Immortal Star

Do Ferro ao Fogo


O que você acabou de ouvir deve ter, pelo mínimo, atiçado sua vontade e seu espírito de luta. O que você leu é só um começo muito vago do que ainda está por vir. Ah, eu já repeti essa frase, não é? Me desculpe, mas é que isso deve ser lembrado a todo custo, o tempo inteiro.

Agora você conhece dois dos criadores de uma Guilda que foi capaz de mexer com todos os exércitos do mundo. Uma assassina extremamente habilidosa que tem forças para seguir em frente, mesmo com um passado obscuro e encharcado de sangue. E um garoto meio maluco que faz o que lhe der na telha, sempre olhando para o sucesso, sem ter medo de errar. Mas você não viu nem um terço do que esses dois são capazes. Não, não, meu caro. As batalhas futuras que esses dois terão que enfrentar no futuro serão muito mais perigosas para eles, mas mais divertidas para nós.

É lá que eu quero chegar, mas antes... Você precisa conhecer outros dois personagens. São os dois que carregavam o "símbolo" da Guilda mais barulhenta do mundo. Está na hora de você conhecer dois certos magos.

~~~~~~~~~~~xXx~~~~~~~~~~~

O mundo era grande. Caótico, mas ainda sim, controlado. Perigoso, com certeza. Mágico e fantástico. Divertido para aqueles que querem ter uma aventura eletrizante ou passar a vida treinando suas magias. Horripilante para aqueles sem a força de vontade suficiente para continuar a vida tendo que fugir, se esconder e a maioria das vezes, lutar obrigatoriamente.

Os humanos lutavam o tempo todo, por menor que fossem os motivos. Pessoas devendo dinheiro à outras, vinganças, assaltos, ataques massivos de monstros que aparecem de um dia para o outro sem nenhum aviso prévio. A situação era tão tensa em algumas regiões que um famoso bardo escreveu uma música cuja o título era "Não existe lugar seguro nessa vida.". Foi um sucesso mundial, e tocava principalmente nos bares onde haviam aquelas pessoas que se afogavam em bebidas porque elas haviam perdido tudo na vida.

Havia muita política envolvida também, o que não ajudava muito no quesito de "segurança". Dividida em inúmeras nações e países, cada um com seus Reis e leis únicas. Uns corruptos, uns bondosos, mas todos avarentos.

Algumas cidades eram dominadas inteiramente de pessoas "livres"... Ou assim elas achavam, já que não tinham um Rei ou algum tipo de Líder específico para mandar ou ordenar em qualquer aspecto na cidade. Havia muita desorganização nessas cidades, pois muitas pessoas gostam de fazer o que lhe vier a mente sem ligar para o que vai acontecer ao vizinho.

Em algumas outras cidades ou até vilas menores, existiam os "Representantes do Rei", algumas vezes chamados de Prefeitos. Era quase ideal que essa ideia fosse mais seguida, pois a comunicação, comércio e até mesmo a segurança eram muito melhor trabalhadas.

As vilas e cidades pequenas eram idênticas, mesmo se for comparar a do extremo sul com a do extremo norte. Agora as grandes cidades ou capitais já eram outra história. Todas elas tinham uma estrutura muito mais específica. As vezes era possível "sentir" a diferença de uma cidade para outra assim que você colocava o pé dentro dela. Cheiro, atmosfera amigável, barulho. Algumas cidades eram especialistas em grandes construções, o que assustava muito os viajantes vindos de pequenas fazendas no fim do mundo.

Mas uma coisa era de obrigação para todas as cidades grandes: as Guildas. Essas Guildas eram a esperança não só do Reino, mas do mundo inteiro. Esse mesmo mundo, infestado de monstros gigantescos e assassinos, sempre viveu na sombra que o medo lhes proporcionava. Como já dito, o mundo era um lugar perigoso, e se você não está em uma das Guildas, então deveria ter cuidado em sequer pensar em sair da segurança de sua cidade sozinho.

As Guildas eram muito variadas, mas todas são compostas de guerreiros. Magos, assassinos, arqueiros, lutadores marciais, lanceiros, paladinos, ninjas, druidas... Todo o tipo de combatente corajoso (ou sonhador) que existe em cada canto do mundo geralmente pertence a uma dessas Guildas.

