Thorn lentamente abriu os olhos, saindo de um sonho confuso e violento no qual o destruidor-de-ovos-da-mente-torta o obrigava a devorar uma mulher que usava armadura. Quando chegara mais perto, vira que a mulher era Nasuada. Thorn suspeitou que os pensamentos de Murtagh haviam interferido no sonho. Bom dia- disse ele, mais para anunciar que estava acordado do que para dizer que o dia estava bom.

Recebeu uma resposta resmungada de Murtagh, que estava tremendo de frio meditando na pedra. Agora ele meditava antes de tomar decisões difíceis. E essa com certeza era uma decisão difícil. Thorn percebeu que estava nevando ao levantar de sua “cama” no alto da torre. Ele não se surpreendeu. Ali nevava a maior parte do ano.

Thorn saiu para caçar, apesar de não ter esperança de conseguir nada durante a nevasca. Mas voar todos aqueles quilômetros pelas planícies cobertas de neve de alguma forma o acalmava. E ele precisaria de uma extrema calma naquele dia. Murtagh passaria o dia inteiro tentando resolver o dilema de para onde iriam se mudar, e Thorn obviamente estava tentando ajudar. Para as beor, nunca. Thorn não precisava listar a grande quantidade de motivos.

O fato de que os rebanhos de feldûnost dos anões iriam começar a rarear. O fato de que todo e qualquer anão que os avistasse, tentaria imediatamente cravar-lhes uma espada, em retaliação à morte de Hrothgar. O fato de que, se matassem esse anão, isso só os faria mais perseguidos. O fato... Não. As Beor, não. O passo seguinte seria o deserto de Haadrac. Esse, Thorn descartou depois de constatar que se fossem morar nas du fells nigaroth, no deserto, a maior parte dos viajantes saberiam onde eles estariam. Logo, seriam caçados ali também. Depois disso, havia Ûru baean. Não, Ilírea, corrigiu-se Thorn. Ele não entendia o gosto dos duas pernas por mudar nomes. Galbatorix mudou o nome da cidade, Thorn pensou era melhor como Ilírea.

Thorn não podia imaginar-se em Iírea novamente. Tinha lembranças demais na cidade. Era extremamente perigosa para eles. Haveriam centenas de feiticeiros, e muitos deles saberiam que agora Murtagh não era mais tão poderoso quanto antes. Mesmo assim, Murtagh ainda gostaria de visitar Nasuada, pelo que Thorn sabia, mas seria arriscado demais.

Sobravam os elfos. Du Wendevarden era o lugar perfeito para esconder um dragão e um cavaleiro, e Oromis e Gleadr eram a prova disso. Eram. Thorn sentiu-se novamente sobre Gil-ead, sobre o feroz exército de elfos. O dragão dourado rugia, tentando pontapeá-lo no peito. As garras dele entravam na sua carne. Thorn ouvia o clangor das espadas, e sentia a tremenda força da mente-deformada-e-afiada de Galbatorix controlando Murtagh. Um gemido. Thorn sentiu que Murtagh se recolhia em sua mente, cansado de tentar retomar o controle do corpo e lutar contra a onda de controle do rei.

E a espada feriu Oromis. Gleadr lançou Thorn para longe com uma rajada de magia. Galbatorix apossou-se de sua mente e o fez dar um mergulho. Mas Thorn era forte. Ele repeliu o rei e ergueu as barreiras em torno da sua mente, embora soubesse que ele poderia força-lo a mergulhar se quisesse. Por alguns momentos, gleadr ficou parado no ar. Então subiu, rugindo, na sua direção. Primeiro Thorn achou que Oromis estava curado, mas a ilusão durou pouco.

Quando soube que Oromis morrera, Galbatorix apoderou-se da sua mente com uma estocada rápida e dolorosa, e Thorn assistiu seu próprio corpo rodopiar no ar para morder o pescoço de gleadr.

Ele sentiu suas patas dianteiras e traseiras, torcendo o pescoço do outro dragão.

