Immortal Star

A Vingadora e o Malvado


"Como alguém que acabou de perder tudo, pode ter forças de vontade o suficiente para adentrar de cabeça no perigo?" e "Achei que você era o Historiador das Guerras, e não do papo furado!" são as duas coisas que estão lhe importunando, correto? Bom meu caro ouvinte... Pelo jeito você não entendeu a profundidade dessa situação.

Vamos começar respondendo a sua pergunta. Se você acha que alguém não teria a vontade para fazer qualquer coisa depois daquilo que eu já lhe contei, então é porque você não entendeu verdadeiramente como a Assassina Mana pensava. Não entendeu que todos os seus ideais foram forjados com muito sangue e dificuldades. Com muitas vidas. Com muita fuga e com muitas lutas. Pense no que eu já lhe contei sobre ela, antes dela entrar para a Dead Blade. Você acha mesmo que ela não teria forças de vontade grandes o suficiente para querer se vingar? Pense nisso.

Agora sobre seu segundo pensamento... Eu admito que estou contando coisas fora do que você esperava, mas como eu te disse antes, isso tudo é OBRIGATÓRIO para o total entendimento dos acontecimentos futuros. Eu disse que, para se chegar à Guerra, era necessário antes lhe contar o estopim.

Mas não se preocupe. Está na hora de você saber o primeiro fato que fez o mundo ser redirecionado para um lado onde ninguém esperava. Está na hora de contar o que aqueles dois sobreviventes de um mundo caótico e perigoso tinham em mente. Está na hora de contar sobre uma certa vingança.

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— Bom... Por onde eu começo?

San tinha andado até a janela aberta do quarto com as mãos no bolso, totalmente despretensioso e falando sem nem olhar para trás. Desde quando entraram no estabelecimento naquela cidade mesmo, ele não demonstrava qualquer expressão facial diferente. San via a movimentação rápida do povo, provavelmente curiosos sobre o grande incêndio que acontecia a muitos e muitos metros dali.

Mana estava sentada na cama, retirando as botas e se "desequipando". Ela estava se sentido pesada, mas percebeu que o peso não vinha de suas inúmeras armas escondidas. Ela tinha acabado de perder a sua família em um piscar de olhos. Tudo o que ela sentia era o calor do fogo e das mãos de Aozaki, caindo mortas em sua frente. Ah, e a raiva, claro. Ela nunca sentiu tamanha raiva de alguém assim... E olha que a pessoa que transformou a vida dela em um "segundo inferno" estava bem ali ao seu lado, olhando para a rua com uma cara de bobo.

— Você deveria começar me dizendo como se envolveu com Lafard. Eles não contratam Mercenários sem licença. Eles tem os próprios Magos deles para isso. — responde a assassina, massageando os dedos do pé. Eles tinham andado pouco até aquele estabelecimento, mas ela precisava de toda a energia que tinha para a tal missão.

— Olha só, vejo que você fez sua lição de casa. — San se vira para ela, se encostando na janela. Mana estava olhando diretamente para ele como se fosse um leão faminto marcando uma zebra para ser sua janta. — Ei, não precisa me olhar assim!

— Então pare de palhaçada e se explique! — essa frase saiu com um tom mais grave.

— Lafard não contrata Mercenários e raramente pede ajuda de Guildas de fora. Assim como você mesma disse, eles usam os próprios magos da Academia deles para fazerem os trabalhos legalizados. Heh! — San cruza os braços e volta a sorrir levemente. — Só os legalizados.

— Então eles contrataram você, que não é ligado a nenhuma Guilda e faz trabalhos arriscados sem liberar informações pra ninguém, para fazer um assassinato por baixo dos panos?

— Vejo que continua com a mente afiada. Foi exatamente isso. Como eu disse antes, o Rei daqui decidiu quebrar um contrato real com Lafard que envolve o comércio de Gemas Mágicas. Eles não me deram detalhes. Falaram que isso seria desnecessário para a minha missão. Sabe como os Reis são com Mercenários.

Mana sabia, e muito bem. Os grandes reinos sempre são muito dependentes do próprio exército. Isso faz que tanto o exército quanto o povo do reinado ganhem confiança com o Rei e o número de soldados aumenta. Os mercenários só eram contratados em casos de guerra sem precedentes, e só os países mais ricos o faziam. Esses mesmos mercenários tomavam a frente de combate só para morrer por um Rei que não era deles. Tudo por uma grana a mais. Mana já teve participação nisso, e nunca irá esquecer de como era tratada. Mesmo sendo isso que tenha lhe dado o seu "Título Único".

— O que Lafard ganha com a morte de Quertam?

— A guerra. — San fechou a janela de vidro e foi até a mesma cama que Mana continuava sentada. Ele sentou do lado dela e continuou falando. — Com o Rei morto, todo o reino entra em choque. O exército fica paralisado por algum tempo e os nobres entram em desespero e uma luta interna pelo trono acontece, já que o Rei daqui não tem filhos. Essa é a hora mais perfeita para se atacar um reino.

A ideologia do garoto cabeludo estava correta. Durante a história do mundo, era normal você ver reinos caindo e sendo conquistados por guerras internas e civis. Isso ocorria mais nos reinos com uma grande família real, onde há vários pretendentes para o trono e a cobiça é mais absurda. Algumas pessoas não mediam esforços para tomar uma riqueza e um poder inimaginável, o que acabava em derramamento de sangue.

Mana tinha entendido as entrelinhas, mas ainda faltava mais a se saber. Ela estava tentando ignorar a antiga raiva que sentia pelo garoto que estava se espreguiçando ao lado dela nesse exato momento. O maldito realmente não sentia nada pelo que fez antes. Mana pensava seriamente se deveria se livrar dele depois desse trabalho.

— E como vamos fazer para matar Quertam? Se eles estão em pé de guerra, a segurança do castelo vai estar...

A mulher não completou a frase. Ela tinha entendido! Lentamente, virou a cabeça para o lado do garoto, que tinha percebido a expressão engraçada que Mana fazia no momento. Com um outro leve sorriso, ele acaba de se espreguiçar e se deita na cama, ainda do lado da assassina sanguinolenta.

— Pelo visto você percebeu. — diz ele, com uma voz mais fraca. — Por eles estarem se preparando para a guerra, muitos soldados foram deslocados para os primeiros pontos de defesa do reino ao sul. Parece que o Rei daqui já está esperando o pior. Como vim do leste, eu pude ver três tropas estacionárias de lá marchando para o sul. Acho que eles vão ficar todos em Pam, que é a cidade desse reino mais próxima de Lafard. Bom, o que é importante para nós é que as defesas do castelo estão diminuídas e vulneráveis para um ataque vindo de dentro. Mas mesmo sabendo disso, eu não ia conseguir fazer nada sozinho. Por isso preciso de alguém que eu confio pra fazer esse trabalhinho comigo.

— Alguém que você confia? E desde quando você confia em mim? — Mana queria olhar nos olhos do garoto, mas ele tinha se virado na cama, dando as costas para ela.

— Desde o dia que eu invadi o seu quarto e te tirei daquele castelo.

A garota não disse nada naquele momento. E nem San. O silencio que se procedeu ali foi quase mortífero. Mana não sabia o que dizer. Também, que culpa ela tinha? O que ela iria falar? Xingá-lo não adiantaria de nada, além de deixá-la mais calma.

Mana não conseguia se sentir quieta perto dele e esse fato piorava a cada nova frase que saia da sua boca. Como diabos esse cara sobreviveu tanto tempo assim? Ele sempre foi assim. Esse jeito de alguém que não dá a mínima para nada além do que ele mesmo quer. Ela tinha ficado pouco tempo com ele naquela época, mas ainda sim, ela percebeu que esse era o jeito dele e ele não iria mudar. Fazia sentido agora. San nunca conseguiria fazer trabalhos em equipe por causa desse senso de achar que sempre está certo. Era irritante. Mas havia algo MAIS irritante naquele momento:

— San, uma última pergunta: porque você está deitado na minha cama?

— Ah... — disse ele, virando só a cabeça para Mana. — Eu achei que, como você ainda está triste, iria querer alguém para te confortar, sabe? Pode me usar. Me abrace e chore o quanto... ARGH!

San quase mordeu a língua quando caiu com tudo no chão de madeira, do outro lado da cama. Mana havia lhe derrubado com um chute nas costas, e isso pareceu deixá-la realmente mais tranquila. Ela se levanta, puxa a coberta e se deita, ignorando totalmente o fato do garoto estar se levantando do chão com uma cara de bobo. O maldito ainda conseguia irritar de qualquer jeito! Ela tentou não pensar nisso. Fechou os olhos e tentou acalmar a mente.

Por sorte, o seu novo velho parceiro não havia falado mais nada. Ele deu a volta na cama dela e foi para a sua, retirando a camisa e se deitando também. Ele podia brincar e falar bobeira, mas sabia o quanto a garota estava tomada pela tristeza.

E com toda a razão do mundo. Ela viu sua casa pegar fogo sem poder fazer nada. Perdeu tudo que tinha em menos de dez minutos. Viu Aozaki, alguém que amava de coração, corpo e alma, morrer em sua frente sem poder fazer nada para salvá-lo.

San não sabia qual era a sensação de ter perdido tudo isso, mas ele sabia que era uma batalha difícil de se fazer e a maioria das pessoas acabavam perdendo. Perdiam e cometiam as piores atrocidades a elas mesmas. As vezes morriam por dentro e depois completavam o serviço e se suicidavam.

Mana era mais forte do que isso. Ela tinha dito que queria ficar do lado de Aozaki até o final, mas provavelmente se tocou desse erro quando saiu de dentro daquele lugar em chamas. Ou pelo menos era isso que San esperava.

Ele se vira e encara as costas da assassina que parecia estar tremendo. Não era de frio. E o garoto tinha uma boa audição. Ele conseguiu ouvir o murmúrio e o fungar fraco de Mana. "Deixe ela chorar", pensou consigo mesmo. Virou para o outro lado e dormiu.

No dia seguinte, os dois tinham acordado razoavelmente tarde. Eles tomaram um café dentro do quarto e San finalmente começou a explicar o plano de ataque para tirar a vida do Rei. Mana parecia bem mais relaxada, mas seus olhos estavam com uma outra cor. Parecia que as lágrimas tinham pintado sua íris fazendo um contraste sinistro e uma mensagem para os que a viam de que ela estava determinada. Era sinistro...

