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Open Your Eyes


Já deve ser a décima vez nessa viagem de volta de Angra dos Reis para São Paulo que minha mão sai do volante e movida pela força do hábito, se dirige automaticamente para o celular no painel do carro, antes que ela pare no meio do caminho com a lembrança de que esse é um gesto inútil... Com sua bateria completamente descarregada e sem poder contar com um carregador para sanar esse problema, o moderno aparelho no momento serve apenas para me lembrar de minha própria burrice. Burrice não, me corrijo rápido: Foi apenas uma distração que me fez esquecer o carregador em São Paulo antes de vir para Angra há dois dias. Mas também, com tantas coisas rodando na minha cabeça nesses últimos dias, acredito ser capaz de me perdoar pelo lapso. Não há necessidade ainda de clamar para mim o título de bicha burra tão cedo assim...

Imediatamente meu pensamento viaja para perto dele... Se é que ainda consigo ficar muito tempo sem que isso aconteça. Como poderia, se o rosto dele já está encravado na minha memória, esteja eu de olhos abertos ou fechados? Eu sorrio, mantendo o olhar na estrada quase deserta que se estende à minha frente. À minha esquerda, as cores do entardecer já vão sendo engolidas pela noite que vem se anunciando. Lá no horizonte, a cor escura do mar é única, e até isso me faz lembrar dele. Está cada vez mais difícil que algo não me faça pensar nele, mas não faz diferença, já que a última coisa que desejaria seria esquecer por um segundo apenas a criatura que inacreditavelmente... Agora faz parte da minha vida.

Nicolas Corona.

A criatura de cabelos enrolados como um Carneirinho e dos olhos cor de mar mais belos que já existiram ou ainda existirão. De fato, Niko é na falta de uma palavra mais justa... Lindo. Simplesmente. Mas a verdadeira beleza desse ser que talvez por um erro do Destino, cruzou o meu caminho o transformando de ponta a cabeça reside atrás das feições tão suaves e dos olhos verdes tão deslumbrantes. A beleza de sua alma e de seu coração.

Houve um tempo durante o qual me questionei quase diariamente sobre o porquê de semelhante dádiva caída em meu colo no momento da minha vida quando eu mais precisava que isso acontecesse. Ter Niko em minha vida foi como ter atendida aquela prece secreta que sempre guardei no cantinho mais escondido do meu íntimo, quando eu já pensava que ela jamais seria sequer ouvida.

Eu era como um fiel rezando escondido para um deus em quem não acreditava. Um deus chamado esperança.

Às vezes penso com um estremeço na alma como seria se jamais tivéssemos nos encontrado. Eu logo refuto essa realidade alternativa onde eu provavelmente passaria toda minha vida de maneira inóspita e cinzenta, sem conhecer aquele para o qual, sem que eu soubesse, sempre reservara o imenso espaço vazio dentro do meu coração.

Niko chegou para fazer esse espaço vazio e escuro se movimentar com cores e luzes. Enquanto eu mesmo desviava o olhar sempre que podia para não olhar certos cantos mais empoeirados e sombrios, sem temor algum ele ousou olhar bem lá dentro, e não teve medo nem mesmo quando vislumbrou todos os crimes do meu passado. Esse teria sido o momento fatal em que sua face se crisparia de horror e ele me daria as costas para nunca mais voltar. Ao invés disso ele me estendeu a mão e me trouxe para fora.

E pelas contas do Rosário, nem mesmo eu poderia imaginar o quanto eu sempre desejei me libertar da prisão do meu próprio coração.

Ainda que o ato de coragem que me fez aceitar finalmente sua afeição tenha sido algumas das poucas coisas certas que fiz na vida, não posso reservar para mim todo o mérito, pois reconheço o quanto ele foi paciente. O quanto insistiu e esperou. O quanto sempre me amou sem reservas, e como respeitou meus medos e inseguranças, até que chegasse o momento certo para que eu desse o primeiro e decisivo passo em direção à minha própria felicidade.

O primeiro passo em direção a mim mesmo, se é que me arrisco a usar o trocadilho com meu nome.

Eu continuo sorrindo. O sorriso em meu rosto é agora ininterrupto, como se tatuado permanentemente com tinta invisível, e isso não me incomoda em absoluto. Esse prazer de redescobrir a leveza de um sorriso de alegria é apenas mais um de inúmeros efeitos que pensar nele sempre me provoca.

Eu permito que minha mente divague para momentos nem tão distantes assim no passado. Ainda acho inacreditável isso, que eu já tenha um pequeno passado com ele. Um passado recente e bem mais aprazível de ser resgatado do que outros mais remotos, que na verdade, cada vez mais vão sendo empurrados para trás, a ponto de eu às vezes esquecer que eles estão lá. Afinal, aquela era outra pessoa completamente diferente, que me atrevo a não reconhecer mais, como um rosto esmaecido no canto do espelho. Por que olhar para trás, quando a estrada diante de mim se mostra tão colorida e convidativa?

