Herança

Capítulo 18


Quanta injustiça! A professora ficou brava dela ficar contando vantagem no meio da aula. Mas era a pura verdade! Aqueles meninos eram uns fracotes, molengas, sem fôlego e nem tiveram a coragem ou decência de lhe dar os parabéns pela sua vitória. E ela ainda teve a coragem de deixa-la de castigo por aquilo. Ela só estava comentando! E daí que estava com um odor forte de suor? Os meninos também estavam. Ou ela queria que fosse para casa, tomasse um banho e depois voltasse para a escola?
Injustiça! Aqueles molengas insignificantes nem foram ameaça! Ficaram atrás desde o começo. E ela ainda teve de andar mais sossegada para não parecer um massacre homérico. Humpft! Bem feito para eles, agora aprendem a não chamar as meninas de coitadinhas que só ficam chorando, ou que os direitos são iguais, mas mulher sempre se dá melhor na cozinha. Mil anos de evolução cultural e ainda haviam as mesmas piadas, ou, pelo menos, umas ignóbeis variações das antigas.
Isso era contar vantagem? Claro que não. Nem chamar o Cláudio de lesma ondulante, pois ficava tropeçando toda hora, ou o Akira de perna torta, de tanto se atrapalhar com elas na corrida. Não era mesmo, era apenas a constatação de um fato. Pena que a professora não concordou com aquilo.
E o que ela quis dizer quando a chamou de má vencedora?
Bom, a aula acabou, e era melhor deixar aquilo para lá. ao menos, os meninos iriam ficar encabulados por um bom tempo depois disto. Diana se despediu de suas amigas e foi para casa. Não estava interessada em passear daquela vez. A Anne ia ficar de castigo pela bebedeira e não poderia sair, Serena já tinha ido atrás da Hotaru para passear – não estava a fim de se intrometer na recuperação da amizade delas - e a Marina, ia ficar em casa para fazer os quitutes da semana. Apesar de ainda poder escolher passear com a Suzette ou com a Rita, preferiu, daquela vez, passar o resto do dia em casa, especialmente porque as duas estavam começando a caçar meninos, e, o gosto delas não tinha nada a ver com o seu.
Já fazia tempo que não ficava com sua mãe, e, tinha que admitir que já estava com saudades de brincar com ela. Na verdade, ela estava ficando muito tempo em sua forma humana, o que estava deixando seus pais um pouco preocupados. Nunca alguém de sua raça ficou tanto tempo assim, dia após dia com braços e pernas, voltando a forma felina apenas para dormir. Ela tinha se acostumado demais com aquilo, bastava acordar de manhã e assumir a forma humana, logo saindo da cama da Serena. Estava até aprendendo a cozinhar assim.
Será que seu pai estava certo? Ela estava começando a esquecer como era ser uma malviana? Até há dois anos atrás, ela só assumia sua forma humana em ocasiões raras. Quando foi até o passado, não fez isso uma única vez, e só teve um pouco de experiência nisso quando temporariamente ficou responsável pela chave do portal do tempo. Mas, quando Setsuna voltou, pôde voltar a ficar sossegada de novo, vivendo suas aventuras ao lado da pequena dama. Pelo menos, até ela entrar numa escola pública, e, cada vez mais, ficar difícil ficar junto dela.
Mas isso era passado. Sua vida agora era bem mais alegre, com mais alegrias – e tormentos – bem como uma maneira de ver e fazer as coisas que nunca tinha imaginado antes. Quem diria que ela poderia ficar escolhendo roupas? Ou dançar aqueles ritmos que antes ela apenas observava Serena e as amigas dela? Ela nunca tinha dançado, e, quando o fez pela primeira vez, adorou!
Hum... talvez ouvisse um pouco de música com o cubic music da Serena. Fazia tempo que ela não ouvia sua banda preferida – e também a mais detestada pela sua mãe, mas, fazer o que? Munida de um belo sorriso, ela começou a andar mais rápido em direção a entrada sul do castelo. Já estava ficando ansiosa por ouvir novamente aqueles ritmos que a deixavam alucinada.
Ela parou há cerca de dez metros do portão, e olhou ao redor. Suas narinas, abrindo e fechando rapidamente indicavam que ela estava farejando algo. Algo que não farejava fazia muito tempo, mais precisamente há cerca de dois anos. Ela conhecia aquele odor. Nunca mais iria esquece-lo. O odor de uma criatura maligna, que teve o desgosto de conhecer pessoalmente.
