Hajimaru

Capítulo 25 - Aula de Educação Física Complicada



O sexto ano estava tendo aula de educação física naquela tarde. Como era durante um tempo vago do quinto ano, muitas meninas tinham ido assistir os veteranos jogarem. Não apenas Midori e Mikoto, que assistiam sempre que tinham chance, mas também Mizue, Souko, Nodoka, e mais uma dúzia de quintanistas (e até algumas quartanistas que estavam matando aula) sem nada melhor pra fazer. Os meninos treinavam separados das meninas, e agora era hora dos garotos do sexto ano jogarem. o jogo dessa vez seria queimado, simplesmente porque o professor quis assim, não importa o quanto a maioria da turma protestasse. Daisuke estava no mesmo time que Hotori, Souma, e Fujisaki (que tinha prendido o cabelo em um frouxo rabo-de-cavalo pra não atrapalhar durante o jogo), mais dois outros garotos membros do time de vôlei masculino, contta o Trio Baka do outro time, mais três outros grandalhões com cara de burros e maus.


Assim que o professor soprou o apito, o jogo, ou melhor, o massacre, começou. Souma era realmente excelente em qualquer jogo que tivesse uma bola no meio, e os outros dois membros do time de vôlei também, mas os outros não. Hotori não tinha a menor habilidade pra esportes, e nas poucas vezes em que conseguia tocar na bola, ou lançava ela com muita força, fazendo a bola ir parar na arquibancada, ou fraco demais, de modo que ela quicava em, seu próprio lado da quadra. Fujisaki também não tinha tanta força assim pra "queimar" os adversários, milagrosamente conseguiu acertar apenas um, porém logo foi "queimado" e teve que sair do jogo. Daisuke nem conseguia encostar na bola, e a única coisa que conseguia fazer era se esquivar dela, correndo de um lado para o outro na quadra, feito uma barata tonta. Os grandalhçoes do outro time eram visivelmente mais fortes do que eles, porém, por serem maiores, eram também um pouco mais lentos, então Souma e os outros dois garotos do time de vôlei tentavam usar essa lerdeza deles à seu favor. No entanto, seu time estava começanmdo a ficar sem membros. Fujisaki foi o primeiro a se retirar, e logo depois, Hotori também foi queimado e teve que sair. Ele ao menos conseguiu "queimar" um dos inimigos antes, o que pelo menos ajudou em alguma coisa. Souma queimou outros dois garotos de uma só vez logo depois, de modo que os times ficaram quatro contra três. Um dos membros do Trio Baka queimou um colega de time de Souma e, mais tarde, queimou o outro também. Agora restava apenas ele e Daisuke no time, que só estava lá porque era pequeno e rápido demais pra ser acertado. Felizmente, Souma conseguiu acertar os inimigos restantes com uma jogada espetacular, vencendo o jogo.


As meninas na arquibancada gritaram, assobiaram e se descabelaram, empolgadíssimas com a vitória. Souma acenou pra elas, com cara de bobo convencido, enquanto os demais se arrastaram para o vestiário masculino, felizes por aquela tortura ter enfim terminado.


Alguns minutos depois, quando todos já tinham tomado banho e tirado o suór do corpo, o professor de educação física avisou que a professora de inglês deles, que daria a próxima aula, tinha faltado, então eles tinham um tempo vago. Os sextanistas comemoraram descaradamente a ausência da professora e se dispersaram, alguns indo para a cantina, outros passeando sem rumo pela escola, e os com cara de delinquente resolveram se aventurar a invadir o banheiro feminino ou irem perturbar os alunos de classes menores.


Daisuke estava cansado demais depois de ficar correndo por aí durante o jogo, e resolveu se sentar sozinho na arquibancada, agora vazia, para repor as energias. Até que uma voz chamou seu nome:


