Herança

Capítulo 7


Realmente, ela estava linda... uma ameaça aos bons costumes em pessoa, mas, mesmo assim, linda. Aquela mini saia azul clara de tecido sintético elástico tinha assentado perfeitamente em seu quadril e coxas. A meia de pseudo nylon branca também, bem como aquela camisa em forma de parte de cima de um vestido longo formal. Mas... como ela se sentia exposta... e um ventinho frio também, na região das pernas e cintura. Ela nunca tinha usado algo que deixasse sua barriga de fora – com exceção de roupa de praia.
Olhou para Suzette, sentada no banco, com um sorriso irônico de \"eu não te avisei?\", e para as duas – modelistas – que haviam escolhido cada peça de roupa que usava agora. Era incrível como elas discutiam sobre quase tudo, menos sobre roupas, pelo contrário, quando o assunto era este, cada sugestão de uma era confirmada pela outra, como se pensassem em sincronia.
- Gostou? – perguntou Diana com um sorriso enorme.
Não havia malícia ou sarcasmo naquele sorriso, apenas pureza. Diana realmente gostava daquelas roupas simplesmente por acha-las bonitas. Já Anne, era evidente que havia \"algo mais\" no mesmo gosto.
- Bem, sim mas... como vou poder me sentar assim? Vou ter que usar um shortinho por baixo...
- Que nada – disse Diana – a gente te ensina a como se sentar sem mostrar a cor da calcinha.
- E a se levantar também – disse Anne – mas se está mesmo encabulada, acho que mais três dedos devem te deixar tranqüila, e o visual continuará o mesmo. Alice... tem aquela saia em lynom-rusque?
- Sim – disse a atendente se divertindo com o embaraço de Hotaru – ainda temos. Vou pegar.
- Hotaru – disse Suzette – invejo sua coragem.
- Que coragem nada! Acho que vou morrer de vergonha se andar por ai assim...
Ficaram mais uma hora na loja – aquelas duas gostavam mesmo de ficar escolhendo e misturando coisas – até que, finalmente, Hotaru decidiu levar o melhor dos dois mundos. No entanto, qualquer um ainda iria achar que ela era uma beleza em pessoa. Saiu dali com um guarda roupa renovado – todas roupas fáceis de serem lavadas, por serem pequenas – e já estava usando algumas delas. Realmente, depois que se acostuma, o vento batendo nas coxas já não incomoda tanto, mas ela preferia ter comprado também uma calça justa no corpo, apenas para não se sentir tão exposta, e preocupada de que a saia levantasse conforme andava.
Elas também saíram de lá com uma fome danada, e pararam no point principal das meninas – que Hotaru agora estava conhecendo – para jantar. Sentaram-se a mesa e ela deixou que as meninas escolhessem. Difícil foi convencer Diana de que não haveria peixe cru daquela vez. Ela quase mordeu o garçom. Mas que menina que teimava em mostrar o seu lado felino... Ela também tinha comprado algumas roupas, roupas estas que nem Anne teve coragem de usar – em público, ao menos.
Ficou olhando para as belas fontes enquanto seus pedidos estavam sendo feitos pelo robô cozinheiro. Iria ficar pronto em alguns minutos. Ela já estava com saudade da comida que Joynah tinha feito no hospital. Apesar de a terem atualizado sobre as coisas que ocorreram enquanto estava afastada, ela ainda custava a acreditar que todas elas era sailors agora, e bem poderosas, na verdade. Ela podia sentir o poder inato de Anne, mesmo agora, em sua forma normal. Suzette também, tinha uma boa energia. Não podia precisar quanta energia era, e, só por estar assim, há poucos centímetros de distância, é que sentia alguma coisa – muito difusa, era verdade – mas sentia. No caso de Anne, devia ser aquela estranha habilidade que ela mencionou, de conseguir detectar qualquer sailor, incluindo seus pais. Ela também sentia Diana e os pais desta, o que a fez pensar que, na verdade, ela estava sentindo suas sementes estelares, e não propriamente suas energias.
