. Ele não merecia estar vivo. Ele roubou o tesouro que seus pais morreram para proteger. O tesouro que milhares de antepassados de sua família haviam feito de tudo para mantê-lo como segredo. Momo iria matá-lo.

A garota, ainda com algumas lágrimas nos olhos, concentrou energia nas mãos e começou a mirar o peito de San. Usaria toda sua força de uma só vez, para que o maldito não sobrevivesse dessa vez. Mas antes que pudesse atacar, Geovanna a segurou pelos dois braços e a puxou para trás. A xamã começou a se debater ferozmente, gritando palavrões e dizendo que iria matá-lo. Gritava dizendo que se vingaria de todos os guerreiros mortos aquele dia, para que suas almas descansassem. Gritou e gritou. E então houve um "PAF" sonoro. Um som de tapa.

Mochizuki, agora quieta, levou a mão em sua bochecha vermelha, olhando para frente com desespero. Na sua frente, estava Mana. Ela não parecia ter uma cara muito amigável. E estava pronta para dar outro tapa, se necessário.

— ACORDE MOCHIZUKI! — gritou a assassina. — Você está cega pela raiva! Você não percebeu que por causa de San, o resto de seu povo está vivo?

— Do que... Você está falando? — perguntou Momo, se acalmando um pouco. Ela ainda estava sendo segurada pela amiga, mas como Geovanna viu que ela não "enlouqueceria" novamente, soltou os braços e deixou a xamã livre.

— Se as tropas do exército real atacassem novamente, vocês não teriam mais chances de sobreviverem com o pouco de guerreiros que sobraram! — continuou Mana. Ela falava em um alto tom, demonstrando nervosismo. Era muito raro isso acontecer. — Mas como San entregou o seu tesouro para o Rei, as tropas bateram em retirada e voltaram para o castelo, poupando a vida de todos os moradores de sua vila!

Mochizuki caiu no chão dessa vez. Ela não sabia daquilo. Não tinha visto ESSA parte. Ela voltou a chorar como uma criança indefesa, sendo abraçada por Geovanna no momento seguinte. Ela não podia acreditar que a sua sede de vingança acabaria sendo apagada por um simples mal entendido. Ela nunca teria pensado nisso, pois era filha de guerreiros honrados, que lutavam na frente de combate sem temer a morte.

Naquele dia da batalha, enquanto ela chorava ao lado dos corpos de seus pais, alguém tinha vindo gritando lá da vila, dizendo que a casa dela tinha sido invadida. Momo temeu o pior e correu para a própria casa, indo diretamente até o esconderijo do tesouro. Ela quase desmaiou quando viu que não havia mais nada lá. Alguém tinha roubado. Sem saber o que fazer, ela voltou para onde os guerreiros repousavam e começou a reunir toda a população da vila, dizendo para se separarem e procurarem alguém suspeito. Foi nesse momento que ela percebeu que San não estava mais lá, e foi por isso que ela concluiu que ele que tinha roubado o tesouro.

Sua fúria foi tanta que ela acabou esquecendo momentaneamente que sua vila ainda estava em perigo. Mas tinha se passado um dia inteiro e nada das tropas aparecerem. No outro dia, um outro cidadão lhe informou que o Rei de Deicius estava usando uma coroa nova, feita de vidro com algumas pedras preciosas alocadas nela.

Momo fez a conta. Era óbvio! San tinha entregue o baú para o Rei, pedindo alguma recompensa! Óbvio demais! Foi isso que a deixou em estado de total nervosismo. Ela jurou matá-lo por vingança, e treinou todo esse tempo para isso. Depois, foi em uma viagem a procura do garoto, deixando a vila aos cuidados de outra pessoa confiável. Ela procurou e procurou, mas nunca o encontrou. Foi por pura sorte deles terem se encontrado no torneio.

— San... Me diga... — Momo tentava falar, mas estava fungando demais. Ela tentou tomar fôlego para parar de chorar, e conseguiu. — Por que você não voltou para a vila? Por que você não veio devolver o pergaminho para nós?