Suas funções também são variadas: vão de proteção e escolta até mesmo como soldados de aluguel para Guerras e caça ou assassinato de monstros e de outros humanos. A maioria dessas funções vinham em pedidos feitos pelos cidadãos das cidades e vilas, mas muitas vezes o pedido vinha do próprio Rei ou Líder local, ou ainda do próprio Mestre da Guilda, que era o mandante geral do local.

Alguns pedidos tinham limite de tempo, outros não. Tudo dependia do que o cliente desejava. Quanto mais rápido o pedido precisaria ser feito, mais caro ele ficava. Era um dos "comércios" mais bem organizados do mundo.

Vamos nos focar em um quesito em especial: a Caça aos Monstros. Esse era um dos trabalhos mais pedidos em toda parte, principalmente em cidades longe da proteção dos soldados do Rei ou sem nenhuma Guarda própria. Muitos desses membros de guilda eram especializados unicamente na eliminação dos monstros — criaturas muitas vezes de sangue frio, irracional e grotesca, mas com toda certeza, perigosas —, e a prática e treino para se tornar alguém BOM nisso, poderia levar muito tempo, mesmo para alguém talentoso.

Como era no caso de Mulkior Musubi. Membro de uma das famílias mais consagradas do mundo por seus grandes ferreiros e construtores, Mulkior já era conhecido muito antes de entrar para o mundo da magia. Era alguém muito dedicado à família e aos amigos, fazendo sempre o possível e o impossível para ajudá-los. Sua característica de ser sempre alegre e muitas vezes competitivo (em algumas situações, competitivo AO EXTREMO), faziam ele ser uma grande companhia.

Diferente de seus pais e avós que eram ferreiros que trabalhavam diretamente para o Rei de Riven — um dos Reis mais conhecidos por seu gigantesco reino com um terreno frutífero —, o garoto decidiu levar o nome de sua família para o mundo das guildas. E ele conseguiu... Até uma parte.

Treinado para ser um Matador de Monstros em um templo muito ao norte de sua terra natal, Mulkior se especializou em magia de criação e modificação de metais. Seu maior trunfo era uma pequena bolsa que levava em sua cinta que continha inúmeras esferas de metal, que ele usava para transformar em alguma arma a sua escolha.

Ele ficou muito conhecido por fazer grandes trabalhos, mas ganhou muita popularidade e fama quando, em uma semana junto com mais 2 amigos (aqui, ele já estava com 20 anos de idade), eliminou absolutamente todos os "homens-ursos" (uma espécie de monstro grande, robusto e muito peludo, mas que lembram muito homens que usavam peles de urso para se protegerem do frio), que dominaram o Castelo de Noburhein, no Continente Vermelho.

Desde esse dia, eles ficaram conhecidos como a "Tríplice da Garra de Prata", fazendo uma alusão ao fato de que os monstros realmente tinham garras e unhas na mais brilhante cor cinza.

Mas mesmo com o título de "Garra de Ferro" (os melhores guerreiros sempre recebiam "Títulos Únicos" que ficavam conhecidos mundialmente. Existiam infinitas maneiras de se conseguir um, mas na maioria das vezes, era dado para a pessoa por ela ter feito algo realmente fenomenal) e tendo uma grande fama, Mulkior continuava uma vida solitária.

Ele nunca parava em uma única guilda: sempre aparecia, ajudava e depois ia embora, nunca dizendo pra onde ia. Ele sempre dizia que procurava um lugar para chamar de "novo lar", mas nunca encontrou. Ele queria entrar em uma guilda e se sentir realmente como se fosse uma nova família pra ele.

Ele fez muitos amigos em suas viagens, e muitos deles clamavam para que Mulkior entrasse para suas guildas. Muitas vezes esses pedidos deixavam o mago confuso, pois ele não gostava de recusar algo para seus companheiros.

Em uma de suas viagens, ele parou na grande cidade de Loto, uma das cidades mais conhecidas dos Reinos do Leste por ter o Quartel-General da Monster Hunter, claramente a maior, mais conhecida e mais antiga Guilda de Caçadores de Monstros do mundo. Mulkior já trabalhou com eles em três de suas filiais espalhadas por outros reinos, mas nunca esteve na Matriz.

E como aquilo era grande! Sete andares de altura e com uma área de treino gigantesca localizada aos fundos do prédio. Aquilo era quase um castelo sem muros! Além da grande estrutura, o que empolgou o mago foram os outros membros oficiais da guilda. Todos tinham um ar superior ali. Mulkior não precisava ver um deles em combate pra saber o quanto eram fortes e poderosos. Não que isso o deixava "assustado". Ele TAMBÉM era forte e poderoso, então para ele, aquele pessoal estava no mesmo patamar que ele.

