É, eu sei. Uma garotinha de treze anos, com uma faca na mão e sozinha naquele caótico mundo. Difícil de acreditar que ela sobreviveu, não é? Bom, ela fez mais do que isso. Ela se fortaleceu, refinando suas habilidades ao máximo e principalmente melhorando suas características sociais.

Se você está se perguntando "o que tudo isso que eu contei tem a ver com a maior guerra do mundo", então eu tenho más notícias para você. Pense que tudo o que eu lhe contar tem partes essenciais para o início da Grande Guerra.

Mas calma. Logo você vai ter descoberto alguns pontos extremamente importantes que podem levar muitas pessoas se odiarem e quererem vingança. Mas por hora, vamos continuar contando sobre a pobre princesa. É agora que as coisas importantes sobre ela aparecerão.

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A vida não era fácil pra ninguém, mas as pessoas davam um jeito de se virar. Uns trabalhavam duro nas grandes plantações de arroz, ajudando outras centenas de empregados a cultivar um tipo de alimento quase indispensável para o mundo todo. Outros acreditavam em sua força e honra, entrando para a Guarda Real de alguma grande cidade ou Capital.

Alguns partiam para o longo e difícil caminho dos negócios de vendas e trocas de armamentos, tendo que fazer viagens para inúmeros lugares para procurar por um bom preço e compradores ávidos.

E uns poucos matavam. Não por diversão ou pela vontade de ver sangue, mas sim, pelo bem de outras pessoas ou simplesmente para ganharem dinheiro para poder encher o estômago. O caso dela era os dois.

Mana agora estava com 22 anos. Os últimos 9 anos a fizeram ser uma pessoa completamente diferente do que era antes, assim como ela mesmo queria. Sua aparência tinha mudado drasticamente. Ela possuía uma estatura média e tinha ficado um pouco mais magra do que deveria. Ela tinha desistido de usar as franjas no cabelo, então deixou ele crescer ao todo. O cabelo liso e castanho escuro junto com os seus olhos esverdeados e rosto liso criavam uma beleza pouco vista nas terras do sul. Seus olhos não mudaram, mas seu olhar sim.

Agora ela tinha um olhar mais profundo e muitas vezes, mais sombrio. Isso foi criado devido as visões que ela teve que aguentar durante esse tempo. Situações desastrosas a acompanharam por tempo demais.

E foram muitos desastres mesmo. Depois que San a abandonou, ela continuou seguindo para o Oeste. Sem mapa, sem destino. Por simples instinto, durante a viagem ela sempre parava para se exercitar, como se ainda estivesse viajando com o seu salvador traidor. Ela passou por vilas e cidades onde fez coisas que não gosta de se lembrar. Roubou e matou para poder continuar a viajem. Sua faca foi lentamente se desgastando pela quantidade de água da chuva e de sangue que caia sobre ela.

Ela fez um caminho solitário e lento durante longos 2 anos. Não falava com ninguém a não ser quando ia em uma estalagem ou restaurante. Mesmo quando entrava em alguma loja, ela era curta e grossa, e economizava muito as palavras.

Sua situação foi aos poucos ficando melhor por dois motivos: suas habilidades foram ficando cada vez melhores e ela estava passando por grandes cidades, onde as "oportunidades" eram melhores.

Ela ficou bastante tempo em Gaim, uma cidade gigantesca que tinha um comércio excelente. Nessa cidade, ela fez o primeiro acordo com um emprego "sob contrato por tempo indeterminado" de sua vida. Um nobre gordo e fanfarrão a tinha contratado como sua guarda pessoal, e isso fez ela ficar mais de 5 meses nessa cidade. Pra ela, era excelente. Ter um teto pra morar, mesmo não sendo dela. E ela não precisava arranjar abrigo para fugir e não pagava pela comida que usufruía.

Por um tempo, ela tinha achado que talvez pudesse continuar ganhando uma boa grana por ali... Até o próprio nobre gordo perder o controle por causa do álcool e tentar estuprá-la em cima da mesa de jantar de sua casa. É óbvio que ele não conseguiu, e ainda como presente, ganhou uma lâmina de sete centímetros enterrada no pescoço.

Depois desse incidente, Mana precisou fugir de novo. Pra sua sorte, o gordo era rico, e antes de fugir de lá, ela juntou muito das economias do homem. Na fuga, ela precisou batalhar muitas vezes. Haviam outro assassinos atrás dela, mas ela também teve que se virar contra alguns monstros no caminho. Havia dias que ela encontrava uma vila, e quando chegava na estalagem, ela estava ensopada de sangue, com machucados e cortes feios. Não era legal você ter um cliente desses, seja lá de onde você seja. A assassina perdeu a conta de quantas vezes teve que pagar a mais para o dono das estalagens ficar em silêncio sobre ela.

Mas nem só de catástrofe foi a vida dela. Aos 18 anos, ela ganhou um "Título Único" depois de entrar para o exército de Shang, que naquela época estava em alto pé de guerra com o Reino de Zerkron.

Ah sim, antes de eu continuar esse conto, eu devo lhe explicar o que é esse Título. Também não da pra dizer quem ao certo criou essa ideia, mas ela se espalhou como fogo em palha seca.

Um Título Único é dado a uma pessoa que faz ou cria algo tão grandioso que ela acaba sendo reconhecida mundialmente. Esse Título é espalhado em uma velocidade absurda e ela chega a conferir um certo tipo de "status social" em alguns locais. Isso também foi vantajoso para os Reinos e para as Guildas, pois ter alguém com um Título Único trabalhando com você era sinal de respeito. Além disso, se chama "Único" obviamente pelo fato de que não podem existir um mesmo Título para duas pessoas diferentes.

Mas vamos voltar ao dia que a garota solitária e abandonada ganhou esse tal Título. Em uma noite, o exército que ela estava trabalhando decidiu fazer um ataque noturno surpresa no Castelo da Capital, e ela estava junto do grupo de ataque. A ideia era simples: entrar, atacar e matar o General do Exército de Zerkron, o que faria a moral do exército inimigo ficar baixa o suficiente para a guerra ter um fim ou pelo menos uma mudança drástica.

O inicio do ataque foi ótimo... Até eles caírem em uma tremenda enrascada ao ver que todo a Guarda Real do Castelo já estavam esperando pelo ataque. O grupo foi cercado, deixando nenhuma brecha para uma fuga. E então, um a um, o grupo de Mana foi destroçado...