— Vários motivos. — começou o garoto. — Primeiro que você claramente não acreditaria em mim, e tentaria me matar, fazendo toda a vila ir contra mim. Segundo que se eu simplesmente deixasse o pergaminho lá, mais cedo ou mais tarde alguém acabaria te traindo de novo e uma nova guerra estouraria e acabaria com sua vila de uma só vez. Não adianta você confiar cegamente, pois é assim que os humanos são. Eles traem, roubam e até matam se eles conseguirem ver uma oportunidade de ficarem ricos e bem de vida. Digo isso porque até pouco tempo atrás, antes de receber meu Título Único, eu mesmo era assim.

— E então San... O que tem nesse pergaminho que é tão perigoso assim? — perguntou Mulkior.

Era a pergunta que todos estavam querendo fazer. A história de San já tinha sido tocante e agora eles entendiam o porque Momo querer tanto tirar-lhe a vida. Mas a coisa mais importante ainda não tinha sido contada.

San olhou para o mago com um leve sorriso no rosto. Fechou os olhos e levantou a cabeça. Mumu percebeu o peso que o garoto estava sentindo. Ele deve ter guardado esse segredo para ele mesmo por todo esse tempo. Era algo grande. Tinha que ser.

Mana se sentou de volta em sua cama, esperando a revelação. Para ela, não importava se era algo grande o suficiente para destruir o mundo. Kula pensava da mesma maneira. E Geovanna ouviria qualquer coisa que San dissesse, então tanto faz. Mochizuki voltou a pegar a sua cadeira e a colocou de volta no lugar, se sentando logo em seguida.

— O pergaminho é um resumo de um diário de um cara chamado Ainu. — começou San. — Se vocês não conhecem esse nome, eu vou precisar falar dele primeiro...

— Eu sei quem é! — disse Kuchiki, levantando a mão como se tivesse numa sala de aula e a professora tivesse perguntado algo como "Algum de vocês sabe o resultado dessa conta?". San não se aborreceu por ser cortado no meio da explicação. — Ainu é o nome de um dos Magos Santos que fizeram parte da "Peregrinação das Magias Ocultas", que foi a maior pesquisa já feita no campo da magia arcana.

— Eu já li sobre isso. — disse Geovanna. — Parece que dez magos muito poderosos se juntaram para tentar criar uma magia suprema. Isso já faz um milênio e é visto como a parte mais importante da história da magia.

— Eu também sei o que é. E também sei que eles fizeram dez tentativas diferentes, e todas as dez falharam. — disse Mana, forçando a mente para se lembrar de toda essa história. — Parece que durante essa "peregrinação",houveram muitos desastres de magias saindo fora do controle.

— E é NISSO que eu queria chegar. — disse San, enfim. — Foi contado nos livros de história e em contos ou músicas dos bardos que todos os dez magos chegaram muito perto de conseguirem, mas nenhum teve sucesso. Bom... Isso é mentira. — essa frase trouxe de volta a sensação de inquietude do pessoal ali presente. — Um deles foi bem sucedido, e esse alguém foi Ainu, o Mago dos Espíritos. Junto com os outros nove magos, ele conseguiu criar uma magia tão absurda que fez os dez jurarem que não contariam para ninguém mais, pois aquilo poderia levar a uma séria cadência de mortes. E essa magia é um dos dois segredos que esse pergaminho conta.

— San, você está me deixando curioso demais! — disse Mumu. — Fala logo o que ele criou!