Com a cabeça erguida, ele foi até a recepção — que também era gigantesca — e se inscreveu temporariamente para realizar alguns trabalhos da guilda (isso era obrigatório se você não fosse membro oficial. São poucas Guildas que proíbem a ajuda de alguém de fora, mas nenhuma que ignorasse a inscrição). Logo depois de preencher todos os papéis e de reler todas as regras da guilda, ele se dirigiu ao também gigantesco Quadro de Missões — onde ficavam todos os pedidos feitos pelos clientes da Guilda.

Mulkior demorou alguns minutos para passar o olho em quase todos os trabalhos até um deles em específico lhe chamar a atenção. Era um trabalho relativamente difícil, mas a recompensa era muito grande. Ele achou que seria uma boa ideia começar alto, para que seu nome também fosse bem ouvido aqui na cidade e pelos membros superiores da guilda. Ele levou a mão até o grande bilhete da missão e na hora de puxar para perto de si, sentiu uma travada. Ele olhou para o papel e percebeu que havia mais alguém com ele em mãos.

Seguindo lentamente da mão para o braço... E do braço para o corpo... Que foi onde ele viu que se tratava de uma mulher, um pouco mais baixa do que ele... E então para o rosto.

Ahhhh o rosto. Ele se lembra exatamente de como foi esse encontro direto com os olhos dela. Seu rosto, um pouco pálido, mas com uma pele impecável e lisa, sem marcas, espinhas e... Sem maquiagem. Assim como seu rosto, seus olhos demonstravam uma pureza semi-igual. Seus longos cabelos negros e lisos, quase demonstravam vida quando uma leve lufada de vento soprou entre os dois. Ele gostaria de analisá-la melhor, mas ela logo disse:

— Pode tirar o olho. Eu vi primeiro!

Sua voz era doce, mas demonstrava uma certa ferocidade que Mulkior nunca tinha sentido. Ela tinha apertado o olhar, mas nunca que aquela cara de anjo iria intimidar alguém como ele. Em falar em cara de anjo...

— Eu conheço você. — disse ele, sem mudar o tom de voz e não soltando o papel. — Você é o Anjo de Fogo do Continente do Nordeste! Kuli, não é?

— Kula! Meu nome é Kula Chikigane! — dessa vez, a voz tinha deixado de ser doce. Sua expressão se apertou um pouco mais, e pela cabeça dela, aquele cara era um grande folgado. Ela odiava que errassem o nome dela, não importava quem fosse.

Kula Chikigane também era conhecida mundialmente. Mas diferentemente de Mulkior, ela não era de uma família rica ou popular. Muito pelo contrário. Seu pai e sua mãe eram fazendeiros pobres que sempre passavam por dificuldades financeiras e críticas. Viviam numa vila perto do Reino de Rulian, que não tinha nada de famoso. Sua fazenda era pequena, então eles não tinham muitas opções de plantio e também não podiam contratar ninguém pra ajudar. Passando frio, fome e muitas vezes medo de ataques de monstros ou saqueadores, a vida da garota era terrível.

Talvez tenha sido exatamente por esse medo que a fez querer se tornar uma maga. E quem sabe, por causa do frio que sempre passava, escolheu o "Fogo" como sua magia principal.

O mais incrível da garota foi que ela aprendeu a controlar a magia apenas lendo livros de referência. Ela nunca chegou a sair de casa para treinar em algum lugar específico para melhorar o básico e o avançado. Ela treinou sozinha e se fortaleceu sozinha. A vontade de ajudar os pais lhe dava forças para sempre querer chegar mais longe, e ela se empenhava muito na leitura dos livros (que ela tinha achado no porão de sua casa. De acordo com o seu pai, aqueles livros eram de seu bisavô, mas nunca soube muito sobre ele por nunca tê-lo conhecido pessoalmente).

A primeira grande cena de Kula foi em um ataque massivo de monstros que invadiram o reino onde ela morava. Eles estavam famintos e decidiram seguir seus instintos. Os monstros vieram por todos os lados, então para o reino, foi difícil decidir para onde mandar suas tropas para proteção do povo. Foi por não aparecer ninguém por perto que Kula decidiu defender a vila sozinha.