Mas San vivia uma vida meio maluca, então "sinistro" para ele era algo diário e normal. Ele continuou explicando detalhadamente o plano que tinha em sua mente. O garoto havia conseguido um mapa do interior do castelo — seja lá como — e apontava as partes importantes que deveriam ser lembradas por ambos os atacantes. Ele era preciso e tático. Já Mana, era atenciosa e perceptiva. Isso fez com que ela entendesse bem o plano. Mas a primeira coisa que ela disse quando a explicação do seu parceiro terminou, foi:

— Você está maluco? — o grito foi quase exagerado. Mana havia batido com as duas mãos em cima do mapa, quase o rasgando com o impacto.

— Não, esse método de invasão é muito efetivo, como você mesma deve saber. Eu fiz esse plano especificamente sabendo que seria você que iria me ajudar.

— Mas San, esse plano vai te colocar em um perigo enorme! Você está querendo se matar pelo bem da missão?

— Não acredito que eu vá morrer assim tão fácil. Mas se caso algo der muito errado e inesperado... É, eu posso acabar morto. Mas mesmo morto, você vai ficar com um caminho livre até o Rei, completando a missão perfeitamente, livre de perigos imediatos. Só terias que se preocupar com a sua fuga.

— Não quero. Me recuso a seguir esse plano. Ele é perigoso demais!

— É perigoso só pra mim. Mana, não temos tempo para organizar uma estratégia melhor. Se deixarmos passar de hoje, Lafard pode começar a atacar ao sul e como eu tenho certeza que o exército deles é mais poderoso do que o daqui, eles irão avançar rápido para a Capital, fazendo as defesas do castelo se fortalecerem.

A assassina mordeu a unha do polegar direito, pensando consigo mesmo que esse era um plano horrível e maluco para se seguir. Se levantou da mesa e começou a caminhar pelo quarto, pensativa. Parou e olhou para San de novo. A mesma expressão de sempre. Ele não estava brincando. Ele queria mesmo se arriscar. Onde estava o medo da morte dele?

San não tinha. Ela se lembrou disso agora. Mesmo naquela época de crianças, o garoto sempre avançava. Era decidido e o mais importante, não se amedrontava. Ela o olhou mais uma vez. Os olhos dele, com uma cor castanho escuro e um olhar mais fechado, mostravam que ele já havia se decidido. Era por isso que ele sempre trabalhava sozinho? Por que sabia dos riscos que tinha que enfrentar e não queria envolver mais ninguém nisso? Não. San não era tão bonzinho assim. Ele era determinado e forte psicologicamente, mas continuava um ladrão e um assassino. Então qual era o motivo dele continuar com essa vida?

Mana não conseguiu perguntar mais nada. No fim, ela teve que concordar com o plano sem noção do garoto. Para não se enganar em nenhum ponto, Mana pediu para que o parceiro explicasse novamente cada detalhe do plano. A mulher ficou olhando para o mapa, memorizando as entradas e saídas, além dos corredores laterais do castelo.

Ela já esteve no local, mas só até o grande salão de festas e a sala do trono. Nesse plano, ela precisaria ir para o segundo andar. O quarto de Quertam ficava lá, junto com os cômodos de seus leais súditos e outros nobres da mesma família. O plano seria executado a noite, pois é o melhor horário para um assassino agir. Típico. Era entrar, tirar a vida do miserável traidor e depois sair. Parecia simples. Mas aparências enganam.

Naquela noite, os dois se preparam e se vestiram para o combate dentro daquele quarto, no qual eles não saíram nenhuma vez. San disse que o fato de que Mana ainda estava viva deveria permanecer secreto por enquanto.

Eles saíram separadamente. Mana saiu primeiro usando uma capa com capuz negro que San tinha lhe dado. Ela não podia usar o próprio dela, pois seria facilmente reconhecido. A assassina andou rápido quando saiu do estabelecimento e usou os becos ao invés das ruas, chamando ainda menos atenção.

Aquela cidade era cheia de caminhos alternativos, o que facilitava a vida de muitos ladrões. A guarda nas ruas havia se intensificado. Isso era a maior prova que San falava a verdade sobre o início de uma nova guerra. Havia poucas pessoas na rua, já que a operação estava sendo feita um pouco depois da meia noite. A garota ainda achava tudo isso uma loucura. O plano de San era tão maluco quanto ele mesmo.

Ela continuou andando, e naquele momento, já estava passando pelos altos muros que faziam parte da muralha que antecedia o castelo. A muralha era cercada por várias torres de vigílias que tinham sempre dois guardas estacionários, geralmente usando arcos ou outra arma de longo alcance. Nesse momento, Mana não se preocupava com eles. Era o dever de San tirar a atenção deles para o mundo à fora, e era exatamente isso que a assassina estava se mordendo de raiva.

Ela seguiu para a lateral direita da muralha do castelo, até achar uma casa alta. Quando achou, ela se escondeu nas sombras de uma chaminé e esperou. O plano era de que, assim que seu parceiro se livrasse dos guardas estacionários da torre, Mana usaria uma casa alta o suficiente para pular na muralha e correr para o castelo sem ser notada. Pensando melhor, não era tão simples assim.

San saiu da pousada quinze minutos depois de Mana. Ele saiu com as mãos no bolso, sem esconder o rosto ou agir furtivamente. Ele não precisava se preocupar com alguém lhe reconhecendo. Pelo menos não por enquanto.

Ele caminhou tranquilamente pelas ruas quase desertas de Hainberg, olhando e analisando todas as esquinas e becos. Era um costume que ele tinha desde criança e não pensava em perder. Ele procurava por inimigos. Sua vida foi envolta de emboscadas e fugas, então ele sempre estava em alerta.

O assassino passou por muitos guardas no caminho, e alguns deles — os mais corajosos — perguntavam o que ele fazia em pé aquela hora da madrugada. San tinha a resposta perfeita para a pergunta: "Estou voltando para minha pousada, Senhor.". Isso era possível, pois mesmo que ele esteja andando em direção a frente dos portões do castelo, ele poderia pegar inúmeras estradas que levavam para todos os outros lugares da cidade.

É importante ressaltar que Hainberg era muito grande e seu castelo ficava no meio da cidade. A arquitetura da época sempre sugeriu que fazer um castelo no meio da cidade era desvantajoso, a não ser que ele fique em uma posição mais elevada para evitar ataques. O primeiro Rei dessa Capital se recusou a seguir tal crença e mesmo assim, nunca foi atacado. Até hoje.

O Lobo Solitário sabia o que estava fazendo. Quando ele conseguiu avistar os grandes portões de ferro da muralha, ele percebeu que tinha chegado no tempo perfeito. Haviam dois motivos para ele ter escolhido esse horário para a operação. O primeiro era, obviamente, por causa da falta de iluminação, o que dava uma vantagem tremenda para os assassinos. O segundo, se tratava de uma carroça puxada por dois cavalos escuros que se aproximava dos portões naquele momento.

San tinha pesquisado muito antes de bolar o plano que Mana tinha achado maluco e suicida. Ele tinha descoberto que a cada três dias, uma carroça vinda das vilas do leste vinha até o castelo exatamente a esse horário para reestocar o vinho dos soldados. A carroça sempre entrava rapidamente pelo portão da frente, deixava toda a mercadoria num saguão à esquerda da muralha e iam embora pelo mesmo local de entrada.

San não queria saber o que a carroça trazia ou o que ela faria depois disso. Ele estava interessado no fato de que quando ela aparecia, o portão de ferro era levantado e só era fechado quando a carroça saía. Tempo o suficiente para ele adentrar o local. Mas como dito anteriormente, não seria tão simples assim.

A carroça se aproximou em sua velocidade média, e logo que foi avistada, um dos dois guardas reais do portão deu meia volta e gritou para alguém do lado de dentro da muralha para que abrisse o portão. Dois segundos depois da ordem, o grande portão de ferro começou a subir, fazendo um barulho característico. O portão não era nada velho, mas isso não importava muito quando você tem que levantar algo daquele tamanho e peso.

A carroça ficou parada em frente aos dois guardas que faziam uma rápida vistoria na mercadoria, só para ver se estava tudo em ordem. Assim que o portão ficou totalmente aberto, os dois guardas deram espaço e a carroça avançou para dentro da muralha. Foi aí que ele agiu.

San não correu. Ele não precisava disso, pois tinha tempo o suficiente até que eles descarregassem a carroça completamente. Ele andou calmamente até a frente dos guardas, que estranharam imediatamente a chegada do garoto.

— Boa noite senhores. Deve estar sendo um dia difícil para vocês, não é? — pergunta San, sem tirar as mãos dos bolsos e continuando a avançar com passos leves, lentos e inaudíveis.

— O que está fazendo aqui a essa hora da noite, rapaz? — pergunta um dos guardas, tentando não parecer hostil. Esse era o guarda mais próximo de San.

— Engraçado... — San não parava. Estava com ar de que não havia nada de errado ali. — Acabaram de me perguntar a mesma coisa há uns... Dois minutos atrás? Acho que foi isso.

— Garoto! Volte para casa! Já passou da hora de você estar dormindo! — esse foi o outro guarda, gritando. Esse não estava tentando ser gentil. Era o trabalho dele. Estava um dia corrido sim. Ele teve que ajudar a carregar armamento de um lado para o outro o dia inteiro e agora o que ele menos queria era se irritar com um moleque com cara de perdido.

— Assunto interessante. Eu também queria conversar com vocês sobre isso. Preciso que vocês tirem uma soneca boa e pesada.

San sumiu. Exatamente assim. Uma hora ele estava caminhando sem parar para a frente do primeiro guarda, e no outro, "puff". Não estava mais lá. O segundo guarda, o que estava mais irritado, piscou inúmeras vezes e deixou o queixo cair. Ele não tinha entendido. Aquilo tinha sido uma aparição? Fantasma? Não, essas coisas até poderiam existir, mas não aqui na cidade. Será que aquele rapaz foi fruto de sua mente cansada? Poderia ser.

O guarda fechou os olhos e os apertou com a ponta dos dedos, tentando dizer para si mesmo para se focar. Ele da um sorriso bobo e se vira para o seu amigo. E aí seu queixa volta a cair.

O garoto estava lá. Ele não era ilusão. Ele estava em cima do seu amigo, virando a cabeça dele em noventa graus para o lado, fazendo um leve barulho de osso se deslocando. Técnica mortal, que usava a força dos braços para deslocar o pescoço do oponente, cortando em uma vez só seu sistema respiratório.