Seguiu pela rua, atrás do rastro que seu nariz indicava. Uma pena haver tanta gente andando por ali, ou ela poderia assumir sua forma felina e seguir melhor a trilha. Mas, mais cedo ou mais tarde, haveria alguma oportunidade para isso.
Ela não prestava muito atenção por onde andava, apenas na trilha. Tudo o que lhe interessava era a trilha. Parecia que ela tinha sido feita há poucas horas, o que a deixou um tanto confusa... como ninguém reparou naquela criatura andando por ai? Será que ele podia se disfarçar? Bom, o seu nariz ele não podia enganar. O problema era que, as vezes, se deparava com uma mistura de odores, que suplantavam o que estava perseguindo. Tinha que andar ao redor de onde a trilha ficava fraca, para recupera-la. Outra coisa que ameaçava atrapalhar era o céu. Haviam nuvens de chuva, pesadas, se formando acima da cidade. Também podia ver clarões de raios distantes. Não ia demorar muito para chover, e, com isso, apagar a sua trilha.
Ela parou ao lado de uma loja de doces para se localizar. Não tinha reparado por onde tinha andado e estava um pouco perdida. Se bem que, era difícil não se achar naquela cidade, bastava procurar o castelo de cristal e pronto, caminho de volta para casa assegurado.
Viu que o castelo estava ao norte, o que significava que sua presa estava indo para o sul – ela esperava, pois do contrário, poderia estar seguindo o caminho oposto, aquele de onde ele tinha vindo, e não para onde tinha seguido. Voltou a olhar para a rua em que estava, tentando descobrir o que ele poderia querer por ali. Notou que alguns dos transeuntes também eram alunos de escolas, passeando depois da aula. Eram facilmente reconhecidos pelos uniformes escolares. Ai! Aquela saia metalizada ficou linda naquela menina... será que ela podia fazer o mesmo com a sua?
Balançando a cabeça para tirar aqueles pensamentos dispersos, ela voltou a farejar o ar e retomou a trilha. Ela descia pela rua até uma pequena viela. Agora sim, estava ficando interessante. A viela era sem saída, o que significava que ele devia ter entrado por uma das portas que estavam lá.
Eram quatro portas, provavelmente portas dos fundos ou de serviço das casas comerciais. Ela seguiu lentamente pela viela, com o seu nariz e ouvidos alertas, para qualquer coisa. Ele tinha entrado na primeira porta a esquerda. Ela olhou ao redor e ninguém que passava na rua estava prestando atenção na viela. Perfeito. Ela tentou a porta e esta se abriu. Na verdade, ela tinha sido arrombada.
Aquilo podia ser perigoso. Talvez fosse melhor avisar alguém, como já tinha feito tantas vezes antes. Se bem que, das outras vezes, eram apenas aqueles fantasmas negros, agora, era aquela criatura com a qual se confrontaram na Lua. O seu líder!
Ela tirou sua mochila das costas e procurou por um visor lá dentro. Só então percebeu que não tinha nenhum. Ela o tinha esquecido em casa, e tinha usado um da escola mesmo, naquele dia. Droga! Teria que andar um bocado até chegar a um comunicador público. Até lá podia perder a trilha. Especialmente porque estavam começando a cair as gotas iniciais da chuva que tinha se anunciado.
Também já estava anoitecendo... puxa! Ela tinha seguido atrás dele por quase duas horas. Sua mãe já devia estar preocupada com ela, pois não tinha avisado ninguém.
É... era melhor mesmo arriscar a perde-lo e avisar alguém. Seria idiotice enfrenta-lo sozinha. Era o que ela ia fazer, quando ouviu um som oco, como se uma pedra caísse no chão, pela porta entreaberta. E se houvesse pessoas lá dentro em perigo? Dificilmente alguma sailor ou guardião iria chegar a tempo. Talvez nem houvesse tempo de chamar alguém... ela tinha que agir, e agora.
Ela assumiu sua forma felina e entrou pela porta. Agora o odor era muito mais nítido e consistente. Ela devia ter feito isso logo de cara. Lá dentro, deparou-se com um estreito corredor que terminava em um tipo de galpão, com muitas caixas empilhadas. Devia ser o depósito da casa. Entrou pela porta a direita e percebeu que aquilo era um tipo de lanchonete, e que ainda estava fechada. As mesas estavam todas com as cadeiras em cima. Estava muito escuro ali para um humano, mas não era nenhum problema para os seus olhos felinos. Só incomodava um pouco não ter mais tanta noção de cores. A direita, havia uma porta no estilo vai e vem. Conhecia o estilo pois era o mesmo tipo que tinha no restaurante de Lita.
