VOCÊ É A MINHA CURA.

Já tem alguns meses que estou internada na área de oncologia deste enorme hospital, eu sei qual é a minha estimativa de vida, então já fiquem sabendo que eu não tenho muito tempo.

E para quem está preso em um quarto de hospital como eu, os dias passam como bem entendem, às vezes se arrastam e todo o mal-estar que sentimos fica ali se arrastando junto ao tempo, parecem meses de uma tortura infernal, mas também há tempo que nem vejo as horas passarem, e são esses os dias que me apavoram, pois em dias assim sinto que é com mais rapidez que a minha vida vai se findando.

O lado positivo… é o que sempre pedem para olhar, não é? Vão por mim, às vezes isso é um verdadeiro pé no saco, mas, como hoje estamos em um dia bom, eu parei para pensar nisso, qual seria o lado positivo?

Encontrei pessoas.

A cada novo turno do plantão hospitalar vem uma nova equipe, e depois de três trocas elas retornam, então eu os vejo sempre e a equipe da noite é a que eu mais gosto ultimamente, e daqui a um minuto eles entrarão no meu quarto para me cumprimentar e cumprir os protocolos.

[...]

E lá vem eles…

— Boa noite! Essa é a equipe noturna que passará a noite e a madrugada com a Srta.

Duas enfermeiras, eu já as conheço bem e as adoro, um médico plantonista que sempre é um fofo comigo e... quem é esse?

A enfermeira chefe continua.

— A Única alteração na equipe é o Lee Felix, ele ficará no lugar da Jenny a partir de hoje.

— Boa noite, Srta. Min-Ji!

— Boa noite, Lee Felix.

Ele está sorrindo, em outro dia eu já ia achar ele um chato, me entendam, sentir muitas dores fazem você odiar tudo ao seu redor, mas hoje é um dia bom, então vê-lo sorrir está me encantando.

Ele tem um lindo sorriso, e espalhadas pelo rosto; sardas… que lindo.

— Bom, pelo que vejo em seu prontuário hoje tivemos um bom dia, não é Min-ji?

— É sim… — Falo sem conseguir deixar de olhar o enfermeiro Lee, e ele segue com seu sorriso doce.

— Ótimo, então daqui a pouco o Felix vai trazer seu coquetel noturno e vamos torcer para não haver rejeições.

— Está bem, obrigada Mirian.

— Não por isso, minha flor, até mais.

— Até, tenham um bom plantão.

Eles saem do quarto e eu apenas me deito um pouco, o dia foi bom, sim, mas estou exausta, é sempre assim entre uma quimio e outra um cansaço absurdo, então como eu já tomei meu banho acho que vou dormir um pouco.

[...]

— Oi, oi com licença…

A voz extremamente acentuada do Felix me tira de um sono não muito profundo, mas eu estava sonhando e foi um sonho bom.

— Hora dos remédios Min-ji.

— Mas já? Nossa, o quanto eu dormi? — Falo já me sentando na cama, tentando focar o Felix em minha visão.

— Acho que duas horas inteiras, eu vim aqui saber se você queria alguma coisa, mas você dormia tão bem que achei melhor te acordar só na hora dos remédios mesmo.

— Ah e eu agradeço por isso, dormir às vezes é bem difícil sabe?

— É imagino sim… Bom aqui estão, tome direitinho, sua ceia já deve estar vindo também.

Ele era bem mais gentil que a Jenny, que sempre vinha apressadamente e mal me olhava.

— Obrigada Lee Felix.

— Por favor me chame só de Felix sim? Não precisa ser formal comigo, nos veremos diariamente agora, podemos ser amigos.

Ele me fez sorrir sem nem sentir, olhar para o Felix era como ver um raio de sol, como se tivessem pegado um e colocado em um pote sabe? Dá vontade de ficar olhando.

— Está bem Felix, obrigada por isso.

Ele estava anotando o monitoramento do meu monitor.

— Não me agradeça, por favor, é o mínimo.

Ele sorri, ele era mesmo gentil.

— Bom, está tudo certinho, me prometa que vai comer tudo o que vier na ceia?

— Sim, eu prometo.

— Jura de dedinho?

Eu ri espontaneamente alto e ele riu também, e a risada dele era muito gostosa de ouvir.

— Sim, juro de dedinho.

Nos demos os mindinhos e depois colamos nossos polegares, selando assim a minha promessa.

— Ótimo, agora posso sair feliz.

— Obrigada Felix.

— Imagina Min-ji, até mais tarde.

— Até.

Ele saiu do quarto e eu sorri mais um pouco, os enfermeiros sempre se preocupam com as nossas refeições, pois os remédios que tomamos são fortes e muito nauseantes, às vezes mal acabamos de comer e já colocamos tudo para fora, outras mal aguentamos o cheiro da comida, mas o pedido dele foi tão fofo, então quando a ceia vier vou tentar comer e segurar tudo.