— Ainu criou a Magia da Ressurreição. — o impacto inicial dessa frase foi do mesmo nível de alguém que chega pra você e diz: "Seu melhor amigo acabou de se casar com sua ex namorada.". — Ele teorizou, criou emblemas e círculos mágicos. Calculou energias, verificou dias, escolheu um local apropriado. Fez tudo para a magia ser criada com sucesso. E para testar a magia, ele se matou. — o pessoal já estava de queixo caído, mas San não parou de contar. Para deixar bem claro, magias desse tipo eram consideradas impossíveis. — Isso foi feito na grande cidade de Zirordina. Vocês não a devem conhecer porque... Bem, porque ela não existe mais mesmo. Mana falou dos desastres que houveram durante essas pesquisas, e essa cidade foi vítima de uma delas. Ainu foi congelado por cinco dias para que seu corpo ficasse preservado, e no quinto dia, o ritual foi realizado em uma catedral, no centro da cidade. Os nove magos seguiram perfeitamente as indicações e iniciaram a magia. Foi aqui que aconteceu o desastre. O círculo mágico utilizado pelo ritual começou a crescer exponencialmente, saindo da catedral e envolvendo toda a cidade. E todas as pessoas da cidade também. Os magos não conseguiram parar a magia. Ela já tinha sido ativada e estava fazendo o que tinha sido criada para fazer: reviver Ainu. Os magos viram que haviam energias vindo de fora da catedral e suspeitaram pelo pior. Aquelas energias iam todas para Ainu, que estava assustadoramente começando a se mexer. Quando o círculo finalmente sumiu, Ainu abriu os olhos e se levantou, com uma cara desesperada. A magia dele tinha funcionado mesmo. Ele se sentia vivo, testou seu corpo e sua energia mágica, vendo que estava totalmente perfeito. Antes de poderem comemorar, os magos saíram da catedral e ficaram desesperados com o que viram. Todos os cidadãos da cidade estavam caídos no chão. Todos, sem exceção. Os magos correram para verificá-los, e viram que todos estavam mortos. Ainu não conseguia sentir a alma dessas pessoas.

— A magia... Sugou a alma dos cidadãos da cidade para reviver Ainu! — disse Geovanna, chegando em uma conclusão óbvia.

— Correto. — disse San, se levantando da cama e indo até a mesa de madeira com seu copo em mãos. Ele pegou a jarra e encheu o copo com água mais uma vez. Voltou para sua cama e continuou. — A magia funcionava, mas mais de três mil pessoas foram mortas no processo. Eu não consigo imaginar o desespero dos magos quando viram os corpos. Foi isso que os fez quererem guardar como segredo para todo o sempre. Vocês imaginam o que pode acontecer se alguém "perigoso" ter isso em mãos? Imagine um Rei querendo reviver sua Rainha falecida, e matando todo o seu Reino para isso? Familiares iriam se irritar e uma Guerra Civil iria explodir. Como nem todo mundo sabe lutar, eles acabariam contratando Guildas... Que acabariam pedindo ajuda de outros Reinos. Resultado? Por causa de uma só pessoa, uma Guerra Mundial pode se dar início. — San bebeu um pouco de água, pois sua garganta estava seca demais. — Mas isso não acabou por aí. Ainu ainda tinha algo para dizer para seus companheiros de pesquisa. Algo que aconteceu com ele enquanto estava "morto". E esse é o segundo maior segredo que esse pergaminho conta. Ainu disse que existe um "Pós Mundo" para as almas guerreiras. Não é o céu e nem o inferno que algumas pessoas acreditam. É um mundo espiritual onde todos os guerreiros continuam em guerra pela eternidade. O mago disse que não sabia quanto tempo ficou naquele mundo, pois não tinha a sensação da passagem de tempo. Ele disse que era algo horrível de se ver, e pior ainda de se vivenciar, mas disse que nem todos vão para esse mundo e nem sabe como ou o que se deve fazer para ir. Nisso, os magos não conseguiam acreditar, mas o colega revivido não tinha motivos para inventar histórias. Os magos ainda achavam que poderia ter sido tipo um sonho, mas isso logo foi descartado, pois com a pessoa morta, o cérebro não trabalha, incapacitando o corpo de ter sonhos. E a descrição do mundo era tão bem detalhada que os outros nove magos começaram a considerar como verdade. Eles iriam enterrar essa informação como alto segredo, pois se espalhada, muitas pessoas acabariam se matando para tentarem chegar até esse local. Tem louco para tudo. E é isso, senhoras e senhores. Espero que continuem guardando isso como segredo.