– Daisuke-kun?
– Nodoka-chan... é você - ele se sobressaltou ao vê-la, e se remexeu incomodado quando a garota se sentou ao seu lado - Você não tinha aula agora?
– Minha turma está em tempo vago. Minha próxima aula só começa daqui a quinze minutos - ela explicou - Eu estava vendo o jogo junto com as outras meninas... parabéns pela vitória
– Ahh não, você viu aquilo?! - ele exclamou - Parabéns não sei pelo quê... eu só fiquei corendo de um lado pro outro o jogo inteiro
– Mas você corria tão rápido, e não foi acertado nem uma única vez, mesmo jogando contra aqueles caras enormes! - por algum motivo ela parecia realmente impressionada - Foi incrível, eu não sabia que você era tão veloz!
– Bem, eu nunca fui muito bom em esportes, mas desde de pequeno, sou realmente rápido em corridas e fugas... claro que eu PRECISAVA ser rápido, então... acabou virando um hábito, eu acho - ele comentou, lembrando como muitas vezes já tinha corrido com todas as suas forças para salvar sua pele de valentões e delinquentes que o perseguiam na rua
– Sim, é incrível! - por alguma razão que Daisuke não entendia, a garota parecia realmente admirada com esse fato - Eu nunca consegui correr muito rápido, não importa o quanto precisasse, então... é realmente impressionante que você tenha tanta agilidade, mesmo não gostando de esportes
– Ah... bem, então... obrigado, eu acho - o mais velho coçou a cabeça sem graça, sem saber o que dizer. Uma mecha de cabelo se soltou de sua trança frouxa quando ele fez isso, caindo por cima de seu ombro
– Ah, sua trança... está se desfazendo - ela passou o dedo pela mecha que tinha se soltado, fazendo ele corar levemente
– Ah, sim... e-eu corri tanto que ela deve ter desmanchado - ele se afastou minimamente, abaixando a cabeça para que ela não visse o rubor em seu rosto
– Nee... deixa eu refazer ela pra você!
– O que?! - Daisuke gritou, mais alto do que pretendia, mas antes que pudesse pensar em um bom motivo para negar essa proposta, a garota já tinha subido para o degrau de cima da arquibancada, e sentou-se atrás dele para refazer a trança. Puxou o elástico branco, desmanchando a trança desmantelada para poder refazê-la corretamente.


Daisuke sentiu seu coração dar um poderoso e incômodo salto quando a garota soltou seu cabelo. Ele só ficava assim com ele solto quando era Yui-chan, e por um instante fugaz, temeu que a quintanista descobrise seu segredo se o visse assim. Logo se lembrou, porém, de que Nodoka jamais tinha visto seu outro lado antes, então não tinha como ela adivinhar uma coisa dessas. Quando Nodoka separou seu cabelo em três mechas, e começou a trançar seu cabelo, relando o dedo em sua nuca, ele sentiu um forte arrepio percorrer seu corpo, a partir do ponto onde ela havia tocado, até a base da espinha. Seu rosto queimava tanto que ele podia jurar que daria pra fritar um ovo em sua testa agora.


– Seu cabelo é tão bonito, Daisuke-kun - ela falava, alheia às sensações que causava no garoto - Não é só longo, também é macio, e bem cuidado... nem parece o cabelo de um garoto!
– É... muita gente já me disse isso - ele respondeu baixinho, tomando o cuidado de falar pouco, e de se certificar de que sua voz sairia masculina, mesmo com os cabelos soltos agora
– Ah, desculpe! E-Eu não quis dizer... q-que você não parece um g-garoto, nem nada... quero dizer, eu não quis te ofender nem nada, sabe... e-eu só... - ela começou a gaguejar, sem saber o que dizer, corando tanto ou mais do que Daisuke. Para sua surpresa, o garoto deixou escapar uma risadinha
– Não se preocupe, Nodoka-chan... você não me ofendeu, nem um pouco - o mais velho respondeu - É a verdade afinal. Eu sei que sou pequeno pra minha idade, e que não sou forte ou atlético, como o Souma-kun ou os outros sextanistas... mas não me importo com isso
– Ah, não... o Souma-senpai é legal, e sempre foi educado comigo, mas... g-garotos fortes e grandalhões que nem ele são... o-os que mais me dão medo - ela murmurou num fio de voz. Daisuke sentiu as mãos dela tremerem - Sabe, aqueles garotos contra quem você jogou hoje... eles eram os que me... b-bem, você sabe... o-os que mais me incomodavam. E não importa o quanto eu tentasse correr ou fugir deles, sempre fui meio lerda, então eles sempre acabavam me acalçando. Por isso achei tão incrível você ser tão rápido, mesmo durante um jogo. E é também... é também por isso que garotos grandes e atléticos como eles me dão medo
– Então... está dizendo que você só não tem medo de mim por que eu sou pequeno, e não sou bom em esportes? - Daisuke arriscou
– Talvez... q-quero dizer, eu sei que você jamais me faria mal, mas... a-acho que realmente me sinto mais à vontade com garotos que são, sabe... baixos, e magros - ela confessou, parecendo surpresa consigo mesma, como se tivesse se dado conta disso só agora - Ahahahaha, eu tenho uns gostos meio esquisitos mesmo, né - ela riu sem graça, pondo-se de pé num salto - Bem, a sua trança está pronta, Daisuke-kun
– Ah... sim, obrigado - ele agradeceu, meio surpreso. Tinha se esquecido completamente de que o objetivo inicial era trançar seu cabelo
– Imagine, foi divertido! Espero que me deixe mexer no seu cabelo mais vezes, ouviu? - Nodoka falou, fazendo o coração do garoto dar um incômodo salto outra vez. Em seguida, ouviram um sinal tocando ao longe, indicando o fim do intervaldo - Ah, eu preciso entrar... você vem, Daisuke-kun?
– Não, eu tenho um tempo vago agora
– Ah, entendo. Bem, então nos vemos depois - a garota saltou da arquibancada e voltou correndo para dentro do prédio.


