Himitsu

Incendiario


Tudo estava embaçado, minha visão não ajudava em nada e a fumaça atrapalhava as coisas ainda mais. Espremia meus olhos para tentar ver algo, o calor tomava todo lugar e eu suava como jamais suei em minha vida. Pude avistar então, algo parecido com labaredas entre a fumaça, e aos poucos que minha visão foi voltando ao normal, comecei a entender o que se passava. Estava na escola, e ela estava em chamas. Eu, completamente ensopado de gasolina no meio daquele fogo, poderia morrer queimado a qualquer momento. Uma possa de sangue ao meu redor impedindo que o fogo se aproximasse o suficiente para que eu me tornasse uma tocha humana.

-Socorro! – Comecei a gritar desesperado.

Vi pelas janelas estilhaçadas que já era noite, então me desesperei mais ainda. À noite ninguém ficava na escola, então ninguém viria me salvar... Se não há ninguém na escola, de onde vinha todo aquele sangue? Seria meu?

“Todos vocês vão queimar”, surgiu em minha mente.

-Aquela voz...

-Maldito! –gritou alguém que se aproximava.

Vinha entre as chamas, mancando, aparentava estar com a perna ferida. Talvez fosse uma mulher, não tinha certeza, por causa da fumaça.

Ao menos soube de onde o sangue deve ter vindo...

-Você está bem? -Perguntei

-Esta brincando comigo, é? Fez isso em mim e agora voltou para me matar? Isso é um joguinho pra você?

-Eu não entendo, do que está falando?!

-O que há de errado com você? Não viu que está preso comigo? Incendiou tudo, e eu ainda estou aqui, e melhor, você também...

-Quem é você?!

-Estava enganada, você é pior do que seu primo, é sínico... E além de tudo, é um monstro!

-Sim, eu sou! – Saiu de minha boca junto a um sorriso de forma involuntária.

A mulher levantou sua cabeça e me olhou nos olhos com espanto, em seguida um pedaço do teto caiu nos separando com fogo.

-Você anda está ai?

A mulher não respondeu, presumi que estivesse em baixo dos escombros em chama.

-O que eu faço? O que eu faço?!

Minha visão tornou a embaçar, senti meu corpo gelado enquanto o fogo me tomava, sei que é loucura, mas foi isso que senti. Meu coração acelerou e comecei a escutar um apito ensurdecedor, me sentia mal de uma maneira indescritível, minha cabeça doía, meu corpo tremia, eu me debatia, rolava, gritava e minha voz não vinha.

-Porque você não voltou pra casa antes do pôr-do-sol, como eu disse? – Falou uma voz conhecida.

-Andy? Você quem veio me buscar?

-O que você tá dizendo? Eu já não te disse que não me chamo Andy?

Pude então abrir meus olhos.

-Onde estou?

-Em casa!

Realmente estava em casa, deitado em minha cama com Melissa sentada ao meu lado, sua voz era tão parecida com a de Andy quanto seu rosto.

-Acho que tive um pesadelo...

Sentei-me e olhei fixamente par o closet novamente, só não entendia o porquê, já que a garota estava ao meu lado.

-Eu te avisei para voltar antes do pôr-do-sol!

-Eu não voltei?

-Você não se lembra?!

Olhei para Melissa com uma feição interrogativa.

-Pensando bem... Eu me lembro de estar voltando para casa com o Leon a pé, mas não lembro o porquê, acho que por isso não cheguei antes do pôr-do-sol, mas o que isso importa?

-Você se lembra de ter chegado em casa?

-Bom... É...

-Isso não deveria ter acontecido! – Levantou-se da cama.

-Charlie! – Chamou alguém fora do quarto.

-Estou acordado!

A porta se abriu e Leon apareceu, seus olhos azuis que sempre ficavam caídos de uma forma desanimada e fechada estavam muito abertos, e ele completamente espantado.

-Eu posso explicar!

-Não, Derek! Ele não está me vendo.