E por falar em estrada, é impossível não evocar uma lembrança particularmente especial, como sempre acontece nesse trajeto que já fiz tantas vezes. A nossa volta triunfal de Angra dos Reis por essa mesma estrada. Eu, Niko e Fabrício. Olho para o banco do carona e lembro perfeitamente das feições adormecidas dele, que vencido pelo cansaço de um dia tão agitado, terminou por render-se a um breve mas merecido cochilo.

É engraçado agora pensar que nunca partilhei isso com ele. Enquanto ele dormia, sereno, um leve sorriso tocando os cantos de seus lábios rosados e entreabertos, eu o observava, dividindo minha atenção entre a estrada e as linhas perfeitas de seu rosto, em secreta fascinação. Rindo intimamente de mim mesmo, eu imaginava que ele estaria sonhando comigo, daí o sorriso dançando em seus lábios. Uma idéia tão divertida quanto impossível para eu mesmo acreditar... Mas nessa época, talvez já tocado pela convivência com ele, que mal havia sonhar de olhos abertos, nem que fosse só por alguns instantes?

Após algum tempo senti-me quase cometendo um pecado bíblico gravíssimo quando finalmente decidi acordá-lo, sacudindo levemente seu ombro. Jamais admitiria para ninguém que já estava com saudades de ver o brilho vívido daqueles olhos verdes, principalmente se eles estivessem focados em mim, o que sempre fazia meu coração falhar uma batida ou duas.

Eu disfarcei como pude, sempre com meu jeito piadista, para que ele não percebesse o quanto me enchia de inexplicável felicidade simplesmente estar ali, do lado dele, voltando para São Paulo, com o bebê Fabrício resgatado são e salvo na cadeirinha atrás de nós. Um momento de perfeita paz em que tudo parecia estar em seu lugar de direito. Nem sei explicar como, mas sei que ele sentiu-se da mesma forma, porque me lembro do toque seguro e agradecido da sua mão na minha, e seu olhar franco de adoração e gratidão que sempre desmontava minha alma de dentro para fora.

Com um suspiro nostálgico, eu giro o volante para fazer uma curva suave pela estrada levemente sinuosa. A noite continua avançando enquanto eu mesmo avanço para mais perto de São Paulo. Pelos meus cálculos devo estar a umas duas horas de meu destino. Olho brevemente o relógio no meu pulso, e isso me faz acelerar mais um pouco, aumentando a velocidade. Com ela, aumenta também minha ansiedade, e eu procuro controlá-la só mais um pouquinho, já que estou cada vez mais perto do que se tornou meu destino preferido.

Calma, Félix... uma multa de velocidade não é nada, mas chegar inteiro ao seu destino é tudo que importa... Portanto, vamos com calma, criatura.

Meu olhar se desvia para o lugar do carona, onde infelizmente não há neste exato momento nem a sombra de um certo Carneirinho. Em seu lugar, repousa uma elegante pasta de couro preto, uma herança dos meus tempos como presidente no hospital da minha família. Essa pasta que já carregou tantos esquemas e armações saídos da minha mente ambiciosa e iludida por poder agora carrega algo bem diferente, e infinitamente mais valioso do que mil títulos ou sobrenomes poderiam jamais comprar.

Ela contém um sonho que em seu interior, se traduz na forma de planilhas e estudos financeiros cuidadosa e esmeradamente calculados dentro da memória do meu laptop. Um sonho dele, do qual eu deliberadamente me apropriei, tornando-o meu também, muito embora ele ainda ignore isso, o que corre exatamente de acordo com tudo que planejei. Todo esse planejamento secreto se encerra dentro dessa pasta, resultado de várias viagens a Angra para resolver algumas questões formais que só se desenrolam pessoalmente. Como um contrato de aluguel de um espaço comercial perto da praia, por exemplo...

Sorrindo, eu volto o olhar para a estrada à frente, permitindo um pequeno resgate do momento quando eu me permiti atiçar sua curiosidade, só pelo prazer de ver aquele par de esmeraldas brilharem ainda mais... “Planos?” ele dissera, enquanto eu me afastava com um sorriso misterioso.

Ele não esqueceu, é claro, desse breve interlúdio que tivemos na festa de renovação dos votos da minha irmã, o que quase me fez arrepender-me de ter dado a deixa, pois uma coisa é um Carneirinho decidido, e muito mais do que isso é um Carneirinho decidido e quicando de curiosidade...

A voz sussurrada baixinho começa a me trazer de volta aos poucos da inconsciência, mas eu ainda reluto em abrir os olhos. Talvez, se eu fingir que continuo dormindo, quem sabe ele desiste...

— Félix...