Menos ela. Mana correu e lutou pelos cantos, atacando rapidamente seus inimigos. Ela foi ganhando espaço matando pouco a pouco e se distanciando cada vez mais do seu próprio grupo, que diminuía a cada segundo que passava. Quando o último membro do grupo dela faleceu, todo o restante da Guarda Real foi atrás dela, inclusive o General que era alvo deles, em primeiro lugar. E Mana lutou. Se machucou. Levou cortes. Contusões. Teve a roupa rasgada e fios de cabelo arrancados. Despejou seu sangue quente em uma terra desconhecida. Mas principalmente, matou. Matou e matou. Até não sobrar ninguém.

Quatro horas depois do início do ataque, Mana voltou sozinha para o acampamento do seu próprio exército, entrou na cabana dos Capitães interrompendo uma reunião estratégica e, ensopada de sangue, jogou a cabeça do General de Zerkron em cima da mesa, falando:

— Missão completa.

A "Lâmina Sanguinária" era um título que fazia jus as habilidades dela. Toda vez que ela fazia um trabalho, sua principal arma — que agora era uma kodachi negra, um tipo de espada pouco usada em Exércitos. Ela é curta, reta e mediamente grossa —, pingava com o sangue dos inimigos. Ninguém sabe se foi por puro teor de sangue ou algo mágico, mas todas as armas de Mana ganhavam um vermelhidão depois de algum tempo de uso.

O fim da solidão triste de Mana aconteceu quando ela fez 21 anos. Depois de refinar suas habilidades e ganhar fama por todo o globo terrestre, ela ganhou o primeiro convite para uma Guilda em sua vida.

E não era uma guilda qualquer! A "Dead Blade" era a maior e melhor Guilda de Mercenários do Oeste. O próprio Líder da Guilda foi pessoalmente até ela lhe oferecer um grande cargo na Guilda. A proposta era boa desde o início. Sendo membro da Guilda, você ganhava moradia e alimentação gratuita, além de ser bem pago pelos trabalhos feitos. E claro, os seus inimigos diminuíam drasticamente, pois nenhum assassino é burro o suficiente de atacar um membro de Guilda que pode fazer TODO o pessoal de lá ir atrás dele.

Mana aceitou o convite depois de muito pensar, mas ela mesma admite que nos primeiros dois meses ela não se sentia nada confortável. A quantidade de pessoas que olhavam de cara torta pra ela era absurda, e ela nunca parecia ser bem vinda à mesa. Mas depois que ela foi fazendo trabalhos e ajudando mais e mais na Guilda, a confiança do pessoal foi crescendo e ela conseguiu fazer seus primeiros amigos.

E foi onde ela conheceu seu primeiro amor: Aozaki Kiritsugume. Ele era Capitão das Linhas de Frente da Guilda, era alto, bonito, gentil e prestativo. Tinha a mesma idade do que ela e admite que desde o dia que ele a viu pela primeira vez, tinha se apaixonado. Mana retribuiu o sentimento depois que ele criou coragem para se confessar, logo depois de voltarem de uma missão.

As habilidades de Mana continuaram subindo, assim como sua fama e respeito. Tanto é, que oito meses depois de ter entrado na Guilda, ela tinha se tornado Capitã do Setor das Sombras, que era um grupo menor de habilidosos assassinos e lutadores silenciosos. No dia de sua nomenclatura, ela também mandou fazer sua atual roupa de combate.

De longe, parece uma roupa bem normal... Mas aos olhos habilidosos de um grande lutador ou designer de vestimentas de combate, aquela roupa era algo que chegava perto da perfeição. Era um conjunto preto não brilhoso e absurdamente elástico, o que era obrigatório para esse tipo de "classe".

Tinha uma camisa sem mangas bem apertada ao corpo que ia até um pouco a cima do umbigo. Grandes luvas que vinham até um pouco a cima do cotovelo, escondendo dois protetores de mão em cada braço. Um shorts curto, também apertado e com dois bolsos traseiros. Suas botas sem salto continham o mesmo tecido usado no conjunto e subindo do pé até um pouco depois do joelho. Assim como nos braços, haviam finos protetores escondidos por baixo, na região da canela.

A quantidade de acessórios não eram parte do conjunto, mas eram importantes. Na parte de cima das duas pernas, ela tinha um bolsa retangular de couro onde ela levava grossos alfinetes de ferro e pequenas bolas de espinho. Em seu cinto de couro, ela levava duas facas e sua kodachi. Preso a esse cinto, tinham duas bolsas que ficavam em suas costas. Uma contendo um grande número de adagas — metade delas, envenenadas —, e na outra ela levava o que lhe restava e precisava — algumas vezes, bombas de fumaça para uma fuga, as vezes um pergaminho importante, as vezes dinheiro.

Mana não usava capa com capuz nas missões, a não ser quando precisava invadir alguma cidade e precisava esconder o rosto. Ela também era uma das únicas assassinas (ou talvez a única) que não amarrava seu bonito cabelo para trabalhar. Aliás, seu cabelo era uma coisa que lhe dava raiva as vezes, por voar para seus olhos nas piores situações. Ela já tinha pensando em cortá-lo, mas nunca o fez.

Hoje, depois de quase um ano e meio na guilda, ela podia se considerar feliz. Ela lembra que nesse dia em questão, tinha acordado de bom humor. Não porque o dia estava bonito, mas sim, porque hoje era o dia que ela fazia um ano de namoro. Ah, sobre isso: o namoro dela com Aozaki estava indo perfeitamente bem. Os dois quase nunca iam para uma missão juntos (a não ser em grandes guerras, onde TODA a Guilda vai), mas a primeira coisa que ela ou ele fazia quando voltava pra Guilda, era ver um ao outro. Enquanto estavam na Guilda sem trabalho, eles passavam todo o tempo juntos, visitando a cidade ou só perdendo tempo na base.

Eles estavam planejando muita coisa para esse dia em questão. Seria nesse dia em que eles iriam para um outro quarto maior na Guilda, para dormirem juntos. Aozaki disse que iria leva-la em um passeio inesquecível e que tinha uma surpresa pra ela. Mana quase não dormia direito só tentando imaginar o que seria.

Logo na manhã, os dois tomaram café juntos. Aliás, ela até estranhou o fato do refeitório estar lotado. Aozaki lhe explicou que o Rei dali — a base da Guilda ficava na Capital de Hainberg, famosa pelo seu comércio de vinho —, tinha pedido para que toda a Guilda ficasse a espera de novas ordens, que seriam dadas ao Meio Dia. Então quase toda a Guilda estava presente na base, o que a deixava apertada e barulhenta. Mas ela não estava nem aí pra isso. Hoje era o dia dela e de Aozaki. Ela poderia se preocupar com as ordens do Rei depois.