Mesmo contra as ordens dos pais para que ela se escondesse, a garota partiu para o ataque, incrivelmente eliminando todos os poucos monstros que passaram pela vila. Depois que a poeira abaixou, todos os moradores da vila que viram os esforços da garota recompensaram sua família enormemente, dando-lhes sementes, alimento e dinheiro.

Aquilo tinha sido magnífico para Kula. Se ela pudesse fazer mais disso, sua família nunca mais iria passar por dificuldades. Então veio a decisão. Nem pensou duas vezes pra dizer aos pais que iria trabalhar na cidade grande, perto do castelo como Maga Mercenária e trazer dinheiro pra casa. É óbvio que seus pais foram contra, mas não conseguiam fazer nada contra a teimosia pura da filha.

Foi com muito trabalho mercenário e pedidos diretos que ela conseguiu juntar uma quantia boa o suficiente para tirar os pais da pobreza. Além do dinheiro, sua fama cresceu como capim. Em pouco tempo, ela tinha se tornado a maga mais forte do Reino, e ela já planejava ir para mais longe, para juntar ainda mais dinheiro. Dando um demorado "tchau" para seus pais, ela partiu em viagem. Sem rumo e sem mapa.

É nessa parte que ela se parece com Mulkior. Mesmo tendo uma grande força e habilidade, ela nunca parava por muito tempo em uma cidade ou guilda. As vezes ela aparecia só pra fazer um único trabalho e depois desaparecia. Sempre ia atrás dos trabalhos que davam mais recompensa. Nunca se dava bem com trabalhos em grupo, mas sempre superava as dificuldades. E depois, voltava a caminhar sozinha e sem rumo.

Seu título, o Anjo de Fogo, foi devido ao fato dela aparecer em lugares que estavam sendo vítimas de guerras civis ou de ataques de monstros, e ajudar os cidadãos com sua poderosa magia de fogo. Também era a primeira vez dela aqui na Matriz da Monster Hunter, e também era a primeira vez que ela encarava alguém como Mulkior.

— Kula, isso! — respondeu Mulkior, dando um tapa leve em sua própria testa como se estivesse punindo o cérebro por não se lembrar direito. — É um prazer encontrá-la aqui!

— O prazer é meu, Mulkior da Garra de Ferro. — ela o reconheceu depois de ver como ele estava vestido. Mulkior tinha roupas únicas para qualquer tipo de mago. Usava uma longa capa completa — que ia da cabeça aos pés, juntamente com capuz e mangas cumpridas —, na cor cinza claro. Por baixo, uma boa e pesada armadura de ferro completa, com exceção de que ele não usava um capacete. O mais visível de sua roupa — e o mais CHAMATIVO também —, eram as luvas de ferro que ficavam por cima da vestimenta. As luvas acabavam nos dedos fazendo pontas, para retratar uma garra de verdade. — Mas eu vou ter que pedir para que desista desse trabalho. É muito para você.

— Muito pra mim? Escute aqui garotinha... Você acha que está falando com um amador? — a voz dele tinha ficado grossa e provocativa. Ele usava muito esse tom nas batalhas, mas era raro mudar sua expressão para uma conversa simples. Ainda sem largar o papel, ele continuou. — Eu posso fazer esse trabalho de olhos fechados!

— Ah claro que pode! É uma pena que você vai morrer no processo!

Mulkior não respondeu de imediato. Por dois motivos: ele estava incrivelmente surpreso de saber que uma das magas mais bondosas do mundo, que passou por muitas cidades ajudando o povo dando seu sangue em lutas que não eram dela, poderia ter uma atitude tão agressiva e teimosa quanto essa. Realmente não se pode julgar ninguém até você mesmo o conhecer pessoalmente, pensou o mago.

O segundo motivo tinha sido um grande barulho vindo de fora da guilda, mas ainda sim, dentro da cidade. Não foi só o barulho que o alertou, mas sim, os gritos de desespero que seguiram logo após. A cidade estava sendo atacada. E não era a primeira vez que Mulkior tinha passado por isso. A diferença era que estava acontecendo tudo rápido demais.

O mago tinha um raciocínio lento para a maioria das coisas, mas não quando sabia que precisava agir. Ele soltou o papel e ignorou totalmente o olhar penetrante de Kula. Deu as costas para ela e começou a correr em direção a porta de saída da Guilda, que estava interditada devido ao fato de que todos dentro da mesma estavam tentando sair.