O segundo guarda não teve reação. O seu amigo caiu de joelhos, ainda com o corpo reto. San pulou de um guarda para o outro. Nesse, ele o derrubou no chão com o peso de seu próprio corpo. O guarda ficou sem fôlego quando bateu com as costas no chão e com um homem colocando o seu joelho contra seu estômago.

San não esperou nem um segundo para levar as duas mãos até o pescoço do guarda caído e destruir sua traqueia em um só aperto. Em menos de dez segundos, dois guardas tinham sido mortos sem poderem sequer pensar em reagir. O assassino impiedoso juntou a lança que o segundo guarda carregava, se levantou e foi em direção a entrada da muralha, como se nada realmente não tivesse acontecido.

Em um outro segundo, lá estava ele, dentro da muralha. Eram alguns longos passos até as duas grandes portas do castelo, mas esse não era o objetivo dele.

Haviam mais dois guardas. Um, do lado direito, era o guarda que cuidava da grande manivela que era usada para subir ou descer o portão. O outro estava no lado contrário e no momento, não tinha percebido a chegada de San. E o assassino sabia disso.

San girou o corpo e correu na direção do guarda que estava segurando a manivela. Ele tinha percebido a entrada do garoto, mas não tinha entendido o porque ele estava com uma lança muito parecida com a que eles usam. E agora... Por que ele estava correndo contra ele, segurando a lança como se fosse atacar? Os pensamentos do guarda morreram aqui. Junto com ele.

San mirou a ponta da lança na cabeça do homem, que era uma das únicas partes desprotegidas dos guardas do castelo.Eles usavam armaduras pesadas, protegendo pontos críticos do corpo como peito, costas, ombros e tornozelos. Era o básico para qualquer soldado. E todos eles tinham capacetes, claro. Mas nem todos protegiam o rosto.

E infelizmente para esse guarda, o golpe de ponta da lança de San atravessou a sua cabeça penetrando pelo olho direito e saindo atrás de sua cabeça. O guarda teve menos tempo para pensar do que os outros dois lá fora.

Sem a força do guarda para segurar a manivela, o portão começa a descer... Muito rápido! Esse portão deveria ser descido lentamente para não bater com tudo no chão, mas para isso, era necessário que alguém aguentasse a manivela. Sem isso, o portão de ferro foi ao chão com tudo, fazendo um barulho alto o suficiente para acordar todas as pessoas que tinham casas ali por perto. E para alertar os guardas também.

O primeiro a ser alertado era aquele que estava ali o tempo inteiro, ao lado do portão e que não tinha visto San entrar porque estava ocupado demais pensando em beber daquela nova safra de vinho que tinha acabado de chegar. Ele se virou com um susto quando ouviu o corpo sem vida de seu amigo cair no chão. San estava em pé, ao lado dele, retirando a lança atravessada da sua cabeça.

Esse guarda, em um ato mais de desespero do que de coragem, segura a sua lança e corre em direção à San, gritando loucamente. Aquele homem caído era seu amigo. Seu melhor amigo. Alguém que ele nunca pensou que iria conhecer aqui no Exército. Era divertido passar a madrugada no lado daquele cara. Ele era uma comédia. E agora estava morto. Morto por um maldito garoto!

O tal garoto se virou para o guarda furioso, segurou a lança pelo meio do cabo e a jogou de ponta. A lança veio voando perigosamente contra a cabeça do guarda furioso, mas isso não faria ele parar. Não faria ele perder a sede de vingança contra o maldito assassino sangue frio duma figa. O guarda parou de correr e de gritar, e com um movimento vertical de sua própria arma, joga a lança que foi atirada para o alto, fazendo uma defesa espetacular. O movimento tinha sido tão bonito, que até o guarda deu um sorriso de vitória um segundo depois.

Mas a pergunta era: onde havia ido o assassino? Ele não estava mais lá! Era impossível ele ter desaparecido no segundo que o guarda prestou atenção em se defender!

ESTILO DO DRAGÃO, CHUTE DA ANIQUILAÇÃO!

San estava no lado direito dele. Ele tinha jogado a lança no intuito de tirar o foco do guarda por pelo menos um segundo. Assim que conseguiu, ele usou um pouco de energia nas pernas e, com um só impulso, foi para o local em que estava atualmente. No momento seguinte, ele passa mais energia para a perna direita a deixando com uma leve aura cor laranja escura.

San deu um salto para cima e aplicou um chute preciso na lateral do pescoço do guarda vingador. Ele estava tão feliz em defender a lança que nem tinha sentido a dor de seu pescoço se quebrando em um só golpe. Seu corpo cai morto para frente, fazendo o beijar o chão de pedras. Outros dez segundos, outros dois guardas mortos.

San estava seguindo com o plano perfeitamente. E era agora que a parte complicada aparecia. Com o barulho do portão e do grito do ex guarda, os soldados mais próximos já estavam se locomovendo para esse ponto.

O garoto invasor não perdeu mais tempo e abriu uma porta do lado da alavanca que controlava o portão. Essa porta levava a uma escada espiral que ia até a primeira torre de vigília da muralha. San começou a subir em passos largos. Quando estava quase no topo, ele viu um guarda descendo.

O guarda não teve tanta sorte. Logo quando viu um homem que não conhecia, ele gritou "EI!" e tentou retirar a espada que estava guardada quietamente em sua bainha, do lado esquerdo de sua cintura. Tentou. San usou mais uma vez sua energia concentrada nas pernas e deu um impulso, subindo sete degraus de uma só vez. Isso fez ele praticamente teleportar para a frente do soldado, o deixando sem ação.

Com o impulso ainda em andamento, San aplicou um pesado soco na boca do estômago do soldado que não estava com uma armadura completa. O soco foi tão potente, que o soldado quis vomitar todo o café da manhã, o almoço e um pouco da cerveja que tinha acabado de tomar. Sem ar, o soldado foi agarrado pela manga da camisa e empurrado para fora das escadas. Sim, "fora das escadas" significava ser atirado contra o chão lá em baixo, diretamente. O soldado não conseguiu gritar durante a queda, provavelmente porque estava sem fôlego ainda. Ele bateu com tudo no chão, a muitos metros dali, mas San não sabia se estava vivo ou morto. Ele não tinha tempo para verificar.

Ele chegou ao topo, onde tinha uma portinhola no teto. San abriu só uma gretinha e espiou, pois sabia que poderia haver mais de um soldado por torre. Bingo. Havia outro guarda sim, e ele estava encostado bem na ponta da torre, fumando um mal cheiroso cigarro de palha. O soldado ouviu quando a portinhola foi totalmente aberta, e sem nem se virar, perguntou em voz alta:

— Mas já foi lá? Você foi rápido! Pulou as escadas, por acaAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!

San subiu pela portinhola e sabendo que o guarda não prestava a atenção nele, avançou dois passos e o empurrou para frente. O problema é que não existia "frente". O soldado que estava bem na beirada caiu para sua morte contra o chão de pedra lá embaixo, ao lado do portão de ferro caído. "Parte dois da missão completada com sucesso.", pensou ele.

Indo para a parte três. Ele precisava ir para a torre número dois, que era onde Mana faria sua entrada. O caminho mais rápido até lá era ir correndo por cima da muralha. San pulou a borda da torre em que estava e pisou na muralha, já percebendo que o caminho era ruim. Mesmo assim ele correu.

Mas aqui foi o primeiro azar que decidiu aparecer na frente do garoto. Os outros dois soldados da torre onde San estava indo já estavam cientes da situação. Eles viram San correndo contra eles por cima da muralha, e ninguém precisou avisá-los que aquele cara era um inimigo. Os dois pegaram uma flecha cada, armaram no seu arco, puxaram a corda apertada, miraram no garoto e atiraram. As flechas voaram em uma velocidade padrão, o que em um dia sem vento, era rápido o suficiente para não serem defendidas. Adicione a escuridão da noite a esse fator e você tem uma arma assustadora.

As duas flechas voaram em locais diferenciados, e foi isso que resultou o primeiro ferimento de San. Uma das flechas lhe arranhou a carne da perna direita, fazendo um filete de sangue escorrer pela sua perna. A outra flecha foi parada no ar pelo garoto, que a agarrou com a mão esquerda e a quebrou logo em seguida. San continuava correndo.

Os soldados prepararam outra flecha. Eles tinham sentido um leve medo quando viram o garoto parar sua flecha no ar. Colocaram outra flecha em seu arco e miraram novamente nas pernas do garoto, pois já tinha acertado uma vez e isso diminuiria a velocidade de sua investida, dando um bom tempo para os soldados aniquilarem esse intruso mais tranquilamente.

— Ah não! De novo não! — diz San, ainda correndo. Ele viu os soldados apontando para ele novamente. Algo precisava ser feito. Ele colocou os dois braços para trás e começou a concentrar energia neles. As flechas foram atiradas e voaram baixo, na tentativa de acertá-lo nas pernas. San parou de correr. — ESTILO DO FALCÃO, IMPULSO DE VENTO!

Com um movimento só, ele joga os braços para frente ao mesmo tempo, batendo uma palma na frente do seu corpo. Com o movimento, ele transforma a sua energia em vento voltado para uma direção só. Era como mudar as cadeias de ar de uma única vez. As flechas pararam o seu voo em pleno ar e depois voaram para longe.

Os dois soldados arqueiros não entenderam o que viram. Mas entenderam que agora estavam correndo perigo, pois o garoto começou a correr ainda mais rápido. Eles começaram a preparar outra flecha, mas San já havia saltado para cima da torre e estava a um passo de distância deles. Esse passo foi dado. San pulou bem no meio dos dois guardas, vindo de cima. Antes de chegar ao chão, ele concentrou uma certa quantidade de energia nos dois braços e na descida, bateu com o cotovelo na cabeça de cada um dos guardas. O guarda da direita com o cotovelo direito e o guarda da esquerda com o cotovelo esquerdo.

O barulho de metal foi alto quando os capacetes dos dois tiniram, como um badalar de um sino em uma igreja. Isso obviamente não iria matar nenhum deles... E San estava ciente desse fato. O golpe foi só para atordoá-los por poucos segundos.

O guarda da esquerda foi o mais afetado. Ele perdeu o equilíbrio imediatamente e, sem ver para onde estava indo, tropeçou na sua própria aljava de flechas e caiu da torre, indo diretamente ao chão de pedras lá embaixo. O outro também perdeu o equilíbrio, mas só caiu de bunda ainda na torre. Ele havia soltado o arco e a flecha que segurava firmemente na hora do golpe, e não se preocupava nem um pouco com isso.