Quando terminaram o café, eles saíram juntos pela cidade. Aozaki a levou para uma loja de roupas e a fez escolher (forçadamente) um vestido longo para festas. Ele sempre reclamava como ela deveria se vestir como uma mulher normal de vez em quando. Depois, ele a levou em uma boutique de perfumes e para uma cara loja de joias, que Mana se recusou terminalmente a entrar. Aozaki fez de tudo para fazê-la mudar de ideia, mas não conseguiu convencê-la. A assassina tinha uma pequena rixa com joias, anéis, brincos e colares, mas nunca disse pra ninguém o porquê.

Dando mais uma volta pela cidade, Mana percebeu que o número de Guardas fazendo rondas tinha aumentado. Não é porque ela estava dando uma divertida caminhada com alguém que amava, que ela perdia os costumes e a percepção que tinha ganhado ao longo desses anos.

Haviam muitos guardas fazendo patrulha excessiva por onde eles passaram, e nem era noite ainda. Antes de chegar na hora do almoço, os dois ficaram namorando sentados ao lado do grande chafariz bem no centro da Capital. E ao Meio Dia, ele a levou para o mais caro restaurante da cidade, onde novamente, Mana se recusou a entrar. Mas dessa vez, Aozaki tinha a convencido, dizendo que ele já havido pago e que seria um desperdício eles não aproveitarem.

A comida lá era divina, e Mana se sentiu até mal em ter tentado recusar a oferta. Os dois saborearam muito da comida, e a garota ainda teve espaço para a sobremesa. Mas ela não conseguiu se conter e acabou exagerando. Dizendo que estava se sentindo um pouco mal, os dois voltaram a passos lentos para a Guilda.

Quando chegaram, todos os membros ainda desfrutavam do almoço. Estava um alvoroço. Risadas e berros ecoavam pelos corredores dos três andares da base. Quando eles entraram, o Líder, Lázaro dos Olhos Cinzentos, veio diretamente falar com os dois. Ele disse que o Rei tinha ordens restritas para que ninguém saísse da Guilda hoje de tarde até que o General do Exército Real aparecesse para lhes passar um importante trabalho.

Os dois ouviram com atenção e depois Aozaki levou sua amada até o quarto dela, para que ela pudesse descansar. Ele colocou as coisas dela no canto perto do guarda roupas e a deitou em sua cama, dando um rápido beijo em sua boca. Mana sorriu e fechou os olhos bem devagar enquanto o via saindo do quarto, ainda sentindo o doce beijo em seus próprios lábios. Não demorou quase nada para ela adormecer e visitar o Mundo dos Sonhos.

É exatamente aqui que o dia mais perfeito de todos se torna o pior dia da vida de Mana. A assassina estava tendo um sono pesado. Mas enquanto ela estava naquele estado de "dormindo, mas acordado", ela começou a raciocinar uma ideia estranha. Não fazia sentindo o Rei dar ordens restritas para que TODOS os membros da Guilda permanecessem na base, já que eles iriam estar prontos a qualquer momento que lhes mandassem. E por que algo tinha que ser dito na hora do almoço, onde todos estavam ocupados enchendo a barriga? E qual era a utilidade de ter tantos guardas nas ruas naquele horário? E por que ela estava sentindo um cheiro horrível de fumaça no quarto dela? Espera... Fumaça?

Mana abriu os olhos num susto. Havia alguém do lado dela, e estava armado. Mais especificamente falando, estava com uma espada sob o coração dela, pronto para matá-la. Mas ela era uma assassina. E não se pega assassinas desprevenidas.

A pessoa desceu a espada com força, acertando o colchão. Mana tinha rolado o corpo na cama até sair da mesma. No segundo seguinte, ela levou a mão em seu travesseiro e o jogou na cara do seu atacante, atordoando-o por um segundo. Segundo que foi o suficiente para que Mana agarrasse a sua faca que ficava embaixo do travesseiro — costume que ela mesma tinha criado depois de ser acordada tantas vezes por assassinos — e pular em cima do maldito. A mulher quase não precisou mirar: enfiou a faca no pescoço do seu atacante, acabando com a vida dele ali mesmo.

Depois que ela saiu de cima dele, Mana levou outro susto. Seu atacante era um guarda real da Capital. Estava com a roupa característica deles, além de ter o brasão da cidade no peito da armadura. Isso era impossível! Por que um guarda da cidade que eles moram e trabalham há anos iria tentar matá-la?

Mana desistiu de raciocinar. A fumaça já estava fazendo ela tossir e daqui a mais alguns segundos, seria impossível permanecer naquele quarto. A assassina correu para seu guarda roupas e se vestiu para a batalha. Se armou com tudo o que tinha e correu até a porta do quarto.

Logo quando a abriu, ela levou uma lufada de vento quente, que a fez colocar o braço na frente do rosto. Fogo. Havia fogo pelos corredores, e ele estava se espalhando rapidamente. O quarto de Mana ficava no segundo andar, então para que algum fogo tenha chegado aqui, significava que o andar de baixo já poderia estar tomado em chamas.

Mas o fogo não foi a pior visão que ela teve: havia corpos ensanguentados pelo corredor. Corpos dos membros da Guilda. Corpos de seus amigos. Mana, ainda com o braço na frente do rosto, correu até a pessoa mais próxima e a verificou. Morta. Assassinada, com o peito perfurado por uma lança fina. Essa era a arma típica do Exército daqui. Mana contou mais três corpos à sua frente, mas foi aí que ela parou e pensou outra coisa. Algo mais importante que os cadáveres no corredor e mais importante que o fogo que engolia as portas de madeira dos quartos à suas costas. Aozaki. Aozaki estava em perigo!

Mana se virou e correu na direção contrária. O quarto de Aozaki ficava no terceiro andar e era pra lá que ela iria. A Lâmina Sanguinária virou o final desse corredor, pulando por cima de dois corpos que ela reconheceu imediatamente como sendo os "Magos Gêmeos", uma das duplas mais fortes da Guilda. E isso fez Mana pensar em outra coisa: COMO os Guardas ou sequer os soldados do exército conseguiram matar pessoas tão poderosas quanto os Gêmeos? Havia uma peça faltando naquele quebra-cabeças, e provavelmente seria a mais importante de todas.

