John havia mudado. Isso ERA fato. Mas você não imagina como... Na última vez em que viram John, ele era magricelo com o cabelo levemente loiro. Andava desajeitado, com medo de Gary, mas, claro, os anos se passaram e John estava mais alto e musculoso. Tinha bíceps nos braços e pernas. O olhar era confiante e determinado. Estava andando firme e forte, como se pudesse enfrentar o líder dos Vilões. Eu ainda não o vira andando, mas devia servir. Seu cabelo, na ocasião, estava grande o suficiente para ser cortado, mas acredito que ele não faria aquilo por um tempo. Estava preto, sendo que antes era levemente loiro. Eu não observara essas mudanças nele ao longo do tempo, mas só então percebi o quanto ele estava diferente. - An... Sim. Achou que ia deixar VOCÊ na mão? - falei, tentando parecer normal. Esperei ele falar alguma coisa, até notar que estava em pé. Aproximei-me da mesa e sentei-me na cadeira. Agradeci aos céus por Joh

John havia mudado. Isso ERA fato. Mas você não imagina como... Na última vez em que viram John, ele era magricelo com o cabelo levemente loiro. Andava desajeitado, com medo de Gary, mas, claro, os anos se passaram e John estava mais alto e musculoso. Tinha bíceps nos braços e pernas. O olhar era confiante e determinado. Estava andando firme e forte, como se pudesse enfrentar o líder dos Vilões. Eu ainda não o vira andando, mas devia servir. Seu cabelo, na ocasião, estava grande o suficiente para ser cortado, mas acredito que ele não faria aquilo por um tempo. Estava preto, sendo que antes era levemente loiro. Eu não observara essas mudanças nele ao longo do tempo, mas só então percebi o quanto ele estava diferente.

— An... Sim. Achou que ia deixar VOCÊ na mão? - falei, tentando parecer normal.

Esperei ele falar alguma coisa, até notar que estava em pé. Aproximei-me da mesa e sentei-me na cadeira. Agradeci aos céus por John ter escolhido um dos bancos de couro, confortáveis.

Assim que sentei-me, ele levantou a mão, olhando para detrás de mim. Acenou para um dos atendentes, que entrou na cozinha do lugar. John virou-se para mim. Olhando para ele, percebi que ele estava nervoso.

— Bem... - disse ele - Marcela... Marcela, Marcela, Marcela!

— Por que repetiu meu nome? - perguntei, segurando uma risada nervosa.

— Porque... Bem, não sei. Gosto de repetir nomes bonitos.

Corei. Só então percebi a cantada.

— Hum, por que não repete o nome "comida"? - falei, rindo.

Ele pareceu ligeiramente ofendido, mas logo riu.

— Bem, porque "comida" pode sim ser uma das melhores coisas do mundo, mas não fala, não me conta piadas hilárias e não vem em encontros.

Racionei por uns segundos se devia entender isso como outra cantada, ou uma coisa feita para ofender.

— An, já pediu? - perguntei, ansiosa para mudar de assunto.

— Sim... Batatas. Você gosta?

— ADORO batatas.

Ele pareceu feliz, como se tivesse acertado a exata combinação de números em um sorteio bilionário.

— Sim, também gosto; mas sempre vou preferir macarrão.

— Você gosta de macarrão?!

— Sim. Mas eu prefiro quando é à manteiga.

— Ai, não acredito... - falei, notando nossa conversa estranha - Eu sou FASCINADA por macarrão à manteiga! Cara, como você...?

— Eu não sei... - ele pareceu brevemente confuso.

Olhei para ele, sorrindo de maneira amigável.

— Sim, o papo sobre macarrão e batatas...

Quando falei batatas, o atendente apareceu com uma bandeja de plástico vermelha, com dois sacos brancos, cheios de de batata-frita. Minha barriga roncou quando vi aquilo. Eu sabia que estava com fome, mas não ao ponto.

— Ah, as batatas! - disse John, pegando o saco da bandeja - Obrigado, cara.

— De nada - o homem foi embora, indiferente.

— Bem, continuando - não mexi nas batatas -, o que você queria falar comigo? Tenho um compromisso e não muito tempo.

Eu não tinha compromisso nenhum, eu só queria que ele pensasse que eu estava de mal com ele. Queria ver o que ele iria falar.

