Hajimaru

Capítulo 9 - Ovo Quebrado



Logo após entregarem os últimos documentos para o Diretor, os quatro Guardiões se retiraram, e agora andavam sem pressa pelo pátio da escola, sem nada para fazer e com preguiça demais pra ir pra casa.


– Você parece bastante contente hoje, Tsukasa-kun... alguma coisa boa aconteceu? - Midori perguntou de repente, despertando o mais novo de seus pensamentos enquanto ele cantarolava baixinho, completamente alheio á conversa dos demais
– Ah... n-não, não é nada, Midori-san...
– Pois pra mim a Midori tem razão, você está contente demais pra alguém que quase apanhou alguns minutos atrás - Aruto alfinetou - Anda, desembucha logo, o que aconteceu??
– Não é nada demais, é só que... bem, eu estava pensando... sobre aquele menino do clube de artesanato, o Nikaidou-kun - Tsukasa contou, vendo que eles não iriam parar de importuná-lo até que ele falasse - Nós nem fizemos grande coisa por ele, mas aquele garoto nos tratou como se fôssemos heróis ou coisa do tipo... e olha que por pouco nós não acabamos apanhando também junto com ele! Então eu estava pensando... quando comecei com a idéia do Conselho Estudantil nessa escola, eu sabia que a maioria dos alunos não iriam gostar, que nos causariam problemas, e que poderiam até tentar fazer alguma sabotagem para derrubar o Conselho... mas eu nunca pensei que também poderiam haver aqueles que gostassem da idéia de ter um Conselho Estudantil aqui no colégio e que nos dariam apoio.... isso é tão... n-não sei, me faz sentir uma coisa quente no peito... eu fiquei realmente muito feliz em saber que, apesar dos problemas, também existem aqueles que estão do nosso lado
– Tsukasa-kun... - Midori emocionou-se com as palavras do amigo. Assim como Tsukasa, ela já tinha passado por maus bocados por causa dos senpais da escola, e sabia que quase todos os alunos seriam contra o Conselho quando Tsukasa o propôs. Pensando bem, era um sentimento realmente reconfortante saber que também haviam aqueles que gostavam dos Guardiões e que estavam dispostos a apoiá-los. Pensou em dizer isso, mas antes que o fizesse, Mikoto se jogou em cima do mais novo, abraçando-o com apenas um dos braços pelo pescoço, enquanto bagunçava seus cabelos loiros com a outra mão
– O que é isso, você realmente achou que a escola inteira ficaria contra nós, Tsukasa?! Se fosse assim, seria impossível criar um Conselho, isso seria o mesmo que suicídio! - a ruiva exclamou sorridente enquanto bagunçava os cabelos dele
– A Mikoto tem razão, você devia saber que pelo menos os calouros iriam nos apoiar, eles passam pelos mesmos problemas que a gente afinal - Aruto lembrou - Isso sem falar que, se até os alunos mais novos estivessem contra a gente, eu nem teria aceitado participar desse Conselho pra início de conversa
– Mas... mesmo que vocês estejam certos, acho que posso entender um pouco o Tsukasa-kun - Midori acrescentou, com um sorriso nos lábios - É muito encorajador saber que também há aqueles que estão do nosso lado... parece que nos dá forças pra continuar seguindo em frente e não desistir
– Isso também pode ser refletido nos corações de vocês, Midori - a Chara da garota falou, sorrindo docemente para a dona - Esse "sentimento quente" que o Tsukasa-kun falou é a alegria reconfortante, que está preenchendo pouco a pouco os corações de cada um de vocês, e por verem que existem pessoas lhe apoiando, e dando forças pra vocês seguirem em frente
– É como uma doce melodia iluminando e confortando seus corações - Jiyuu cantarolou
– Ou como um abraço caloroso e protetor de uma mãe - a Chara de Mikoto acrescentou
– Lembre-se que até mesmo um adulto não pode fazer tudo sozinho. Até mesmo os adultos precisam da colaboração das crianças de vez em quando, Tsukasa - Mirai completou
– Aliás, falando em colaboração - a Chara de Midori falou - Aquele menino que encontramos antes, do clube de artesanato... vocês não sentiram uma aura estranha nele?
– Ahh! Então você também sentiu, Hime-chan? - Jiyuu indagou
– Sentiram o que? O que tem o Nikaidou-kun? - perguntou Tsukasa
– Bem, vocês sabem.... como vocês quatro são as únicas crianças dessa escola que possuem Shugo Charas, os outros estudantes têm uma aura diferente da de vocês - a Chara de Mikoto contou - Mas aquele menino era diferente. A aura dele... era mais parecida com a de vocês do que com a dos outros alunos
– Sério mesmo Haa-san?! - Mikoto indagou incrédula, e a Chara confirmou - M-Mas então isso quer dizer...
– ... quer dizer que ele tem um Shugo Chara - concluiu Tsukasa
– Sim, é possível... a aura era bem fraca, então pode ser que o Chara dele ainda não tenha nascido - Mirai contou
– Vai ser bem engraçado quando nascer... o menino provavelmente vai ficar apavorado! Lembram como nós ficamos?! - Aruto perguntou, e os outros confirmaram, rindo de como tinham ficado assustados com uma coisa tão maravilhosa quanto o nascimento de um Shugo Chara
– Bem, é possível, se ele nunca ouviu falar sobre Shugo Charas antes - Hime falou - E é por isso mesmo que, como senpais dele, vocês deviam colaborar um pouco e ajudar aquele garoto, explicando sobre o que são os Shugo Charas, pra ele não ter uma reação ruim e sair correndo apavorado por exemplo, entendem?
– Sabe, até que não é má idéia... - Midori murmurou, começando a se empolgar
– Então vamos fazer isso! Vamos falar com ele! - Tsukasa exclamou
– Mas como?! Não sabemos nem onde aquele garoto está! - lembrou Mikoto
– Nós sabemos sim - o Rei respondeu - Ele falou que estava construindo um robô junto com o sensei, lembra? Deve estar no clube de artesanato.