Mana pulou para o lado, para se esquivar de uma lança. Ela ignorou o pensamento de um segundo atrás porque havia um soldado a sua frente, pronto para dar outra investida contra ela. Ele esticou o braço e tentou acertá-la de novo com um golpe de ponta. Sem sorte. Mana era absurdamente rápida e flexível, e além disso, eles estavam lutando em um corredor, um lugar onde era horrível para a arma dele... Mas não para a dela.

Mana não queria gastar tempo com esse soldado, então levou a mão na bolsa das adagas, agarrou uma e a atirou no olho direito dele. O capacete dele protegia muito bem a cabeça, mas não os olhos. O soldado largou a lança no chão, gritando alto de dor. A assassina de boa pontaria correu pelo lado e terminou com a sua dor, colocando sua kodachi no coração do soldado, dando um golpe de ponta pela abertura da armadura que ficava no sovaco.

Logo em seguida, continuou correndo tentando não se afogar naquela fumaça negra. Alcançando as escadas que davam para o terceiro andar, mais um soldado veio de encontro a ela. Mana o ignorou e subiu as escadas, mas ela sabia que ele iria persegui-la. Então ela abriu a bolsa dos espinhos e retirou quatro deles, jogando para trás.

O guarda subiu os degraus em alta velocidade e acabou pisando em dois dos espinhos em forma de bolinha. Obviamente, ele estava com botas de ferro, então não sentiu nenhuma dor. Mas essa não era a ideia. Por causa da forma redonda dos espinhos, o guarda perdeu o equilíbrio e caiu para trás, rolando pelos degraus da escada e batendo forte com a cabeça no chão e perdendo a consciência momentaneamente.

O terceiro andar não estava tomando em chamas ainda, mas a fumaça já estava chegando aqui. E para a infelicidade da nossa assassina, já haviam corpos caídos pelo chão até mesmo aqui. Não era possível! Como isso pode estar acontecendo? Por que eles? Por que HOJE?

Outro soldado. Esse carregava uma espada simples e corria em grande velocidade para cima dela, gritando. Mana deu um passo para trás e se esquivou do primeiro ataque dele. Ela logo percebeu que as pernas dele não estavam protegidas, então deu um corte horizontal nelas. O soldado levou a mão direita na nova ferida na perna, se agachando um pouco. Com a cabeça baixa e exposta, Mana lhe acertou uma joelhada em seu nariz, o quebrando imediatamente. Agora o soldado tinha perdido o equilíbrio e acabou caindo de costas no chão, com as duas mãos no rosto. A assassina o finalizou com um golpe de ponta na traqueia.

Aozaki. Aozaki tinha que estar bem. Mana voltou a correr. Seu namorado dormia em um dos quartos mais ao fundo da Guilda, então ela precisava se apressar. Mas não precisou chegar lá para encontrá-lo.

Quando ela saiu do corredor das escadarias e entrou em um sala conjunta que fazia junção de todos os corredores daquele andar, ela o viu. A sala era bem grande e tinha alguns poucos móveis, como um sofá encostado mais a direita, um relógio antigo de madeira que era extremamente barulhento e dois quadros na parede do sul, mostrando os dois líderes anteriores da Guilda.

Aozaki estava caído contra essa mesma parede, bem abaixo do quadro do Primeiro Líder. Havia sangue. Sangue NELE. Seu peito tinha uma enorme ferida e ele estava desarmado, com uma das mãos tentando tampar o corte no peito. A visão foi aterrorizante. Mas ele estava vivo. Seus olhos se viraram quando Mana entrou na sala pelo corredor da direita. Os olhos dos dois se encontraram um segundo depois disso, fazendo-a mudar de expressão imediatamente.

— Não!! AOZAKI!! NÃO!!

Ela correu até o corpo ferido do amado e se abaixou. Ela olhou o ferimento dele e pensou no que podia fazer para ajudar, achando que era algum tipo de médica. De perto, Mana pode ver o quão feio era o ferimento. Ela sabia, mas não queria admitir que aquilo era fatal.

— Ma... na... — a boca de Aozaki se encheu de sangue, impossibilitando que ele dissesse qualquer coisa facilmente entendível.

— Não fale! Conserve suas energias! — Mana já estava com lágrimas nos olhos e tentando não olhar cara a cara para ele. Ela tirou a faca de sua cintura e rasgou a calça dele, usando o tecido arrancado para cobrir o ferimento e tentar parar o sangue.

— Mana... Olhe pra mim...

Ela olhou, mas o caminho que fez com a cabeça até enxergar os olhos dele foi demorado. A assassina arregalou os olhos quando viu que Aozaki estava sorrindo. Havia sangue escorrendo pela sua cabeça e pela sua boca... Mas ele estava sorrindo! O que era tão engraçado em estar no estado de quase morte?

— Escute... Bem... — ele começou. — Fomos traídos... — ele tossiu duas vezes, cuspindo uma grande quantidade de sangue no chão. — Isso foi tudo plano do Rei. Ele envenenou... — aqui ele tossiu mais uma vez. — Envenenou nossa comida e fez todos perderem as forças para depois nos... Atacar. — Aozaki levantou a cabeça, respirando rapidamente. Estava difícil de continuar falando, mas ele precisava terminar. — Só eu e você que não fomos envenenados, mas... Eles vieram prontos pra me matar... E pra matar o nosso Líder e... Você!

— Aozaki, cale a boca! Pare de falar! Por favor... Pare de falar!

Mana não segurava o choro. Ela não lembrava quando tinha sido a última vez que ela havia chorado. Parece que a vida de tantas pessoas que ela havia tirado tivessem secado suas lágrimas. Que se dane o passado! Ela estava feliz! Ela tinha encontrado um lugar que poderia finalmente chamar de "lar". Tinha encontrado amigos que riam e dividiam suas histórias com ela! Tinha encontrado Aozaki. Alguém que ela queria estar ao lado sempre, e não porque alguém havia lhe dito ou ordenado. Ela queria ficar do lado dele!

Então por quê? Isso era o pagamento por uma vida cheia de sangue e corpos assassinados? Era algum tipo de retribuição divina? Era algum tipo de destino que ela era obrigada a aguentar?

Ela sentiu algo gelado em seu rosto. Estava fazendo o caminho contrário das lágrimas. Era o dedo indicador de Aozaki. Ele estava tentando limpar as lágrimas dela, pois não queria a ver triste daquele jeito. Mana pegou na mão dele e mais uma vez olhou o sorriso bobo em seu rosto.