Devagar, ela avançou até ela, e pôde perceber sons estranhos. Parecia que alguém estava arranhando um metal em uma parede, em um compasso constante. Ela ficou nas patas traseiras para poder empurrar a porta. Foi um pouco difícil, mas conseguiu. Passou por ela e viu que estava na cozinha, exatamente como o esperado.
Era uma cozinha moderna, apenas com um robô – desligado – em um canto e um armário metálico contínuo em uma das paredes, onde deveriam estar guardados os alimentos – pelo cheiro, era fácil perceber isso. Em outra parede, estavam os equipamentos de processamento e cozimento da comida. Na parede a esquerda havia uma porta aberta, que dava em uma escada de cimento. O som era mais forte nesta direção.
Quanto mais ela descia, mais forte o som ficava, e, também mais forte o seu coração batia. Talvez não tivesse sido assim uma boa idéia...
Ao chegar ao fim das escadas, percebeu que estava em um tipo de porão, apenas com um monte de tralhas jogadas nas paredes – ela não conseguia saber o que eram aquelas coisas, mas pareciam ser peças de metal de alguma coisa. No canto a direita, perto da parede, ela viu a origem do som.
Era um buraco, e, alguém estava dentro dele, jogando terra para fora. Também podia ver pedaços do piso destroçado um pouco espalhados ao redor do monte de terra. O que a deixou impressionada foi que, seja quem for que estivesse cavando, o fazia com as mãos, mas o som era similar a uma pá.
Ela foi para um canto do porão, atrás de algumas daquelas peças, para ficar melhor escondida, e ficou observando com cuidado. Mesmo lentamente, a mão que jogava terra para fora, ficava mais e mais baixa, conforme o buraco ia sendo aprofundado. Olhou ao redor novamente para tentar entender o que eram aqueles objetos ali. Pareciam tubos e vigas de metal. Havia também um tipo de cortina encerada, dobrada em um canto, e chapas metálicas compridas.
Claro! Eram partes de uma barraca desmontável! Ela já tinha visto aquilo antes, nos festivais feitos na escola, onde ela mesma ajudou a montar aquele tipo de barraca. O dono da lanchonete também devia ter uma barraca para algum tipo de evento sazonal. Vendo que talvez fosse ficar ali por algum tempo, ela se deitou e ficou observando atentamente, embora já estivesse ficando enfadada daquilo.
Um bom tempo depois, quando ela já estava quase caindo no sono, os sons de escavação cessaram. Ela olhou em direção ao buraco e não viu nada, exceto um cone feito de terra retirada. Mas sabia que ele estava lá, pois podia ouvir sua respiração. Ela ficou imóvel, respirando devagar, tomando o máximo cuidado para não ser percebida.
Ela o viu saindo do buraco, em um único salto. Como ele era alto! Bem mais do que se lembrava. Na sua mão, tinha alguma coisa bem pequena. Parecia ser uma lasca de vidro ou quartzo. Ele a colocou em uma pequena bolsa e, olhou ao redor. Sua testa curva estava franzida. Parecia que ele estava farejando alguma coisa...
Seus instintos dispararam um alerta. Talvez estivesse farejando a ela! Afinal, ele era um felino também, provavelmente com os mesmos recursos que ela tinha. Ficou sem respirar por um tempo que considerou ser muito longo, até que percebeu que ele não parecia mais estar procurando alguma coisa. Ele tocou em algo no seu pulso esquerdo e, ele... ele virou um humano! Um humano comum, em todos os sentidos, vestindo um sobretudo. Incrível! Ele tinha um disfarce, e muito bom. Não era a toa que conseguia andar pela cidade sem ser percebido, mas não pôde enganar o seu nariz. Que informação tinha conseguido. Só ela já valia toda a bronca que sua mãe iria lhe dar, por não avisar aonde tinha ido.
Pensando bem, era melhor contar isso antes da bronca...
Ele foi para as escadas e saiu do porão. Ela o seguiu momentos depois. Chegando ao pé das escadas, viu que ele não estava nela – devia ter subido rápido, ou pulado os degraus – correu um pouco por ela, e, antes de chegar ao topo, tomou o cuidado de averiguar se ele já tinha saído. Barra limpa! Passou pela cozinha, pela lanchonete e de volta ao estreito corredor. Não o viu em parte alguma, e já achava que o tinha perdido.