Bom, talvez não... Abro os olhos pesadamente apenas para encontrar o rosto de Niko bem próximo, tão perto que seu hálito toca minha pele agradavelmente. Não sei que horas são, mas deve ser alta madrugada. A penumbra envolve o quarto quase todo. Estamos deitados na sua cama, como já acontece há vários meses desde que começamos a partillhar a maioria das noites juntos, entrelaçados e inseparáveis.

Eu olho para a expressão dele e reprimo o sorriso, tentando fingir irritação.

— De novo, criatura... Tentando me fazer falar dormindo, é?

Já não consigo mais segurar o sorriso quando ele enrubesce, desviando o olhar.

— Ah, Félix... É que você me deixou curioso desde a festa da Paloma... Porque não pode me contar o que quis dizer com “planos”?

— Mas você ainda está pensando nisso? Já falei que não lembro... Eu devo ter bebido pro-seco demais na festa.

— Você não tinha bebido quase nada quando falou comigo. Eu me lembro muito bem. – Ele salienta, começando a emburrar levemente. Um sinal de alerta toca dentro de mim. Hora de pôr em prática os truques de Félix Khoury para desviar a atenção de um Carneirinho curioso e insone.

— Se você lembra, Carneirinho... – chego perto para beijar-lhe os lábios, levemente. Ele não recusa o toque, o que mostra que eu entrei com as medidas anti-bico de Carneirinho no momento certo. – ... Então me ajuda a lembrar, minha memória anda péssima ultimamente.

— Como assim? – ele pergunta distraidamente entre um beijo e outro, como se não ligasse realmente para uma resposta. – Sua memória sempre foi ótima...

— Pois é, pra você ver... Mas agora, eu esqueço tudo que não se relacione com beijar seus lábios... Assim... – Eu demonstro o que quero dizer, trazendo seu rosto para mais perto com minha mão em sua nuca. Um suspiro escapa por entre seus lábios, e antes que ele possa recuperar o fôlego para responder, eu aprofundo o beijo, colando meu corpo ao dele, sôfrega e languidamente. - ... Ou te segurar bem juntinho... Assim...

Logo qualquer pergunta ou resposta cai no total esquecimento, enquanto fazemos amor mais uma vez. Quando tudo se acalma e nossas respirações estão voltando ao ritmo normal, mais uma vez a voz dele me impede de cair no sono.

— Félix...

— Hum... – Eu me pergunto se terei que entrar com as medidas anti-bico novamente, mas quando olho para ele, sou surpreendido pelo sorriso compreensivo, e acabo adivinhando o que ele vai dizer antes mesmo que seus lábios se abram.

— Se você não quer falar... Tudo bem, eu não vou mais perguntar, tá? – Ele inclina-se para me dar um breve selinho antes de se acomodar confortavelmente entre meus braços.

E foi assim que depois de semanas após semanas perguntando quase que diariamente sobre os tais “planos” misteriosos, ele pareceu se conformar com meu silêncio esquivo, e nunca mais disse uma palavra sobre esse assunto. O que serve para mostrar que um Carneirinho decidido quando se decide a confiar... decide mesmo.

Volto a olhar para a pasta preta. Dentro de mim se mistura ansiedade com satisfação. Ainda me lembro vagamente da sensação de felicidade que me invadiu quando consegui me tornar presidente do San Magno. Mas agora vejo que aquilo foi só uma sombra efêmera de alegria, se comparada com o que sinto agora. Até parece que há borboletas flutuando em meu estômago, só de imaginar a reação de Niko quando eu finalmente lhe revelar a grande surpresa que venho cuidadosamente lhe ocultando.

Preciso admitir... Não foi nada fácil esconder dele tudo o que venho fazendo. Foram inúmeras viagens para Angra dos Reis, viagens iguais a esta da qual estou retornando, sempre com a desculpa de resolver “assuntos judiciais e burocráticos relativos aos bens de Papi Soberano e Mami Poderosa”. Embora eu recebesse de vez em quando uma expressão mais ou menos desconfiada, Niko não chegou a questionar essa justificativa, já que sempre foi do conhecimento dele toda a confusão financeira que Aline aprontou com os bens materiais do Papi.

Um leve desânimo ameaça minar meu entusiasmo quando me vêm à mente a face severa e contrariada de meu pai, quando eu resolvi lhe contar sobre Niko. Tudo com César Khoury precisa ser feito em suaves e cuidadosas prestações. A mais difícil de pagar eu já tirei do caminho, que foi assumir com todas as letras que estou “namorando” com Niko, e mais do que isso, que esse relacionamento é para valer.

Como era de se esperar, não foi uma conversa nada fácil, mas pelo menos ela aconteceu, e eu sei que ainda haverão muitas outras, até chegar no ponto onde ele estará ciente de tudo... Inclusive do fato de que meus “planos” nos quais estou trabalhando há meses, também o incluem. Uma conversa difícil de cada vez, e seguir sempre em frente, esse é meu lema hoje em dia. E enquanto a próxima conversa difícil não chega... Nada melhor para renovar meu ânimo do que resgatar da minha memória a lembrança dos rostos inocentes de duas criaturinhas especiais que não poderiam ficar de fora da minha pequena “missão secreta”.