— Aqui... — disse ele, levando a mão no bolso de sua calça surrada. Ele logo retira, tremendo, uma caixinha preta e pequena. Ainda tremendo, ele entrega a caixinha para Mana, que ainda chorava. — Abra.

Mana fungou e passou o braço nos olhos, limpando um pouco as lágrimas. A caixinha era simples e se abria de um lado só. Ela colocou força pra abrir pra cima, e a caixinha se abriu em duas. Dentro dela, havia um tipo de esponja preta, protegendo um anel de ouro com um cristal em cima. Era brilhante. Era chamativo. Era lindo.

— Mana... Você aceitaria se casar comigo?

A assassina paralisou ao ouvir a pergunta. O sorriso, o anel. A frase. Não... A surpresa! Essa era a surpresa! Ele estava mesmo a pedindo em casamento! Mana piscou duas vezes seguidas, para ver se estava mesmo acordada. Sua boca abriu involuntariamente e logo se fechou de novo. Agora era ela que estava tremendo. Naquele momento, não havia mais nada que a preocupasse. Não havia mais fumaça e nem o cheiro horrível de sangue. Ela só precisava estar ali. Ela só queria relembrar essa frase. Essa pergunta.

Foi então que os olhos dele se fecharam. A cabeça dele pendeu para frente. Seu braço foi ao chão, fazendo um barulho seco. Sua respiração foi diminuindo. Diminuindo. Diminuindo. Até parar. Silêncio.

— Aozaki?

Ele não respondeu. Não havia mais sorriso. A tremedeira também havia parado. Não havia mais respiração e nem pulso. Não havia mais nada.

— Aozaki? Ei...

As lágrimas voltaram. Mana mexeu levemente o corpo dele. Nenhuma resposta. Ela mexeu de novo. Nenhuma resposta. Ela falou "Ei" mais uma vez e mexeu forte com o corpo dele. Nenhuma resposta. Ela gritou o nome dele. Uma vez normal e a outra vez o mais alto que pode. Nenhuma resposta. Ele havia partido. Aozaki, o Capitão da Linha de Frente da Dead Blade estava morto.

— Fiquei impressionado com o fato dele ter sobrevivido por tanto tempo. Espero que ele tenha te dado um caloroso adeus.

A voz fina veio de trás de Mana, que a fez se virar imediatamente, desembainhando a Kodachi. Não só porque ela era treinada para ficar em prontidão em qualquer momento, mas sim, porque ela reconheceu a maldita voz da pessoa. Era Delcior. O assassino particular do Rei.

— Ora, ora! Não precisa ficar assim, minha querida! Vai ficar tudo bem. — diz Delcior, com um sorriso macabro em seu rosto. — Todos já estão mortos. Seu Líder acabou de perder a vida sem nem ao menos lutar. E todos os membros que estavam no primeiro andar estão sendo queimados vivos, sem lugar para onde fugir.

— Foi você? — a voz de Mana não parecia nem um pouco chorosa, mesmo que ela continuasse a derramar lágrimas.

— Eu? O que tem eu?

— Foi você que o matou?

— Ah sim, claro. Quem mais você acha que...

Delcior não terminou de falar. Quando Mana ouviu o "sim", sua mão voou para a sua bolsa nas suas costas, pegando duas adagas e atacando na cabeça do miserável a sua frente. Mana estava com sangue nos olhos. Não literalmente falando, claro. A raiva por aquele homem não podia ser maior. Pra inicio de conversa, ela nunca tinha ido com a cara dele. Hoje ela descobriu o porquê.

O assassino levantou o braço rapidamente e defendeu as adagas com suas armas grudadas em seus braços: duas katars, armas tradicionais para assassinos por ser algo fácil de se esconder nas mangas da camisa ou em grandes luvas. Mana não esperou que esse ataque fosse dar jeito naquele miserável. Aquilo tinha sido só uma distração. A assassina correu com o corpo abaixado e tentou acertar um golpe horizontal com a sua kodachi na perna de Delcior. Mas ele deu um salto curto para trás, se esquivando do golpe.

Logo em seguida, foi a vez dele atacar. Delcior era rápido em fazer ataques diretos, então deu uma sequência de três golpes de ponta contra o corpo de Mana... Que esquivou dos três. Sem recuar, a mulher ataca de novo com a kodachi mirando o pescoço do inimigo, mas mais uma vez, Delcior defendeu levantando o braço esquerdo. Com o direito, ele aplica um golpe rápido de baixo pra cima, que também é esquivado por um triz.

— Trocar golpes simples assim não vai nos levar a lugar algum. Tome! GOLPE ILUSÓRIO!

Preste atenção nessa parte. Eu vou descrever uma magia para você, e essa é só a primeira de muitas que virão. Todas as magias tem um nome próprio e muitas vezes você vai poder decifrar o que é a magia só por esse fato. Nem todas as pessoas "cantam" a magia, mas existe uma certa regra para tal. As magias mais simples são altamente alteradas pela sua força de vontade, então teoricamente falando, quanto mais alto você gritar sua magia, mais intensa ela será.

Delcior puxou o braço direito para trás e concentrou energia na lâmina de sua katar. Depois desferiu o golpe para frente. Esse golpe fazia com que o inimigo enxergasse inúmeras ilusões da mesma lâmina do atacante, escondendo o golpe real. Mana viu que defender aquilo seria uma péssima opção, então pulou para trás... Mas não à tempo de se livrar totalmente. A lâmina de Delcior a arranhou de leve no braço esquerdo, fazendo cair um fino filete de sangue até a mão dela. A mulher nem precisou olhar o ferimento para saber que não era profundo. A dor já lhe dizia.

— Ahahahahah! Ficou com medo de enfrentar o meu golpe de frente? Que ridículo, Mana! Onde está sua fama agora? Ahahah!

— Eu te desafio a usar o mesmo golpe novamente.

Delcior parou de rir. Mana não tinha gaguejado. Ela tinha falado firmemente, o que fazia as palavras terem o poder da verdade. Ela achava que poderia brincar com ele nessa situação? Delcior não era burro. Ele sabia que Mana tinha fama como a melhor assassina do Oeste, mas ele estava pouco se ferrando para a posição ou para o título dela. Ele tinha sido bem cauteloso nesse golpe, mas depois de ver que ela tinha recuado sem mais nem menos, ele não tinha mais motivos para se segurar. Então ele puxou o braço para trás e começou a juntar energia de novo. Mais energia do que antes.