— Olha, Marcela, você, eu e Fernanda estivemos naquele treino durante três anos. Sempre você e eu conversamos e interagimos... - ele pareceu hesitar - Ok, Fernanda pode até não gostar de mim, mas...

— NÃO GOSTAR? - enfatizei, rindo.

— ... Desde que vi você, no primeiro dia de treino, me apaixonei pela sua beleza.

Corei mais ainda. Se me colocassem diante de um camarão para ver quem estava mais corado, você acharia o camarão pálido. Sentia-me tímida, o que me fez lançar um relance para a mesa. John estava me chamando de bonita, algo que eu considerava difícil. Sempre me achei a amiga ogra de Fernanda, porem John ali... Me chamando de bonita.

— Sim... Você sabe que a beleza não dura para sempre, né? - falei demonstrando alto interesse.

— Sei... Então me aproximei de você e assim que conheci... Vi que eu poderia ou não ter uma chance - ergui uma sobrancelha. Tive a impressão de que uma montanha de tensão caiu sobre os ombros dele.

— Poderia TER uma chance?! - meu sarcasmo teve poder de ataque 0.

— Isso depende. A questão é que, SOMOS amigos. Posso não ser tão amigo quanto Fernanda foi a vida toda para você, mas SOMOS. Isso não é negável.

Eu olhava para ele. Queria dizer-lhe que o sentimento era mútuo. Eu gostei dele como amigo por um tempo atrás, estava gostando dele, naquela ocasião, como algo mais que um amigo. Queria dizer-lhe tudo o que eu sentia, mas minha boca não falava nada. Eu não me mexia, fazendo minha expressão sarcástica fitar John.

— Então... - consegui balbuciar, tentando evitar gaguejar, o que poderia atrapalhar.

— Marcela. Conheci você quatro anos atrás. Conversei com você sempre que possível. Compartilhei muitos de meus sentimentos com você, mas nunca falei sobre meu sentimento mais íntimo.

Um nó formou-se em minha garganta. Eu queria falar-lhe sobre o que eu também sentia, mas não saia. Não me mexia, não mudava de expressão, não fazia nada. Eu tinha medo de falar a coisa errada, acabando com tudo, mas.... CARAMBA, por qual motivo era tão difícil? Seria eu tão fraca daquele jeito?

— Eu amo você - ele fez uma pequena pausa, o que fez meu coração bater mais forte que o Flash na velocidade máxima. - Me dá uma chance?

Então descobri que o nó em minha garganta era meu coração, tentando escapar. Eu queria chorar por estar paralisada. Não sabia o que falar. Não sabia o que sentir ou fazer. Eu poderia dizer que eu também gostava dele, mas não saia. Eu não saberia como confessar sem deixar minha voz falhar. Tentei pensar em coisas tranquilizantes, como estar ao ar livre com minha família inteira, brincando de pega-pega, ao lado de uma grande árvore a dar frutos maduros. Tentava arrumar o que restava do que eu sentia de amizade por ele, mas, felizmente ou não, era impossível. Eu amava John como uma mulher ao homem.

Até que, por fim, juntei minhas emoções e soltei.

FELIPE VIEGAS (narrando por John)

Seria melhor se John aceitasse limpar o tanque da casa dele.

Sim, ele sabia que seria difícil falar o que sentia para sua "melhor amiga". John era um cara difícil. Dificilmente fazia amigos, mas quando fazia, eram verdadeiras amizades. Desde que cresceu e soube o que o mundo era, como podia pensar e tals - desde que virou adolescente -, NUNCA se apaixonara por alguém. Marcela era a primeira pessoa por quem ele estava afim. E isso não era pouca coisa para ele. Gostava muito dela. Sentia que se sacrificaria por ela.

Então ele começou a falar com ela, ao passo que forçava-se a olhar para ela. Sua expressão dizia "vou deixar esse cara na friendzone". Desde que começara a falar, John se sentia triste e melancólico. Só pela fala e expressão dele, sabia que não teria a MÍNIMA chance possível. Mesmo assim, obrigou-se a falar.

John era um cara maduro. Sabia que suas chances eram de uma em vinte. Por isso prometeu para si mesmo antes de mandar a mensagem: NUNCA vou deixar de falar com ela, mesmo que diga não; afinal, somos amigos.