Jayminho e Fabrício.

Os filhos do Carneirinho, muito provavelmente as duas crianças mais amadas do planeta, pelo melhor pai do mundo. Meu peito se aquece de ternura ante a simples recordação de suas carinhas sorridentes. Os dois filhos de Niko que também serão meus filhos, e até essa decisão venho ocultando dele, pois quando os planos começaram a tomar forma em minha mente, me pareceu ideal juntar tudo em um só pacote surpresa. Lembro perfeitamente do momento em que tomei essa decisão, após uma noite tumultuada cuidando do pequeno Carneirinho, enquanto Niko levava um abatido Jayminho na emergência do San Magno.

Fabrício, única testemunha da minha promessa a ele e a mim mesmo... Eu a guardei como um tesouro desde então. É por isso que dentro do notebook também constam todas as informações para a matrícula de Jayminho em uma escola bem próxima de onde será nosso lar. Cinco minutos para ser mais específico. Uma excelente escola, verificada e avaliada pelo candidato a segundo melhor pai do mundo. Embora eu ache que o mini-Carneirinho ainda é muito pequenino para frequentar uma escola, se Niko assim decidir, eles oferecem desde o ensino infantil até o ensino médio. Quando for o melhor momento os irmãos poderão estudar na mesma escola.

Nem mesmo Adriana foi esquecida, quando certa noite cheguei na casa do Carneirinho antes que ele pudesse chegar do trabalho, justamente para poder conversar com a babá. Para meu alívio, ela prontamente aceitou a proposta de se mudar junto conosco para Angra dos Reis, e assim continuar cuidando das crianças, além de também se comprometer a guardar absoluto segredo sobre isso. Meu sorriso aumenta com a percepção de que não me esqueci de nenhum detalhe para tornar esse plano absolutamente perfeito.

Bom, se deixarmos de fora o carregador de celular esquecido em São Paulo, é claro...

A estrada ainda se estende à minha frente como se não possuísse um fim. Lá fora a noite se faz mais presente. Enquanto me perdia em mil pensamentos, o tempo deslizou para fora da minha percepção, e nem notei as luzes da cidade que já são visíveis na estrada à frente. A distância entre eu e ele é cada vez menor, e saber disso faz com que as tais borboletas se agitem, fazendo uma festa em meu íntimo. Parece demorar séculos até eu finalmente estacionar o carro em frente à sua casa. Quando desligo o motor do veículo, deixo escapar um longo suspiro. Lanço um olhar para a casa enorme e de amplas janelas envidraçadas. Todas as luzes estão apagadas. Eu olho meu relógio de pulso, franzindo a testa. Nem é tão tarde assim para todos já estarem dormindo... Mas logo dou de ombros, decidindo que isso não tem importância.

Satisfeito, eu pego a pasta preta, abrigando-a embaixo do braço como um preciso tesouro assim o exige, e saio do carro. Meus passos pela escada de pedra entremeada com faixas de grama não são rápidos, pois quero saborear este momento nesses últimos minutos que me separam do sorriso receptivo dele, do brilho vívido de seus olhos verdes... E mais ainda, da felicidade que sei que emergirá de sua expressão quando eu lhe contar tudo.

É agora.

Eu paro em frente à larga porta de madeira. Minha mão resgata do bolso da calça um chaveiro com um par de chaves. Escolho uma delas e a uso para abrir a porta o mais silenciosamente possível. Já faz um certo tempo que Niko me confiou uma cópia da chave de sua casa, mas na verdade, essa é a primeira vez que faço uso dessas chaves. Não deixo de pensar no simbolismo contido nessa coincidência... Estou usando essa chave para abrir a porta da casa de Niko, mas essa noite, trago nas mãos a chave que permitirá que ele entre de fato na minha vida, de forma completa e irrestrita.

Uma sala escura e silenciosa me recepciona. Eu deixo meus olhos se acostumarem à penumbra, e dou alguns passos pelo recinto. Agora que cheguei, a antecipação cresce dentro de mim, apressando meus passos em direção ao corredor que leva ao quarto de Niko.

Passando pela sala de jantar, reparo que a mesa não parece ter sido arrumada para o jantar. Queria mesmo eu que ele estivesse plantado aqui me esperando com uma mesa lindamente arrumada e um sorriso no rosto? Me pergunto se ele se cansou de esperar por mim essa noite, se desistiu achando que eu não chegaria mais hoje. Quem sabe não se rendeu ao cansaço devido ao dia de trabalho mais puxado no restaurante? Afinal, hoje é, ou melhor, foi sexta-feira, um dos dias da semana mais agitados no Gian. O movimento certamente foi tremendo. Uma pontada de culpa assoma meu peito, quando lembro do celular sem bateria há dois dias seguidos. Quantas vezes ele deve ter me ligado e se decepcionado por não conseguir contato? Melhor nem pensar nisso... Ou no fato que faz dois dias que não ouço sua voz. Por que isso me atinge com tanta força agora? Deve ser porque passei as últimas horas tão concentrado na missão de chegar logo a São Paulo que deixei no fundo da mente essas consequências que meu inconveniente esquecimento gerou.

