–O que é que eles estão aqui a fazer? – Eu sussurrei para o Tony enquanto eles se sentavam.

–Eu sei lá! Você é que tem o descaramento preciso pra ir lá e perguntar a eles isso mesmo!

–Claro Tony! Porque eu nem vou chegar perto deles e me engasgar por completo!

–Isso é mau, menina. Você vai ficando servindo à mesa pra eles. É bom que não se engasgue.

A nossa conversa sussurrada acabou por Tony foi arrumar o avental na cozinha e eu virei os olhos pros recém-chegados. Yoko não deixou que ninguém se sentasse na cadeira que estava à sua esquerda, dizendo que seria para Sean. Mas não podia ser… estavam já ali seis pessoas. E foi essa a indicação que mamãe deixou pra mim: pôr a mesa pra seis. Então me aproximei da mesa e me apoiei na cadeira vazia, me fingindo desentendida.

–Porque ninguém sentou aqui? Posso garantir que me eu irmão não fez nenhuma brincadeirinha com ela! – Eu ri e Dyco me olhou lá do fundo da sala, completamente em pânico e ficando vermelho, caminhando pra mim pra se defender.

–Essa cadeira é pro Sean. Meu filho, sabe? – Yoko disse.

–Claro que sei quem ele é. – Mulher burra. Eu quase tive ataque cardíaco vendo eles e não saberia quem era o Sean!? -Me dê um segundinho.

Eu falei pra ela correndo ao balcão pra pegar um papelinho que minha mãe tinha deixado pro Tony. Tava na altura de eu ser bitch com ela! Nele estavam escritos quais e pra quem seriam as refeições.

–Ora, minha mãe deixou aqui escrito pra fazer refeição para, e passo a citar: Sir Paul McCartney, Ringo Starr, Olivia Harrison, George Martin, Dhani Harrison e Yoko Ono. Aqui não está escrito Sean Lennon!

Deitei de relanço os olhos nos outros que nem sabiam se haviam de rir ou se achavam que estavam a passar vergonha por causa dela.

–Ora, vai dizer que há problema de Sean aparecer pra almoçar com a gente?

–Há assim um pouquinho porque, Tony, o nosso cozinheiro, ele tá indo embora. E ele preparou os pratos pra cada pessoa. Individualmente.

–Ah, mas eu falei que Sean vinha também! – Ela respondeu se achando superior. – Se não apontaram é problema vosso!

–Você tá desacreditando minha mãe? Chamando ela de mentirosa é? – Eu falei, saltando sobre ela e apertando-lhe o pescoço.

Isso queria eu, mas isto foi o que aconteceu na minha cabeça! Porém, eu falei.

–Minha mãe é muito eficiente no seu trabalho e não tolero que sequer insinue que a culpa seja dela! Contudo, não há problema algum de preparar alguma coisa pro Sean não! Eu própria faço!

Eu virei costas de imediato entrando na cozinha enquanto Tony saía, trazendo as entradas pra colocar na mesa. No entanto, pelo jeito que Dyco me olhou de olhos bem arregalados, Yoko não deve ter gostado da minha conversa e os outros deveriam estar a segurar o riso.

Ia colocar alguma coisa no fogão, mas não sabia o quê! Tony tinha uma lista com aquilo que era pra ser feito exatamente. Agora eu? Que iria eu fazer pro Sean?

–Becks, - Tony disse aparecendo na porta. – as comidas estão no forno pra não esfriar. Você fica bem?

–Fico, Tony. Pode deixar. E melhoras pra sua mãe.

–Obrigada, pequena. – Ele ia sair mas deu umas passadas atrás dizendo. – Olha aí, acho melhor segurar seu irmão, viu? – Tony não disse mais nada, indo embora.

–Que é que ele tá fazendo? – Eu falei em pânico largando o que tinha nas mãos e espreitando pro salão.

Dyco estava junto da mesa deles, contando piadas. A intenção até que podia ser boa, mas ele podia fazer as coisas pior ainda. – Aí, Dhani, quando você comia, seu pai nunca fez da colher avião e disse assim uma coisa do género: “Son, son, son, here it comes”!