Todos esses pensamentos passaram como um flash assim que Marcela abriu a boca para falar:

— John... - ela parecia querer dizer "coitado...", o que fez seu coração preparar a corda e o banquinho para o enforcamento, culminando em um suicídio - Eu... Estou muito lisonjeada pelo que me falou... Confesso que desde que vi você, gostei também de você, mesmo sendo magricela e tímido - John queria rir disso, mas obrigou-se a ficar sério.

Marcela comeu uma batata, alimento do qual John perdera total noção de presença.

— Mas assim que CONHECI você, vi que... Não, apenas não seria certo. Sinto muito, mas o tempo passou. Não gosto mais daquele cara que você foi e ainda é. Então... Suas chances seriam uma em nenhuma...

Mesmo ela falando tão calma e lentamente, o coração de John se jogou do banquinho, a corda apertando seu pescoço.

— Bem, é isso. Eu gosto de você, MUITO, mas... Acho melhor sermos só amigos.

John tentou não chorar, o que foi fácil. Ele sempre conseguia segurar o choro, porque fora criado e ensinado a não demonstrar fraqueza. Mas ele teve de admitir que aquele fora o mais difícil de todos.

Marcela levantou-se, pegou umas batatas e virou-se. John olhou para baixo, triste. Não conseguia chorar. Um turbilhão de pensamentos percorreu-lhe a cabeça. Pensava em coisas alegres, sufocantes, amáveis, fofas... Pensava em tudo. Era difícil suportar o que estava passando.

Uma pequena lágrima correu-lhe pelos olhos. Chamaria outra, se John não erguesse seu ego e pensasse "vou honrar minha promessa".

Então levantou a cabeça e se deparou com Marcela, em frente a ele.

— Eu menti - ela falou, os olhos molhados. - Sim, quero ficar com você.

MARCELA

[dois dias depois]

— Mãe, tem biscoito?

— Não.

Olhei para ela, confusa.

— É sério, sem trocadilhos?

— Sim.

— Então tá, o que houve?

— Nada.

Olhei para ela.

— Não é biscoito! É bolacha! - soltou.

— AAAH! - resmunguei - Isso DE novo?!

— Você fala errado, não posso culpar você!

— Mãe, biscoito tem recheio, bolacha, não!

— É exatamente ao contrário!

— Bem, não vamos discutir por causa disso - falei. - Vou chamar de bislacha a partir de agora.

Ela olhou para baixo, triste.

— Quê?

— É bolacoito...

— AHHH! Isso nem tem sentido!

Fiz uma pausa, respirando.

— Ok, ok, como quiser, sabichona! - mamãe mordeu um sanduíche de queijo e presunto.

— Tá, tenho que ir, se não Fernanda vai ficar zangada.

Mamãe olhou-me.

— É BRAVA, não zangada.

Dei as costas e saí de casa, pensando em como aquela era só mais uma manhã de segunda
completamente normal na minha casa. Ou tão normal quanto pode ser quando o assunto é minha mãe.

Não prestei atenção no sol e tals, somente no caminho que eu andava. Eu não pisava nas listas. Desde criança eu tinha esse costume. Recentemente eu soubera que as crianças faziam isso porque acreditavam que haviam crocodilos lá. Eu só não pisava porque achava legal não pisar.

Fernanda apareceu na minha frente de repente. Quer dizer... Ela estava espalhada pelo chão. A areia cobria uma parte da calçada em uma camada fina.

— Oh! Cuidado aí! - a voz dela vinha de todos os lugares.

Retirei meu pé de cima dela.

— Não tenho culpa se você anda por aí se fundindo ao chão!

A areia começou a se deslocar para o centro. Um amontoado de areia surgiu, até crescer mais e ficar do meu tamanho. Era o corpo de alguém, com as duas pernas, mas sem os braços e a cabeça, que logo começou a se formar. Lentamente os braços surgiram aos lados esquerdo e direito.

— Vai logo, Fernanda, não quer que a
gente atrase, né? - reclamei.

Dois segundos depois Fernanda estava ali, olhando para mim. Ela aprendeu que a transformação humana-areia, areia-humana, podia ser feita de maneira rápida para auxiliá-la nos momentos de ação.

— Ual, você está bonita! - falou-me.

— Você também. Mentira.

— Muito engraçado, "Aguína"!

— E você, "Terréia"?

— Vamos embora - retrucou, bruscamente. - O ônibus já vai chegar.

[...]