San estava do lado dele, em pé, olhando para baixo e o encarando. Era o demônio. A mãe daquele homem caído sempre lhe falava que ser um guarda real estacionário no castelo era bom porque você não precisava se preocupar em enfrentar monstros e animais ferozes. Mas ela nunca tinha dito nada sobre seres humanos com olhos de demônios.

San se abaixou e o pegou pelo pescoço, o sufocando por causa da força aplicada. O assassino o levantou do chão, mas não ao ponto dele sair do mesmo. San tinha uma grande força, mas não era o suficiente para levantar um adulto vestindo uma armadura do chão assim, sem mais nem menos.

E isso não era necessário no momento. Depois que o guarda estava de pé e lutando desesperadamente para se desvencilhar dos dedos matadores em seu pescoço, ele teve que se preocupar com um golpe muito bem dado no seu estômago. Sem ar e sem ter como respirar, com sua garganta sendo apertada mortalmente, os pulmões do guarda entraram em "curto" e pararam por um segundo, fazendo o homem desmaiar. Quando San viu que ele não era mais uma ameaça, o levou até a borda da torre e o atirou de lá também. Menos dois guardas na contagem.

O plano seguia perfeitamente. San estava ignorando a dor que sentia da flechada na perna de uns momentos atrás. Ele não tinha tempo de tratar aquilo, e o machucado não tinha sido tão feio. "É só um arranhão", pensava ele.

Ele olhou para baixo, dentro das fortificações da muralha e percebeu que os soldados corriam para todos os lados. Alguns deles já haviam visto San na Torre 2, e gritavam ordens específicas para eliminá-lo.

San sorriu. Era exatamente isso que ele queria: a atenção de todos. Essa era a parte perigosa de seu plano maluco. Ele tinha que fazer todos os soldados do castelo ficarem com a atenção nele para que Mana pudesse entrar no castelo sem ser vista e que matasse o Rei sem nunca ninguém saber como e quando aconteceu. E estava na hora de chamá-la.

Mana já estava ficando nervosa. Quando ela começou a ouvir os barulhos e gritos vindos do castelo, ela já sabia que seu parceiro tinha entrado em ação. Ela não sabia do que se tratava daquele grande barulho, mas achava que era algo muito grande e pesado caindo no chão.

Ela viu o primeiro guarda cair da torre e viu San correndo pela muralha e sendo acertado por um dos soldados. Mas viu que o garoto não parava por nada. Foi bem na hora que ele subiu na Torre 2 e fazer mais 2 soldados despencarem de lá que ele foi até a borda, colocou os dedos na boca e assoviou. Esse era o sinal. Mana apertou a bota e olhou em frente. Era hora de trabalhar.

San tinha dado o sinal, agora ele teria que ir para um campo de batalha bem mais perigoso. Ele precisaria manter todos os soldados dali vendo-o como alvo. Isso estava quase totalmente pronto.

Ele pulou para a muralha e correu de volta para a Torre 1. Ele precisava fazer isso para dar mais espaço à sua companheira. Enquanto corria, ele teve que se abaixar duas vezes por causa das flechas voando perigosamente contra a sua cabeça. Os soldados lá em baixo não estavam dando trégua. Uma outra flecha passou pela suas costas, tirando um pouco da pele do garoto. Não era um dano para ele se preocupar.

Ele chegou até a outra torre e correu para a portinhola aberta. Ele nem tinha passado pela pequena porta e já podia ouvir as vozes dos soldados vindo lá de baixo. O garoto se preparou mentalmente e seguiu para a batalha.

Mana não fez isso. Muito pelo contrário. Ela correu por cima dos dois telhados que ficavam rentes a muralha e depois, quando se certificou que não havia mais ninguém por lá, pulou para cima da Torre 2. Ela tinha subido rápido e permaneceu abaixada. Foi até uma das bordas e espiou para o lado onde San tinha corrido.

Ela percebeu que todos os guardas estavam correndo para a Torre 1, e parecia estar acontecendo uma batalha nas escadarias. A assassina não tinha tempo pra esperar. Ela abriu a portinhola da torre bem devagar e espiou. Sua visão só enxergava a luz das tochas e a escadaria que levava até o pé da torre. Nenhum guarda, nenhum perigo.

Enfim, ela passou e seguiu descendo os degraus em alta velocidade. Ela chegou até a porta lá em baixo e também a abriu só um pouco. Espiou por alguns segundos e viu que ainda haviam bastante soldados posicionados por ali. Ela não podia simplesmente sair correndo loucamente. Mas ela já estava preparada:

CAPA DA INVISIBILIDADE!

Mana concentra energia por todo o corpo e fecha os olhos por dois segundos. Quando ela os abre, a energia se espalha para fora do seu corpo de uma vez só, projetando algo como espelhos refratores apontados todos para direções contrárias. Isso faz com que Mana ficasse temporariamente invisível — por dez segundos, no máximo —, mas ela não poderia usar nenhuma outra magia até acabar o efeito dessa.

Mana puxou a porta bem devagar, evitando o barulho desnecessário. Depois ela correu o mais furtivamente possível para a lateral do castelo. Essa magia dela era algo realmente incrível, mas não era PERFEITA. Por exemplo, era possível detectá-la pelo som ou por uma visão muito boa, já que por onde ela passa, a imagem fica retorcida. E além disso, alguém com uma percepção mágica muito alta poderia monitorá-la se soubesse usar um tipo de "campo de reconhecimento de energia". Mas esse não era o caso aqui.

O objetivo da assassina se encontrava no segundo andar, mas não havia como chegar até lá pelo lado de fora. Ela teria que entrar de algum jeito e subir as escadas internas. Para isso, ela usaria uma entrada que ficava quase aos fundos do castelo. Era a saída para a lixeira da cozinha do castelo, uma pequena porta que só fica aberta quando há grandes jantares no recinto. Era óbvio que a porta estaria trancada naquela hora, mas isso não era problema para Mana.

Ao chegar na tal porta sem ser detectada — realmente os soldados tinham se locomovido para a entrada da muralha e a batalha lá continuava —, ela se ajoelha e tira uma das suas adagas e um tipo de prendedor de cabelo grosso de outra bolsa em suas costas. Hora de usar suas habilidades de destrave de portas. Não demorou nem um minuto para ela destravar a porta de madeira velha. Anos de furto lhe deram habilidades que não eram exatamente "honrosas", mas muito úteis.

A garota adentrou a cozinha, que estava deserta e escura. Ninguém usava a cozinha real depois do jantar das nove. A cozinha real era incrível de se ver. Ela era grande, obviamente. Mas o mais incrível era o "estado" dela: estava impecavelmente limpa. Nenhum prato ou talher sujo. Nenhuma prataria fora do lugar. Nada. Mana já tinha vivido em um castelo então sabia que o pessoal desse lugar sempre foram dedicados em manter seu local de trabalho o mais limpo possível.

Ela continuou seguindo em frente. Passou pelas portas duplas de madeira que eram a entrada pra cozinha — elas estavam abertas — e agora se encontrava em um largo corredor com três saídas. A assassina sabia exatamente para onde ir. Ela verificou tanto aquele mapa que San tinha, que ela conseguiria redesenhá-lo sem problema.

O silencio era incrível. Não havia som de nada. Não haviam guardas. Não haviam empregados. Nem ninguém da família real. Ninguém mesmo. Só o tapete vermelho e os velhos quadros e estatuas que faziam parte da decoração antiga dali.

Ela caminhou sem fazer nenhum pio e virou duas vezes para a esquerda. Isso fez ela dar em um corredor que acabava na grande Sala do Trono. Essa era uma das maiores e mais bonitas salas de todo o castelo e ela mesma já esteve aqui muitas vezes. Mana precisava ir por trás do trono, onde havia uma grande porta dupla vermelha que levava para os cômodos reais do segundo andar. Mas algo fez a parar.

Havia alguém sentado no trono. O mesmo trono onde ficava o grande e impiedoso Rei. Estava um pouco escuro, então Mana teve que se aproximar um pouco mais antes de ser surpreendida como alguém que acabou de ver o mágico tirando, de fato, um coelho da cartola. Sentado no trono confortavelmente, estava ninguém menos que o Rei Quertam Mundus XXII. O alvo dela. Será sorte? Ou...

— Então você sobreviveu...É mesmo difícil queimar todos os ratos de um buraco tão perfeitamente que não acabe fazendo com que um corra desesperadamente.

O rei falou em alto e bom tom. Mana tinha ouvido claramente, mas permaneceu em um silêncio fúnebre. Era ele mesmo! O rei estava em sua frente! O maldito traidor! O miserável que tinha tirado tudo o que é bom pra ela. O seu alvo estava ali! Que dia de sorte!

— Diga-me... Como conseguiu escapar das chamas? Eu tenho certeza absoluta que você estava na guilda aquela hora. Então como? — o Rei tinha perguntado enquanto colocava o corpo para frente, fazendo uma cara de dúvida. A única coisa que não demonstrava dúvida era seu sorriso irritantemente cínico.

— Você está enganado, meu Rei. Eu não escapei das chamas. — responde Mana, levando a mão direita até a sua bolsa de adagas, em sua perna. — Eu morri lá. Morri como todo mundo, queimada pelo fogo da traição. Fiquei queimando enquanto via meus companheiros virarem cinzas sem poder fazer nada... Envenenados demais para sequer se defender da sua Guarda. Eu morri... Mas não o meu espírito vingativo! E ele está querendo o seu sangue, seu miserável!

Mana não perdeu mais tempo. Apenas olhar para aquele ser vestido com roupas nobres, uma coroa de ouro na cabeça e uma barriga grande que cresceu devido as altas taxas obrigatórias do comércio da cidade, já dava nojo nela. A garota já tinha visto muitas cenas horripilantes e realmente fortes, mas nada lhe dava mais vontade de vomitar do que ver uma pessoa gananciosa, de alma podre e rica devido as custas do trabalho árduo de outras pessoas.

Ela deu impulso no corpo e jogou a adaga. Uma dessas na cabeça dele e o trabalho estaria completo. Sua sede de vingança poderia descansar. Seu corpo e sua mente poderiam descansar. Mas não era hora.

Algo tinha saído de trás do grande trono dourado onde o gordo Rei estava repousando. Esse algo tinha voado a uma altura média e tinha jogado alguma coisa contra a adaga de Mana, a parando no ar com o choque. O mesmo algo, ainda no ar, tinha jogado mais duas coisas contra a assassina

Mana deu um largo passo para trás e defendeu as duas coisas com sua kodachi. Agora que Mana tinha olhado as "coisas" no chão, ela percebeu que se tratava de duas shurikens negras, um tipo de metal fino em formato de estrela feita especialmente para arremesso. Mas isso não foi o que assustou a garota. Aquele algo que tinha atacado as ditas shurikens estava agora a alguns poucos metros na frente do trono bloqueando o caminho dela.