Ao sair de volta na viela, o percebeu entrando de volta na rua, e, decidiu segui-lo para ver aonde iria agora. Tinha chovido enquanto ela estivera lá dentro. E bastante. Correu pela viela e saiu na rua, logo localizando-o, andando calmamente, porem com passos firmes, por esta. Continuou a segui-lo, mantendo uma certa distância.
Andou muito. Muito mesmo. Ele parecia não se cansar – bem, ela também não se sentia cansada – mas agia de uma forma um tanto rude. Não olhava ao redor, nem mesmo para os lados, apenas em frente. Passaram por várias praças, onde o cheiro de comida de ambulantes a lembrou de que não tinha jantado ainda. Apesar do protesto de seu aparelho digestivo, ela continuou seguindo-o, até parecer que estavam começando a sair da cidade. Devia ter andado coisa de dez quilômetros já. Ela olhou para trás e viu as luzes do castelo, mas este estava muito distante. Ela devia estar próxima a periferia da cidade. Olhou para a frente novamente e... onde estava ele?
Ela correu até o último ponto em que o viu. Que droga! Só tinha se distraído por alguns segundos e o perdeu de vista. Começou a farejar no chão úmido, tentando descobrir para onde tinha ido, mas não conseguiu nada. Só encontrou a trilha que ele tinha feito para chegar até ali, mas não para onde foi. Parecia que ele tinha desaparecido em pleno ar ou... ho-ho!
Ela olhou para cima enquanto estava pensando, mais por um movimento involuntário do que para procura-lo realmente, mas, antes mesmo que seus olhos percebessem alguma coisa, ela já tinha avaliado um detalhe importante... se ele estava ali, só podia ser por um motivo: pular em quem estava embaixo. Ela o viu descendo, e ficou com o corpo paralisado. Ele devia ter pulado para o poste de luz, e, agora estava voltando, para cima dela, com as mãos abertas. O disfarce devia ser apenas um holograma, portanto, eram suas garras que deviam estar abertas.
Lutando contra seus instintos, ela se forçou a pular de lado, bem a tempo de escapar de ser fatiada. Suas mãos atingiram a calçada, penetrando um pouco nesta. Ela não ficou ali para ver o quanto tinham penetrado, tratou de sair correndo desesperada, seguindo pela rua, ao lado de um muro que cercava algum campo, talvez de futebol. Se este não tivesse uma tela para evitar que bolas perdidas caíssem na rua, ela o pularia. Poderia escala-la, mas temia que ele fosse mais rápido, e a alcançasse antes que atingisse o topo da tela.
Ela só podia correr desesperada, ouvindo os passos rápidos dele na calçada, se aproximando. Ela olhou para trás e ele estava há uma certa distância ainda, mas, positivamente, estava atrás dela. Droga! Talvez apenas quisesse uma aventura de caçada, como ela também fazia as vezes, mas, como não sabia se ele deixaria a presa viva, era melhor não deixar ele vencer o jogo. Mas como escaparia de alguém que devia ser tão ameaçador assim? Não via nenhum buraco a vista, muito menos um carro onde pudesse se esconder embaixo. A rua estava deserta, como muitos outras, já há algumas quadras.
Mas ela tinha uma coisa a seu favor. Podia usar um truque que sempre tinha dado certo, quando algumas pessoas corriam atrás dela, em sua forma felina. Especialmente quando ela roubava peixes de restaurantes – pegou esta mania de seu pai – só precisava chegar na esquina com uma certa vantagem. Olhou para trás novamente e viu que tinha uma vantagem suficiente. A esquina estava há poucos segundos a sua frente. Era agora. Mentalizou o que iria fazer, e, renegando os seus instintos, que exigiam que simplesmente continuasse correndo até não poder mais, firmou-se em sua decisão.
Assim que virou a esquina, reassumiu sua forma humana, e começou a andar na direção oposta, em direção de onde ele iria aparecer, quando dobrasse a mesma esquina. Ele logo surgiu, passando por ela e indo adiante. Ufa, tinha conseguido! Era só tomar alguma distância e sair correndo.
Andava bem calmamente, ouvindo as passadas dele se afastarem. Quando... elas... elas... elas pararam. O som das passadas tinha parado! Ele não estava mais correndo, e não tinha ido muito longe, apenas uns dez metros, talvez. Começou a tremer, mas evitou que isso fosse demonstrado, se forçando a andar calmamente, fingindo não saber quem era aquela pessoa alta de sobretudo.