Repeti o velho processo: olhar para os carros no lado de fora e pensar sobre sua historia de vida. Vi um fusca: imaginei ele sendo construído e passando meses em uma concessionária, então comprado por um cara de classe média baixa; vi uma picape: Imaginei-a passando por cima de irregularidades em uma selva verde, cheia de animais; vi um caminhão de sorvete: imaginei alguém colocando uma roupa feminina branca, incrustada de detalhes vermelhos e rosas.

Fiquei assim até que o ônibus parou em um lugar um tanto quanto distante da escola. Calculei que se fôssemos andando chegaríamos em dois minutos, ou menos.

— Era só que faltava - resmungou Fernanda.

— O quê? O que houve?

— Caminhão atrapalhado.

Tentei olhar, mas minha localização não permitiu. A dona da janela era Fernanda; era ela quem estava no banco esquerdo junto à janela, no fundo. Também não havia como espreitar pelo lado direito porque o banco estava ocupado pesadamente por um garoto gordo, perto da janela; um outro garoto, este magro, à sua esquerda e, na sequência, uma menina aparentemente perturbada. Pessoalmente, eu não daria importância a ela, mas quando a vi de frente um ar gélido e cruel trespassou minha espinha.

Sua face parecia distante e seus olhos longe daquela realidade. Ela parecia mergulhada em um outro mundo, onde uma tragédia ocorreria. Sua clara expressão de terror dizia isso.

— Er... Oi? - chamei-a.

— Ah, oi! - falou. Sua voz era firme, o que me surpreendeu; ela parecia fraca e inexperiente na vida. Pareceu acordar de um sonho indiferente quando seu tom indicou um leve susto. - Oi, oi, oi, oi!

— Por que repetiu "oi" cinco vezes? - perguntei.

— Não sei - desviou o olhar para o chão. - Apenas estou nervosa...

Ela parecia ser daquele tipo de garota que só queria homens ou ser "A Popular". Não era muito alta, mas não era muito baixa. Era um meio a meio. A pele era levemente morena, aparentemente molhada, como se não tivesse se enxugado após ter saído de um leve banho. Os olhos eram pretos e o cabelo era... - vou tentar falar da maneira mais delicada possível - Seco... Tinha tranças finas que caiam para todos os lados, como se o cabelo fosse feito de tranças.

— Qual seu nome? - perguntou-me.

— Marcela...

Mal terminei de falar.

— Bem, as três primeiras letras do nosso nome são iguais! Me chamo Maria.

— Maria... - refleti.

— Quê?

— Nada.

— Ah, tá - falou, desviando sua atenção para a janela.

Pareceu concentrar-se em alguma coisa. Olhava para a janela com tamanha intensidade. Seus olhos ficaram estreitos e fecharam por alguns segundos, até que abriram-se repentinamente. Ela olhou para a escola, aterrorizada. Começou a bater o pé no chão, nervosa.

— Ei, que foi? - perguntei.

— Nada - balbuciou. - Só um pensamento doido... Algo que... NUNCA aconteceria.

— O que era? - eu estava curiosa.

— A escola explodindo! - exibiu um sorriso nervoso; falou um tanto alto, de maneira tão nervosa que acabou chamando a atenção de olhares em nossa frente.

Olhei para ela, assustada. Aquela menina era doida. Resolvi retirar minha atenção de cima dela com um "ok..." tão normal quanto pude.

Quando virei-me para Fernanda, ela olhava para a janela dela, a expressão começando a virar uma de alívio.

— Chegamos! - ela pareceu comemorar.

[...]

A escola não mudara em quase nada desde a última vez que você a viu. As únicas diferenças estavam nos troféus de plástico, pois haviam mais. Outra diferença: O parquinho fora reformado, as árvores passaram a dar frutos. Resolveram fazer jogos de inter-classe, que aconteciam com uma baixa frequência, mas quando tinha um jogo naquelas quadras... Digamos que não era pouca gente.

Eu só ia para o colégio porque a diretora - eleita recentemente - comprara uma pequena parte de terra, que serviu para construírem dez classes novas. As classes serviam para pequenos cursos com duração de dois anos. Eram cursos avançados e difíceis. Se completasse provando que tinha o que merecia para receber, eles te davam um certificado. Só com isso você já poderia ganhar um cargo de estagiário e subir ao poucos. Eu estava fazendo um dos cursos, o de engenharia. Fernanda conseguiu me convencer a fazer isso para ficarmos na mesma sala. Não fosse por isso, eu estaria fazendo aqueles vestibulares básicos, não lá.