Era um homem. Alto, mas não com uma fisionomia forte. Suas roupas não poderiam ser mais óbvias: conjunto negro de um roupão com uma calça pouco bufante, com faixas da mesma cor nas mãos e pernas e uma máscara negra cobrindo todo o rosto. A vestimenta típica dos Ninjas. E não, não tinha sido ESSE fato que tinha assustado Mana. Era o que havia no peito do ninja. Era o brasão da Dead Blade — uma espada curva atravessada em uma caveira. Podia ser qualquer membro da Guilda, mas não para Mana. Ela SABIA quem era. E sabia bem.

Raou! É você! — grita Mana, sem perder a compostura. Ela sabia que aquilo ali não era bom e a batalha não tinha nem começado ainda.

— Sim Mana. Estou impressionado pelo fato de você lembrar o meu nome. — o ninja responde tirando a sua própria máscara, revelando ser realmente o membro de sua guilda.

— Do que você está falando? Você era membro do meu esquadrão! Como eu poderia esquecer o seu nome?

— É fácil se esquecer das coisas quando elas não tem importância para nós, Mana. — o ninja dá três passos para frente, exibindo um largo sorriso ao encarar a expressão de Mana. — Ei, que cara é essa? Não acredita no que ouviu?

— Mas é claro que não! Você ficou maluco? O Esquadrão era a---

— ERA, MANA! — o grito dele o fez tirar o sorriso do rosto imediatamente. — Ele não existe mais! E mesmo que ainda existisse, você ainda iria nos olhar como meros peões sem nenhuma importância! Nos mandando para missões suicidas. Nos colocando nas piores situações possíveis. Só para você poder voltar para os braços do maldito do Aozaki! ELE era importante, nós não!

— Raou, você perdeu a cabeça! Aozaki não tinha nenhuma influência sob os meus deveres como Capitã do Esquadrão! Nossas missões eram as mais perigosas sim, mas todas eram a prol da Guilda inteira e não apenas por mim!

— Pro inferno com seus pensamentos honrosos! — o ninja desembainha sua longa ninja-to (a arma mais tradicional dos ninjas, uma espada ligeiramente comprida e reta, geralmente fina e leve) guardada nas costas e deu mais um passo a frente. — Não tente me enganar com esse discurso bonito, sua vagabunda! Você não sabe por quanto tempo eu esperei para poder dar o troco por todas aquelas missões impossíveis que eu tive que fazer por ordens suas! E hoje é o dia!

Mana deu um passo para trás e afrouxou os braços um pouco. Ela não conseguia acreditar. Esse não era o tímido Raou que ela conhecia. O garoto, um pouco mais novo do que ela, já estava há um ano a mais do que ela na Guilda e já tinha fama de ser um ótimo combatente das sombras. Mana foi conhecê-lo só quando entrou para o Setor das Sombras como novata.

Raou falava muito pouco, mas nunca demonstrava tristeza ou preocupação com nada. A assassina nunca soube qual era a história dele, o porque dele ter entrado em uma Guilda Mercenária e o porque estava naquele Esquadrão. Mas geralmente quem opta por estar ali, não vai querer sair contando para qualquer um mesmo, então a garota nunca se importou. E continuou não dando bola mesmo depois de ter se tornado Capitã do Setor. Ela continuou com o legado do ex Capitão, fazendo as coisas sempre da mesma forma.

Então... Por que Raou estava reclamando do trabalho só agora? E essa atitude... O que ele tinha? Mesmo que estivesse bêbado, Mana achava difícil o garoto ter uma atitude tão desprezível daquelas. A não ser que...

— QUERTAM!!! — grita a assassina, fazendo o próprio Rei dar um pulo de susto em seu trono. — Você o hipnotizou?

— Hipnotizei? Ahahahahahahahahahahahah! — a risada do homem fez um nervo de Mana se romper. Ela apertou os dentes tão fortemente que quase os quebrou. — Não diga asneiras, garota! O seu amigo veio até mim por vontade própria!

— Seu porco mentiroso! Acha mesmo que eu vou acreditar nisso? — diz Mana, ainda com um tom de voz nervoso.

— Ele está falando a verdade, "Capitã". Eu o procurei assim que descobri a situação atual entre esse reino e Lafard. Ele me contou sobre a quebra de contrato entre os dois reinos e sobre uma possível guerra. Sabendo disso... Bom, você deve saber o que eu fiz. Decidi trabalhar como Guarda-Costas pessoal dele em troca de uma confortável vida aqui no Castelo.

— Espera... Se você sabia disso de antemão... Então por que não correu na Guilda e nos contou? Você poderia ter nos salvado!

— Porque eu não dava a mínima! Ir contar para vocês pra quê? Pra voltar a ter aquela vida miserável, arriscando o meu pescoço todo santo dia? Não, Mana! Eu não sou burro! E nem leal a uma causa justa, como você! Minha lealdade está onde tem mais dinheiro! Aquele que me pagar mais, terá toda a minha lealdade! É assim que nós, os Ninjas, vivemos!

A assassina estava com a cabeça baixa, com o cabelo tampando o seu rosto. Ela não conseguia acreditar naquilo que tinha acabado de ouvir. A guilda poderia ter sido salva.Todos os membros não precisavam ter morrido tão horrivelmente. Aozaki poderia estar ali com ela naquele momento.

Não importava mais. A missão era entrar, matar Quertam e sair. Mas isso tinha acabado de mudar. Mana acabou de aceitar uma "missão secundária". Ela apertou os braços. Sua kodachi fez até um estralo com o forte aperto da garota. Ela levantou a cabeça bem lentamente. Muito lentamente. Seus cabelos foram caindo para trás, revelando os olhos de Mana. E esses olhos se encontraram com os olhos de Raou, que quase caiu para trás por medo.

Agora a garota estava com uma aura totalmente diferente. Sua energia negra estava emanando de seu corpo, e toda a grande sala do trono estava sendo coberta com uma atmosfera sanguinária. Raou conhecia aquele olhar. Um olhar sinistro e sanguinolento. Era o olhar de assassino da sua ex Capitã. Mostrava que agora ele era um alvo. E mostrava que não haveria piedade.

Isso não era bom. Ele precisava agir antes que ela se aproximasse. Ele levou a mão esquerda para trás, colocou em sua pequena bolsa presa em sua cinta e agarrou três shurikens. Ao mesmo tempo que ele os trouxe para frente do corpo, Mana já havia sumido de sua visão. Raou sabia o quanto a garota era rápida, já que lutou ao lado dela por bastante tempo.

Mana veio por cima, dando um golpe mortal na vertical com sua arma favorita. Raou viu que não teria tempo para se esquivar, então levantou a sua arma e defendeu o golpe em pleno ar. O barulho de metal das duas armas eclodiu forte, mostrando que o golpe de Mana vinha com uma força absurda. O ninja não teve tempo para pensar em coisas do tipo "Como essa mulher poderia ter tanta força?", pois essa mesma mulher já tinha caído no chão e dado outro golpe com sua kodachi. O golpe cortou a parte de cima de seu peito, mas tinha sido um corte leve. Raou deu um pulo para trás, concentrando energia nas shurikens em sua mão.

SHURIKENS DAS SOMBRAS!

Raou energizou as pequenas estrelas de metal e depois as jogou contra Mana, que já avançava de novo contra o ninja. Mana era imparável e ele sabia disso. Só o que poderia parar essa mulher era a morte. As shurikens voaram contra o peito da assassina, e em pleno voo, começaram a ficar invisíveis

A moral dessa magia era esconder as shurikens momentaneamente com energia, fazendo-as ficarem quase invisíveis. Era um golpe rápido, mas não dava muitos danos a não ser que acertassem pontos vitais no oponente. Ele tinha fé que pelo menos uma das shurikens acertassem a garota, para que ela diminuísse o passo e abrisse uma brecha para que ele pudesse acertá-la com sua ninja-to. Bom... Ele não teve sorte.

As três shurikens acertaram Mana. O que deixou Raou com os olhos arregalados, já que ele não esperava por isso. Mas Mana não os defendeu de propósito. Ela estava se concentrando em uma magia e não poderia descruzar os braços enquanto não aplicasse o golpe propriamente dito. Então mesmo com as três shurikens lhe acertando, ela não diminuiu o passo e ficou a menos de um metro de Raou, que estava totalmente sem defesa.

MALDIÇÃO DA SERPENTE!

A kodachi de Mana, que geralmente é vermelha graças a inúmera quantidade de sangue de seus inimigos, tinha ficado de uma outra cor. Assim que ela concentrou sua energia na arma, a lâmina ficou com uma cor verde claro e reluzente. Daí veio o golpe. Um corte horizontal rápido, que acertou Raou em cheio. O mais incrível desse golpe foi a precisão da garota: ela acertou o corte no MESMO lugar do primeiro golpe no peito de Raou. E daí sim, sua arma mostrou o característico vermelho de sangue pela qual ela tinha ficado tão conhecida.

Raou se desequilibrou, mas não caiu. Ao receber o corte, ele dá outro salto para trás, ganhando distância. Ele levou a mão esquerda até o corte em seu peito, sentindo a dor intensa imediatamente. Esse não era o problema. O problema era que ele não reconhecia essa técnica de Mana. Será que era algo secreto dela? Que ela nunca tinha usado nenhuma vez na frente de seus companheiros? Só podia ser! E lá vinha ela de novo!

Mana atirou cinco alfinetes de ferro contra as pernas de Raou, mas o ninja foi mais rápido dessa vez, se esquivando do golpe. Ele toma impulso e corre contra Mana, tentando acertá-la com um golpe horizontal na altura da cintura. Mana apara com sua kodachi — a arma dela era especializada em defesa por ser menor e mais leve — e dispara mais três agulhas contra o peito de Raou. Mais uma vez, o ninja foi mais rápido e conseguiu desviar do arremesso. Ele se abaixa e tenta passar uma rasteira na garota, na tentativa de derrubá-la.