— Vai se arrepender de ter pedido isso, Mana!

A assassina não lhe respondeu. Ela virou o corpo, ficando de lado para ele. Delcior não entendeu. O que ela queria fazer dali? Seu braço esquerdo estava para o lado dele e ela estava segurando a kodachi no direito! Ela ficou maluca?

— Eu não sei o que deu em você, mas eu não to nem aí! MORRA! GOLPE ILUSÓRIO!

Mais uma vez, inúmeras ilusões de lâminas voaram na direção de Mana. A diferença, é que haviam MAIS ilusões. Era um golpe rápido e perfeito para enganar o seu inimigo. Mas tinha uma falha terrível. Quando a lâmina chegou a 3 centímetros da cabeça de Mana, ela parou. Não parou porque Delcior quis. Mas sim, porque Mana tinha parado o braço direito dele, o agarrando com o sua mão esquerda.

— IMPOSSÍVEL! VOCÊ CONSEGUIU VER O MEU-...

Corte. Sangue. Grito. Mana odiava falar qualquer coisa durante uma luta, e isso também valia pros inimigos. Enquanto Delcior falava, Mana puxou o braço direito dele que ela já estava segurando e, levantando sua kodachi com o braço direito, desceu a lâmina com um golpe certeiro e poderoso no braço direito de Delcior. O golpe tinha sido perfeito e tinha arrancado o braço atacante do assassino. O grito foi, obviamente, dele. Enquanto o sangue espirrava pela sala, Delcior ficou de joelhos, segurando o que havia lhe restado do braço com o outro e gritando feito louco.

— Seu golpe pode fazer efeito em alguém despreparado, mas se não matar de primeira, fica inútil. Você pode fazer infinitas ilusões da sua lâmina, mas no fim, ela vai ter que acertar um lugar só. Eu virei de lado pra fazer você mirar de certeza na minha cabeça. Por isso foi fácil aparar seu braço.

Delcior não ouviu uma única palavra do que ela tinha dito. A dor. A dor era horrível. E o sangue não parava de jeito nenhum. Mana jogou o braço dele que tinha cortado fora e que continuava segurando. Ele não iria mais precisar daquilo pra onde ia. Mana continuava furiosa. Ela segurava a kodachi com tanta força, que ela estava quase quebrando em sua mão.

— Eu nunca tive prazer em matar, Delcior. Você vai ser o primeiro que eu vou ter vontade de matar por conta própria. Vá para o inferno!

Segurando a kodachi para trás, Mana finalizou Delcior com um golpe horizontal poderoso em seu pescoço. O corte foi tão profundo, que a cabeça dele chegou a pender para trás antes do corpo cair morto no chão.

A fumaça estava começando a ficar mais forte aqui em cima também, e o calor havia aumentado. Mana chorou mais uma vez. Todos mortos. Todos eles. O que havia sobrado? Do que adiantava matar todos os soldados se isso não iria trazer nenhum dos seus amigos de volta? Matar o Rei iria fazer Aozaki se levantar dali e levá-la a igreja para dar o beijo de promessa nela? Não iria. Aozaki se foi. Lázaro se foi. Sua equipe especial se foi. Tudo se foi. Aqueles que ainda não foram estavam pegando fogo lá embaixo.

Essa vida não valia mais a pena. Fugir do castelo para ter essa vida... Valeu a pena? Ela encontrou Aozaki... Deve ter valido a pena sim. Matar tanta gente precisava ter um significado! Precisava ter um sentido! Mana caiu de joelhos exatamente como Delcior caiu há uns segundos atrás. Ela baixou a cabeça e tentou pensar em mais nada.

Não adiantou. As memórias dela junto de Aozaki lhe vieram a tona. Ele rindo. Eles rindo. Ele lutando. Eles lutando. Não era justo. Não era...

— Ah... Achei você.

Uma voz tinha surgido ao lado dela. Estava um pouco longe, mas não distante o suficiente para ela não ver quem era. Ela não reconheceu a voz, mas reconheceu as roupas da pessoa. Tinha estatura média, cabelos lisos e negros. Compridos como os dela, mas amarrados em rabo de cavalo. Tinha olhos castanhos e um olhar despretensioso.

Sua vestimenta era simples. Usava uma calça típica de lutadores de artes marciais, cor bege claro. Seu sapato também era típico do mesmo estilo, e era negro. Ele não estava com uma camisa, só com um sobretudo aberto na frente, sem mangas, na cor preto. Tinha meia luvas nas duas mãos e músculos bem trabalhados, mas não exagerados.

Era o "Lobo Solitário", um mercenário lendário que tinha esse "Título Único" por nunca fazer trabalho com ninguém acompanhado. Ele não era da Guilda, mas já tinha feito uns três ou quatro trabalhos para eles.

— Lobo... O que você...

— O que eu estou fazendo aqui? — corta Lobo, sem nem ao menos deixar ela completar a pergunta. — Estava procurando você. Ta um inferno lá embaixo, sabia?

Parecia brincadeira, mas Lobo sempre era assim. E aliás... Ele tinha vindo MESMO lá de baixo, porque ali era o corredor que dava para as escadarias. Mas ele não parecia chamuscado. Isso não importava mais. Ele tinha vindo na pior hora possível. "Acho que ele vai ter que ir atrás de outra Guilda.", pensou ela.

— Olha... Vá embora. Se você viu as coisas lá embaixo, então deve ter entendido que a Guilda não existe mais. Vá embora. — Mana continuava com a cabeça baixa e não tinha olhado para ele para responder.

— Você não me ouviu direito. Eu disse que estava procurando você, e não a Guilda. Olha, esse lugar vai desabar a qualquer momento... Não dá pra gente conversar em outro lugar?

— LOBO! EU NÃO QUERO CONVERSAR! — Mana havia realmente se irritado. Não bastava todos estarem mortos, ainda vem um panaca desse para irritá-la! — Meus amigos estão mortos, você não viu? Aozaki está morto! - diz ela, apontando para o corpo falecido daquele que poderia ter se tornado seu marido um dia. — Me deixe em paz! Eu quero ficar aqui do lado dele! Vá embora!