Daisuke sentou-se novamente, respirando fundo e tentando normalizar as batidas de seu coração, mexendo distraidamente na trança que a quintanista tinha refeito. Até que uma voz diferente o chamou minutos depois:


– Hehehe... eu vi o que vocês fizeram!
– Mikoto-chan! - Daisuke exclamou ao ver a ruiva parada ao lado dele - Não me assuste assim, que coisa!
– É, você devia estar mesmo muito concentrado, pensando na Nodoka-chan, pra não ter me ouvido chegar - a mais nova provocou - Eu vi que você deixou ela mexer no seu cabelo, viu?!
– Você não devia estar na aula agora? - Daisuke desconversou
– É aula de culinária, e nós dois sabemos que, não importa o que eu tente cozinhar, vai sair tudo queimado e horrível do mesmo jeito - a Às respondeu, dando de ombros - E você, está matando aula por que?
– Minha professora de inglês faltou. Na verdade ela está faltando há duas semanas, desde que o Trio Baka soltou uma dúzia de ratos de esgoto raivosos na sala de aula e apavorou todas as garotas, inclusive a professora, mas... enfim, resumindo, estou em tempo vago agora - o garoto esclareceu
– Ah, certo... - ela respondeu, não querendo se ater muito à esse assunto, e sem conseguir deixar de sentir pena da tal professora - Mas, Daisuke, voltando ao que interessa... por que você não se declara logo pra Nodoka-chan?
– E por que você não se declara logo para o Souma-kun? - ele tentou desconversar outra vez
– N-N-Não mude de assunto, n-não foi isso que eu p-perguntei!! - a garota gaguejou nervosa - Vamos lá, está na cara que você gosta dela, e a Nodoka-chan parece que gosta de você também, então por que você não se declara?!
– Eu já te falei o porquê. É porque, se eu me declarasse, teria que falar sobre minha dupla-identidade, e eu não quero que ela saiba sobre isso - o Coringa explicou - Tenho medo de como ela possa reagir. E se ela me rejeitar por causa disso? E se ela me desprezar? Se me odiar? Eu não posso arriscar perdê-la, não surportaria uma coisa dessas. Eu... já tenho uma mãe que me odeia pelo que eu sou... não quero que mais ninguém me odeie por causa disso. Principalmente, não quero que ela me odeie por eu ser o que eu sou - Daisuke abaixou a cabeça, de modo que a franja cobrisse seus dois olhos, enquanto Mikoto arregalava os seus. Havia se esquecido completamente sobre os problemas que o garoto tinha com sua mãe
– Mas Daisuke... nada garante que ela vai ter uma reação ruim se souber disso - Mikoto tentou animá-lo - Quero dizer, você também pensava que iríamos te odiar e nos afastar quando contou a verdade pra gente, mas nenhum de nós reagiu assim! Eu, a Midori-chan, e os outros, todos gostamos muito de você, independente do que você é!
– É verdade. E é um verdadeiro milagre que quatro pessoas de uma só vez tenham sido capazes de me aceitarem como sou. Se eu pedir mais do que isso, os céus podem me castigar - o garoto respondeu, ainda de cabeça baixa - Além do mais, é como me falaram uma vez... é muito mais fácil aceitar um amigo travesti do que um... n-namorado - ele falou, lembrando-se das palavras de Fujisaki, e corando um pouco ao dizer a última palavra
– Mas... deve ter um jeito de vocês poderem ficar juntos, sem você precisar desistir de ser a Yui-chan... - Mikoto murmurou, mais para si mesma do que para ele, começando a ficar sem saber o que dizer
– É, talvez até tenha mesmo. Talvez se eu falasse com alguém mais velho e experiente, talvez essa pessoa poderia me dar algum conselho, ou me dizer o que fazer - Daisuke ergueu os olhos, pensativo - Mas, infelizmente, eu não conheço nenhum adulto que aceite o que eu sou. Suponho que esse tipo de assunto seja pra ser conversado com nossos pais, e que eles deveriam nos aconselhar e nos dizer o que fazer, mas... o que estou dizendo... minha mãe me despreza, e odeia o que eu sou, não posso simplesmente perguntar uma coisa dessas pra ela - o Coringa murmurou, voltando a abaixar a cabeça - Ela provavelmente riria do meu dilema, ou jogaria na minha cara que estava certa desde o coemço, e que agora estou sendo castigado por ter me tornado um travesti. Ou pior ainda... talvez tentasse me afastar da Nodoka-chan, dizendo que eu sou impuro demais pra gostar de alguém como ela, e que posso contaminá-la... ou talvez até... tentasse fazer mal à ela...
– Daisuke! - Mikoto gritou, interrompendo os pensamentos deprimentes do garoto - O que está dizendo?! Sua mãe nem sequer sabe que a Nodoka-chan existe, ela não pode fazer algo assim! Pare de pensar essas coisas depressivas e recomponha-se!
– Mikoto-chan... o que eu faço? - ele encarou a garota com os olhos arregalados, como se tivesse se esquecido por um momento de que ela estava ali - Eu gosto da Nodoka-chan... quero ficar ao lado dela. Mas... se eu contar a verdade pra ela, e ela me odiar como minha mãe me odeia, e se afastar de mim, eu.... não vou suportar... e, mesmo se por um milagre, ela aceitar o que eu sou, eu... tenho tanto medo de que minha mãe descubra sobre ela, e tente fazer mal à ela só pelo simples fato de ter alguma ligação comigo. Eu... eu não tenho à quem pedir ajuda... meu pai está sempre ocupado trabalhando, e meu irmão está no exterior há anos, eu estou sozinho. Eu... não sei o que fazer...!


