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Niall havia sentido falta de Julie no café da manhã. Decidiu ir até o quarto dela para ver se estava tudo bem.

- Julie! – Ele bateu na porta. E de novo, e de novo. Nada.

Percebeu que a porta estava aberta e então se atreveu a entrar.

O quarto estava limpo, arrumado, como se nunca alguém estivesse estado ali. Entrou, abriu armários e gavetas, e a maioria das coisas que havia dado a ela estava ali. Mas era visível que várias outras estavam faltando. A cama estava feita, e apenas um pedaço de papel revelava que a presença dela não havia sido um sonho de Niall. Ele pegou o papel e leu apenas uma palavra: “Desculpe-me”.

Niall não podia acreditar, ela havia partido. Amassou o papel com toda a força e deixou seu corpo de sentar na cama, acabado. Se perguntava se havia feito algo de errado, se fora algo que havia dito, revia todas as suas conversas... Nenhum sinal de que algo errado tinha acontecido. Assim como aquele bilhete, a pergunta que rondava os pensamentos de Niall também só tinha uma palavra: “Por quê?”.

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- Jass, essa jovem chegou montada no cavalo de Kate. – Um homem alto e forte chegou segurando Julie pelo braço.

- O cavalo de Kate? – Jass perguntou e olhou para a jovem – Como conseguiu?

- Foi ela que me emprestou, preciso de um lugar pra ficar. – Julie disse rápido.

- É claro que foi ela que lhe emprestou, não conseguiria tomar o cavalo de Kate nem se quisesse! Como conseguiu que ela lhe emprestasse? – Jass cruzou os braços.

- Nós nos tornamos parceiras. Descobri o segredo dela e contei o meu. Um segredo pelo outro. – Julie olhou nos olhos de Jass.

- Vou te contar o meu segredo: você só fica aqui, se eu quiser. Portanto, abra logo o bico. – Jass sorriu.

Então Julie contou tudo a ela, ali mesmo, no meio de tudo aquilo; se estivéssemos numa cidade ali seria uma praça. A diferença é que as pessoas não estavam ali só de conversa. Tinha gente assando algum bicho na fogueira, mulheres costurando roupas, homens fazendo espadas, crianças brincando com pedras, espadas, brincando de roda.

Quando Julie terminou Jass tinha os olhos arregalados.

- Uau. É uma história e tanto. – Ela passou uma mão pelo rosto – Você terá um lugar pra ficar aqui. Vamos pensar em uma maneira de livrar o seu pai do controle deles. Se fosse meu pai, faria o que fosse preciso... – Jass completou em tom triste – João leve-a para o meu quarto. Ficará comigo.

- Tem certeza minha senhora? – Perguntou o homem que segurava Julie. Estava desconfiado.

- Vou dar meu voto de confiança a ela. – Jass olhou para Julie – Eu só costumo fazer isso uma vez. Você terá com o que se lavar. Almoçamos juntos, não se atrase. Ah, e João... Peça pra alguém pegar o estorvo ali, - apontou para Zayn – e levá-lo para ter um pouco de higiene e comida. Amarre-o novamente pelo pé, dentro do antigo celeiro. Arranque as portas, quero vigiá-lo a distância. E... – Ele chegou perto de João, para encará-lo nos olhos – Se deixarem que ele fuja, o número de pessoas vivas aqui irá diminuir entendido?

João acenou com a cabeça, firme, e levou Julie.

De longe, Zayn não podia acreditar no que seus olhos viam. Aquela era Julie? O que ela fazia ali?

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- Atenção! – Liam gritava aos homens postos ombro a ombro – Agora, peguem suas espadas! Lutaram uns contra os outros. Quero conhecer suas táticas.

O primeiro pensamento de Kate foi simples: “É só ele não jogar o brutamontes pra mim”. Mas quando Liam começou a dizer as duplas, foi exatamente o que aconteceu.

Ele fizera isso de propósito, era óbvio. Kate era a menor, era boa com as mãos, arco e flecha, escaladas e até corrida, agora... Espadas? Jass sempre fora a melhor nessa parte. Liam mantinha o sorriso no rosto, parecia que podia ler os pensamentos de Kate, que fazia de tudo para não parecer tão desesperada como de fato estava.

Com um pouco de sorte, Kate tirou o maior graveto. Seria a última a disputar, só o faria depois do almoço. “Tenho tempo”, pensou. Mas tempo pra quê? Sair correndo?

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- Niall, o que esta fazendo aqui? – Claire passou em frente ao quarto de Julie e viu Niall pela porta aberta. Ainda estava sentado na cama, olhando através da janela – Onde está Julie?

- Ela foi embora. – A voz saiu grossa.

- Como? Embora? Pra onde? – Claire se desesperou.

- Não sei. Ela se foi e não teve a decência de deixar outras explicações senão um seco “desculpe-me”. Como posso desculpá-la Claire, se não sei por que ela fez isso? – Niall olhava para Claire com os olhos em desespero.

- Niall, eu não sei o que dizer... Sinto muito. Sei o quanto estava começando a gostar dela...

- Estava. Mas foi melhor assim. – Niall se levantou e saiu andando dizendo – É mais fácil terminar algo que nem havia começado por completo.