Mana dá um pequeno salto para cima, se livrando do golpe e ao mesmo tempo, descendo com um novo golpe de sua arma. Raou se defendeu com as costas da sua mão esquerda. O impacto teve um som metálico, mostrando que o ninja usava protetores de mão. Não era nada surpreendente, na verdade. Raou viu que essa troca de golpes era perigosa e inútil. Por isso ele concentrou mais energia em seu corpo. Se Mana tinha um golpe que ele nunca tinha visto, então ele também tinha algo que iria surpreendê-la.

COMBO DAS TREVAS!

Essa magia era extremamente simplória, mas tremendamente poderosa. Se tratava de energizar todo o corpo de uma só vez, fazendo a energia fixar em todos os seus músculos, os acelerando. Com a velocidade aumentada, era possível dar vários golpes em menos de um segundo. Raou deu três. O primeiro foi um chute baixo, mirando as dobras da perna esquerda de Mana. Esse golpe foi esquivado facilmente. O segundo golpe foi um soco mirado em seu rosto, que pegou de raspão. E o último foi um corte lateral com a ninja-to, que infelizmente, Mana não conseguiu se defender. Ou melhor: não QUIS se defender.

Ela tinha feito de novo. Ela tinha ignorado totalmente os golpes mais fortes de Raou para se concentrar em pegá-lo enquanto estivesse sem defesa. Quando Raou passou a espada no braço dela, terminando o último golpe de sua magia, Mana já estava preparada e concentrada para dar a sua magia. Mais uma vez, o ninja não teve tempo para se defender.

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VINGANÇA DE ASHURA!

Esse era, com toda certeza, um dos golpes mais perigosos de Mana. Era perigoso tanto para seu inimigo quanto para si mesma. Esse golpe tratava-se de primeiramente receber uma magia direta do inimigo e depois, usar o "número" de golpes dados, multiplicar eles por dois e depois, aplicar de volta no inimigo, causando o dobro de dano. Foi exatamente isso que aconteceu.

Os três golpes de Raou se tornaram seis. Mana acertou os seis golpes no peito e nos braços do seu inimigo, que caiu no chão sangrando e gritando. Raou se desesperou. Ele rolou para longe e ficou de pé imediatamente. Ele sabia que se continuasse no chão, Mana correria para perto dele e o atacaria sem piedade. Em pé, a dor começou a piorar. Ele estava com muitos cortes no corpo e o sangue caía no chão como se fosse um chafariz. E além disso, sua visão estava turva. Como? Ele não tinha perdido tanto sangue ainda! Isso era impossível.

Mana estava parada, olhando para ele, com a mão direita em cima do corte em seu braço esquerdo. Ela estava respirando rapidamente, provando que esses dois últimos golpes tinham sim, consumido uma boa quantidade de energia. Mas por que ela não estava avançando? Raou balançou a cabeça, pedindo para seu cérebro arrumar sua visão. Ele arrumou. Raou sorriu.

Ele não podia perder essa batalha. Não podia perder a chance de viver luxuosamente em um castelo grande e bonito. Comer comida de classe todos os dias e não se preocupar mais em ter que pular em um buraco de onças todas as noites. Ele iria acabar com Mana!

Ele enterrou a sua ninja-to no chão a sua frente e levou as duas mãos para trás. Abriu sua bolsa e pegou todas as shurikens que conseguiu segurar de uma vez. E voltou a concentrar energia nelas. Mana não avançou. Ela permaneceu parada, respirando profundamente. Raou não entendia o por que daquilo. Ela poderia facilmente continuar atacando. Aquelas duas magias poderiam precisar de uma grande concentração e energia, mas ela com certeza tinha mais sobrando! Dane-se! Se ela não vem atacar, então ele irá!

INFERNO INVISÍVEL!

Raou usou tudo o que tinha nesse golpe. Ele energizou cada uma das shurikens que tinha na mão. Nem ele sabia exatamente quantas tinha, mas provavelmente umas vinte ou vinte e um. Não importava. Ele as energizou e depois as atirou de uma só vez. Logo que saíram voando das mãos dele, as shurikens ficaram invisíveis. Não tinha como se defender dessa quantidade. E muito menos aguentar elas! Mana não conseguiria fazer como da primeira vez! Ela iria cair morta assim que tentasse.

Então Raou ficou vendo suas shurikens voarem, invisíveis a qualquer um, menos para ele. Elas voaram rápido, rodopiando mortalmente. E todas elas bateram em uma parede, muito ao longe da luta. Mana permaneceu parada no mesmo lugar. Ela não precisou se mexer porquê as shurikens foram atiradas a mais ou menos dois metros de distância dela.

O traidor arregalou os olhos novamente. Como??? Ele havia mirado nela!!! Ela não tinha se mexido! Não tinha dado um passo sequer! Então como diabos as shurikens foram parar tão longe? E então veio. A falta de força, o enjoo e o desequilíbrio. Tudo ao mesmo tempo. Raou caiu de joelhos e começou a tossir nervosamente, levando a mão à boca. O que era aquilo? Como???

— A luta acabou assim que eu acertei o meu primeiro golpe. — dizia Mana, enquanto se aproximava de Raou lentamente. — Minha primeira magia que eu usei em você se trata de um veneno letal que afeta o seu corpo cada vez que você usa sua energia mágica. Quanto mais você usa, mais forte o veneno fica e afeta o seu corpo. E claro, depois de você ter usado uma grande quantidade como essa última vez, ele atingiu o ponto máximo, afetando seus cinco sentidos.

Raou não aguentou o enjoo e a visão embaralhada. Seu estômago deu voltas e ele começou a vomitar. Mas não era o seu almoço: era sangue. O veneno que Mana tinha introduzido nele corroia a maior parte dos tecidos nos órgãos, levando a pessoa a uma morte dolorosa e horrível. Mana ficou do lado do ninja, observando aquela criatura patética e traidora. Era a morte perfeita para ele. Raou caiu no chão de costas, se retorcendo e gritando com tudo que tinha. Ele se mexia como se estivesse levando um tratamento de choque.

— Uma das maiores regras de nossa Guilda, como você deve bem saber, é "Traição significa morte". Você entrou para a Guilda jurando obedecer todas as regras, mas mesmo assim, as quebrou. Agora eu, Capitã do Setor das Sombras, faço aqui a justiça perante o Rei.

Mana abaixa sua kodachi com tudo no peito de Raou, exatamente em cima do símbolo da Guilda. Obviamente, o golpe foi muito mais além, perfurando o coração e tirando a vida do ninja, que antes de morrer, chorava desesperadamente, pedindo por perdão em sua mente.

A ex líder do esquadrão não sentiu nada. Não havia remorso ou tristeza. Era o trabalho dela. Como diziam, "são só negócios". Para ela, a justiça da Guilda era suprema, mesmo que ela não existisse mais. E agora ela poderia levantar a cabeça, sabendo que fez um bom trabalho.

A garota ouviu um barulho vindo de trás dela. O Rei, em seu desespero, tinha caído do trono e agora se arrastava silenciosamente até a porta que havia mais atrás e que levava aos seus aposentos. Antes mesmo dele chegar na maçaneta da porta dupla, ele sentiu uma forte picada em sua perna esquerda, fazendo-o gritar alto. Ele caiu de cara no chão e levou a mão até o local da dor. Sangue. E uma adaga profundamente enterrada em sua perna. A dor era suportável, mas o medo não.

— E onde você pensa que vai, Quertam?

Essa foi a voz de Mana, vindo de muito próximo a ele. Muito mais próximo do que ele imaginava, na verdade. Com o desespero em sua mente, ele se vira para trás, só para encarar o olhar afiado da assassina mais habilidosa daquele Reino.

Quertam sabia que era loucura deixar qualquer um dos Capitães da Dead Blade vivos, pois era óbvio que eles procurariam por vingança de alguma forma. Foi por isso que ele fez um contrato com Raou, que só pensava em dinheiro. Raou passou todas as informações importantes da Guilda em troca do trabalho de ser seu guarda-costas pessoal. Quertam não ligava muito pra isso, mas as informações que ele ganhou se provaram muito recompensadoras.

Foi por causa delas e com o plano de envenenar a bebida do almoço da guilda que ele e seu exército conseguiram dar jeito rápido nos membros. Ele achava que tinha se livrado totalmente da Guilda, até Raou lhe acordar a quinze minutos atrás, dizendo que a Líder do Esquadrão das Sombras ainda estava viva e vindo até o castelo. Quertam quase entrou em desespero, mas o próprio ninja se voluntariou para dar fim a vida da garota. Por isso ele voltou a sala do trono, onde o espaço era maior e mais fácil para se lutar, e esperou pela garota.

Quertam admite que quando a viu entrando na sala, quase não aguentou sua bexiga. Ela estava realmente viva e sua aura dizia que sua kodachi precisava de vingança. Agora ele estava a encarando de perto. Agora ele sabia que não era só a lâmina que lhe queria. A própria assassina gostaria de colocar as duas mãos no pescoço dele para matá-lo lenta e dolorosamente.

— ESPERE! ESPERE, POR FAVOR! — gritava Quertam, tentando se arrastar ainda mais ainda em direção da porta. Ele estava fazendo um rastro de sangue no carpete verde claro. — Você não entende! Eu precisei fazer o que fiz pelo Reino!

Mana usou a kodachi e enterrou-a na perna de Quertam que ainda estava boa, travando o no chão. Houve outro grito, só que ainda mais alto do que o primeiro.

Mana ainda não tinha terminado. Ela leva a sua mão até sua bolsa na perna esquerda e tira os seus já bem conhecidos alfinetes de ferro. Ela nem precisou mirar. Acertou quatro dos alfinetes no braço direito dele, o levando ao chão, imóvel e chorando de dor. E para Mana, isso seria só o começo.

— Eu não quero saber se foi por você, pelo Reino ou pelo mundo todo. — diz a assassina, atirando mais três alfinetes em seu braço esquerdo e tirando ainda mais gritos do homem. — Você invadiu a minha casa, matou a minha família e depois colocou fogo em tudo. Eu não quero ouvir suas desculpas. E não quero mais ouvir sua voz. Não quero mais olhar para o seu ser. Não quero mais saber da sua existência!

Quertam chorava de dor e gritava por seus guardas desesperadamente. Ele estava se perguntando o porque dos guardas não aparecerem até agora. Sempre ficavam um ou dois guardas pelos corredores ao lado do salão do trono, então eles deveriam aparecer no momento em que o Rei desse o primeiro grito.

Ninguém apareceu. Ele não fazia ideia de que lá fora, perto do portão caído da muralha, estava tendo uma mini guerra entre o resto de seu exército contra um homem maluco. Dali, não dava pra escutar os gritos e barulhos lá de fora, então nem Mana sabia se San estava bem. E ela não estava nem aí pra ele. Que morresse! Era o mínimo que ele poderia fazer pra pagá-la depois de tudo o que fez.