Seu coração pulou quando recomeçou a ouvir os passos dele. Mais calmos, mais compassados. Só que... eles estavam se aproximando. Ele estava indo na sua direção. Ela dobrou a esquina, segurando-se para não sair correndo, para não dar nenhuma pinta de que era ela quem ele estava perseguindo. Não havia como ele saber quem era ela, não havia mesmo. Ele devia ter desistido da perseguição ao notar que sua presa desaparecera. Devia ter sido isso. Tinha que ser isso.
Logo ela ouviu os passos dele também dobrarem a esquina. Devia estar há menos de dois metros dela agora. Ele andava bem rápido. Esforçando-se para não olhar para trás, para evitar de se trair, ela continuou no mesmo compasso. Mesmo quando ele emparelhou com ela, manteve-se firme, no controle de seus instintos, que gritavam para agir, para correr, para fugir do perigo. Desta vez, era melhor controla-los.
Ele passou por ela e continuou a sua frente. Ela suspirou profundamente. Logo suas passadas largas o deixariam distante, e ela poderia cair no chão de joelhos, e tremer sem restrições. No entanto, por ora ela... ela... NÃO!
Ele tinha se afastado apenas um metro dela, apenas o bastante para ela inalar uma boa quantidade de ar para suspirar de alívio, mas não pôde faze-lo. Quando estava com os pulmões cheios, ele se voltou e a agarrou pelos ombros, erguendo-a cerca de vinte centímetros, deixando seus olhos na mesma altura que os dele. Ele era muito alto mesmo.
Mesmo assim, ela continuava a tentar manter seus instintos sob controle.
- O que... o que você está fazendo? Quem é você?
Ele sorriu. Apenas isso. Ele simplesmente sorriu. Não um sorriso sarcástico ou de triunfo, mas um simples sorriso humano de satisfação. Aquele disfarce que ele usava era realmente muito bem feito. Não podia enganar o seu nariz, mas tinha que reconhecer, era muito bem feito mesmo.
- Acha mesmo que apenas o seu olfato é apurado, malviana? - disse ele em uma voz gutural, bem natural para alguém com boca de tigre.
Ela começou a perder o controle de seus instintos. Ele sabia! Sabia quem e o que ela era. Podia fareja-la também, mesmo em forma humana. Mais do que isso, ele conhecia a sua raça. Nunca iria esperar por aquilo. Precisava fugir dali! Agora! Imediatamente! De qualquer jeito! Começou a se transformar quando ele torceu os seus dois braços para trás, causando-lhe uma grande dor. Ela teve que parar de se transformar e voltar atrás, do contrário, seus braços seriam arrancados. Ele a manteve deste jeito. De joelhos, os pulsos unidos as suas costas, mantidos pela sua forte e inescapável mão – ou pata - e ele ainda os erguia o máximo possível assim. A dor era tanta que ela pensava que seus braços seriam rompidos na altura dos ombros a qualquer momento.
- Não tão rápido, mocinha. Não pense que vai ir embora assim, bem debaixo de meu nariz. Se continuasse como felina e seguisse seus instintos, acabaria indo para um lugar em que eu seria grande demais para passar. Mas ficou muito poluída com esta sua humanidade parcial inútil. Agora... o que faço com você?
Ela ouviu um som seco, muito forte, ao lado de sua cabeça. Instintivamente olhou na direção de onde ele veio e viu as suas garras – ele não estava mais disfarçado de humano – cravadas na parede de concreto. Tinham penetrado completamente nesta, coisa de três centímetros! Se podia fazer isso em concreto, o que não faria com a sua carne?
- Você pode me localizar – murmurou ele com a cabeça próxima da sua, mas, provavelmente, não falava com ela, e sim para si mesmo – e isto pode ser um grande incômodo.
Ela tentou se libertar, entregando-se totalmente aos seus instintos. Tinha tentado com o raciocínio, e, já que este falhou, não tinha muito a perder agora. A não ser, apenas a sua cabeça. Tudo o que conseguiu foi ficar mais dolorida ainda, e a beira do pânico irracional. Ela virou a cabeça para trás o mais que pôde e viu a cabeça dele. A cabeça de um tigre, com olhos frios, impessoais. Não estava mais com o disfarce humano.
Apesar da visão assustadora, não era o seu corpo que a assustava, muito menos as suas garras, ou o porte ameaçador dele. Eram o seus olhos. Olhos que ela conhecia bem, pois já os tinha visto diversas vezes, em muitos gatos terrestres. Os olhos de um caçador observando sua presa antes do bote final.
Diana começou a gritar desesperada, na esperança de que alguém a escutasse.