O cavalo se movia tranquilo pela estrada de terra ladeada pelas pedras e pela grama, cruzou a pequena ponte de madeira até o calçamento da cidade. O movimento embalava Emma que estava acostumada apenas com o próprio carro. Apesar do sol, a temperatura era agradável. Fechou os olhos sentindo uma brisa leve, e não soube dizer se o perfume que sentia vinha das flores que cresciam por perto ou da mulher a sua frente.

–Quer conhecer a cidade? - Regina ofereceu.

Emma sacudiu a cabeça saindo de seu transe.

–Não é muito grande, não vai tomar muito de seu tempo. - Ela continuou.

–Ah, claro... - Emma se endireitou, prestando atenção ao seu redor.

–Por ali, - Ela apontou. - Na estrada principal por onde você chegou, ficam as fazendas de criação de animais. Eu pedi que recolhessem os da sua fazenda para que não passassem fome... por ali tem o ferreiro, o mercado... pra lá tem o hospital e a igreja, depois tem a praça, a praia... pra lá tem o hotel e o bar, a casa de banho...

A empolgação no tom de voz da prefeita era perceptível, interrompe-la não era uma opção. Emma provavelmente não ia se lembrar de tudo, felizmente haviam placas de indicação para todo lado.

–...ali é a biblioteca, e finalmente a prefeitura!

O cavalo parou em frente ao casarão branco. A cor o fazia se destacar dos demais, parecer maior do realmente era, mas a arquitetura era semelhante.

–Você tem que descer primeiro... - Regina informou.

–Ah, sim! - Emma estava distraída.

A morena segurou sua mão novamente e a ajudou a descer. Emma não gostava de ter que receber ajuda, mas era menos constrangedor que cair de cara no chão. A prefeita também desceu, amarrou o animal numa da pilastras da entrada, e abriu a porta.

–Entre! - Ela convidou.

Emma a seguiu pelo interior da prefeitura. O piso era de madeira, bem polido. Os cômodos em volta sugeriam que além de local de trabalho, também era a residencia da prefeita. Enquanto subiam as escadas para o segundo andar, Emma observava os quadros nas paredes, figuras elegantes apesar de não reconhecer os autores. O corredor adiante tinha sua extensão forrada por um tapete, terminando na porta do escritório. Regina abriu-a e deixou Emma entrar. Este ambiente era mais sóbrio, provavelmente para evitar distrações. Atrás da enorme mesa de trabalho, havia uma janela com vista para a cidade inteira.

–Por favor, fique a vontade. - Regina indicou uma cadeira e pôs-se a procurar a chave que viera buscar.

–Obrigada. - Emma se acomodou. - Muito bonito aqui...

–Ah! Obrigada, eu tinha mais flores mas acabaram secando e não tive tempo de repor ainda... achei!

Regina caminhou de volta até a mesa, chave em mãos, abriu uma gaveta e tirou uma pasta.

–Se importa de assinar alguns documentos...?

–Do que se trata?

–Transferência de título, - Ela passou o documento à Emma - diz que a fazenda é legalmente sua, que te entreguei a chave... E outras burocracias.

–Okay... - Emma correu os olhos sobre o papel e o assinou. - Aqui.

Regina pegou o documento de volta e conferiu.

–Certo... Aqui está a chave. - Entregou-a. - Quer carona de volta?

–Hm? Não precisa se incomodar... - Emma tinha andado a cavalo o suficiente por hoje.

–De modo algum, eu insisto... - Regina se levantou.

–Não precisa, eu... aproveito para visitar alguns pontos da cidade...

Regina fez uma pausa, percebendo que Emma estava sendo evasiva.

–Tudo bem... então, permita-me pelo menos acompanhá-la até a porta.

Emma sentiu que talvez tivesse magoado a prefeita, mas agora o estrago já estava feito.

–Claro, por favor...

As duas seguiram para fora do escritório, pelo corredor, pela escada, e pelo hall. Regina abriu a porta da frente e deu passagem para Emma.

–Sei que essa não é sua intenção, - A prefeita começou. - mas peço que considere ficar com a fazenda. Tenho certeza que seria financeiramente mais vantajoso do que vende-la.

–Com todo o respeito, eu não tenho a menor ideia de como cuidar de uma fazenda.

–Mas isso não é problema, a biblioteca da cidade oferece livros sobre a maioria das coisas que precisa saber. Basta sua boa vontade.

Emma estava ficando sem argumentos.

–E se tiver alguma dificuldade, pode me chamar que eu farei o que puder para ajuda-la. - A prefeita sorriu.

–Muito obrigada. - Emma já estava sem graça. - Eu vou considerar.

Um ultimo aperto de mão e Emma seguiu pela rua, ouvindo a porta da prefeitura se fechar. Fez o caminho de volta à fazenda, observando as ruas, as pessoas, o movimento... A cidade era realmente pequena! Provavelmente por isso a prefeita teve tempo de tratá-la pessoalmente. E levar pra passear de cavalo. E oferecer ajuda com a fazenda. Enfim.

Cruzou a grama alta até a varanda da casinha de madeira. Tirou a chave bolço, colocou na tranca e girou. A porta rangeu e se abriu, deixando a luz do sol iluminar a sala. Emma entrou e pôs-se a abrir as cortinas e janelas. Não estava tão empoeirado mas o cheiro não era dos mais agradáveis, provavelmente alguma coisa apodreceu na cozinha. Deu uma volta pela casa; na sala, o jornal estava aberto, as palavras cruzadas quase completas, o controle da TV jogado sobre o sofá. No quarto, a cama levemente desarrumada, como se alguém tivesse deitado sobre os lençóis para um cochilo e levantado as pressas, um par de botas de trabalho ao lado. No banheiro as toalhas estavam bem dobradas, um par de escovas de dente num copo em cima da pia, alguns outros produtos numa caixa sobre a bancada. E finalmente na cozinha, louça seca no escorredor, alguns mosquitos comendo migalhas sobre a mesa vazia. Quem quer que tenha saído dali, não tinha intenção de demorar.

Emma ouviu um barulho familiar. Era seu estomago. Fome. Como a casa era sua, foi logo abrindo os armários, e avaliando o que era comível. Se livrou dos alimentos vencidos (jogou tudo pela janela, a natureza que se encarregue, é uma fazenda), ao final da limpeza não tinha sobrado muita coisa. Estava com preguiça de cozinhar, então comeu uma barra de chocolate duvidosa que encontrou numa gaveta e foi tirar um cochilo no sofá. Talvez fosse melhor jantar na cidade.