Antes que se desse conta, Daisuke havia se jogado no colo da garota e caído no choro. Um choro alto e desesperado, como de uma criancinha desamparada. Mikoto corou com o fato de ter um garoto com a cabeça apoiada no colo dela e soltou uma exclamação de surpresa com o que ele fez, que o garoto não pareceu ouvir. Piscou várias vezes, confusa, e olhou para os lados, sem saber o que fazer. Até que viu os Charas dele, voando próximos dali, junto de sua própria Chara.


– Me ajudem! - ela murmurou desesperada
– Sabe, o Daisuke... ele nunca chorou quando a mãe dele fazia aquelas coisas horríveis, nem uma única vez - Junjou contou, olhando para o dono com tristeza
– Ele devia estar segurando esse choro há muitos anos... um dia acabaria transbordando - Loli completou - Mikoto-chan, por favor... seja boazinha com ele
– Mikoto, quer fazer o Chara Change? Talvez você se sinta menos desconfortável - sua Chara ofereceu
– Não... tudo bem, Haa-san. Pode deixar que eu faço isso sozinha - a garota respondeu, agora mais calma.


Foi bobagem dela se assustar ou ficar envergonhada só por ter um garoto com a cabeça apoiada em seu colo. Daisuke não parecia um garoto agora, nem uma garota. Era apenas uma criança que precisava muito de uma mãe, e que mesmo tendo uma, não podia usufluir do carinho maternal que ela devia dar à ele. E ele estava segurando a vontade de chorar por anos... como Loli disse, é claro que um dia ele não conseguiria mais aguentar. Lentamente, ela ergueu uma mão e passou devagar pelo rosto dele. Vendo que ele não tinha resistido ou se incomdoado, ela repetiu o ato, e começou a alisar seus cabelos, torcendo pra que aquilo de alguma forma o acalmasse. Daisuke continuou chorando por vários minutos, até Mikoto sentir as lágrimas dele rolando por seus joelhos, e depois do que pareceu quase uma hora, ele finalmente havia parado de gritar, e ficou imóvel e em silêncio, deitado no colo dela. Quando Mikoto começou a pensar que ele havia adormecido, o garoto se sentou ereto de novo, esfregando os olhos com força.