Claire ficou sentada com os olhos cheios de água. Não gostava de ver Niall assim.

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A hora do almoço chegou. Na aldeia da floresta, duas enormes mesas de madeira eram colocadas no centro da vila. Todos se sentavam e se serviam. Antes de comerem, porém, todos se viravam para a ponta da mesa, onde Jass se sentava.

Zayn observava a tudo de dentro do celeiro em desuso. Era impressionante o que Jass significava para aquele povo. Durante o dia, ele cansara de ver quantas pessoas entravam e saiam de uma tenta montada perto de onde as mesas haviam sido colocadas. Jass os recebia ali e todos sempre saíam satisfeitos, apertando-lhe a mão e fazendo elogios. Ela era a rainha daquele lugar e aquilo simplesmente não fazia sentido para Zayn.

- Irmãos e irmãs. – Ela começou seu discurso ficando de pé – Mas um dia os deuses nos deram o que comer. Agradeçam a eles em suas orações e nunca se esqueçam de sua bondade e proteção para conosco. Louvado sejam os deuses!

- Louvados sejam os deuses! – O povo repetiu – E vida longa ao Anjo Negro! – Acrescentaram.

“O que? Anjo Negro?” Zayn pensou. “O Ladrão Negro era o Anjo Negro para aquele povo? Que mundo é esse?”

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- Niall, onde está Julie? – O Rei chegou a perguntar durante o almoço.

- Não falaremos mais este nome nessa casa. – Foi tudo o que Niall respondeu.

Louis olhou para Claire procurando respostas, mas com seu balanço da cabeça, com os olhos tristes, ele decidiu perguntar depois.

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- Está pronto para sua luta? – Liam perguntou. Kaio estava sentado em uma pedra, olhando o horizonte que se podia ver ali do alto.

- Não sei por que, mas tenho a impressão de que aquele com quem vou lutar hoje não é meu verdadeiro inimigo aqui. – Kate se pôs de pé, encarando Liam da forma mais máscula possível.

- Está sugerindo que me tem como inimigo? – Liam cruzou os braços.

- Não sou de ficar sugerindo nada, sou bem claro no que digo. E o que estou dizendo é que você escolheu o pior oponente de propósito.

- Não existem oponentes bons em uma guerra rapaz! Deveria me agradecer por te dar a chance de treinar mais forte! – Liam chegou mais perto.

– Pois bem. Se é assim que Vossa Majestade quer, que seja! - Kate deu o passo que faltava para cobrir a distância entre eles – Mas a cada golpe que eu der naquele saco de banhas, é em Vossa Majestade que eu vou pensar.

- Está me ameaçando? – A voz de Liam saiu forte e bravejante.

- Não... – Kaio cobriu o espaço que faltava para que os dois ficassem cara a cara – Estou treinando para o dia em que o senhor finalmente se tornar homem o bastante para se colocar contra mim em duelo. – Kaio passou pelo príncipe e saiu andando.

- Eu sou um príncipe! Deve-me respeito! – Ele gritou.

- É só por isso que ainda vive. – Kaio disse ainda de costas.

Quando Kaio chegou ao centro do campo de treinamento tudo já estava pronto. Seu inimigo o esperava há uns vinte passos à frente. Liam já recuperado, mas ainda com os olhos furiosos, estava sentado num tablado elevado, como se fosse assistir a uma peça de teatro.

O brutamonte tinha as duas mãos envoltas do punho da espada. Kate se lembrou sobre o Jass sempre dizia sobre isso: “Força exagerada e agilidade comprometida”.

Então Kaio tirou sua espada com uma mão apontando-a para baixo. E com a outra mão chamou o adversário. “Vamos! A luta é pra hoje!” disse.

O homem veio quase trotando. Era pesado como um boi, forte e grande. Kate então pensou rápido, se o deixasse nervoso e cansado, ele perderia qualquer tática. Se é que tinha alguma.

O primeiro golpe dele era óbvio. Reto, para rachar a cabeça. Kaio aproveitou o tamanho e passou por entre suas pernas, deslizando. Com um golpe com o punho da espada no final da coluna, já o fizera encurvar de dor. Os golpes com espada eram simples: “direita, esquerda, direita...” Kate contava mentalmente. E então depois de se defender, enfiou seu com o pé no peito do grandalhão. Ele cambaleou para trás, mal podia se defender dos golpes de Kate, que eram cada vez mais fortes. Ela mantinha a força através dos pensamentos. De todos ali, ela era quem mais tinha motivo para lutar. De repente, depois de um giro, ela chutou alto o bastante para acertar a cabeça do gigante, que caiu desarmado.

Os olhos de Kaio estavam vermelhos de ódio, o gigante a encarava com medo de que fizesse o pior. Ela abaixou e pegou a espada do adversário. Com os olhos molhados, seguiu em direto a Liam que se pôs de pé, incrédulo. Jogou as duas espadas, que pararam cravadas há poucos centímetros dos pés do príncipe. E olhando nos olhos dele disse:

- Mais forte. – Em seguida lhe deu as costas e seguiu para o meio da floresta.