— Ei, sua doida, ele vai chamar a atenção! - Fernanda acordou-me de meu breve êxtase.

Não respondi, apenas acenei a cabeça, concordando. Olhei o quadro, onde haviam várias letras, números... Sinais... Aquilo me deixou inicialmente pouco confusa, mas logo minha memoria associou o que vi com outras aulas.

O professor ia explicar, mas nessa hora o sinal tocou: um som gélido semelhante à uma música aguda e grave ao mesmo tempo, aumentando de volume ao máximo e depois ficando terno até morrer de vez.

Os alunos ali presentes levantaram de suas cadeiras e caminharam para fora, em um passo calmo e despreocupado. Conversavam sobre a aula e sobre um jogo. Eu ia ignorar, mas Fernanda me olhou.

— Você vai assistir ao jogo? - perguntou-me.

— Não... Você sabe que não gosto.

— Ah, não seja assim! Vamos...!

— Não, obrigada. Não quero - pela expressão dela de "que bicho de mordeu?!" eu falei aquilo um tanto grosseiramente.

— Está bem; como quiseres. EU vou assistir - disse, saindo, talvez com um tom de desgosto fraco, mas eu estava pensativa de mais para analisar.

Fiquei sentada na minha cadeira pensando sobre a aula por dois minutos, até que um zelador pôs a cabeça para dentro da sala.

— Você não vai sair?

Eu nunca fizera amizades com professores, alunos ou zeladores, mas aquele não me lembrava de nenhum rosto. Ele tinha um cabelo branco, embora aparentasse ter trinta anos. Usava óculos-escuro, sustentado pelas orelhas não muito grandes. Sua barba estava recentemente cortada e, realçando as feições não muito bonitas, tinha no meio da cara um nariz levemente arrebitado. Eu diria que ele pintara o cabelo para parecer "fashion", mas falhara.

— Já acabou a aula - ele olhava atentamente para meus braços.

— Não acabou.

— Vai logo, menina, sai daí! Tenho muita coisa para fazer - parecia zangado por ter de me fazer sair, mas ignorei seu tom de voz.

Eu provavelmente ficaria discutindo com ele por horas, mas eu queria ir para casa. Se ele afirmava que acabara a aula, então eu faria o quê? Apenas levantei-me da cadeira, peguei minha bolsa e caminhei até porta. Quando passei perto dele, olhei em seus óculos. Não foi muito tempo, mas me concentrei. Dentro das lentes escuras um brilho vermelho ecoava.

Ele era um Vilão.

Entendi o porquê dele ficar olhando para meu pulso. Passei pela porta, tentando esconder meu medo. Escondi o pulso, na hora nervosa mixada ao meu desespero de tentar não ser pega. Só fui perceber o erro mais tarde.

Quando saí da sala, vi o corredor, vazio. Olhei para o armários, todos fechados. Os extintores de incêndio, mangueiras e uma solitária saída de emergência. Bem, o corredor ESTARIA vazio, se Fernanda não aparecesse, descendo a pequena escada e caminhando na minha direção. Inicialmente ela estava com um semblante feliz, mas logo assumiu um de susto, como se visse uma vespa gigante - Fernanda tinha pavor de vespas.

— MARCELA!!! - berrou.

Não tive muito tempo de processar tudo o que aconteceu. Só senti uma sensação de formigamento em minhas costas, ao passo que os armários me atraíram. Não consegui respirar por alguns segundos, mas logo o ar voltou a entrar em meus pulmões.

Percebi que não estava mais em frente à porta da minha sala, mas sim de cara com um armário amassado. Minha cabeça doeu quando me afastei do armário. Tinha a sensação de ter batido minha cabeça em asfalto. Estava tonta e sentia ser atraída pelo chão.

Olhei em volta, inutilmente. Tudo estava embaçado, o chão destorcido e os armários flutuando. Eu via riscos amarelos brilhosos e ofuscantes, seguidos de ecos. Volta e meia os armários tremiam, como se estivessem sendo eletrocutados.

Tentei focalizar minha visão, mas ela relutava. Eu tentava me acostumar com o que acontecia, mas tudo parecia tão... Surreal. Mas é claro que aquilo não duraria para sempre. Meus olhos estavam fechados quando minha consciência voltou. Senti o chão debaixo de mim, me empurrando para cima. Meus braços estavam espalhados pelo chão e pareciam moles, sem ossos.