Mas isso não importa em absoluto agora. Tudo que quero é antecipar mil desculpas através de beijos e carinhos, que certamente serão infinitos para compensar a saudade que sinto dele há dois dias. Minha mão se dirige à maçaneta da porta de seu quarto e abro-a lentamente.

A mesma escuridão que me recebeu na sala quando entrei também me acolhe no quarto. Eu entro, e minhas sobrancelhas se franzem quando olho para a cama. A tênue claridade que entra pelas frestas da persiana me permite divisar que ela está perfeitamente arrumada... E também vazia.

Um início de confusão me domina, e eu cruzo o quarto, me dirigindo ao banheiro sem saber ao certo porque faço isso. Claro que está deserto também.

Nada de Niko.

Por um momento não sei o que fazer diante de uma situação tão inusitada. É quando uma luz se acende na minha cabeça, me fazendo sair do quarto de Niko e me dirigir ao quarto de Fabrício. Quando parti de São Paulo o baby estava meio doentinho, com um início de febre. Essas coisas que as crianças pequenas sempre tem. Niko deve estar dormindo no quarto do filho, como pai super protetor que sempre foi. Antes de entrar no quarto do bebê, torço para que não tenha realmente piorado, pois sei o quanto Niko fica preocupado quando seus “filhotes” adoecem, como ele sempre diz.

A decepção pesa fundo dentro de mim e a confusão retorna maior ainda, quando vejo que o quarto colorido de criança está vazio também.

Eu perco alguns momentos parado no meio do quarto de Fabrício, algo desnorteado, antes que meus pés se movam sozinhos me levando aos demais cômodos da casa. Quarto do Jayminho: Vazio. Quarto da Adriana e o de hóspedes: Vazios. O último lugar que visito é a cozinha, mais por um desencargo de consciência do que qualquer outra coisa. Eu volto para a sala e olho em volta, mais desnorteado ainda.

Por todas as contas de um Rosário infinito... Onde estão todos afinal?

Nada disso faz sentido. Sinto uma estranha pressão no peito, como se alguém estivesse dançando flamenco em cima de meu túmulo. O pensamento me faz dar uma risada nervosa. É claro que existe uma explicação lógica para essa casa se encontrar completamente deserta a essa hora da noite. Tudo que preciso fazer é descobrir qual é. E não conseguirei fazer isso se continuar parado que nem um dois de paus aqui nessa sala escura.

Fechando a porta atrás de mim, desço os degraus e já estou perto do carro quando percebo pelo canto do olho um movimento na casa ao lado. Alguém me observa da janela da casa do vizinho, e quando vê que eu notei, fecha a cortina rapidamente.

Logo estou em frente à sua porta com meu dedo na campanhia. Tenho que tocar uma segunda vez, pois a pessoa parece relutante em abrir a porta, mas afinal o faz. Reconheço o jovem rapaz, já o vi antes, mas não sei seu nome. Ele me encara, algo desconcertado. Eu o cumprimento com um sorriso que pretendo que seja simpático. Quem sabe ele pode me ajudar a elucidar o grande mistério dessa noite?

— Boa noite, tudo bem? Olha, espero não estar incomodando, mas...

— Você quer saber onde estão todos. – Ele me corta, me surpreendendo. Antes que eu possa me recompor, ele continua. – Então você... Ainda não sabe...

— Não sei do quê, criatura?

— Por favor, espere aqui.

A porta se fecha diante de mim antes que eu possa falar mais nada. Alguns minutos se passam enquanto eu tento decidir se vou embora ou se insisto mais um pouco em tentar descobrir algo que faça sentido nessa loucura toda. Já estou decidido pela primeira opção quando a porta se abre novamente. Eu abaixo o olhar para um pedaço de papel que ele me estende, sem falar nada. Aceito o papel de sua mão e já estou prestes a perguntar alguma coisa quando a porta se fecha rapidamente, mais uma vez.

— Criatura sem educação... Não suporto! – Eu sussurro enquanto volto para o carro com o papel entre os dedos. Já sentado ao volante, eu examino o papel, onde está escrito um endereço. Dando de ombros, eu ligo o motor do carro e me afasto da casa de Niko. Pelo retrovisor, ver a ausência de iluminação naquela casa que vai ficando para trás é quase tão estranho quanto tudo que acontece essa noite.

Me concentro no destino escrito no pedaço de papel. Em menos de meia hora estaciono o carro bem em frente a uma Igreja, e saio do carro, me dirigindo aos portões de madeira. A essa hora da noite, espero que estejam fechadas, mas quando as empurro, elas se abrem sem resistência, e eu entro.