Fazia sentido. Diana e seus pais não eram sailors, portanto, não poderiam ter \"energia equivalente\" como ela tinha mencionado. O mesmo se aplicava aos pais delas. Eles tinham sementes estelares, mas não energia de sailor.
- Lindas fontes, não?
- Hã? Ah sim, tem razão Anne, são belas...
- Em que está pensando, heim?
- Nada não Suzette. Sabe, ainda não consigo aceitar bem que você as vezes trate Anne de irmã. Eu me lembro de quando ela era uma garotinha. Até posamos para um quadro da Michiru uma vez, você se lembra, Anne?
- Lembro de você reclamando que eu estava machucando o seu pescoço – sorriu ela – lembro sim. Mas já quando eu era garotinha eu chamava a Suzette de maninha, e a Amy de mamãe Amy. Você até brincava dizendo que eu queria juntar as duas famílias. O Sume ia fazer a festa com tanta mulher bonita ao lado dele...
- Anne... dá para parar de falar assim do meu pai?
- Ciumenta – riu ela .
- Eu me lembro disso. Faz tanto tempo... – ela ficou olhando para o vazio, pensando naquilo. Ela tinha uma família antes de partir. Ficou morrendo de saudades dela quando se viu presa em outra dimensão. Era incrível como tinha se acostumado com os abraços expontâneos de Anne, das brincadeiras de Michiru, da dureza e ocasional bondade de Haruka...
Precisou se adaptar a isso. Tinha perdido sua segunda família, aquela que substituiu a primeira, formada por seu pai, que morreu por ela. Acabou criando outra, basicamente de amigos. Torguer... estava com saudades dele. Sabia que iria ficar com saudades, mas tinha que voltar, tinha que \"recuperar o que ficou distante\" como ele mesmo afirmou. De consolo, tinha o fato dele disser que iria se juntar a ela, depois que aquele mundo estivesse totalmente seguro.
- O QUE! – ela teve de sair dos seus devaneios ao sentir alguém apertando sua cintura. Era Anne, em um daqueles abraços surpresa que ela costumava fazer – Anne... que bom que você não mudou tanto assim...
- Parecia que você estava precisando – comentou ela sorrindo – maninha! Sorria... você esta com sua família de novo. Não está feliz?
Ficou surpresa por alguns instantes. Era exatamente nisto que ela estava pensando. Como Anne as vezes parecia saber o que fazer? Seria outra habilidade que tinha obtido de sua concepção não convencional?
- Obrigada – disse afagando seus cabelos – Chibi Amy.
- Ei! Pare com isso – ela tirou a cabeça de seu peito e desfez o abraço surpresa – sabe que isso me dá sono.
- Estou me lembrando de outro detalhe a seu respeito... será que você ainda tem aquela característica que Haruka gosta tanto?
- Que característica? – perguntou Diana curiosa.
- Esta!
Hotaru pegou nos ombros de Anne e começou a balançar fortemente, tão rápido que seu corpo vibrava. Sem poder se controlar, ela começou a rir, divertida. Ela ainda tinha aquilo, seu ponto fraco...
- Pa-pa-PARA!
Ela a soltou, e a viu dar mais algumas risadas.
- Foi sacanagem! – disse ela rindo.
- Eu não sabia disso – disse Suzette olhando para ela.
- É um velho truque para faze-la parar de chorar a noite – explicou – sempre deu certo quando era criança.
- Senhoritas – disse o garçom entregando seus pedidos.
Ficaram em silêncio alguns instantes, enquanto atacavam os lanches e matavam a fome que, subitamente, voltou a ficar evidente em seus estômagos. Diana comia vorazmente, as outras três comiam com mais calma. Diana lembrava muito Serena...
- Bom pessoal, me desculpem mas eu tenho que ir. São sete e meia e se eu faltar na festa, vou fazer uma desfeita danada.