— Isso vai ser complicado... — diz Lobo, olhando para os lados e percebendo que as paredes já estavam tremendo. O lugar ia realmente desabar a qualquer momento e ele estava em uma situação que necessitava ações contra o relógio. Ele conhecia Aozaki e sabia da relação dos dois, mas para ELE, isso não era importante agora. — Olha... Eu sei que deves estar triste... Mas eu preciso que você me ouça. Deixa eu tirar você daqui primeiro.

Lobo anda alguns passos, passando por Mana. Ele vai até a parede mais ao leste, para, se vira para ela e coloca a mão esquerda suavemente sob a tinta. Com a mão direita, ele começa a concentrar energia. Não demorou nem um segundo para que ele levantasse a mão direita e:

ESTILO DO DRAGÃO, PUNHO DA DESTRUIÇÃO!

Houve um "boom" sonoro que ecoou por todo o corredor. Mana não estava prestando atenção, então levou um grande susto quando todo o chão tremeu com o impacto. Ela olhou na direção de Lobo, que vinha caminhando calmamente na sua direção. Ela tenta enxergar atrás do mercenário, mas não consegue ver nada por causa da fumaça acumulada.

Mas o maior susto que ela levou foi quando Lobo a agarrou pela cintura e a colocou sobre seus braços, a levando forçadamente para o local daquele acúmulo de poeira e fumaça.

— Ei! Me larga! O que você pensa que está fazendo, seu maluco? — pergunta Mana, se remexendo para se soltar do forte Lobo.

— Te salvando. Se segure.

Mana não tinha entendido. Ela queria que ele a soltasse, e não ao contrário. Mas foi então que ela viu. Lobo estava concentrando uma quantidade absurda de energia nas pernas. Mana sabia bem qual era o poder de Lobo, mesmo nunca tendo visto ele em combate. Lobo era especializado em Magia de Energia Vital. Ela nunca tinha entendido como funcionava, então não tinha certeza de nada. Tudo que ela sabia era que em vez de Energia Mágica, ele usava sua própria Energia Vital para usar magia. E então veio o salto.

Lobo tinha feito um buraco razoavelmente grande na parede. Depois que ele agarrou Mana, ele voltou ao buraco e, concentrando energia o suficiente nas pernas, pegou impulso e... Pulou. Era extremamente importante lembrar que esse era o terceiro andar. Mas ele pulou.

Mana, quando viu que estava voando, deu um grito de desespero. Lobo pulou uma distância digna de um recordista em Salto de Distância, mas em vez de cair em uma caixa de areia, ele caiu no terraço de uma estalagem que ficava a duas casas ao lado da base da Guilda. A aterrissagem não tinha sido bonita: quando Lobo caiu, fez todo o teto do local tremer e rachar. Mas não quebrou, para a sorte dos dois.

A garota, sendo colocada ao chão, gritou com Lobo e o empurrou, perguntando se ele havia enlouquecido. Lobo não responde. Ele foi até a ponta do terraço e olhou em direção a base da guilda, que estava preste a desmoronar. As chamas eram intensas e já haviam consumido quase todo o segundo andar. Fora da base, os guardas reais haviam cercado a Guilda para que ninguém escapasse com vida. Muitos dos membros estavam mortos, deitados aleatoriamente pelas calçadas e sendo carregados pelos guardas e depois jogados em umas carroças.

— É a queda de uma grande Guilda. — diz Lobo, como se fosse uma última honra a eles.

— Era tudo o que eu tinha. E agora eu não tenho mais nada. Nunca mais vou poder sentir quando eles precisam de mim. Quando alguém nesse mundo precisa de mim. Nunca mais.

— Eu preciso de você.

Mana riu, mas foi de puro sarcasmo. Ela não estava interessada em mais nada. Ela ficou sentada ali mesmo, com os braços sob as pernas e com a cabeça ainda baixa. As lágrimas não caiam mais. Ela estava triste, mas não conseguia mais chorar. Pra que ela foi salva? Pra voltar àquela vida miserável de antes? Ela não queria entrar em uma Guilda nova e fazer tudo de novo... Só pra ter a chance de perder tudo de uma só vez. Não adiantava. Não adianta tentar de novo. Não dá.

O choque havia sido imenso. Suportar aquilo era bem pior do que ter morrido ao lado daquela pessoa que ela amava. Nem a dor que ela sentiria ao ser queimada viva seria tão intensa quanto a dor em seu coração.

— Eu não estou brincando. Preciso mesmo de você. Tenho uma missão de Nível SS e não posso fazer ela sozinha. Sim, sei que você está pensando algo como “Mas ele é o Lobo Solitário!”. Sou um lobo, não um burro.

— O que você quer, eim? — Mana tinha perguntado, mas não estava com o menor interesse de saber. Foi algo automático. Parecia muito com a conversa que ela teve com um certo príncipe, há muitos anos atrás.

— Preciso de um assassino qualificado que consiga adentrar um castelo cheio de guardas, passar por todos eles e invadir o Quarto Real do Rei para assassiná-lo.

Mana tinha entendido a jogada. Ele estava falando que precisava dela, já que foi ela que invadiu um castelo e voltou sozinha com a cabeça de um General. Pessoas com fama alta têm suas histórias contadas em todo o mundo, isso não era novidade. Ela levantou a cabeça para olhá-lo. Lobo ainda estava encarando a base da guilda em chamas. Agora ela tentou acompanhar o olhar dele. Ela parou no terceiro andar, onde as chamas ainda lutavam pra chegar. Ela olhava para um buraco na parede. Que estranho. Um buraco numa parede de pedra grossa. Ela já tinha pensado nisso alguma vez na vida.

— Qual é o seu nome? — Mana perguntou isso instintivamente, mas permanecia desinteressada. Tanto é que ela continuava a olhar para o buraco. — Lobo Solitário é o seu título, mas como você se chama?

— Não tenho nome.

— Ah! E como os seus pais te chamavam então? — Mana levantou a sobrancelha. Bizarro, pensou ela. Ela já não teve uma conversa parecida?

— Nunca tive pais. Eu era órfão em um lugar infernal. — Lobo se vira e começa a caminhar na direção oposta do terraço.

— Órfão...

Órfão. Estranho, ela tinha certeza que já tinha tido essa conversa antes. Essa MESMA conversa. Quando foi? Foi antes de entrar na guilda. Sim, bem antes. Foi naquele ataque massivo contra o General que ela mesma tinha lhe arrancado a cabeça? Não, não. Antes ainda. Quando trabalhava para o gordo nobre maldito que tentou saciar seus desejos sexuais com ela por estar podre de bêbado? Não... Antes ainda.