Resolvi abrir os olhos, apenas para me deparar com Fernanda, com grandes mãos de areia, lutando contra o zelador. Ele juntava as mãos sempre que possível e lançava raios amarelos ofuscantes, condensados em pequenas bolas. Tudo acontecia em uma velocidade alarmante. Os raios atravessavam o local mais rápidos que o som. Fernanda sempre era atingida, mas ao invés de cair no chão, ela simplesmente deixava os raios passarem por ela.

Areia não conduz eletricidade, foi a frase que ecoou em minha cabeça nesse momento. As bolas de eletricidade atravessavam o corpo de Fernanda como balas; passavam por ela.

Eu precisava ajudá-la. Mesmo tendo vantagem contra o Vilão, ela não poderia ficar ali para sempre. Além disso, os armários estavam conduzindo eletricidade e o chão estava rachado, o teto sujo de fuligem.

Tentei levantar-me, porém uma dor percorreu minhas costas. Levei a mão até as mesmas, para retirá-las manchadas de sangue. Gelei quando vi aquilo. A dor vindo das costas pareceu ter ficado mais forte subitamente. Então um questionamento levantou-se em meus pensamentos: Como eu não morri, sendo que fui jogada com uma velocidade descomunal e como eu estava sentindo uma dor considerada média, sendo que minhas costas estavam banhadas em sangue?

Só reparei meu erro de ter tentado levantar quando era muito tarde, pois o Vilão tirou um pouco do seu tempo e mirar em mim. Suas mãos brilharam. Uma luz amarela e ofuscante saiu de suas mãos quando me preparei para morrer.

Abri os olhos. O zelador-Vilão ainda estava lutando contra Fernanda, à base de leves choques e pesados xingamentos. Olhei para o lado, deparando-me com um corpo no chão, de barriga para baixo. Nas costas havia queimaduras de terceiro grau, ainda emitindo um leve faiscar. Os cabelos estavam chamuscados, mas não queimados. Estavam cheios de tranças, como se o cabelo fosse feito de tranças.

Quando percebi quem era, senti a raiva encher meu corpo. Eu a conhecera naquela manhã, mas qualquer um saberia que não voltaríamos a nos falar. O corpo inerte de Maria estava no chão, com queimaduras terríveis e ela morrendo.

Nesse momento, levantei-me. Uni minhas a palma de minhas mãos e abri, como se fosse dar um Kame-Rame-Rá - não sei escrever isso. Mirei no zelador, que desviou de uma facada de areia no pescoço.

Concentrei-me no corpo dele. Seus líquidos... Água... Não demorou para que eu sentisse meu estômago revirar quando uma pequena parcela de energia esvaiu-se mim. Abri os olhos para ver o homem soando como porco. A água de seu corpo saia em forma de vapor e de suor, mas livre de qualquer outra coisa que não fosse água.

Ele percebeu quando seu suor flutuou na minha direção. Juntou as mãos e tentou lançar um raio em mim, mas não aconteceu nada. Balbuciou "merda" quando saiu correndo para o lado de fora.

Fernanda me encarou.

— VAMBORA! - berrou.

E saímos em disparada na direção do cara. Quando chegamos perto da saída, ele conseguiu, com um último esforço, lançar uma grande bola de energia, que quebrou o muro frontal da escola. Os pedaços de concreto e cimento explodiram para todos os lados em um som gostoso.

Na pista ao lado de fora, um grande caminhão com a caçamba cheia de botijões de gás tentava escapar de um GRANDE engarrafamento. Os carros buzinavam como louco, enfatizando a cena "loka".

O homem chegou perto do caminhão. Pôs as mãos debaixo da cabine do motorista e ergueu o caminhão no ar. Virou-se para nós, então fitei seu semblante uma última vez; parecia orgulhoso, como se dissesse "vou ganhar uma grana das boas!". Quando ele levou a mão para trás, percebi o que ia fazer. Não tive muito tempo para ficar impressionada, pois o caminhão foi arremessado contra a escola.

A última coisa que me lembro resume-se a gritos e um barulho ensurdecedor vindo do parque. Escombros se misturando à poeira e gritos desesperados, todos abafados por sirenes.