Depois de um empurra-empurra geral, Mulkior se viu livre para correr em direção dos gritos. Ele viu que muitos dos membros da guilda e até mesmo da Guarda Imperial já estavam correndo para diferentes ruas e ajudando o povo a evacuar da área de perigo... Que ele ainda não sabia qual era exatamente. Ataque de uma cidade inimiga?

Sem chance. Loto era uma cidade que participava da Aliança dos Reinos de Platina e ninguém era louco o suficiente para se tornar inimigos deles. Ladrões? Improvável. A Guarda Imperial era bem treinada e nunca deixaria um grupo de bandidos invadir a cidade, mesmo que o grupo fosse enorme. Então só restava uma opção: Monstros. Não é porque aqui tinha a Matriz da maior guilda de caçadores de monstros, que os monstros iriam SABER disso...

Enquanto corria, ele determinou um ponto onde não havia nenhum guarda ou membro da Monster Hunter ajudando e correu naquela direção. Saindo da Guilda, correu para o noroeste. Ele percebeu que ainda haviam muitas pessoas correndo daquela direção, então obviamente, haviam monstros por lá.

Ao passar por algumas ruas, ele conseguiu ver gente ferida e outras sendo tratadas no chão mesmo. O mago tentou não desviar a atenção e acelerou o passo.

Era incrível que para alguém que carregava uma armadura por baixo de suas roupas conseguisse atingir tal velocidade. Mas alguém passou a sua frente e parecia estar correndo para o mesmo lugar.

Era alguém que, como ele, tinha uma roupa única. A pessoa vestia uma roupa relativamente leve da cor vermelha viva. Seu shorts e sua camisa apertada foram feitos para dar flexibilidade para seus movimentos e sua longa capa vermelha dividida em dois davam uma impressão de serem asas de fogo por causa do forte vento que soprava contra a pessoa em questão. Tinha uma bota feminina também vermelha, mas que daquele ângulo, era impossível de se determinar a substância — Mulkior chutou que era de couro. Ele subiu o olhar e viu os longos cabelos negros esvoaçantes, e um certo brilho vindo de um brinco de cristal da orelha esquerda. O cabelo era quase inconfundível.

— Você! Por que está me seguindo? — gritou o mago, sem desacelerar.

— Seguindo? Eu estou na sua frente, não vê? — respondeu Kula, sem olhar para trás. — Esse é o único lugar que não tinha ninguém da Guarda Imperial correndo pra ajudar, então decidi eu mesma vir!

— Mas o que... Eu pensei na mesma coi-...

Mulkior não conseguiu terminar de falar porque foi jogado com força para o lado. Algo tinha esbarrado nele. Algo grande e... Peludo. E negro. Depois de rolar duas vezes pelo chão e se levantar logo em seguida, ele presenciou aquela coisa que tinha aparecido do nada contra ele.

Se tratava de um lobo gigante de cor marrom escura, com a boca espumando uma gosma meio avermelhada e com um horrível cheiro de sangue. Era a visão do inferno. E estava olhando diretamente para ele. O rosnado da criatura deixava bem claro de que ela ou estava alucinada, ou faminta. Na pior das hipóteses, as duas coisas.

— Isso é um Lobo de Sangue da Matilha de Fenrir! O que um monstro Classe A está fazendo dentro de uma cidade?

Parecia que o lobo entendia as palavras de Mulkior... Mas não dava a mínima. Suas longas orelhas peludas se mexeram e ele se virou lentamente para o mago. Um segundo depois, o lobo começou a rosnar mais alto, enquanto aquela espuma nojenta escorria pelos seus caninos. O monstro arcou as quatro patas e se preparou para pular em cima de Mulkior. E teria conseguido se não fosse uma certa intervenção.

ESFERA DE FOGO!

Uma pequena bola de chamas concentrada atingiu a cabeça do lobo em uma grande velocidade, explodindo com o impacto. Na explosão, pelo e sangue foram imediatamente queimados pelo fogo da magia de Kula, que já parecia preparada para atirar outra. O lobo agitou a cabeça violentamente com medo do fogo se alastrar, e logo que viu que isso não aconteceria, se virou raivosamente para a garota de vermelho.

— Parece que essa "garotinha" aqui te salvou, eim? — diz Kula, com um leve sorriso no rosto.

— Ah! Não espere agradecimentos! Eu estava preparado para esquivar e contra atacar! — diz Mulkior ao mesmo tempo em que coloca a mão na pequena bolsa em seu cinto.