A garota abre sua maior bolsa que trazia em sua cintura, retirando um tipo de garrafa de vidro. Ela tira a tampa de rosca e joga o líquido transparente no corpo ensanguentado de Quertam, que conseguiu atingir um tom ainda mais alto de grito. Ignorando totalmente as dores do Rei, Mana anda lentamente até uma parede da mesma sala e tira uma das tochas acopladas na mesma. Ela volta no mesmo passo em que foi, ficando em frente ao Rei, que estava quase desmaiando por desespero e falta de sangue.

— Agora Quertam... Eu espero que você ainda esteja conseguindo me ouvir. — Mana tinha dito isso porque o volume dos gritos do Rei estavam diminuindo gradativamente. — Eu pensei em muitas maneiras para acabar com a sua vida, mas no fim, nada melhor do que morrer do mesmo jeito que as pessoas que confiavam tanto em você. Pessoas que deram o seu sangue para o bem do SEU reinado! Pessoas como... Aozaki! — Mana tinha começado a chorar e nem tinha percebido. Lembrar de Aozaki era ruim pra ela. Enfraquecia sua mente no mesmo momento. Ela não podia pensar nisso agora. Ela tinha um trabalho pra terminar. O último trabalho dela. — Quertam Mundus XXII, por traição à nossa Guilda, eu, Líder do Esquadrão das Sombras da Dead Blade, lhe sentencio à morte!

Mana joga a tocha em cima do corpo quase dormente de Quertam, fazendo-o incendiar. Era óbvio que ele queimou quase como se fosse uma combustão espontânea, pois o líquido que Mana tinha jogado no corpo de Quertam há uns segundos atrás se tratava de álcool puro.

A assassina deu três passos para trás, fugindo das chamas que começaram a engolir o homem gritante. E o carpete. E o tapete que ficava bem ao lado também. O fogo do ódio iria consumir tudo. Mana torcia para que um milagre acontecesse e TODO o castelo também entrasse em chamas.

Quertam havia parado de gritar. Morto. Ele finalmente estava morto. Merecidamente morto, para ser mais específico. Mana deu ainda mais dois passos para trás e caiu de joelhos. Agora as lágrimas vieram com tudo. Ela tinha conseguido. O plano de San era louco, mas tinha dado certo... Pelo menos pra ela. Não havia guardas. E a única coisa que entrou no caminho dela e de sua vingança, tinha sido Raou, que também teve o que mereceu. A vingança estava feita e agora não sobrou mais nada para ela fazer.

A mulher olhava atentamente para as chamas, pensando que não seria uma má ideia ir para o além do mesmo jeito que seus companheiros. Se realmente houvesse um mundo depois da morte, ela poderia se encontrar com Aozaki e todo o resto da Guilda. Ela não ficaria sozinha!

Foi quando as grandes portas, do outro lado do salão, foram abertas violentamente. Eram os tais guardas. Três Guardas Reais finalmente conseguiram correr para essa sala quando souberam que o misterioso homem que estava atacando todo mundo lá fora tinha trazido a batalha para a entrada do castelo. E eles, como bons guardas, deveriam proteger o Rei de qualquer ameaça. Bom... Eles chegaram muito atrasados.

Eles viram a assassina parada na frente de algo pegando fogo. E o fogo estava se alastrando um pouco, chegando ao trono. Os três homens armados e de uma pesada armadura entraram em desespero por causa do fogo, mas um deles em específico, gritou outra coisa que tinha percebido. Ele viu que daquela coisa pegando fogo, uma coroa de ouro tinha rolado para perto da mulher, que continuava imóvel. Aquela coroa era inconfundível. Foi isso que fez esse guarda gritar algo como:

— NOSSO REI ESTÁ EM CHAMAS!

Ouvindo o grito do colega, os outros dois guardas tentaram acompanhar o seu olhar e viram a tal coisa pegando fogo. Os três, simultaneamente, correram até o corpo torrado de Quertam o mais rápido que conseguiram, ignorando totalmente a garota de joelhos. Eles também não viram o corpo de Raou no outro lado da sala.

Os guardas não precisaram apagar o fogo para ver que era, de fato, o Rei que estava sendo engolido pelas chamas. Eles não tinham nada para apagar aquilo, então começaram a gritar por ajuda. Um deles, o com pensamento mais rápido, correu até uma das grandes bandeiras do reino que ficavam penduradas em mastros no canto esquerdo do salão. Ele arrancou a bandeira de tecido de lá e carregou até perto do fogo, pedindo ajuda a um de seus amigos para que ele pudesse cobrir as chamas na esperança de apagá-la.

Mana assistia tudo ali, de joelhos. Ela não ligou mais. Assim que eles virem que Quertam estava morto, eles iriam matá-la. E esse seria um final bem clichê para a sua vida. Seria.

ESTILO DO DRAGÃO, PUNHO DA DESTRUIÇÃO!

A parede mais a direita explodiu em inúmeros pedaços. Pedras voaram perigosamente rápidas em todas as direções, quase acertando um dos guardas. Com o susto, todos os presentes na sala se viraram ao mesmo tempo para o lado, encarando uma figura que saia da fumaça criada pela destruição da parede. A figura se vestia bem diferente e estava encharcado de sangue e suor. Ele tinha machucados em todo o corpo, mas a sua expressão séria mostrava que ainda não tinha alcançado o seu limite de cansaço.

— Ahhh! Achei você! — diz San, caminhando até Mana em um passo acelerado.

— Você está... Vivo... — diz a garota, quase se babando por deixar a boca aberta pela surpresa.

— Ahm? Como assim? E quem disse que eu iria morrer?

— É ELE! — gritou um dos guardas. — Ele é o cara que estava atacando todo mundo lá fora!

Os outros dois guardas perderam a compostura no mesmo segundo. Eles não sabiam se atacavam o garoto ou se continuavam tentando apagar o fogo com a bandeira, que estava dando certo, por mais incrível que pudesse parecer.

Bom, os dois guardas não sabiam o que fazer, mas o outro que estava com as mãos livres, sabia. Ele desembainhou sua espada que estava em sua cintura, deu um grito e correu na direção de San. O guarda usou um movimento aberto, rápido e poderoso, atacando horizontalmente na altura do pescoço de San. O próprio garoto tinha que admitir que aquele tinha sido um ataque extremamente preciso... Mas ineficaz.

San se abaixou e aplicou uma rasteira circular no guarda, se esquivando do golpe e derrubando-o no chão ao mesmo tempo. O guarda atacante caiu de costas no chão, mas mesmo com o impacto, ele conseguiu não se machucar nada e não soltou a espada de jeito nenhum. Era um cara bem treinado. Não estava na Guarda Real por nada. Ele havia sido escolhido diretamente pelo grande General do Reino, que foi até a sua academia e viu suas habilidades.

Mas agora ele estava no chão e San estava no alto dele. O assassino tinha dado um pequeno pulo para cima assim que o guarda caiu. O objetivo do pulo era óbvio: dar mais impulso para um golpe de pisada. San pisou com força no pescoço do guarda habilidoso, fazendo Mana, que estava bem do lado, escutar o som de um osso se quebrando.

O guarda cuspiu sangue na hora e lutou para respirar. Mas seus pulmões não lhe obedeciam mais, já que sua traqueia havia sido obliterada com um só chute, levando a grande carreira do guarda habilidoso à uma morte infeliz.

— Não pensem em me atacar. — disse San, se virando para os dois guardas com a bandeira em mãos, que estavam boquiabertos com a cena que acabaram de ver. Eles conheciam a habilidade com a espada do seu colega ali, e nunca imaginavam que ele perderia uma luta um contra um tão rápido. — Vocês dois precisam se concentrar em apagar esse fogo que está em cima do Rei.

Com essa frase, os dois se desesperaram. Eles tinham ideia de que aquele ali, sendo consumido totalmente pelas chamas, era de fato o seu Rei. Mas eles não queriam acreditar. O seu Rei não poderia estar morto daquele jeito. Era impossível! E por isso mesmo que eles tinham que ter a prova definitiva. Ao mesmo tempo, os dois voltaram a apagar o fogo.

San caminhou até Mana e a agarrou pelos braços. Ele viu que ela estava mole e sem vontade nenhuma no corpo. Ela havia desistido. San a levantou e a olhou nos olhos. Não havia vida neles. Ela olhava para o chão e se San a soltasse, ela voltaria a cair, como um boneco inanimado.

— MANA! — gritou San, a sacudindo-a levemente.

— Missão completa, San. Missão completa. — respondeu ela, com um tom de voz muito baixo. — Suma daqui enquanto pode. Eu vou esperar e ver o que acontece aqui mesmo.

O garoto forçou a expressão. Ele havia entendido tudo. Ele olhou para baixo e juntou a coroa de ouro do Rei. Aquilo seria a prova de que o seu trabalho tinha sido completado com sucesso. Não que ele precisasse. O alvoroço que se daria amanhã acabaria sendo espalhado por meio mundo. Informação ruim viajava mais rápido do que qualquer cavalo. San sacode o corpo de Mana mais uma vez, a fazendo olhar ele nos olhos. Era isso que ele queria.

— Desculpe por isso Mana. Vai doer mais em mim do que em você, eu juro.

— Mas o que você pre---

A assassina não conseguiu completar a frase. San energizou o seu braço, deu um passo a mais e bateu com uma força absurda na nuca da garota. Mana sentiu um choque correndo por todo o seu corpo e a última coisa que viu foi o seu próprio corpo sendo segurando pelos braços do seu parceiro. Depois disso, sua consciência se apagou. Ela não sentia mais dor e nem cansaço. Só o sono. E o sonho que veio depois.

Ela acordou em desespero. Sua cabeça estava latejando de tanta dor e isso fez ela se remexer na cama. Cama? Mana viu que estava deitada confortavelmente em uma cama macia. Mas como? Quando? Por quê? O que havia acontecido com o castelo? E o Rei? E as chamas?

Ela jogou a coberta branca que a tampava para longe da cama e tentou se levantar. A dor na cabeça quase não a deixou fazer isso. Ela viu que estava com ataduras e seus cortes haviam sido fechados. Eles doíam sim, mas muito pouco.