Igualmente deserto de pessoas, o salão da igreja está fracamente iluminado por dezenas de velas. Eu percorro o caminho até o púlpito, reparando nas imagens de santos que adornam as paredes laterais do salão. Paro em frente ao altar de maior destaque, onde descansa uma enorme imagem da Virgem Maria com o Menino Jesus no colo. O rosto da estátua parece me encarar com uma expressão de condolência misturada com compaixão. Levo uma mão automaticamente ao peito, pressionando essa região, onde um peso estranho já se instaurou. Eu ignoro essa sensação enquanto sou atraído pela claridade que emana do salão adjacente lateral da Igreja. Me dirijo para lá, sem saber ao certo porque tem algo irracional dentro de mim gritando para eu dar meia-volta.

Ao entrar na pequena capela, sinto a atenção de vários pares de olhos centrados em mim. Sempre adorei ser o centro das atenções, mas neste momento em particular, me parece ter algo muito errado com esse tipo de atenção, principalmente pelo fato de que penso reconhecer todos os rostos que me fitam, e que existe uma coisa em comum em todos eles: lágrimas. Muitas delas. Em alguns rostos, verdadeiras cascatas de lágrimas... em outros, feições vermelhas e apenas chorosas, em pausas entre choros.

Então eu entendo tudo, encontrando finalmente a explicação lógica para a casa vazia de Niko. Estou em um velório, e essas pessoas todas estão velando alguém que passou dessa para a melhor. Parado na entrada da capela, eu evito olhar para o fundo do salão, preferindo ao invés disso percorrer com o olhar os rostos das pessoas sentadas nos bancos de madeira laterais do salão. Um a um, vou reconhecendo cada um deles. Minha Mami Poderosa com Maciel... Paloma com seu bofe de ouro... Jonathan e sua namoradinha, Ana. Vovótrix com seu mestre do bisturi vibratório Lutero. Patty e Dra. Sílvia com seus respectivos bofes...

Mas espere... que coisa mais estranha, o que Edgar e Eron estão fazendo aqui? Pelos véus de Salomé, até a Márcia... Cristo, olhai pra eles! Quem terá morrido para provocar tamanha tristeza em todo mundo? Deve ser uma criatura muito querida mesmo, para estarem nesse estado. Bom, mas se até Adriana está aqui com Jayminho e Fabrício, afinal... Onde o Carneirinho se meteu?

Eu continuo minha procura inconsciente e absurdamente desesperada por um único rosto em especial, sem conseguir localizá-lo. A pressão que aperta meu peito desde que cheguei aqui aumenta consideravelmente quando reconheço algumas pessoas, não por já tê-las encontrado antes, mas sim por já tê-las visto em fotos.

Sentados mais próximos do fundo do salão, um casal de meia-idade exibe os rostos mais tristes de todos. A senhora de cabelos grisalhos e olhos verdes está praticamente inconsolável enquanto seu marido, um senhor igualmente grisalho a ampara, também chorando, com um abraço confortador. Ao lado do casal, duas irmãs gêmeas e loiras, também abraçadas entre lágrimas e mútuo consolo.

Os pais de Niko e suas irmãs. Os familiares mais próximos do...

Uma poderosa força invisível oprime meu peito e já quer roubar meu ar, mas eu engulo em seco. Não consigo mais evitar que meu olhar finalmente se desvie daquele mar de rostos molhados e vermelhos de choro e seja atraído para o fundo do salão, onde um invólucro retangular de madeira nobre descansa em cima de um balcão. Em volta, várias coroas de flores com mensagens escritas em letras douradas. Meus pés tem vida própria o suficiente para me levar até lá em passos estranhamente calmos e decididos.

Uma eternidade passa diante dos meus olhos até que me ponho de pé em frente ao caixão aberto, e finalmente fixo meu olhar em seu conteúdo.

Dentro do caixão de pinho, se encontra Niko, deitado com as mãos cuidadosamente repousadas no peito, uma sobre a outra. Os cabelos loiros encaracolados emolduram seu rosto, alguns cachos mais rebeldes contrastando com o branco do travesseiro de cetim sob sua cabeça. Ele veste um terno preto, camisa branca por baixo e gravata cinza. As feições perfeitas de seu rosto nunca estiveram tão relaxadas como agora, quando parece dormir serenamente. Olho para esse rosto e tenho a sensação de que os olhos verdes irão se abrir a qualquer momento e se fixar em mim com o brilho de sempre. Seus lábios se abrirão em um sorriso de puro prazer em me ver, e seus braços se estenderão para mim em um pedido mudo para que eu me aninhe neles.