Olivia e Dhani riam sinceramente, achando graça ao meu irmão. Paul, Ringo e George riam também. Apenas Yoko esboçava um risinho que se via bem que estava a ser forçado.

–Não, garoto, ele nunca disse isso pra mim! – Dhani falou. – Mas achei legal a piada, viu?

Dyco fez uma vénia e eu continuei vendo aquilo ali à distância, deixando que ele continuasse com as piadas. E foi naquele momento que entrou Sean pela porta dentro. Muito discreto e tímido, ele olhava em redor pra ter a certeza que não se enganara. E, puxa, se as minhas pernas não perderam a força!

Ele cumprimentou todos que estavam à mesa, pedindo desculpas pelo atraso e eu continuava ali, a hiperventilar. Mas tinha que fazer algo acima de tudo, não ia deixar ele passar fome, né? Apareci devagar perto deles e Dyco ia voltar pra a mesa onde estava antes. Eu agarrei com força no braço nele pra que ele não fosse e me deixasse ali sozinha. Então me inclinei perto da orelha de Sean e falei baixo.

–Ninguém avisou que você vinha também, por isso não há nada pra você comer. Mas me fala o que você quer que eu preparo rapidinho!

Se eu sobrevivesse a este dia, eu me tornaria numa mulher imortal! Sussurrar ao ouvido de Sean? Ter ali Paul, Ringo e Dhani diante de mim? É, eu seria imortal!

–Não é preciso, garota. Vi McDonald’s aqui perto. Posso pegar um hambúrguer-

Agora eu morri de vez. Sean pegou do pai John aquele jeito sedutor. Eu acho que meu coração estava parado por essa altura, mas ainda falei pra não parecer lerda. – Não vai comer hambúrguer de jeito nenhum!

–Não há problema, sério que não. Prefiro isso a qualquer outra coisa. – Ele se ia levantado pra sair quando eu lhe agarrei na manga do casaco.

–Não precisa de ir. Meu irmão Dylan vai lá rapidinho, né, Dyco? – Eu disse olhando pra ele, dando ordem com os olhos.

–Eu não quero incomodar, posso ir lá eu mesmo.

–Não, nem pensar. Deixe que eu compense assim a vergonha de não ter comida pra você.

–Tá, eu espero. – Ele disse sorrindo pra mim.

E eu teria caído no chão se Dyco não abrisse a boca pra falar besteira. – Nossa, você se parece com seu pai! É como Dhani que parece um jovem George Harrison.

Eu fiquei vermelha de raiva, só faltava sair fumo pelas minhas orelhas mesmo e bofeteei-o de força no pescoço. - Tá calado, Dyco! – Falei entre dentes. – Anota o pedido do Sean e vai à McDonald’s! – Depois dei um sorriso com os dentes todos, dizendo. – Eu vou buscando os vossos pratos, sim?

Andei pra trás e pra frente, da cozinha até à mesa, deixando os pratos e Yoko ainda me olhava de lado, visivelmente não simpatizando comigo. Depois de ter entregado todos eu me preparava pra esconder. Se não morresse de entusiasmo, morria de vergonha. Foi quando Paul me agarrou pelo pulso e eu olhei pra trás sem conseguir esconder o rubor nas minhas bochechas.

–Não precisava pegar duro no seu irmão, queridinha. Eu sei como irmão caçula pode ser chato. – Ele deu uma risada e eu ri também, mas eu achava que estaria desmaiada no chão.

Não vou mentir: eu sou louca pelo Paul! Ok, ele tem setenta anos, e daí? Se ele perguntasse, eu não teria vergonha em dizer que tenho uma atração pelo ele dele de vinte anos! Dele e do Ringo! E do George e do John! Nossa, eu amo as músicas dos Beatles, mas eu também sou louca pelos garotos em si. Se tivesse nascido nos anos 40, eu seria uma daquelas fãs histéricas berrando por eles!