A garota machucada analisou o lugar o mais rápido que pode. Quarto. De madeira. Provavelmente velho. Sem guarda-roupas. Duas camas. Uma mesa velha num canto com duas cadeiras de madeira. San sentado em uma delas, comendo uma maçã. A janela aberta ao lado dela, mostrando que era de dia. Pelo calor, era perto do meio dia ou um pouco depois disso. Em uma escrivaninha, suas armas e bolsas repousavam. Espera um pouco... SAN!

— Bom dia. — disse San, dando outra mordida na maçã.

— SAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAN! O QUE VOCÊ FEZ!? — gritou a garota, não dando a mínima para o fato de estar em uma hospedagem e de que haviam pessoas que poderiam ter se incomodado.

— Vejamos... Eu te desmaiei lá porque sabia que você não iria querer me acompanhar. Daí te agarrei e comecei a correr pelo mesmo lugar que eu entrei. Tive que quebrar mais duas paredes para evitar os guardas que ainda procuravam por mim, o que me fez ficar totalmente esgotado e cansado. Por sorte, eles caíram na minha armadilha e eu consegui sair escalando uma das torres atrás do castelo. Daí eu tive que pular de lá até um telhado mais próximo... O que fez eu não aguentar o peso e cair errado, destruindo o telhado de uma casa, machucando meu joelho. — nesse momento, Mana percebeu que ele realmente estava com uma atadura grande na perna direita. Além de estar todo enfaixado, parecendo alguém que caiu de um penhasco. San estava muito ferido, mas ela não tinha prestado atenção naquela hora. — Daí eu me levantei, pulei no chão e corri o mais rápido que eu pude com você nas minhas costas. Fui até um estábulo na saída norte da cidade e, como estava fechado por causa do horário, eu arrombei a porta e roubei o único cavalo que estava com cela. Daí tive que amarrar você nas minhas costas para poder cavalgar e vim até aqui nessa vila, onde eu aluguei um quarto pra gente poder descansar. Eu cheguei aqui de madrugada, então foi difícil dar uma explicação boa para o dono daqui nos deixar entrar. Ele só deixou porque eu dei dinheiro demais à ele. Acho que é só... AHHH! E daí depois eu ainda corri atrás de um médico aqui na vila pra cuidar dos nossos ferimentos. Pronto, é isso.

Inacreditável. Mana com certeza não conseguia acreditar em uma história tão absurda quanto aquela. Ela se levantou com dificuldades e foi até a janela aberta, tomando as luzes do sol forte em seu rosto. Ela olhou para a vila. Realmente não era mais a cidade. Ela olhou de volta para San, que estava dando outra mordida na maçã. Era verdade? Ele tinha conseguido fazer tudo aquilo e ainda estar ali, comendo despreocupadamente? O que esse cara tinha?

— Por quê? — perguntou ela, com o rosto se avermelhando de novo.

— Por que o quê?

— Não se faça de idiota! Por que você me tirou de lá!?

— Porque se você ficasse lá, estaria sendo enforcada publicamente nesse exato momento.

— E daí, San? Por que você não me deixou lá para morrer? Por que não me deixou ir encontrar meus companheiros no outro mundo?

— Você não está raciocinando direito. Provavelmente está com fome, já que se passou mais de doze horas e você não comeu nada. Aqui, pega.

San jogou uma maçã para ela. Mana agarrou a maçã no ar e a jogou de volta violentamente. San esquiva a cabeça para o lado, fazendo a maçã bater com tudo na parede e cair rolando para o chão. O garoto se abaixa e pega a maçã de volta. Quando ele volta a olhar para Mana, ele percebe que ela estava chorando de novo.

Isso seria complicado. Ele sabia o que ela estava sentindo. Nunca tinha passado por isso, como já dito antes, mas já tinha visto essa mesma cena umas três vezes. E não tinha gostado de nenhuma das três.

— Aozaki te pediu para morrer, Mana?

A assassina congelou no tempo. Ela tinha ido se sentar na cama, mas parou no meio do caminho. Mana se virou para o garoto, o encarando. San não estava sorrindo, significando que a pergunta era séria.

— Do que você...

— Você viu Aozaki morrer na sua frente. Foi isso que você disse. Mas ele pediu para você morrer com ele? — San fez a pergunta olhando diretamente no fundo dos olhos da assassina. Mana balança a cabeça negativamente, alegando que Aozaki nunca faria um pedido desses. — Foi o que eu imaginei.

— E o que você quer que eu faça agora? Eu perdi tudo o que tinha! Você não sabe como é perder uma família, sabe?

— Não, não sei. Mas eu sei o que você pode fazer.

— O QUÊ, SAN! O QUÊ EU POSSO FAZER AGORA!? — grita ela, irritada.

— Viva. Percorra o caminho mais difícil de novo e sobreviva. Se você perdeu tudo, então consiga tudo de volta. Consiga coisas novas. Não para substituir o que você já perdeu. Pessoas não são substituíveis. Mas os sentimentos são. Vá viver uma nova vida, como você fez quando eu te tirei daquele quarto rico naquele castelo.

— Você está me pedindo para passar por todo aquele sofrimento novamente?

— Não, estou pedindo para você caminhar por uma estrada diferente. Se você cometeu erros que te levaram ao sofrimento naquela época, então é só não cometer os mesmos erros. Eu posso ajudar você. Vou te levar para um lugar longe de tudo. Fazer você ter uma vida nova, longe desses assassinatos. Longe desse perigo.

— Pra quê? Pra me abandonar lá de novo e sumir como você fez a última vez? Você é mesmo um panaca, sabia?

— Me chame do que você quiser. Eu já te expliquei o porque eu te abandonei àquela vez. Dessa vez é diferente. Eu TENHO força para me proteger e para proteger você. E para ser sincero com você, já cansei de ficar fugindo o tempo inteiro. É um saco não poder parar em uma cidade por causa dos Caçadores de Recompensa atrás da minha cabeça. To farto disso. Eu tava querendo juntar uma grande quantidade de dinheiro e sumir. Comprar uma pequena fazenda pra mim em um lugar totalmente desconhecido e viver como outra pessoa por lá. Eu não acho que o meu espírito iria ficar quieto depois de passar por tantas batalhas, mas pelo menos eu iria TENTAR. Por que não tenta também?

A ideia de San era bonita, mas muito surreal. Não era fácil você mudar totalmente de vida depois de matar tanta gente. O garoto falou tudo com uma seriedade tão grande, que Mana ficou tocada e curiosa para saber qual eram os outros planos do rapaz. Primeiramente, como ele conseguiria tanto dinheiro assim para comprar uma fazenda? Mudar de nome era fácil, mas fingir ser uma outra pessoa era quase impossível.

— E como você vai fazer isso, San? Vai roubar mais castelos até ter dinheiro o suficiente para pode "comprar" uma vida nova?

— Sabia que isso te interessaria. — o garoto deixou escapar um leve sorriso, que não foi percebido por Mana. — Primeiramente, temos que ir entregar essa coroa para o pessoal de Lafard. Eu tinha te falado que a recompensa por esse trabalho era gigantesca. Mas mesmo isso, como dividiremos tudo meio a meio, não seria o bastante para eu comprar o que eu quero. Vou precisar de mais. Só que eu sei exatamente onde eu posso conseguir mais, e de um jeito justo, usando o que eu tenho de melhor.

— Mas eim? Vai entrar em uma batalha de gladiadores, por acaso?

— Quase isso. Por que você não vem comigo? Eu vou precisar de ajuda pra participar, já que esse ano as batalhas serão diferentes. Se você vier, eu juro que te ajudo a construir uma vida nova. Não estou pedindo para vir morar comigo, claro. Mas pra provar que eu não vou te abandonar de novo, podemos tentar comprar uma casa na mesma vila que eu estarei morando. Mesmo achando que o melhor seria se nós fingirmos que não conhecemos um ao outro.

— Você fala como se fosse ganhar essas batalhas! Desde quando você é tão convencido?

— Eu VOU ganhar. Não tem nada que pode impedir minha força de vontade. Isso, você já deveria saber. Você vem ou não?

Mana se deitou na cama e pensou. Sua cabeça estava doendo demais, então raciocinar demais estava a matando. Ir com San? Isso sim era loucura. Era o garoto que tinha virado a vida dela do avesso. Ele havia dado uma chance para ela sair daquele castelo sim, mas era como ter saído da frigideira diretamente para o fogo. San tinha alguma habilidade milenar de aparecer na vida dela quando tudo estava na pior situação possível.

Mana estava cansada de tudo. Não queria ter que perder mais gente de novo. Ela viu San se levantar da cadeira e caminhar até sua cama, carregando a mesma maçã que ela tinha atirado de volta. O garoto não estava inventando aquilo para tentar fazer ela se sentir melhor. Ele poderia ser maluco e um assassino sangue frio, mas não era mentiroso. San não prestava e Mana sabia disso tanto quanto sabia que a maça era vermelha.

Mas o que mais ela tinha? Será que era possível recomeçar tudo de novo? Viver uma vida diferente? Parar de se arriscar todas as noites? Parar de ver sangue quase todos os dias? Não.

Mana achava sinceramente que isso seria impossível. A trilha de sangue que ela havia criado estava comprida demais. Ela nunca mais se tornaria outra pessoa. Não iria mudar de nome. Ela iria viver como "Mana" até o final de sua vida. Ela não precisava fugir. Ela iria enfrentar. Iria voltar a estaca zero, mas iria subir muito mais rápido agora.

Mas chega de fazer novos amigos para perdê-los depois. Mana iria se tornar a nova "Loba Solitária". Iria virar uma mercenária novamente. Uma que só trabalha para ela mesma. Sim. Era isso! Era o único jeito que ela tinha para continuar vivendo.

— Tudo bem San, eu aceito seu convite. Mas não vou com você criar uma vida nova. Faça isso sozinho. Mas eu vou te ajudar nessas batalhas. Com um porém!

— E qual seria? — diz o garoto, esticando o braço com a maçã para Mana, que permanecia deitada. Ela tinha que comer algo de um jeito ou de outro.

— Que você divida a recompensa desse trabalho de Lafard em 60% por 40%, sendo que você fique com a menor parte. É pegar ou largar.

— Ok, fechado.

— EI!!! Você nem vai pensar no assunto? — pergunta a assassina, pegando a maçã da mão de San.

— Não. Porque eu vou ganhar as batalhas e isso vai me dar muito mais dinheiro do que você pode imaginar.

— Espera, isso está ficando suspeito! Onde vão ser essas batalhas? Do que você está falando?

— Ah! — San abriu o sorriso, agora sendo obviamente percebido pela garota. — Isso você vai ver quando chegarmos lá.