— Claro que estava...

O lobo não esperou a conversa prosseguir. Ele partiu pra cima de Kula com intenção de derrubá-la. O monstro era, sem sombra de dúvidas, muito mais rápido do que a maga. Kula desistiu de continuar concentrando energia mágica em suas mãos e tentou se esquivar para o lado esquerdo. O lobo passou voando por ela, parando dois metros a frente.

A garota achou que tinha sido uma esquiva perfeita, mas logo sentiu uma ligeira dor nas costas. Ela já tinha experiência de luta contra quase todo tipo de monstro, então sabia que aquela dor era de um arranhão. Mas também sabia que não era profundo o suficiente pra se preocupar. E ela também não teria tempo pra isso.

O lobo já estava voltando com tudo pra cima dela, dessa vez por cima. Ele esticou as garras dianteiras com o intuito de segurá-la nos ombros, mas alguém tinha sido mais rápido do que ele dessa vez:

TRANSFORMAÇÃO DE METAL - ESPADA!

Logo depois que o lobo tinha dado a primeira investida contra Kula, Mulkior tinha retirado uma de suas esferas de ferro da bolsa e concentrado energia mágica nela. Depois de acumular a quantidade que queria, ele apertou a esfera com força, e usando sua energia mágica, transformou a pequena esfera em uma espada de ferro. Essa era uma das armas que ele mais gostava de transformar, e seria o suficiente para aquela situação.

Ele ficou na frente de Kula e defendeu a investida do lobo, que acertou a garra contra a espada do mago, fazendo um tilintar sonoro por todo o quarteirão. A força do impacto tinha mostrado para o homem que aquele monstro não poderia ser subestimado.

— Parece que estamos quites, garotinha! — fala rapidamente Mulkior, sentindo que havia pagado o débito de ser salvo. Ele não tirou os olhos do monstro.

— Assim é melhor. Odiaria fazer você ficar me devendo alguma coisa. Acha que consegue segurar ele por alguns segundos? — fala Kula, dando dois passos para trás.

— Só alguns segundos? Posso ficar o dia inteiro aqui!

O lobo não se importava mais quem iria atacar. Com Mulkior em sua frente, ele abaixou o focinho e tentou morder a perna do mago. Sem sorte. Mulkior foi mais rápido e puxou a perna para trás, pegando impulso logo em seguida e atacando com um corte horizontal na testa do lobo. O corte foi certeiro, mas leve.

Ainda na mesma posição, o lobo levou a pata com força contra o peito do mago e quando atingiu, houve um forte barulho de metal. Era nessas horas que Mulkior se sentia orgulhoso por estar vestindo uma das armaduras de sua família. A patada foi forte o suficiente para fazer o mago ir outros dois metros para trás, mas ainda sim, ele colocou a espada pra baixo, segurando com as duas mãos e correu em direção do lobo mais uma vez.

Chegando perto, ele deu um pequeno salto para aumentar a efetividade do corte, dando um ataque vertical em descida. Mas isso deu tempo o suficiente para o monstro correr para o lado, se safando do corte mais uma vez. Infelizmente para o pobre animal, ele tinha se esquecido que não estava lutando com uma só pessoa:

MÍSSIL DE FOGO!

Kula levantou as duas mãos para o alto e dessa vez, em vez de formar uma esfera, formou algo com um formato retangular e comprido. E pegando fogo, obviamente. Depois de formado, ela apontou as mãos em direção do lobo e o míssil foi disparado em uma velocidade surpreendente. Por estar focado em Mulkior, o lobo não viu a magia de Kula se aproximar pela sua esquerda e outra explosão foi criada, dessa vez em suas costas.

O lobo caiu grunhindo e com as costas chamuscadas. Mulkior que não era burro nem nada, aproveitou a chance e correu mais uma vez em direção ao monstro atordoado. Ele puxou o braço pra trás e tentou acertá-lo com um outro golpe horizontal... Que também não tinha sido efetivo. O lobo, mesmo um pouco zonzo, pulou para trás por instinto, se safando do golpe mortal do mago.

— Ahhhhh droga! Esse bicho é realmente rápido! Ei!! — Mulkior gritou para a direção de Kula. Com esse "Ei!", ele claramente estava tentando chamar a atenção dela. E pela expressão duvidosa no rosto dela, parece que havia funcionado. — Vamos trocar de estratégia! Não tens como deixar esse bicho parado por um mísero segundo?