Não sei para onde foi o tempo. Só sei que ele se paralisou certamente. Só isso para explicar a imobilidade do Carneirinho, aninhado dentro daquele reduto de madeira e cetim alvíssimo, porque a outra explicação não consegue penetrar minha racionalidade. Eu me recuso veementemente a aceitá-la. Refuto-a. Niko apenas dorme... Ele repousa após um provável dia de trabalho cansativo no restaurante. Meu olhar percorre todo seu vulto adormecido, apreendendo tudo. Chego mesmo a ver seu peito se mover levemente com sua respiração profunda de quem foi momentaneamente sequestrado pelo mundo dos sonhos.

Só uma coisa não confere nessa imagem... A falta de um par de íris de jade, centradas em mim, de preferência. Mas quem disse que não sei ser paciente também? Niko esperou tanto que eu finalmente cedesse às suas tentativas de entrar em meu coração. Sempre foi um Carneirinho tão paciente... Eu também posso esperar, por isso imitando-o, também me mantenho imóvel em frente ao caixão, com meu olhar fixo no rosto de linhas delicadas e adormecidas. Em algum momento ele terá que abrir esses olhos, e eu aguardarei sem piscar até o Apocalipse se for necessário.

Um som me distrai de repente da minha contemplação. Com o olhar fixo nas pálpebras cerradas de Niko, demoro a reconhecer o som: É a minha própria risada. Estou rindo, e descubro que é impossível parar. O riso eclode de mim, incontrolável, a ponto de já sentir os olhos cheios de lágrimas, pois finalmente me dou conta do que está acontecendo realmente.

— Meu filho... – Ouço a voz da minha mãe e sinto sua mão tocando meu ombro, mas não consigo parar de rir, e nem desvio o olhar do rosto de Niko.

— Irmão... – Paloma também se aproximou e seu braço envolve minha cintura de forma algo protetora.

Com minha mãe de um lado e minha irmã do outro, ambas me tocando de forma consoladora mas também algo receosa, eu me permito desviar levemente o olhar do rosto de Niko para encarar suas faces molhadas de lágrimas. Eu percebo o choque explícito em suas expressões, e isso me arranca mais risadas ainda. É como se elas esperassem que eu pirasse ou algo parecido...

— Vocês todos caíram nessa, não é? – Eu me esforço para falar entre as risadas. – Pelas contas do Rosário, não vêem que é só uma brincadeira do Carneirinho? Eu devo mesmo ter salgado e adoçado a Santa Ceia ao mesmo tempo, para vocês não repararem até agora!

Sinto o aperto das mãos delas se intensificarem, e volto a olhar para Niko, que ainda permanece imóvel, resistindo bravamente a ter sido desmascarado naquela pegadinha tão bem arquitetada, que conseguira produzir tantas cascatas de lágrimas no salão inteiro. Nem eu teria pensado em uma piada tão boa assim. Ah, esse Carneirinho cheio de truques...

— Niko... – Ainda estou rindo, mas em menor intensidade agora. – Já chega, já descobri. Devo ser o único com neurônios ativos aqui para ver o que está fazendo. Só pode ser a convivência comigo para que você tenha conseguido enganar todo mundo assim! Mas a mim você não engana, Carneirinho. Vamos, abra os olhos. Levante daí, criatura brincalhona. Vai...

Eu espero, mantendo meu sorriso, sem ligar para a comoção geral que se ergue entre as pessoas no salão, na forma de mais lágrimas e exclamações de pena. Por que não enxugam suas lágrimas e se juntam a mim nas risadas? Não entenderam ainda?

— Carneirinho... Já falei, já chega. Abra os olhos, vamos... – Eu insisto, sentindo minha irmã ceder seu lugar ao meu lado para que Márcia também me abrace pela cintura. Pelo rabo do olho percebo sua face chorosa, mas não ouso desviar o olhar de Niko agora. Não quero de jeito nenhum perder o momento exato quando ele abrir aqueles olhos lindos e brilhantes para mim. Porque é claro que isso tem que acontecer, a qualquer momento. Eu sei que ele não resistirá por muito tempo.

— Hot-Dog Queen, querida... Diz ao Carneirinho para parar de ser geniosa e abrir logo os olhos!

— Meu menininho... Meu amor... – Ela murmura lutando com as lágrimas. Mami leva uma mão trêmula à minha face, limpando algumas lágrimas que minhas risadas certamente provocaram.

— Mami... Fala com ele, quem sabe ele ouve você. Quem sabe... Ele... Ouve... – Por algum motivo minha voz se transformou num fio fraco de som quase inaudível. Tem algo indistinguível crescendo por dentro de mim, avultando meu íntimo caminho acima pela minha garganta, querendo desesperadamente sair. Eu ainda não sei o que é... Mas definitivamente não são mais risadas.

— Félix... Meu filho, venha conosco, venha... – Mami tenta me afastar do caixão mas minhas mãos estão fixas em sua borda com tanta força que sinto o toque da madeira dura contra minha pele. – Vamos sentar...