O pedido de San não precisava ser tão óbvio. Mais uma vez, o silêncio tomou conta do quarto, tendo como único barulho uma faca cortando uma laranja. Era San que tinha pego a fruta e tinha começado a descascar, como se não tivesse contado algo que mudaria a vida das pessoas ali presentes.

Todos tinham os próprios pensamentos sobre toda essa história. Talvez o mais impressionado fosse Mulkor, por nunca ter lido nada a respeito dos tais dez magos ou algo parecido.

Mochizuki não disse nada depois daquilo, provavelmente porque sabia que San tinha dito tudo claramente e não tinha deixado nenhuma informação passar. Agora o segredo guardado por gerações pelo seu povo estava nas mentes das pessoas ali naquele quarto. Ela era obrigada a confiar nelas.

— Você vai me devolver o pergaminho? — perguntou Momo, se levantando da cadeira. Ela não estava mais com um ar perigoso.

— Ah... — disse San, acabando de engolir um pedaço da laranja. — Se você quiser, eu posso devolver sim. Mas saiba que isso aqui ainda pode te trazer desgraça. E se você for levar de volta para sua vila, é bom que não deixe ninguém de lá saber que você o tem. Ninguém mesmo.

— Eu sei! Eu sei, mas... Ainda o quero! Eu não posso deixar isso nas mãos de alguém de fora da minha vila! Eu ainda sou a Líder! Esse peso tem que ser carregado por mim! — Mochizuki caminhou até a beira da cama onde San estava sentado, e estendeu o braço para pegar o pergaminho.

San entregou sem resistência nenhuma. Ela tinha razão. Ela era a Líder e deveria cuidar do bem daquilo que foi passado de geração à geração, nas mãos dos líderes antigos de sua vila. Ninguém ali no quarto foi contra a decisão de San. O que eles poderiam fazer? Todos ainda estavam abismados com a descoberta que tinham em mãos.

Mochizuki pediu licença e se dirigiu até a porta do quarto. Ela a abriu e olhou para San, antes de sair. Ele estava mordendo a laranja e não parecia preocupado com nada. Como ele conseguia ser assim? Tinha acabado de revelar um dos maiores segredos do mundo e permanecia com aquela velha cara de panaca!

Momo pensou em agradecê-lo. Não por entregar o pergaminho de volta, mas sim por ter salvo a vida de milhares de inocentes de sua vila. Mas acabou desistindo quando o viu com a expressão despreocupada. Geovanna se levantou e pediu desculpas por qualquer coisa que sua amiga tenha feito ali.

Os três outros membros do time disseram que não era pra ela se preocupar e que tomasse cuidado dali para frente. Agradecendo mais uma vez, ela seguiu Momo, olhando San antes de sair do quarto. Ela sabia que não estava em posição de dizer qualquer coisa. Ela esperaria o Torneio acabar para ir falar com ele diretamente e pessoalmente.

— Você bem que poderia parar de comer, não é San? Até nessas horas você fica roendo coisas como se fosse um rato! — disse Kuchiki, mas não tinha sido nenhum tipo de sermão.

— Não posso fazer nada sobre isso. — respondeu ele, acabando de comer a laranja. — Como eu uso energia vital, eu preciso ter o dobro de vitaminas que normalmente um humano tem. Não estranhem se eu devorar cinco ou seis frutas depois de lutar.

Aquela noite foi silenciosa. Ninguém mais disse qualquer coisa sobre a revelação de San. Todos ainda estavam pensando em como deveriam pensar sobre esse segredo, mas todos estavam cientes e preparados para morrer com isso escondido em suas mentes.

San foi o primeiro a dormir, pois ainda estava extremamente cansado da luta. Pelo menos, ele conseguiu dormir tranquilo, sabendo que o peso de carregar aquele pergaminho não era mais dele. Ele só torcia para que ninguém descobrisse que aquilo estava nas mãos da xamã mais uma vez.

