O terceiro maior shopping de LL era uma combinação de cinza, branco, azul-bebé e amarelo. A entrada era guardada por seguranças com óculos escuros e pistolas nas mãos.

Lojas variadas coloriam o lugar. Cartazes de desconto espalhavam-se nas fachadas das lojas. Pessoas entravam e saiam com carrinhos de compras, sacolas nas mãos e várias outras coisas.

Andamos em meio as pessoas. Eu vi uma loja de chocolates. Vi o reflexo de uma pessoa com um chocolate levitando até ela.

Afastei o pensamento.

Andamos e andamos até que chegamos a um supermercado. Tinha um cheiro de sacola nova, o que eu sempre gostava. Dezenas de carrinhos estavam guardados uns atrás dos outros. Pessoas andavam com crianças e carrinhos cheios. Uma mulher no alto falante falou sobre uma promoção de comestíveis.
Passando pelos corredores, fiquei olhando todos os produtos e senti um ímpeto de comprá-los. Haviam lápis, blocos, cadernos e placas de promoção. A criatividade explodiu na minha mente. Milhares de possibilidades surgindo.
Eu ia fazer a historia de alguém com poder de controlar a água, que ia salvar o mundo.

Pisquei.

Isso não tinha sentido. Lembrei-me do que minha mãe falara.
Será que eu podia MESMO controlar coisas? Será que existia MESMO essa coisa de super-heróis e tal?

Afastei o pensamento. Isso começava a tomar conta de metade do que eu raciocinava. Olhava para os detalhes das coisas, desejando que eu PUDESSE movê-las apenas com um movimento da mão.

– Marcela, no que está pensando?
A pergunta da minha mãe saiu mais como "que história é essa de mover coisas com o pensamento?".

– Naquilo que você me disse hoje...

– Querida, afaste esse pensamento.

– Não dá. Não consigo ir para lugar nenhum sem pensar nisso. - falei, sem expressão.

– Mas você TEM. Por favor, filha, tente ocupar-se mais com outras coisas. Tente pensar em... Sei lá, a escola?

– É, talvez... - falei como se não prestasse atenção - Mas como foi que Luzia convenceu a senhora?

– Isso eu falo quando você chegar do primeiro dia. Aí, se você ainda não souber, eu te falo tudo. Combinado?

– Sim.

Bem eu sou do tipo de pessoa que combina uma coisa e quando uma fagulha de pensamento aparece, eu ponho fogo em tudo. E logo este vem a minha cabeça.

– Olha, chegamos no restaurante. - a voz de mamãe pareceu aliviada por finalmente mudar de assunto.

Após comprarmos a pizza, sem mais e nem menos, voltamos para casa.
Jantei e fui dormir.

Tive um sonho um tanto quanto maluco que eu não esqueci quando acordei.

Eu andava pelas ruas da Parte Dois. Usava um uniforme escolar, cuja camisa era branca e as calças lilás-escuro. O corpo do mascote da escola, uma pomba, estava com as asas abertas e um olhar de determinação. O nome "Peace" estava em pé no corpo da pomba e "Wings" estava dentro das asas. A parte direita da asa - que também tinha Wings - estava mais para uma sombra.

O sol estava levemente escondido detrás de algumas nuvens, o que dava uma sombra agradável. Não havia ninguém nas ruas, a não ser eu. Barulho de tiros e gritos ecoavam e pareciam vir da Parte Um. Após uma explosão os gritos pararam.
Na minha visão no sonho, olhei para baixo e tateei minhas costas. Apesar de estar vestida para a escola, eu não tinha nada nas costas. Só uma lata de energético nas mãos.

Continuei andando por alguns segundos, até que, debaixo da sombra do galho de uma árvore, havia uma poça de água limpa em uma curva mal feita de concreto. Limpa o suficiente para a refletir minha imagem, agachei-me ao seu lado.

Ali eu me vi, uma garota em seus recentes quatorze anos de idade, cabelos pretos que caiam até a barriga; olhar de "meu Deus, esse cara vai me matar!" e íris preto. Olhando para minhas feições delicadas e grossas, vi o medo em meu olhar. Eu não estava andando a caminho da escola, mas sim a caminho de algo maior - chegando a ser realmente mortal.

Avaliei-me. Percebi que eu era aquele tipo de garota que não gosta de ver alguém triste. Sempre disposta a animar alguém. A curiosidade planava em mim, o que podia ser ruim. Eu ODIAVA não saber das coisas.