— Não, Mami! O Carneirinho vai abrir os olhos... Olhem... Olhem todos, ele vai abrir agora, fiquem olhando... – Eu insisto, com minha voz entrecortada por soluços incontroláveis, sem deixar de olhar para ele. – Anda, Niko... Abre logo esses olhos, criatura... – A última palavra morre em meus lábios engolida pelo embargo que já tomou minha garganta completamente. Logo eu não consigo mais falar, e isso me desespera. Como o Carneirinho vai conseguir acordar se eu não puder chamá-lo, implorar que abra logo esses olhos verdes tão lindos? A saudade deles me consome cada vez mais. Alguém precisa fazer alguma coisa a respeito. E ninguém nessa igreja além de mim parece estar em condições de despertá-lo, todos à minha volta só sabem chorar pateticamente, em uma cascata crescente de lágrimas sem fim.

O ímpeto de me inclinar sobre ele e sacudi-lo para que acorde é tremendo, mas sou traído pelo meu corpo. Os primeiros a se renderem são meus joelhos que sem mais forças, tocam o chão num baque surdo. Sinto o toque de várias mãos, entre sons de choro consternado que consegue chegar aos meus ouvidos vindos de muito longe. Dessa vez estou ciente de minhas próprias lágrimas que sinto escorrer ininterruptas pelo meu rosto e pescoço abaixo. Lágrimas de impotência, de impensável fracasso. Não fui capaz de acordá-lo, de fazer com que esses olhos se abram para mostrar mais uma vez o brilho travesso nas íris de jade. Deixar aquelas pálpebras fechadas parece um pecado mais terrível do que qualquer um que eu já tenha pensado em cometer nesta ou em vidas passadas.

Sinto que tentam me levantar do chão, mas meu corpo parece pesado demais pela dor esmagadora, da qual tomo plena consciência agora. Ajoelhado ao pé do caixão, com uma multidão de gente à minha volta murmurando sons de consternação e compaixão, nada posso fazer a não ser deixar que essa dor me abrace com amplas asas negras e frias. Eu me deixo apenas ficar, prostrado, minha cabeça pendendo para baixo, como um condenado que finalmente aceitou seu merecido castigo.

A minha vida inteira sempre fiz piadas com os outros, mas agora a piada sou eu. A bicha burra sou eu, de ter realmente acreditado que merecia ser feliz com ele. Que merecia alguém como ele. Era tão óbvio que o tirariam de mim. Eu nunca acreditei em contos de fadas, no entanto fui distraído pela idéia de viver um, o suficiente para não perceber o destino sorrateiro se aproximando, inexorável, cruel e certeiro.

Fecho os olhos com força. A face dele, dolorosamente encravada em minha memória, me vem imediatamente, e traz junto uma sequência de lembranças como em um filme de cinema. Esses momentos deslizam por trás de meus olhos sem misericórdia. O Carneirinho sorrindo para mim, o primeiro sorriso de todos... Infelizmente quando ainda estava com a maldita Lacraia, quando fomos apresentados em seu próprio restaurante. O primeiro sorriso pelo qual fui responsável com minhas piadas, na mesa daquele café. Nosso primeiro encontro, nosso início... Nossa amizade que depois de alguns desencontros, acabou por se transformar em uma ardente paixão, e depois no amor pelo qual sempre ansiei.

Tantas inesquecíveis primeiras vezes. O primeiro beijo, a primeira noite juntos... Niko sorrindo para mim e seus olhos brilhantes com a emoção do primeiro “Eu te amo”... Eu sinto em meus ombros um peso imensurável. O peso do nunca mais. Nunca mais seu sorriso. Nunca mais o encanto do verde dos seus olhos. Nunca mais seu corpo junto ao meu. Nunca mais seus braços ao meu redor.

Nunca mais poder dizer o que nunca consegui... Que eu também te amo.

Não.

Essa única palavra fecha minha garganta poderosamente quando a noção de que nunca poderei retribuir sua declaração me atinge como um tapa violento na face. Descubro ser quase impossível respirar. Minha voz me abandona, tudo que consigo fazer é mexer meus lábios debilmente mas nenhum som sai por eles. Talvez a dor tenha me feito desaprender a falar, mas sei que se pudesse, gritaria seu nome vezes sem parar, diretamente para o vazio que ele deixou, para o espaço negro que se abriu dentro de mim sem a luz daqueles olhos para iluminá-lo.

Nunca mais a sua luz, Carneirinho, para espantar toda e qualquer sombra.

Esse é meu último pensamento antes que a benvinda inconsciência me abrace, adormecendo o que ainda resta de sanidade em mim, e eu evoco um último desejo impossível. Que de alguma forma possa encontrá-lo de novo no escuro onde estou sendo lançado. Sinto o chão se abrir abaixo de mim e me abandono na queda sem mais reservas. Logo, não sinto nem ouço mais nada. Sou completamente engolido por uma espiral sem fim de escuridão.

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