[...]

Um mês já havia se passado depois da adesão do Felix a equipe noturna de oncologia, ele ficava bastante tempo comigo, me ajudava com massagens para melhorar a minha circulação, esperava eu comer quando dava e quando eu vomitava tudo ele segurava meus cabelos.

Nós conversávamos sobre tudo, e ele montou uma playlist para mim no Spotify que se chamava “meu remédio”, pois ele dizia que a música tinha o dom de curar, não o corpo enfermo, mas a alma doente, e não é como se eu tivesse uma alma doente, mas como ele mesmo disse as músicas eram mais para evitar que ela adoecesse.

— Ouvindo nossa playlist Min?

— Ah, oi Lix, — Como veem, agora nos chamamos por apelidos. — Sim, estou ouvindo ela.

— Legal, isso é bom!

Eu ia tomar umas injeções e ele era quem ia aplicá-las, meu braço cheio de roxos e completamente dolorido; aqueles últimos dias estavam sendo mais difíceis, mas o Lix continuava a brilhar para mim, o que sempre deixava tudo melhor.

Ele se aproximou e como sempre fazíamos coloquei um dos fones em seu ouvido, enquanto ele aplicava as injeções, ouvíamos música juntos e assim que o fone se encaixou no ouvido dele ele sorriu.

— Essa é muito boa.

Estava começando a tocar “Although We Say I Love You — Kim Dong Ryul”, quando ele começou a ouvi-la com frequência, ele simplesmente adicionou na playlist que fez para mim e disse que eu precisava ouvi-la e prestar atenção na letra, pois havia algo nela para nós.

Eu não aceitei aquilo, eu ouvi, com toda a atenção, mas os sentimentos contidos nela…

Eu não poderia aceitar, não… O Felix não merecia isso, se apaixonar por alguém que está doente e que tem ainda mais certeza que as demais pessoas que simplesmente pode ir de uma hora para outra? Não, eu não vou permitir.

“Estou parado na sua frente e você está perdido em seus pensamentos novamente…”

Ele parado em frente a mim para aplicar a injeção no meu braço, apenas sorriu, parecia que a música descrevia a cena que protagonizávamos naquele quarto.

“Estou parado na sua frente sem saber o que dizer…”

Ele me olhou nos olhos, estávamos próximos demais e eu fechei os olhos para não ter que encará-lo, mas devido à proximidade pude sentir sua respiração enquanto ele deu um sorrisinho, daqueles costumeiros que ele sempre dá, meio acanhados, mas tão lindos que fazem meu coração disparar.

“Mesmo se você disser que me ama

Ele rapidamente se dispersa no silêncio

Eu não posso olhar nos seus olhos

Eu disse que te amo…”

A agulha atravessando a pele doía muito, e eu, já toda dolorida, não pude conter a expressão de sofrimento, o que fez ele ficar um pouco mais sério.

— Me desculpe.

— Não é sua culpa Lix.

Ele me olhou nos olhos como quem queria ter certeza que eu ficaria bem.

E estávamos tão próximos.

— Pela manhã vamos no jardim do hospital? Pedi autorização para a enfermeira chefe para te dar o café da manhã lá e ela deixou.

— Tudo bem, vamos sim.

Falo em meio a um sorriso, sempre que ele pode ele me leva lá para o café da manhã e eu confesso que adoro, dá para ver o orvalho nas flores e ouvir os pássaros também.

— Legal, agora se deite, descanse um pouco, está bem?

— Pode deixar.

Ele deita minha cabeça e me devolve o fone, sempre sorrindo ele faz um leve carinho em meus cabelos e se vai.

“Talvez já saibamos

Tem que ser assim?”

[...]

Na manhã seguinte não pude ir tomar o café com ele, passei mal a noite toda, efeito das injeções e acabei ficando bem fraca, então ele apenas se despediu de mim no quarto mesmo e foi embora para casa.

Fiquei imaginando como era poder ser sua namorada como ele me pediu dias atrás e obviamente neguei, tenho pouco tempo de vida, como posso fazer algo assim?

Não seria justo com ele, e comigo também…

[...]

Uma semana se passou e agora, sim, estamos tomando um café no jardim do hospital, ele está passando geleia em uma torrada para mim e sorrindo com o meu olhar bobo para ele.

— Sabe Min, sei que você rejeitou meu pedido de namoro, mas serei insistente… — ele leva a torrada até minha boca e eu a mordo, o encarando incrédula. — Namore comigo? Não importa se você tem mais alguns anos, messes, semanas, dias… Não me porta se te resta só mais um minuto, quero passar ele sendo o seu namorado, então por favor, diga sim para mim?