-Você tende explicar mesmo! Você demorou pra chegar e nós perdemos a piruá, e depois você sumiu no meio do caminho de volta. Onde você se meteu? Eu tive que te encobrir com meus pais.

-Eu fiz isso?

-O que? Sim, você fez! E eu não te vi chegar, até que horas você esteve fora?

-Eu não me lembro...

-Olhe aqui: eu falei que ia ser seu amigo, seu primeiro e seu melhor, e melhores amigos, contam os segredos um para o outro!

-É a verdade Leon, eu não me lembro de nada disso.

-Você estava no incêndio?

-Que incêndio?

-Você não sabe? Bem, a escola pegou fogo, e a professora Christina estava lá dentro, e... Parece que ela foi a única vitima.

-Então era ela?

-Derek, você estava lá?

-Parece que sim, mas eu achei que fosse um pesadelo.

-Você estava lá, Charlie? Foi você quem fez aquilo? Eu sei que você estava com raiva dela, mas...

-Não! Quer dizer... Eu não me lembro bem, mas sei nunca faria isso! Me lembro de fogo e uma mulher ferida, mas não de como cheguei lá,também não lembro de ter saído.... Só sei que eu acordei aqui, pensei que tinha sido um pesadelo!

-Melhor falarmos com a mamãe!

-Derek, fale pra ele sobre mim.

-O que?! Por quê?

-Ela pode resolver melhor essa historia!

-Ele não pode falar disso para sua tia, e esse é o único jeito.

-Único jeito de ele achar que eu estou louco.

-Não, a mamãe não é desse jeito.

-Confie em mim, Derek.

-Mas e daí se ele contar pra ela?

-E dai o que?

-Lembra de eu ter dito sobre o pôr-do-sol? Quando o sol se põe eu não posso mais te proteger, pois eu tenho que voltar para o closet, e então os outros podem te atacar, e alguns deles já sabem que você pode ver.

-Ver o que? De que você está falando?

-Eu que te pergunto: o que você está falando?

Pobre Leon, não estava entendendo nada.

-Você consegue comigo, então você consegue ver e ouvir eles também.

-Quem são eles?

-Eles?

-Leon, fique quieto!

-Você não está falando comigo?

-Os pedaços de alma, assim como eu.

- “Os pedaços de alma”?

-Sim, quando as pessoas morrem e elas deixam algo na vida para traz, um pedaço dela em qualquer idade, ou em algo que fosse importante para ela na época do ocorrido, fica preso no mundo dos vivos, para poder cumprir uma missão e a pessoa conseguir “descansar em paz” por completo.

-Eu não acredito nessas coisas...

-Então o que você acha que eu sou?

-Fruto da minha imaginação?

-Eu já posso falar?

-Toque a mão de Leon.

-Para que?

-Pra você não falar sozinho...

-Apenas faça!

Peguei minha mão e coloquei em cima da de Leon que estava sentado ao nosso lado, imediatamente caiu para traz mais apavorado do que quando chegou.

-Andy?!

-Ele pode te ver?

-Só enquanto você estiver aqui...

-O que esta acontecendo aqui?

-Essa é a Melissa,

-Melissa? Ela é idêntica a Andy!

-Você é um pedaço da alma da Andy?

-Alma?

-Não, eu sou de uma antiga dona daqui, ela se chamava Melissa, assim como eu...

-Essa casa sempre pertenceu a nossa família... Então você é nossa parente!

-Eu não estou entendendo nada.

-Eu já estou vendo ela há três dias, e ainda não consegui entender também!

-Será que estou sonhando?

-Eu também pensei isso da primeira vez que vi a Melissa...

-Agora que estamos sem com que se preocupar- Melissa abriu o closet que ficava logo ao lado, uma penteadeira de distancia - você tem que vir comigo.

-Ir com você?

Ouvi o rangido da porta, olhei-a e não tinha ninguém lá.