Mas antes disso... O que havia antes disso? Ela se lembrava da visita ao reinado que seria aliado de seu pai caso ela se casasse com um loirinho frágil... Espera... Um pouco depois, uma janela. Sim, ela se lembra de algo quebrado, estilhaçado. Uma janela quebrando. Uma pedra. Faca. Ladrão. Medo. Morte. Buraco. Buraco.

Mana se levanta de novo e olha assustadoramente para o buraco feito na parede da base. Buraco. Ladrão. Liberdade. Sem nome. Não. Não podia ser. Não era possível!

— SAN!

— Sim...? — diz San, parando de andar e se virando pra ela, como se nada tivesse acontecido.

— SAN!!! — repete ela, com um tom mais alto de voz.

— É, foi assim que eu me apresentei pra você aquele dia. Nove anos, não é? O tempo passa rápido...

— Você... Não... SAN! — Mana estava claramente confusa. Sua mente não respondia mais como ela queria. E às vezes nem respondia.

— Ah é, de nada. É a segunda vez que eu te salvo. Mas não precisa me agradecer.

— San, seu... Seu MALDITO! — grita ela.

— Também estou feliz em te ver.

Mana coloca a mão na bolsa em sua perna e retira três alfinetes de ferro. Era o San. Aquele jeito. Aquele olhar morto. Era o maldito traidor que tinha lhe deixado sozinha pra viver uma vida infernal. Mana não tinha mais nada a perder, então ela bem que podia descontar a raiva e frustração por tudo o que passou no mercenário a sua frente. Ela apontou e jogou os três alfinetes ao mesmo tempo na cabeça dele. San pulou para trás e usou a mão direita pra parar os três alfinetes mortais.

— Técnica mortal, difícil de se ver. Muito boa jogada, Mana. Você atirou pra me matar. Por quê?

— Desgraçado... Você faz as atrocidades que quer e depois não quer pagar por elas? — Mana se reequipou com mais três alfinetes.

— Atrocidades? Assim disse a pequena princesa que viajou sozinha de cidade em cidade, ganhando fama o suficiente para entrar para um exército, invadir um castelo, matar todos os guardas e trazer a cabeça do General de volta. Sozinha.

— CALE A BOCA! — Mana jogou os três alfinetes de volta. Mas ela estava tão confusa que não tinha mirado dessa vez. San jogou o corpo pro lado, se esquivando facilmente.

— Preciso continuar falando das grandes aventuras da “Lâmina Sanguinária”?

Mana despencou de novo. As lágrimas que não apareciam antes, voltaram a aparecer. O maldito tinha feito isso com ela. Só esse maldito pra conseguir. Era tudo culpa dele. Aozaki estava morto por causa dele. Lázaro estava morto por causa dele. A Guilda estaria a salvo se eles não tivessem se conhecido. É tudo culpa dele!

— Por que San... Por quê você me deixou naquele dia? — a pergunta saiu sozinha, criada a partir de um subconsciente desacordado que jazia muito ao fundo de sua mente. Naquele momento, ela se sentiu com treze anos novamente.

— Se estivéssemos juntos, morreríamos. — San deu três passos pra frente, para se aproximar de Mana que continuava no chão, chorando. — Eu não tinha habilidades de proteger eu e você, e em mais ou menos um ano, estaríamos mortos. Tive essa idéia durante nossa última estadia juntos. Pense: quando atacados, é mais difícil fugir acompanhado, pois você precisa saber exatamente onde seu companheiro está indo. Seria bem mais fácil se estivéssemos sozinhos, chamando menos atenção. Por isso peguei minhas coisas e desapareci. Não te falei nada porque você insistiria em vir atrás de mim.

— Mas... Mas... — ela sabia que San tinha toda razão, mas não era agora que ela iria admitir isso.

— É, deve ter sido difícil pra você. Mas foi por causa dessa dificuldade que você chegou até aqui. Foi superando pouco a pouco que você ganhou seu título. Hoje você é a Assassina mais poderosa do Oeste e é conhecida mundialmente. Só que a partir de hoje, você não é mais da Dead Blade. É livre de volta. Faça o que você quiser de volta. Como naquela vez, “é fácil você fugir. É só passar pelo buraco.”.

Mana parou de chorar. Ela olhou San nos olhos e reparou que o seu olhar realmente não tinha mudado nesses nove anos. Então ele TAMBÉM continuou roubando e matando. TAMBÉM passou por dificuldades horripilantes. Mas nunca entrou em uma guilda. Não sabe como é bom ter companheiros. Em vez disso, continuou sozinho, até ganhar um título. Indo de um campo de batalha a outro. Será que ele sofreu também? Com essa solidão? Parando para pensar, ela lembra que as histórias do passado dele sempre eram cheias de solidão. Ele fazia as coisas sozinho e nunca pareceu se sentir mal com isso.

— Eu tenho muitas perguntas pra te fazer... Mas a principio: qual Rei você quer matar? — diz Mana, se levantando e tirando a poeira que se juntou na sua roupa. Já que ela não tinha mais nada agora, valeria a pena ver o que esse maluco estava planejando. Se bem que ela já tinha uma certa idéia do que ela mesmo poderia fazer. E se tratava de algo a ver com suas próprias habilidades.

— Rei Quertam Mundus XXII, o Rei desse Reino. É por isso que eu estou aqui. Aliás, foi ele que dizimou sua Guilda. Sabia disso? — o rosto dela não se alterou em surpresa, o que fez ele imaginar que Mana, de fato, já sabia. — Esse reino quebrou um contrato real com Lafard, a Cidade dos Magos Invocadores, e sabendo que eles iriam contratar vocês como mercenários para iniciar uma guerra — já que eles têm MUITO mais recursos que esse reino —, o Rei daqui decidiu se livrar de vocês. Eu queria ter descoberto isso antes, mas tive um problema básico durante minha viagem e me atrasei. Me desculpe. Mas então... Quer se vingar? A recompensa é gigantesca!

San não poderia ter feito uma pergunta mais animadora. Quertam iria pagar. Ele iria perder a vida da pior forma possível. Iria derramar o dobro do sangue que Aozaki derramou. Iria queimar mais do que todos os membros da Guilda juntos. Iria pagar caro e se arrepender para sempre de ter mexido com ela e sua guilda. Iria morrer.

— Missão aceita.

San deixa escapar um sorriso leve, se vira e, antes de dar outro pulo longo daqueles, diz:

— É bom ter você de volta, parceira.