- Que festa? – perguntou Hotaru.
- Puxa! Esquecemos de lhe contar... – comentou Anne - hoje é o aniversário dos gêmeos.
- Gêmeos?
- Meus irmãos. Acho que você também não sabia disto.
- Quantos mais nasceram enquanto eu estava fora?
- Só eles. Nathan, Suminho e Sereninha.
- É Sume, Diana – corrigiu Suzette – se bem que as vezes eu o chamo de júnior. Não querem vir também? Vai ter bolo, e, assim você aproveita e conhece a Sereninha. Ela deve estar lá. Não é muito longe não... a gente chega lá em meia hora.
- Hum...
- Vamos lá, maninha.. assim você conhece minha outra família. A gente sai de lá as nove.
- Tá bom. Mas só se o bolo foi feito pela Joynah.
- E o que fez você pensar que não foi ela quem fez? – perguntou Suzette sorrindo.
Cerca de vinte e cinco minutos depois, as quatro estavam em frente a casa da doutora Amy – como dizia a caixa de correspondência – e observavam as crianças correrem pelo quintal. Haviam balões pendurados em muitos lugares. Algumas das crianças brincavam no pequeno, clássico e sempre divertido escorrega que devia pertencer aos gêmeos. Na verdade, ela se lembrava dele quando ainda estava lá, devia ser o mesmo que o pai de Suzette tinha feito para ela, os irmãos acabaram herdando ele.
Não foi difícil reconhecer a Sereninha – era a única com quatro odangos na cabeça, com a forma muito parecida da de Serena. Ela estava brincando de roda com outras crianças, e parecia se divertir muito. Uma destas era muito parecida com Sume, devia ser um dos gêmeos.
- Hotaru! Que surpresa. Pensei que tinha lhe dado ordens para descansar, não?
- Oi Amy. Desculpe desobedecer ordens médicas, mas é difícil com estas ai – indicou as outras três.
- Tem bolo ainda? – perguntaram Suzette e Anne ao mesmo tempo.
- Tem sim, está lá dentro, na sala de jantar.
As duas foram correndo para dentro da casa. Diana já tinha se enturmado e estava brincando com as crianças, e, também com - mas o que elas estavam fazendo aqui? - as Asteroid Senshi. Hum... parece que elas se dão muito bem...
- Não fique encabulada, Hotaru, vá pegar um pedaço de bolo também.
- Eu vou... mas me diga o que elas estão fazendo aqui. Não é uma festa para crianças?
- É... mas elas são as protetoras das princesas, e vieram a tiracolo para cuidar da Sereninha. Já a conhece?
- Acho que acabei de ve-la... hã? – alguém estava puxando a sua curta saia.
- Você é que é a Hotaru?
Olhou para ela e não conseguiu evitar de sorrir. Não tinha dúvida nenhuma, aquela era a irmã de Serena, o mesmo sorriso, os mesmos olhos, e a mesma mania de interromper os outros...
- Sou sim, você é a irmã baixinha da Serena?
- EU NÃO SOU BAIXINHA!
Era ela mesmo, sem dúvida...
Hotaru e Anne ficaram na festa quase até as nove, quando a mesma acabou – as crianças tinham que dormir para acordar cedo no dia seguinte – quando todos começaram a ir embora. Como já era tarde e o castelo ficava um pouco distante, Amy sugeriu hospedar por aquela noite a pequena princesa e as suas protetoras, coisa da qual elas educadamente recusaram . As duas se despediram e acompanharam elas e Diana, que estava carregando a adormecida princesa no colo, a voltar para casa. Diana disse que era gostoso carregar ela no colo, mas que ainda sentia saudades de quando ocorria o oposto.
Hotaru tinha uma certa pressa para chegar, tinham pedido a Sohar que fosse até a casa delas ainda naquela noite para conversarem um pouco. Ele devia chegar por volta das onze horas. Anne não sabia de nada. Por enquanto, era melhor assim.