Uma única lágrima desceu meu rosto, quando contei para minha mãe sobre ele ela me encorajou a aceitar dizendo que eu merecia isso e não tinha nada a perder, fora que ela achou o Lix um fofo.

Segui comendo, e agora ele me servia um suco de laranja natural.

— E então o que me diz?

Depois de engolir com certa dificuldade, eu o respondi.

— Você é louco Lix, não faça isso.

— Não vou desistir, sinto muito.

Ele sorria enquanto comia pedaços de melão, minha fruta favorita e ele sabia disso, então pegou um pedaço e começou a brincar comigo fingindo que ia dar na minha boca, mas sem me dar de fato.

— Lix, para de brincar e me dá logo isso.

— Dou, se me aceitar como seu namorado.

— Você sabe que além do fato de eu estar morrendo, um funcionário não pode se relacionar com um paciente, não sabe?

— Sei, mas não ligo, Min olhe bem para mim. — Olhei e ele sorriu — Eu me apaixonei por você, por sua doçura e seu sorrisinho lindo, se você me aceitar e o hospital quiser nos barrar, eu me demito e fico com você.

— Céus, você é louco.

— Por você, Min-ji, sou louco por você.

Ele segurava o melão com um semblante travesso como quem me dizia “e então? O que me diz?”

— Está bem Lix, serei sua namorada, — ele vibrou de alegria, uma cena linda de se ver. — Mas se eu morrer amanhã, não me culpe.

— Eu prometo que não farei isso Min — ele sorria largamente — Aaaah estou tão feliz!

Terminamos o café da manhã, ele me deu alguns bons pedaços de melão falando que a namorada dele merecia apenas o melão mais doce e em seguida ele me levou de volta para o quarto.

— Como já bati meu cartão…

Ele veio até mim e selou seus lábios aos meus, sua boca estava quentinha e aquele foi o meu primeiro beijo de verdade.

Eu estremeci, senti-lo tão perto assim acendeu meu coração que palpitava com força enquanto nossas línguas se cruzaram desajeitadas por conta da minha zero noção de como se beija e ele sorria com seus lábios nos meus, o que me fazia sorrir também em resposta.

O ar nos faltou, enfim então ele se afastou.

— Vou vir aqui no horário de visitas.

— Não faça isso, descanse Lix, por favor.

— Não seja boba, quero ficar com a minha namorada, vamos à biblioteca do hospital, ou quem sabe no terraço, depende de como você estiver, eu te mando mensagem quando estiver chegando.

— Está bem, você é muito cabeça dura, sabia?

— Sabia sim. — Ele beijou minha testa e depois selou seus lábios aos meus mais uma vez, mas mais brevemente dessa vez. — Agora eu vou, tome seus remédios e coma direitinho, tá bom?

— Está bem, sim.

— Tchau namorada.

— Tchau namorado.

Ele saiu e eu fiquei rindo toda boba.

[...]

Aquele foi um dia normal, nem bom, nem ruim, e no horário da visita depois que a minha mãe saiu ele apareceu.

Era outra pessoa sem aquele uniforme, mas o sorriso e o olhar gentil eram os mesmos.

— Oi, amor.

Ele trazia flores e uma pequena caixinha.

— Só não é uma aliança ainda porque em um hospital você não pode usar, mas são chocolates, esses você pode comer, então espero que goste.

— Obrigada Lix.

Eu sorri e peguei as flores para colocar no vaso na cabeceira da cama.

— Dia bom?

— Dia normal.

— Para mim é bom, então, vamos caminhar um pouco?

— Vamos sim.

Saímos do quarto de mãos dadas, esse menino não tem medo mesmo do hospital mandá-lo embora.

— Terraço? Pensei que iriamos para a biblioteca.

— Falei com a enfermeira, queria que você visse o pôr do sol comigo.

Havia um sofá no terraço, os enfermeiros iam muito ali no seu descanso, então era normal aquilo estar ali.

— Sente-se comigo.

Eu me sentei e ele logo me cobriu com uma manta.

— Perfeito, vai ficar quentinha.

Ele olhou para o horizonte e eu o acompanhei, e o laranja com nuances meio rosadas no céu anunciava que em breve o sol se poria.

— Que lindo… — eu olhava o céu admirada com a beleza que via.

— Realmente muito linda.

Ele me olhava.

Sua voz marcante me fez o encarar, estávamos tão próximos que nosso beijo era inevitável.

Ele carinhosamente colou sua boca na minha e nós dois sorrimos sem saber bem o porquê, então ele levou uma de suas mãos para minha nuca e eu abracei seu tronco com carinho e enquanto nos beijávamos ambos faziam carinhos um no outro, agora que estou mais calma vou seguindo o ritmo do Lix e nosso beijo se torna muito apaixonado, entregue, e para mim, único de maneiras que nem sei explicar.