Eu me sentei na mesa onde Dyco tinha estado e daí a pouco ele voltava com o hambúrguer pro Sean que agradeceu, dando uma moeda às escondidas ao meu irmão. Mas não sendo Dyco um bisbilhoteiro colocou-se à escuta da conversa e ouviu que Ringo falava algo sobre as suas baquetas.

–Hey, cara, sabe minha avó apanhou um dia num show dos Beatles umas baquetas suas! Quem as tem agora é minha irmã Becky!

O garoto até que fez bem em lembrar-me disso. Elas deveriam voltar pro seu dono original, por isso me levantei e fui as fui buscar.

–Uau, que maneiro! – Alguém disse atrás de mim e eu me assustei e larguei as baquetas. Pensei que fosse assombração porque a voz do Dhani é igual à de George. – Desculpa, não quis assustar você. Seu irmão disse que eu podia dar uma olhada nas guitarras. – Ele falou apanhando as baquetas.

–Ah, claro que pode. Eu só não esperava alguém atrás de mim.

–Quando você abriu a porta eu vi as guitarras e quis as ver mais de perto.

–Pode pegar nelas e tocar se quiser. O amplificador está a li no canto. – Eu falei apontando.

–Você comprou todas elas? – Dhani me perguntou vendo cada guitarra com atenção.

Eu ri com a pergunta dele, explicando. – Me tio Nate me ofereceu elas todas. Ele trabalha na Abbey Road Studios-

–Nate, Nate Sutherland? - Dhani se virou pra mim, me olhando sério.

–Sim, como você sabe?

–Foi com ele que falei pra gente fazer a gravação hoje.

–Sacana que ele não me falou nada! Mas, espere, gravação?

–Faz hoje 50 anos que os Beatles gravaram a primeira música nos estúdios da Abbey Road e eu chamei Paul, Ringo e Sean pra gravar comigo a “Love Me Do” passados 50 anos.

Puxa, como eu estava perdida no tempo! Hoje era dia 6 de Junho. Era verdade o que Dhani falava.

–Tem razão você, sabe? – Eu falei sorrindo. – Bem, fica à vontade. Eu vou devolver as baquetas ao seu devido dono.

Quando cheguei à sala Dyco falou rápido para mim. – É ou não verdade?

–O quê? Acabei de entrar agora, Dyco! Sei lá de que é que você estava a falar!

–Que vovó lutou com um montão de garotas pra ficar com a harmónica do John?

Ok, eu menti quando falei que tinha uma Hohner como a de John Lennon. A minha Hohner é a Hohner de John Lennon.

–Elas não eram assim tantas, mas sim. John atirou a gaita pro público e as garotas desataram numa luta pra ver quem ficava com ela!

–Eu acho que lembro quando isso foi. – Ringo disse. – Acho que foi no dia em que eu atirei minhas baquetas também!

–Estas aqui? – Eu perguntei, as mostrando. – Aqui tem. Sempre foram suas.

–São suas, mocinha. – Ele falou dando elas de volta pra mim. – Achado não é roubado.

–Obrigada. – Eu agradeci e deitei a mão ao bolso, puxando a harmónica, chagando perto de Yoko e Sean. – E aqui está a Hohner. Eu a usei, espero que não se importe.

E ao contrário do que Ringo fez, Yoko me ficou com a gaita, proferindo. – Se a embalsar não haverá problema.

Fiquei de lágrimas nos olhos mas Yoko nem ligou pros olhares de reprovação vindos todos, incluindo do próprio filho.

–Posso ficar com ela? – Sean pediu.

–Mas é claro.

Pelo menos ela não era ingrata pro filho.

Logo eles acabaram de almoçar e saíram para os estúdios em Abbey Road. Eu não tinha vontade sequer de me levantar da cadeira, nem pra pedir autógrafo, mas Dyco me puxou pra irmos ver o tio Nate e eu cedi. Por ele somente. Aquela mulher havia todo o entusiasmo de mim.