Sem dizer mais nada, Tsukasa saiu correndo, e os outros não tiveram outra opção além de segui-lo, até que, alguns minutos depois, viram-se diante do clube de artesanato da escola. Tsukasa fez mênção de bater na porta, mas hesitou ao ouvir gritos vindo do interior da sala. Reconheceu imediatamente a voz que gritava como sendo a de Nikaidou.


– Por que... ele está gritando...? - o mais jovem perguntou, sem saber o que fazer
– Acha que aqueles caras de antes podem estar incomodando ele de novo? - Mikoto sugeriu
– Mas não parece ter mais ninguém lá além do Nikaidou... sem falar que ele não parece estar assustado, e sim com raiva - observou o garoto mais velho
– Na verdade, mais do que isso - disse Mirai - O coração desse menino... ele estava tão radiante da primeira vez que o vimos, mas agora... parece estar repleto de angústia e tristeza. E também... ah não, isso é mal!
– O que? O que foi Mirai?? - o Rei indagou
– Esse garoto... ele realmente possui um Ovo do Coração, mas... se continuar desse jeito, vai acabar se transformando em um Batsu Tama - Mirai falou em um tom sombrio que nunca tinha usado antes
– Mirai... o que é um Batsu Tama?
– Não há tempo pra isso - o Chara falou, sem dar atenção ao dono - Vocês precisam impedir o que quer que esse menino esteja fazendo antes que seja tarde demais!


Ainda sem entender completamente o que o Chara estava dizendo, Tsukasa abriu a porta e adentrou a sala, sendo seguido pelos demais. Haviam várias ferramentas, parafusos e fios coloridos espalhados por todo o chão da sala, e de frente para uma mesa estava Nikaidou. O garoto estava de costas para eles, mas pelo que podiam ver, ele estava com um martelo na mão, surrando uma sucata de metal que um dia devia ter sido um robô. O garoto continuava gritando e surrando o pobre metal estraçalhado, e não parecia nem sequer ter percebido que não estava mais sozinho na sala. No canto da mesma mesa, assim como os Charas haviam dito, estava um Shugo Tama que pertencia a Nikaidou.


– Falha outra vez... por que?! Por que eu não consigo fazê-lo, seu pedaço de lixo?!!
– Nikaidou... kun? - Tsukasa chamou meio apreensivo - Etto... p-por que você está fazendo isso? Se acalme por favor, você vai acabar se machucando!
– Ei, não ouviu o Rei? - Aruto segurou o braço do segundanista, impedindo-o de dar o "golpe final" com o martelo nos destroços do robô - Ele mandou você parar. O que pensa que estava fazendo afinal?!
– Guar... diões... - Nikaidou virou-se para encará-los, ainda ofegante, e um tanto assustado por ver a sala cheia de repente - Só estou destruindo um pedaço de lixo, qual o problema? - ele resmungou depois de se recuperar do choque, puxando o braço de volta
– Como assim "lixo"? Você não disse que queria construir esse robô junto com o seu sens...
– O sensei desistiu!! - Nikaidou gritou, interrompendo a Rainha - A esposa dele adoeceu, e ele desistiu de criar a "boneca que carrega chá". Pensei que poderia criá-la sozinha, mas... eu devia saber que é impossível. Sou apenas uma criança, e o sensei tem décadas de prática e experiência criando robôs a mais do que eu, é claro que eu não poderia fazê-la! O que eu estava pensando... que prepotência da minha parte, é claro que eu não poderia fazê-la! Todo esse esforço é inútil... eu deveria apenas desistir
– Tsukasa, isso é mal - Mirai cochichou para o dono, apontando em seguida para o Shugo Tama do mais novo. O ovo estava aos poucos deixando de ser branco e ganhando uma cor acizentada, lentamente se tornando mais escuro - Se aquele ovo ficar completamente preto, já era. O garoto muito provavelmente perderá o Chara dele pra sempre
– Nikaidou-kun, por favor não desista ainda! - Tsukasa exclamou, desesperando-se - Talvez você não possa construí-la agora, mas... se você continuar tentando, e estudar mais sobre robótica, um dia com certeza...
– Um dia quando?! - o menino interrompeu - Daqui há seis meses? Um ano? Dez anos? Ninguém sabe! E se esse dia nunca chegar?! E se eu não puder construí-la a tempo para o sensei?? Eu queria... queria construí-la para o sensei, não posso esperar tanto assim! Mas parece que é impossível mesmo... meus pais também falaram que, quando eu alcançar as séries maiores, eles não vão me deixar continuar construindo robôs porque eu tenho que estudar bastante pra não ser um perdedor quando crescer... se é assim, então tudo isso é inútil... é melhor desistir dessa idéia de uma vez!!!


