Caminhava rua fora tão emburrada como Dyco quando minha mãe lhe nega alguma coisa. A verdade é que a japonesinha tinha tirado o entusiasmo de mim, e eu não tinha vontade pra nada. A gente entrou lá nos estúdios, já ninguém nos esbarra pois já nos conhecem.

-O meu tio Nate? – Dyco perguntou a uma moça que passava. – Ele tá cá?

-Tá, mas ele tá muito ocupado. Acho que ele está aí com os Beatles e com dois dos filhos deles.

-Ah, a gente sabe! Sabe onde eles estão?

-Estão lá no estúdio 2.

A gente agradeceu e retirou-se, eu o puxando por entre corredores e corredores, já conhecendo aquela gravadora como a palma da minha mão.

-Hey, Becks? O estúdio 2 não era o estúdio dos Beatles?

-Sim, foi onde eles gravaram maior parte das suas músicas. Não admira que tivessem escolhido esse para gravar outra vez passados 50 anos.

George Martin chama à cabine de som onde está o produtor musical “o local onde só os adultos estão”. Eu entrei para lá com o Dyco, e estavam já lá Olivia, Yoko, George e meu tio Nate.

-Oh, ainda bem que veio, Becky. – Meu tio falou, meu puxando pelo braço. – Eles precisam de alguém que toque a gaita.

Meu coração parou de bater quando olhei para baixo no estúdio estavam Paul com o seu baixo, Ringo já sentando na bateria, Sean com a Gibson acústica, igual à que o pai usava, e claro, Dhani com a Gretsch igualzinha à de George.

Agarrei o meu tio pela lapela do casaco e puxei para um canto, dizendo baixo. – Não tenho a gaita!

-Como assim? A Hohner do John Lennon, como não a tem?

-Aquela individua acolá ficou com ela! Mas depois Sean pediu ela e Yoko cedeu e a deu para ele.

-Então, desce lá para baixo e pede a gaita pro Sean! Ele te empresta ela por agora. Eles precisam mesmo de alguém que vá tocar, Becky. Vai fazer parte da História e tocar com os Beatles!

Desci os degraus a medo e os quatro me olharam. – Aquele é seu tio, né? – Dhani falou apontando para cima após me ver.

-É, é ele. Ele disse que precisam de alguém que toque a gaita.

-Junte-se a nós, então. – Paul disse, gesticulando com o braço.

Ringo estava lá enfiado no seu canto, atrás da bateria, Paul e Sean partilhavam o microfone para cantar e Dhani era tão tímido quanto o pai, ficando mais atrás. Sean colocou-me em frente de um microfone e me deu a gaita para a mão.

Ringo deu as batidas, batendo as baquetas uma na outra, e eu soprei na harmónica a medo, tocando junto com eles. Na gravação original, Paul estava com medo quando tinha que cantar sozinho. Nesta gravação era eu quem tinha medo. Estava a tocar com os Beatles, por amor de Deus.

Com o passar da música fui descontraindo e quando chegou ao “solo” de gaita, nem tive medo. Toquei alegre e despreocupada. Me senti um Beatle também. E num abrir e fechar de olhos, a música estava acabada.

-Gravada ao primeiro take. Isto é que é bom! – Ringo falou, deixando a bateria e caminhando para a nossa beira.

-Muito bem, rapazes! – Martin falou.

Via-se que era hábito dele chamar Paul e Ringo, e John e George também, de rapazes, e que era hábito que não havia passado. Os dois Beatles lançaram-lhe um olhar e depois apareceu o tio Nate e Dyco correndo que nem louco pelas escadas abaixo.

-Que maneiro, Becky. Tocando com os Beatles e tudo! – Meu irmão me elogiava como se eu tivesse sido a estrela da gravação, e eu sorria. Era bom ter um irmãozinho caçula nos idolatrando assim.

-Isto merece uma fotografia para a posteridade. – Tio Nate falou, tirando o telemóvel do bolso.

Olhei para trás e Paul, Ringo, Dhani e Sean já se haviam juntado. Eu me deixei ficar no sítio em que estava e coloquei Dyco na minha frente para o tio Nate tirou a foto.

Todos começaram numa amena conversa, rindo e dispersando dentro do estúdio. Até Olivia e Yoko se juntaram a nós, e eu fiquei olhando em volta, vendo todo aquele ambiente.

-Vem cá. – Dhani falou pra mim. – Me mostra o que você sabe fazer. – E me deu para as mãos a guitarra.

Para ser franca, a vergonha e o nervosismo já haviam passado, e então agarrei na guitarra e a minha mente correu todas as músicas de Beatles que sei, para tocar uma para ele. Tinha que ser algo difícil, mas que eu conseguisse tocar sem me embaraçar. Então me surgiu na cabeça essa música do George que eu tanto amo.

Os meus dedos tremiam enquanto eu ia tocando e a minha voz mais trémula saiu quando comecei a canta, olhando o chão.