Eu provavelmente ficaria ali, pensando em mim para sempre, mas a água se agitou. Olhei para uma folha amarela que caíra no meio da poça.
Olhei para água, então ela começou a se agitar mais intensamente. Parecia estar tendo um ataque. Então algo inexplicável aconteceu.

A água ergueu-se em um cilindro irregular e fino. Começou a erguer-se mais e mais. Eu no sonho não pareci impressionada, apenas agi como se isso fosse um fardo a carregar.
Só percebi minha mão erguida quando a abaixei, a água seguiu-a.
E novamente uma poça de água limpa jazia imóvel.

Levantei-me e continuei andando. Olhei para minha própria mão. Notei que estava maior do que costumava ser. Vi meus cabelos pretos que pareciam mais velhos e também notei que estava mais alta.

Quando eu percebi que estava com uma idade maior que quatorze anos, era tarde. Acordei com minha mãe me agitando.

– Marcela, você não quer um resto de pizza que restou do jantar?

– Sim.

Quando ela saiu, levantei-me. Estava com minha roupa leve folgada. Após um banho, olhei para o espelho. Eu estava toda molhada, o que era um tanto óbvio. Respirei fundo.
Enquanto escovava os dentes, pensei em meu sonho. A cidade em guerra... A água flutuando até mim... A folha que agitara a água e o modo como eu olhava.

Seria aquela alguma premonição? Estaria eu prevendo o que aconteceria em LL?

[alguns minutos depois]

Fui até a cozinha. Nossa mesa no canto da cozinha era grande o suficiente para dar caber quatro pessoas. No entanto isso deixava a cozinha um pouco apertada.

Olhei para o fogão, cujo forno estava ligado e o cheiro de queijo pairava no ar. Mamãe lavava os dois pratos que restaram da noite anterior. Usava um avental que dizia "não beije a cozinheira!", sujo pela idade. Os cabelos pretos e levemente encaracolados estavam presos com um pano vermelho em um coque.
Quando ela me viu falou.

– Bom dia.

– Bom dia para você também. - respondi.

– Como vai?

– Não sei...

– Como NÃO vai?

– Triste, angustiada, feliz, raivosa, calma, doente, com dor, chateada, sozinha, deprim...

– Ok, você realmente NÃO SABE como está.

Dei uma risada.

– Você sempre sabe como arrancar informações, né?

Ela olhou para as louças, tristemente.

– Na verdade objetos não pensam.

Olhei para ela. "Objetos não pensam"; ela falou como se andasse tentando ler seus pensamentos, o que achei LOKO.

– Mãe, a senhora tem andado muito estranha!

– Tenho?

– Sim.

– Como?

Comecei a pensar. Ela só não me falou mais nada desde ontem. Não me lembrava de ter falado isso, mas ela respondeu, mais alegremente:

– Bem, tenho motivos.

– Sim, eu sei.

– Como você sabe?

– Foi só uma expressão.

– Sim, sim, sabichona, agora desliga o forno se não a pizza vai se chamar pizza de quatro queimados.

– Ha, ha!

Aproximei-me do fogo e desliguei-o. Quando o abri, vi a metade de uma pizza com o queijo delicadamente derretido sobre uma massa de trigo. As bordas aparentemente crocantes e o cheiro hipnotizante.

Eu ia enfiar as mãos lá dentro e sem proteção, mas minha mãe chegou antes. Com duas luvas próprias para o caso, ela pegou a bandeja de ferro e pôs encima da mesa de madeira.

Repartiu e comemos em silêncio.
Enquanto comia, prestava atenção na parede e olhei para o relógio. Eram 10h22 daquela manhã de segunda-feira. Não haviam pássaros cantando, o que achei refrescante. Alguns me davam dor de cabeça, mas outros eu gostava.

– Mãe, vou na casa de Fernanda.

– Ok, mas se Luzia não estiver venha de volta.

Ela sempre falava isso, o que sempre fazia com que Fernanda visse. É claro que haviam exceções, mas acontecia na maioria das vezes. Fernanda gostava de ficar em casa. Conversávamos, brincávamos, saíamos... Bem, nós fazíamos várias coisas empolgantes, bem loucas.
Eu tinha planos de pedir dinheiro para mamãe para que fôssemos na Burger Kings, a lanchonete que fazia maior sucesso em LL. Mesmo assim quase nunca estava lotada. Sempre tinha sobrando duas ou três mesas, do total de quase vinte.

Quando terminei de comer saí de casa.
O sol não estava muito quente, só o suficiente para me deixar com calor em alguns minutos de caminhada.