Em um ato de raiva, Nikaidou jogou o martelo em sua mão pra longe, como se isso pudesse extravasar sua frustração. Além de não ter extravasado nada, o martelo atingiu em cheio o Shugo Tama que estava na ponta da mesa, partindo- em vários pedaços. Ele voltou a cor original, mas agora não passava de uma casca vazia e quebrada . Os cinco soltaram uma exclamação em uníssono, com os olhos pregados nos restos do Shugo Tama. Uma dor latente e profunda atingiu os corações dos quatro Guardiões. Eles sabiam o que aquilo representava, um ovo quebrado jamais voltaria ao normal. E nenhum Shugo Chara poderia nascer dele. Nikaidou moveu-se vagarosamente e recolheu os pedaços de casca de ovo com as mãos trêmulas, uma lágrima solitária caindo sobre elas.


– Essa não... isso é ainda pior do que ele ter virado um Batsu Tama - Mirai murmurou para si mesmo, observando a cena com tristeza
– Não acredito que ele quebrou o próprio Shugo Tama! - a Chara de Midori exclamou, cobrindo a boca com as mãozinhas
– Então isso se chamava Shugo Tama? - Nikaidou perguntou, ainda de costas para eles. Os quatro viraram o olhar para ele, incrédulos, sem saber o que dizer
– Bem, sim... é isso mesmo - Tsukasa confirmou - Como... como você...
– Foi o que essa pessoinha loira falou, não foi? - ele interrompeu o Rei - Desde que esse ovo apareceu que eu tenho visto essas pessoinhas flutuantes com vocês, mas... achei que era coisa da minha cabeça, por isso não disse nada. Se o meu ovo não tivesse quebrado... por acaso nasceria uma pessoinha flutuante como essas que vocês têm?
– É... nasceria sim - Aruto confirmou - Mas...
– Já entendi. "Ovo quebrado nunca vai voltar" não é? - ele repetiu as palavras de Mirai sem emoção, ainda que estivesse sentindo seu coração se partir em pedaços por dentro. Antes que não pudesse mais refrear a vontade de chorar, ele saiu correndo dali o mais rápido que suas pernas aguentaram. Tsukasa fez mênção de seguí-lo, mas Midori colocou uma mão em seu ombro, detendo-o
– É melhor deixarmos ele sozinho agora... até ele colocar os pensamentos em ordem - ela falou para o mais novo
– Eu não acredito nisso - Tsukasa suspirou derrotado, jogando-se na cadeira mais próxima. Seu corpo inteiro tremia, e ele parecia estar fazendo um esforço enorme pra não chorar. Ele queria tanto proteger as outras crianças dessa escola, poder ajudá-las e orientá-las, para que nenhum outro calouro passasse pelos problemas que ele passou... mas, na hora de verdade, ele não conseguiu fazer absolutamente nada além de ficar parado olhando enquanto o menino destruía seu próprio Shugo Tama. Os garotos do sexto ano tinham razão, ele era um completo fracassado mesmo - Eu... queria tanto fazer alguma coisa pra ajudar os outros alunos... queria protegê-los, e aconselhá-los... foi pra isso que criei o Cosnelho Estudantil afinal! Mas olhe agora... Nikaidou-kun teve seus sonhos e esperanças destruídos bem na minha frente eu não fiz nada... ele chegou até a destruir seu próprio Shugo Tama, e mesmo assim... mesmo assim eu... não pude salvá-lo...!



*** Próximo Capítulo: Seja Bem-vinda Yui-chan! ***