— Eu amo você Min, você é o meu raio de sol.

— Eu te amo também Lix, e nada brilha mais que o seu sorriso, você é a minha cura.

Ele me olhou curioso.

— Sua cura?

— Sim, minha cura, por mais que eu venha morrer daqui a alguns minutos, ter te conhecido curou a minha existência triste, agora posso sorrir de verdade, sem fingir quando, na verdade, eu estava destruída, e tudo graças a você, e eu digo sem medo de errar que ter você comigo tem sido, sim, a minha cura.

— Linda.

— Você que é lindo.

Aquele pôr do sol foi a coisa mais linda que eu vivi, por anos lutei contra uma leucemia severa, mas foi só quando o Lix entrou na equipe noturna de oncologia que descobri o que era de fato viver, mesmo para alguém como eu.

[...]

Quatro anos depois.

— O que está fazendo aí Min?

— Estou ouvindo música.

— Hum… posso ouvir também meu raio de sol?

— Claro.

O Lix se sentou ao meu lado na varanda da nossa casa e eu dei um lado do meu fone para ele.

— Own, essa é muito boa.

— Amor, você sempre diz isso.

— Sim, e eu nunca minto.

Nós rimos e no fone tocava “What was I made for? — Billie Eilish” então fechei meus olhos e apoiei minha cabeça no ombro do agora, meu noivo, e apenas fiquei ali sentindo a brisa tocar gentilmente a minha pele.

“Parecia tão viva, no fim das contas, não sou real…”

Pude sentir uma das mãos do Lix me acarinhando no rosto e sorri.

“Para que fui criada?”

Nós dois sabíamos que algo não estava bem…

“Porque eu, eu

Eu não sei como me sentir

Mas quero tentar

Eu não sei como me sentir

Mas um dia talvez eu saiba

Um dia talvez eu saiba…”

Eu tive medo, mas o Felix me segurou em seus braços, eu quis gritar, mas ele consolou meu coração, calando minha tristeza, trazendo a alegria do seu sorriso para aliviar minha indignação.

Eu só me perguntava porque, até que o olhei nos olhos e entendi, ele era, sim, a minha cura, por ele eu vivi esse tempo todo, com ele eu amei e fui amada e por mais que meu corpo se vá, minha alma foi curada, e por isso eu era muito grata ao Felix.

“Quando isso acabou? Todo o prazer

Estou triste de novo, não conte para o meu namorado

Não foi para isso que ele foi criado

Para que fui criada?”

A resposta era uma só, para amá-lo, e para ser por ele muito amada também.

Obrigada Lix, por emprestar toda sua luz para minhas sombras, iluminando assim o tempo que tive, logo não estarei mais ao seu lado, mas quero que saiba que você foi a melhor coisa que me aconteceu nessa vida.

Eu te amo.

[...]

Hoje é o aniversário da morte da minha Min-ji, depois que começamos a namorar ela apresentou uma melhora considerável, recebeu alta, foi para casa e logo começamos a morar juntos, mas no último ano de sua remissão o câncer voltou bruscamente, nós lutamos juntos, mas ela não resistiu e se foi.

Nós estávamos noivos, e fizemos de um tudo, juntos, viajamos, fomos a shows, acampamos, enfim tudo o que tivemos vontade de fazer, nós fizemos e ela sempre me surpreendia com o quão inteligente ela era, e eu amava ouvi-la dissertar sobre os mais diversos assuntos, ela era perfeita até no jeito de falar.

Quando ela se foi, eu pensei que morreria junto a ela, mas eu não podia, pois ela me fez jurar que ainda viveria muitas coisas, por ela, por nós dois, mas principalmente por mim e eu cumprirei meu juramento, pois meu raio de sol merece toda a minha dedicação, mesmo não estando mais ao meu lado.

O Felix deixou um lindo buque de rosas no túmulo da Min-ji.

“Oi, amor, como você está? Vim ver o pôr do sol com você.

Sinto sua falta, meu raio de sol, mas sempre que fecho meus olhos posso sentir você me tocar.

Um dia estarei ao seu lado novamente, então me espere e quando esse dia chegar, eu te beijarei tanto que você vai enjoar rapidinho de mim.”

Ele disse a ela limpando as lágrimas que rolavam seu rosto.

Ele nunca se arrependeu em tê-la pedido em namoro, e ele conta até hoje que quando ela disse sim ele sentiu o universo inteiro vibrar dentro do seu coração.

Mal sabia ela, que ela também foi a minha cura.

As músicas usadas no capítulo (foram indicações dele no Bubble):

https://www.youtube.com/watch?v=L-smW5aa0vE

https://www.youtube.com/watch?v=cW8VLC9nnTo