Isso SE eu caminhasse muito, pois casa de Fernanda ficava a três casas da minha. Era uma pequena casa de um andar, com a fachada pintada de verde-petróleo claro e uma janela perto da porta de madeira.

Aproximei-me e bati. Fernanda atendeu a porta e cumprimentou-me jovialmente com um abraço.

– Posso entrar?

– Claro, venha.

Entrei na sala. Encostados na parede da parede direita, haviam dois sofás pretos e amassados. No outro lado havia uma televisão sintonizada em um canal que passava MAD. Um tapete quadrado cobria uma parte do chão.

Segurando a televisão, havia uma estante marrom cheia de coisas - pratos, fotos, quadros, uma pequena pilha de moedas e um controle remoto.

Nada "muito demais" e nada "muito de menos".

Sentei-me no sofá. Era um pouco confortável, mas eu não fora ali para isso.

– Fernanda, onde podemos conversar às sós?

– Agora, nem de tarde aqui em casa não dá - demorei um pouco para entender isso -. Só se a gente sair.

– Acho que não vou aguentar muito... PRECISO conversar com você.

– Hum... Ok... Mas... O que houve...?

– Não posso falar aqui. - sussurrei.
Eu sabia que não haviam motivos para tanta discrição, mas eu só queria garantir minhas suspeitas.

– Então tá, FBI, se não quer me falar agora, avise a sua mãe que vamos sair às 16h00 e voltaremos às 18h00.

– Mas e sua mãe?

– Já falei com ela.

– Ela tá aí?!

– Sim. Está fazendo o almoço. Eu jantei galinha assada.

– Eu pizza.

– É, né! Você...

Luzia apareceu na sala vestida com uma camiseta vermelha e um short que caia até a altura um pouco acima do joelho. Ela estava bonita mesmo. Linda. Os cabelos pretos estavam amarrados em um rabo de cavalo e a sandália vermelha estava destacada de uma maneira fofa.

– Mãe, a senhora vai para a balada?!

– Não, querida - deixou vacilar um sorriso - Tenho que... Ai, quando chegar eu te conto, porque está muito tarde.

– Ok... - Fernanda pareceu triste.

Luzia olhou carinhosamente para Fernanda.

– Awn... Não fica triste!

Fernanda olhou para baixo. Pelo que eu a conhecia, ela estava com vergonha por querer chorar e estava triste pela mãe estar saindo.

– Olha, pega - Luzia tirou da pequena bolsa que levava um bombom de chocolate caseiro. Era bem grande e o gosto era esplêndido.

Isso pareceu funcionar. Fernanda ergueu a cabeça e pegou-o.

– Quer também, Marcelinha?

– Na verdade sim.

Ela me deu um.

– Ok, agora tenho que ir. Adeus para vocês duas.

– Tchau, mãe. - disse Fernanda. Eu fiz o sinal com a mão.

Ela fechou a porta.

Fernanda virou-me para ela e perguntou.

– O que você queria falar comigo mesmo?

– Você teve uma conversa com sua mãe quando chegaram em casa?

– Sim. - disse ela, indiferentemente.

– Você...

– Eu não falei nada sobre o jardim! - ela falou de repente.

– Não é sobre isso. Sobre O QUE vocês conversaram?

– Ela falou-me de alguma coisa sobre virar ou controlar coisas.

Bem minhas suspeitas confirmaram. Luzia e mamãe sabiam de alguma coisa. Isso nos envolvia - Fernanda e a mim -, mas elas não queriam falar.

Aquilo estava começando a tomar conta de meus pensamentos, mas percebi que olhava para o chão.

– Eu sei que o tapete é lindo, mas não precisa de tanta atenção! - disse Fernanda.

– Não é isso. Minha mãe conversou sobre isso comigo também.

– Sério? Nossa! Elas sabem de alguma coisa.

– Sim... Tem algo a ver com uma guerra, telecinese e mortes.

– Ual, ela não falou isso para mim!

– Eu sei... Nem para mim; mas eu sonhei e tive uma visão.

Contei a ela sobre o que vi quando estava no ônibus. Aquele exército marchando para fora da cidade. E também sobre meu sonho. A água voando em minha direção, a folha seca, meu olhar de medo e a guerra.

Só percebi então que eu estava assustada quanto a isso. Eu não queria fazer parte de uma guerra.

– Bem... Isso é loucura.

– Sim... Sei que não saberemos de nada interrogando elas, por isso...

Minha mãe apareceu na janela.

– Luzia pediu-me para levar vocês para casa, fofinhas.