-I look at you all see the love there that's sleeping

While my guitar gently Weeps

Ouvindo o que eu cantava, Paul, Ringo e Sean pararam de conversa e começaram cantando junto. Depois até pegaram mesmo nos instrumentos e começaram a tocar. Dyco olhou em volta e agarrou numa pandeireta, começando a tocar. Me calei e deixei que Dhani cantasse, já que ouvi-lo a ele ou ao pai parecia o mesmo. E foi então que chegou o solo e me sentia suando, com medo de errar. É uma música muito difícil de tocar e Dhani olhava pra mim enquanto eu tocava.

Superei o solo e suspirei fundo, sentindo uma gota de suor escorrendo pelo rosto abaixo. Havia conseguido tocar! Todos nos aplaudimos uns aos outros e tanto eu como Dyco não nos conseguíamos segurar com tanta felicidade. Tirei a guitarra e voltei a dar ela a Dhani. E quando eu achei que poderia recuperar o fôlego, Sean veio ter comigo, me pegou na mão e me deu a gaita.

-É sua, Becky. Não liga pra minha mãe, não. No que toca a coisas sobre o meu pai, ela é um pouquinho possessiva.

Agradeci um montão de vezes e quando dei conta das horas, já havia passado três horas. Todos saíram para tomar alguma coisa, ficando na cabine de som apenas eu, George e tio Nate.

A gente ficou lá regulando as coisas na gravação feita e passado um tempo eu desci ao estúdio outra vez. Tirei as baquetas que tinha no bolso traseiro das calças, que ainda não tinha tirado desde que Ringo me dera elas de volta no restaurante. Sentei-me à bateria dele, tentando entender como tocar, já que guitarras e um pouquinho de piano ainda toco, mas bateria não entendia nada.

Admito, depressa me fartei de não estar a produzir resultados e fui pegar no baixo de Paul. Aquele instrumento sim, eu quero muito aprender. E, já sabendo umas coisas de guitarra, achei que não fosse difícil assim. Antes mesmo de tocar alguma coisa, fiquei observando o baixo e quando levantei os olhos para a cabine de som, George e tio Nate não estavam mais lá.

Decidi então tentar ter melhores resultados no baixo do que tinha tido na bateria. Mas doeu muito carregar nas cordas. Uns minutos depois e já me contorcia com dor nos dedos. Mas não desisti de tentar tocar de ouvido o riff de baixo mais espetacular que Paul já algum dia tocara: “I Saw Her Standing There”

-Devia começar por uma coisa mais fácil. – A voz de Paul me chegou aos ouvidos. Eu o vi ali parado, talvez já há algum tempo, me vendo tocando.

-Meu Deus, desculpe. – Eu disse, pousando o baixo imediatamente.

-Não, que é isso! Pegue no baixo outra vez! – Eu fiz o que ele pediu, e ele se sentou no amplificador onde o baixo estava ligado, bem na minha frente. – Vai tocando. Eu corrijo seus dedos.

-Eu não sei tocar baixo. Estava só tentando tocar de ouvido.

-E nada mau, hein? Errou apenas algumas notas!

-Becky, sua mãe ligou.- Tio Nate disse aparecendo na porta. – Ela diz que está na hora de ir.

Antes de sair, ele gesticulou com os lábios um “desculpe” e eu suspirei fundo, dando o baixo a Paul.

-Hey, mocinha? Não desiste de tocar.

-Pode deixar.

-Desculpa, garota. De verdade. Eu tentei ganhar algum tempo mais, mas sua mãe diz que Tony não vai puder aparecer para cozinhar e precisa muito da sua ajuda para abrir o restaurante para a noite.

-Sabe uma coisa, tio? Eu é que agradeço. Passei a melhor tarde da minha vida aqui!

-E quando eu te trouxe cá ao estúdio pelo seu aniversário? Não foi bom também?

-Ah, não tinha os Beatles lá dentro! Mas foi muito sim. E quero agradecer muito as guitarras que você me ofereceu. Vou levar elas hoje para casa, e tocar em todas elas.

-O que aconteceu ao “não vou tocar nelas pra não estragar”?

-Se eu não tocar nelas, quem tocará? Imagina se eu nunca tivesse tocando na harmónica do John? Hoje não estaria aqui e certamente não a estaria levando embora de novo!

-Dá pra me levar nas costas, Becks? – Dyco falou atrás de mim.

-Dá sim, Dylan. – Eu me agachei, pra que ele pudesse subir. – Vamos logo antes que a mamãe se chateie a sério e fique enchendo o saco da gente até amanhã!

-Vamos de metro? – Ele perguntou quando passávamos perto das escadas de acesso ao metro.

-Não, vamos a pé. Está um dia tão bom.

-Tá quase de noite, Becky!

-Sim, mas o sol virá. Amanhã.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.