No dia seguinte, San foi o último a acordar, e isso foi só perto do meio dia. Todos os três companheiros perguntaram se ele já se sentia melhor, e a resposta não poderia ter sido menos óbvia vindo dele:

— Sim, já posso fazer outras três lutas como as de ontem.

Depois de almoçar, os ares dos quatro começaram a melhorar. Naquele dia, eles estavam conversando uns com os outros com muita empolgação e principalmente, com mais confiança. Agora todos já sabiam o que cada um poderia fazer, e um novo nível de amizade estava começando a crescer entre eles. Eles passaram mais tempo conversando do que comendo na hora do almoço.

Depois, antes do torneio começar novamente, Mana e Mulkior foram até a loja de Regi, para pegar a arma que estava no concerto. Lá, eles souberam que, além da arma não estar pronta ainda, Regi tinha acabado de ser chamada pelo Conselheiro Real, para que ela se apresentasse imediatamente no Castelo. Os dois não acharam nada estranho, pois sabiam que Regi era uma das ferreiras que trabalhavam diretamente para o Exército Real dali.

Eles voltaram para o Coliseu com a mente pesada, sabendo que Mana teria que lutar esse dia sem sua arma. Ou talvez nem lutasse, se tudo ocorresse como no dia anterior.

Depois de enrolarem muito no quarto, os quatro se aprontaram e foram para a Arena. Um novo dia tinha chegado e uma nova batalha lhes esperava.

A entrada na arena tinha sido exatamente como o dia anterior. A multidão já estava com sua velha gritaria generalizada. Talvez a única diferença era que mais cartazes com nomes e desenhos dos combatentes eram levantados e mais nomes dos times eram gritados.

Agora o número de times tinha sido diminuído bastante, restando apenas oito. Era nesse dia que os Campeões dos Blocos A, B, C e D seriam proclamados. Não que houvesse algum prêmio para eles. Mesmo depois de ganhar aqui, ainda restavam mais duas lutas para que o time pudesse se tornar o Campeão do Torneio e ter uma chance de entrar para o Planetarium.

Como já dito antes, cada nova luta seria ainda mais difícil do que a anterior. Só pra passar por essa de agora, os times teriam que dar tudo de si e mostrarem novas habilidades ou magias para terem a vantagem da surpresa contra o time adversário.

SENHORAAAAAAS E SENHOREEEEEES!! — obviamente, era o início do falatório de Pablo, o Apresentador profissional do Coliseu. — Estamos no terceiro dia desse empolgante Torneio de Equipes aqui do Coliseu! Espero que todos tenham se divertido muito com as batalhas até agora! Por mais incrível e mortais que foram as lutas, temos orgulho de dizer que até agora, somente cinco combatentes morreram desde o início do torneio! — o público reagiu positivamente, dando grandes gritos e assovios. Kula foi a primeira a dizer algo como "Onde há orgulho nisso?", o que deixou Mana e San totalmente quietos, já que para os dois, a morte era algo normal em sua linha de trabalho. — Hoje, foi preparado algo muito mais que especial para o divertimento do nosso querido público! As lutas serão diferentes! Ver os duelos é algo incrível, mas o que veremos hoje, nos deixará ainda mais empolgados! — San fez cara feia quando ouviu isso. Ele não estava gostando e olha que nem sabia do que se tratava ainda. Seu time entendia o que o garoto estava sentindo, já que toda vez que Pablo fazia um novo anúncio, eles é que pagavam o preço. — As regras de hoje serão as já conhecidas "Batalha de Duplas"! Dois combatentes dos dois times subirão ao ringue para se digladiarem até que os dois oponentes estejam derrotados! As duplas serão escolhidas aleatoriamente, como já feito nos dois dias passados. Como cada time é composto de quatro integrantes, haverão duas batalhas. Caso haja um empate, haverá uma última luta de desempate. Essa luta será individual, com um membro escolhido pelo próprio time. O que acharam?