-Leon, você pode... – Olhei para todos os lados a procurar Leon – Onde ele foi?

-Acho que devemos ir atrás dele...

-Por quê? Você acha que ele vai contar pra tia Addy?!

-Não, acho que se o seguir vai descobrir sobre o incêndio...

-O que? Você acha que o Leon tem algo a ver com...?

Fui interrompido por um estrondo vindo do quarto ao lado, um som estranho, algo como um rugido feito por uma voz humana, não de um animal, uma voz rouca para ser exato, algo parecido com um som que ouvi em um filme outro dia... Corri para ver o que era. O quarto que originava o som era o de Leon, a porta estava trancada. O som parecia diminuir conforme empurrava a porta tentando “arrombá-la” até que sumiu quase completamente, parei para ouvir, parecia ter se tornado um sussurro.

-Leon, você esta ai?

“Porque não perguntei antes de forçar?” – Pensei eu – “Além disso, se ele tivesse já teria aberto, ou talvez não, por medo.”

O sussurro era rouco como o rugido, mas dessa vez dizia coisas, não conseguia entender muito bem, parecia repetir “Abra”...

-Charlie? – falou Leon com a porta entreaberta.

Novamente tomado pelo impulso empurrei a porta ao invés de conversar com Leon, não sei se foi para o bem, ou para o mal, se não tivesse aberto não teria visto aquela besta, mas se não tivesse também teria feito aquilo.

Seus olhos amarelados, seu corpo coberto por pelos, seus enormes dentes pontudos e seu tamanho monumental, era algo realmente parecido com um ser de filmes, um monstro, uma besta.

-Leon! O que é isso?!

Pensei ser talvez mais um “pedaço de alma” assim como a Melissa disse ser, e como ela disse eu poder ver. Antes de concluir meus pensamentos ele tentou me acertar com suas grandes garras, rolei para perto da cama numa maneira desesperada de me defender.

-Como eu imaginei: um Gremori... – Disse Melissa ao aparecer na porta.

-Você sabe o que é isso?!

Tentou acertar-me novamente.

-Sim, é um pedaço de alma. Quando a pessoa tem muita raiva de alguém antes da morte eles nascem, isso normalmente acontece com...

-Eu não quero saber! –Gritei rolando para baixo da cama, ao me defender de outro golpe.

-Então porque perguntou?

-Eu quero saber como pará-lo!

-Você deve perfurar ele com um Florete.

- E você já me viu lutando Esgrima?

O ser olhava para todos os lados a procurar-me, como se não soubesse que estava em baixo da cama.

-O que ele está fazendo?

-Ele é feroz, mas abobalhado.

Leon olhava fixamente para mim com uma cara de ódio.

-Por acaso eu tenho um florete. – disse Melissa o trazendo até mim – Ele não pode me ver, pois está alojado em um objeto...

-Objeto?

O tal Gremori já havia me encontrado, jogou a cama contra a parede quase acertando Leon e transpassando Melissa.

Senti que podia fazer qualquer coisa, que o poder estava em minhas mãos, como se aquele florete fosse a arma mais poderosa do universo e ninguém pudesse me deter enquanto estivesse com ele em minhas mãos. Levantei-me e olhei diretamente para os olhos daquela criatura que tinha intenção de me matar sem motivo algum, segurei a arma frente ao meu peito e corri em sua direção. Apesar da distancia não ser grande e eu estar correndo, Leon fez algo que eu nunca imaginei que faria: se colocou em frente ao gremori com a intenção de defendê-lo. Como disse antes: o espaço era pequeno e não tive tempo de parar, assim penetrando seu estomago com o florete.

Não via mais nada, apenas o sangue que jorrava, e o sorriso inexplicável estampado em seu rosto.

Pude ouvir a porta abrir enquanto aquele ser me lançava contra a parede assim como havia feito com a cama, pude ouvir gritos desesperado, e a voz de tia Addy me perguntando: o que eu havia feito?