— Com quem pensa que você está falando? É claro que eu tenho!

E ela nem esperou para ver o que ele falaria em seguida. Kula apontou o dedo indicador da mão direita para o lobo e se concentrou por dois segundos. Depois, mexeu o dedo em um sentido circular e gritou:

CÍRCULO DE FOGO!

Um círculo vermelho de energia apareceu ao redor do lobo, que o assustou de imediato. Um segundo depois, o círculo criou chamas intensas e altas, prendendo o lobo em um inferno de chamas.

O monstro, assustado pelo machucado e pela visão das chamas ao seu redor, entrou em desespero. Seu instinto animal era bem claro: ele estava em perigo ali. Mas o medo de se aproximar das chamas o manteve paralisado por alguns segundos... O que era tempo o suficiente para Mulkior atacar.

— Perfeito! Agora, como eu não posso me aproximar das chamas, eu não vou usar a espada. Mas eu tenho a arma perfeita para essa situação e eu estava mesmo querendo testá-la! TRANSFORMAÇÃO DE METAL - FOICE!

Apontando sua espada para os céus e colocando um pouco mais de energia nela, a espada de ferro começa a se transmutar. Ela ligeiramente fica mais fina e maior, transformando primeiramente um cabo. Depois, na ponta do extremo contrário de sua mão, uma lâmina um pouco curvada aparece, se transformando em uma arma digna do Ceifador da Morte.

Mulkior abaixou a foice e correu contra as chamas. Ele não precisava ter medo do fogo. A foice era comprida o suficiente para atacar o lobo sem que ele mesmo se queimasse. E foi tiro e queda. Por causa das chamas, o lobo não estava prestando atenção no mago que vinha correndo de fora do círculo. A foice passou da cabeça até a traseira do lobo em um só golpe, demonstrando a força absurda de Mulkior.

Não houveram chances e nem ao menos um grunhido de dor da criatura. O sangue negro que pingava de sua arma também parecia nojenta e mal cheirosa, então ele logo desfez a magia, fazendo a foice sumir. Os gritos haviam diminuído, então provavelmente a guilda e os soldados reais já estavam em controle da situação. O que já era esperado, vindo dessa cidade. Mas também mostrava que não haviam tantos monstros assim para serem liquidados.

Ao se virar para Kula, que também parecia mais calma, ele teve uma conclusão que não esperava: a garota controladora de fogo era excelente como "backup" pra alguém que lutava de frente como ele. O maior problema de se lutar em grupo, é que muitos são frentes de combate, e alguns precisam de espaço para poderem atacar livremente. Mas se só os dois estivessem em uma batalha como essa...

— Ei... Kula, não é? — Mulkior tinha falado calmamente para não errar o nome novamente. Assim que Kula balançou sua cabeça afirmativamente, Mulkior continuou. — Sabe aquele trabalho?

— Sim, o que tem ele?

— O que você acha de fazermos ele juntos? Ele parecia ser um pouco complicado mesmo e talvez eu vá precisar de ajuda. O que acha?

Kula parou para pensar sobre o trato. Querendo ou não, Mulkior era poderoso. Ela o conhecia muito bem, não só pelos contos que haviam sobre ele, mas ele era... Bem... Muito bonito. Não é porque ela era uma maga caçadora que deixaria de ser uma mulher. Por muito tempo, ela via a Tríplice da Garra de Prata como ídolos e exemplos a serem seguidos, e hoje ela teve a sorte de encontrar um deles... E LUTAR ao lado de um. Talvez o destino estivesse só querendo pregar uma peça nela, mas ela iria aceitar o desafio.

— Olha, eu... Ahm... — mesmo mentalmente decidida, ela não sabia como colocar isso em palavras para ele. Ela o olhou nos olhos. Não havia mais aquela pressão negativa que ele parecia ter dado no seu encontro mais cedo. — Sim, eu acho que é uma boa ideia. É melhor não corrermos um risco desnecessário. Mas eu tenho uma condição!

— Diga.

— Me... — ela hesitou por um segundo, mas continuou. — Me chame de Kuchiki. É o apelido que meus pais me deram e só as pessoas que eu confio podem me chamar assim.

— É uma condição válida. Então me chame de Mumu. Meus melhores amigos me chamam assim pra encurtar o meu nome. Temos um trato?

— Com toda certeza!