Claro que os espectadores acharam o máximo. A gritaria rolava solta enquanto os dois times se viraram um para o outro. Nenhum membro do time oponente parecia ser fraco. Não que isso já não fosse esperado.

A maga de fogo da Immortal Star olhou bem para dois dos membros de lá e teve a impressão de já os terem visto. Como eles estavam longe e de costas, ela não conseguiu confirmar. Ela voltou a atenção para o próprio time, que parecia bem inquieto. Era uma novidade e tanto essa das duplas.

A maga olhou para Mumu e imediatamente começou a torcer para que ela pudesse lutar ao lado dele. Ela se sentiria muito mais segura no ringue sabendo que ele estava ali, dando-lhe cobertura e proteção. Incrivelmente, Mulkior estava pensando o mesmo que a garota. Ele já confiava em San e em Mana, mas se fosse para ser uma luta em dupla, ele gostaria de ficar com sua parceira.

Já a assassina do time não ligava muito para quem iria lutar ao lado dela. Talvez ela achasse complicado lutar ao lado de San, porque ele com certeza faria teimosias durante o combate e isso iria irritá-la, tirando a sua concentração. E por falar nele, San era o que menos se importava. Principalmente porque ele já estava fazendo estratégias para cada um de seus companheiros. Ele queria estar na segunda batalha, pois isso lhe daria mais tempo de criar uma melhor estratégia.

Além disso, o lutador de energia vital conseguia fingir bem, mas sabia que não estava com todo seu potencial. Como ele mesmo disse no dia anterior, um dia de descanso não era o suficiente para ficar totalmente curado.

Agora vamos apresentar os dois primeiros times do terceiro dia! — Pablo voltou a fazer o público ficar vidrado, todos em posição para gritarem para os times que eles torciam. — Do lado esquerdo, o time que fez grandes lutas e nos deixou impressionados ganhando de um dos favoritos do torneio logo de início! O time Immortal Star! — houve gritaria, bandeiras, cartazes e xingamentos. Esse último, todos mandados diretamente para San. — Do lado direito, entrando com grande estilo e tirando muitos vivas da plateia por serem mundialmente conhecidos, a guilda dos Caçadores de Tesouros... O time Key of Gold! — mais gritos ainda, mais bandeiras ainda, mais cartazes ainda e nenhum xingamento. Não era segredo para nenhum dos quatro membros do time da Immortal Star saber da existência dessa Guilda. Ela tinha o mesmo tamanho e quase a mesma fama da Monster Hunter, mas faziam coisas completamente diferentes. Seus trabalhos eram a recuperação e descobrimento de tesouros ou locais secretos e antigos. Muitos membros dessa Guilda eram respeitados mundialmente por descobertas tanto no campo da magia como no campo da geografia e história. E era justamente esse tipo de gente que Mochizuki deveria ficar longe. — Agora, senhoras e senhores... Que comece a roleta do destino!

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Com isso dito, o Telão Informativo ligou e começou a rolar duas figuras ao mesmo tempo para cada um dos dois times. Foi a única vez que houve um pouco mais de silêncio por parte dos espectadores. Todos estavam atentos na roleta e muitos torciam para que certas pessoas entrassem no ringue juntas. As combinações eram tantas que qualquer batalha seria interessante de se ver.

Com o ar no pulmão guardado, o público soltou tudo de uma vez quando finalmente os dois combatentes de cada lado foram escolhidos. Gritos e mais gritos. Mas não por parte do time de Mulkior.

Quando acabou a roleta, todos os quatro se olharam. Aquilo era algum tipo de brincadeira dos organizadores do evento. Só podia ser! Aquela escolha estava muito estranha! Nem parecia ser algo aleatório! Mas o que eles poderiam fazer? Não dava pra reclamar. Não depois de terem chegado até aqui.

— Realmente... — disse Mana, levando a mão no rosto. — Eu odeio essa conspiração do destino.

— A primeira luta será entre San e Mana da Immortal Star contra Reita e Kiirara, da Key of Gold! Participantes, ao ringue!