Não. Os elfos estariam dispostos a perdoá-los, mas nunca o fariam de fato. Eles seriam tratados como inferiores. Nem os elfos são capazes de nos perdoar pelo que fizemos, pensou Thorn.

Só restava a nova terra de Eragon. Mas lá também haveriam elfos, e depois todas as outras raças. E Eragon seria difícil de enfrentar para Murtagh. Thorn, de certa forma, se sentia agradecido pelas pessoas não pensarem muito nele como inteligente, já que assim era menos discriminado que Murtagh.

Mas ninguém, além de Eragon e Nasuada, iria querer eles em qualquer lugar. A raça mais inclinada a perdoá-los eram os humanos, mas antes ainda tentariam mata-los com todos os meios possíveis. Hunf. Os seres humanos, de vez em quando, eram tão teimosos quanto os urgals. Thorn desceu por uma corrente de ar muito frio, e bateu as asas para subir novamente. Planou depois algumas centenas de metros em direção à Du wendelvarden. A cerca de seis ou sete quilómetros, ficava o fim da floresta élfica, a ali haveria alguma caça. Thorn não ia à floresta a não ser que nevasse, já que apesar de nenhum elfo morar tão ao norte, nunca se sabe.

Andava tão sorrateiramente quanto possível por entre os pinheiros, e sentia os flocos (e montes) de neve caírem sobre suas asas recolhidas cada vez que roçava em um galho. Apesar de sua cor vermelha, ele conseguiu um veado nas primeiras horas e voou de volta para a torre. Ele estava acumulando energia para a viagem a seguir, para que não precisasse caçar frequentemente. Mesmo que eles não soubessem para onde ir. Thorn notou um pequeno movimento com o canto do olho, abaixo de sua asa esquerda. Ele virou-se, curioso, e focalizou o lugar de onde viera o movimento. Uma onda de adrenalina passou por ele, apesar de ele não saber porquê. Um duas-pernas caminhava despreocupadamente em direção à torre. Despreocupadamente demais. Thorn voou a toda velocidade pela nevasca. Temos que partir agora!!! Gritou para a escuridão. Thorn não sabia de onde o medo vinha, mas era terrível. Ele nunca havia voado tão rápido quanto voava agora. A neve derretia-se ao passar por seu bafo quente, e escorria pelas suas escamas abaixo, ensopando-o. não que ele tivesse algum problema com isso, já que por mais frio que estivesse, Thorn não o sentia, quente pelo fogo do desespero. Ele tentou raciocinar, pensando que um duas-pernas solitário não era tão preocupante assim, mesmo que o tivesse visto, o que Thorn não tinha certeza. Mas seus instintos tomavam o controle gritando fuja enquanto é tempo!

Quando chegou à torre, Murtagh já estava subindo os degraus.

–tomei uma decisão- disse ele, enquanto amarrava as tiras da sela rapidamente em Thorn.

Ele carregava Zar’roc e já enchera seus alforjes com mantimentos e colocara seus compêndios neles, vestira a cota de malha por baixo das roupas e guardara a armadora no alforje maior atrás da sela. Murtagh sentou-se sobre a sela, e recostou-se antes de falar. Thorn podia sentir ( e compartilhar) a dúvida na sua mente. Talvez ele não tenha me visto falou ele.

Então as portas da torre explodiram. Thorn levantou voo, e virou-se para a portinhola que dava para o alto da torre, de onde Murtagh havia saído há pouco. Mais tarde arrependeu-se de tê-lo feito. As paredes da torre tremeram levemente quando Thorn bateu as asas. Então o alçapão voou pelos ares em direção ao céu, e dela saiu um espectro.

–eu sou Shaag –ele disse- e vocês vão morrer!

–vamos! Disse Murtagh, tarde demais.

Para onde? Perguntou Thorn

Para o lugar onde Eragon foi.

Quando Thorn distanciou-se da torre, ouviu o espectro saltar. Mas nada poderia prepara-lo para o que viria a seguir. Quando a dor chegou, Thorn rugiu para a escuridão, tentando se manter no ar.