– Desculpe. Isso... foi inapropriado, eu sei - ele murmurou, com a voz embargada
– Tudo bem. Você estava segurando essas lágrimas há muito tempo, não é? - Mikoto perguntou, sem conseguir encará-lo
– Eu não devia tê-las soltado, ainda mais na sua frente. Eu sou um garoto afinal... minha mãe diz que garotos não choram, então eu não devia...
– Ei. Não escute tanto o que aquela mulher diz, ela só tem causado sofrimento pra você, por que você ainda dá ouvidos à ela? - Mikoto o interrompeu - Sem falar que você não é só um garoto. É a Yui-chan também, não é? - num impulso, ela puxou o elástico da trança dele, soltando seus cabelos pela segunda vez naquela tarde. Daisuke ergueu os olhos vermelhos, surpreso, e corou com o ato impulsivo da garota - Yui-chan é uma menina, então ela pode chorar o quanto quiser. Você é meio garota, então... aproveite isso, e deixe que a Yui-chan chore o quanto for necessário no lugar do Daisuke
– Acho... que tem razão - a falsa garota murmurou, sua voz ainda oscilando entre masculina e feminina
– É claro que tenho razão! Sabe, eu... não sou boa em lidar com sentimentos, e esses assuntos complicados. A Midori-chan é muito melhor nisso do que eu - a ruiva confessou - E eu... sei que nunca fui muito feminina. Não sou boa na cozinha, nem gosto de usar saia, tenho os braços meio musculosos de tanto jogar vôlei, e adoro esportes... você provavelmente é mais feminino do que eu, Daisuke. E eu... talvez eu seja mais masculina do que você também. Algumas vezes até já cheguei a pensar que nós deveríamos trocar de lugar, assim você poderia usar saia o quanto quisesse, e eu poderia jogar bola o quanto eu quisesse, sem ninguém pegar no nosso pé, mas... isso também seria um problema... por causa do Souma-senpai e da Nodoka-chan, não é?
– É... se eu tivesse nascido garota, não sei se mesmo assim gostaria da Nodoka-chan, mas se eu gostasse, então... realmente seria bem complicado - "a" Coringa respondeu sem jeito
– Eu também não sei se gostaria do Souma-senpai se tivesse nascido homem... se eu gostasse, não faço a menor idéia de como resolveria isso... por isso que eu acho que Deus fez a escolha certa quando me fez nascer garota. E você também... apesar de tudo, foi melhor mesmo você ter nascido homem. Mesmo gostando de fazer compras, usar saias, e essas coisas - Mikoto falou, encarando-o nos olhos - Eu... apesar desse meu jeito masculino, muita gente diz que eu tenho uma aura materna, e que hajo como uma mãe super-protetora às vezes... então eu penso que isso deve ser um sinal de que, apesar de eu odiar saia e adorar esportes, ainda existe algo de feminino em mim. E você também, Daisuke... você também deve ter algo de masculino em você, ainda que não tenha se dado conta disso. E, sabe, sobre a Nodoka-chan... é verdade que talvez ela se afaste de você se descobrir a verdade. Ela pode te desprezar e te odiar se descobrir sobre a Yui-chan... mas ela também pode não se importar com isso, ou adorar tanto a idéia quanto a Midori-chan adorou, e ficar toda empolgada e energética, feliz em ter um namorado que pode fazer compras com ela, e que pode até emprestar roupas pra ela... se pensar bem, seria como namorar o melhor amigo, ou nesse caso, amiga... ela sairia ganhando com isso! Muita coisa pode acontecer, sabe... então por que você sempre pensa no lado ruim das coisas? Tente ver isso de uma forma mais positiva! Ela pode ter diversas reações quando souber disso, tanto boas quanto ruins... então você não precisa desistir dela ainda. Faça o seguinte: Acalme-se, crie coragem e vá se preparando pra contar a verdade pra ela. E um dia, quando você tiver resolvido os problemas com sua mãe, e quando se sentir pronto pra dizer a verdade à ela, você se declara. Isso pode ser amanhã, ou daqui há uma semana, ou daqui há um mês... não precisa fazer isso agora, correndo. Se prepare com calma, e continue sendo amigo dela por enquanto... mas você não precisa desistir dela ainda
– Não acredito que vou dizer isso, mas... você tem razão, Mikoto-chan - ele deu uma risadinha sem graça - Não preciso desistir ainda, não é? Está mesmo... tudo bem se eu continuar gostando dela?
– É claro que está! Pior seria se, além de se travestir, você também se apaixonasse por um garoto, isso sim seria preocupante... mas não é o seu caso! - ela deu uma palmadinha, um pouco forte demais nas costas dele, fazendo algumas mechas de cabelo penderem para a frente - Ah, e me desculpe... eu soltei a trança que a Nodoka-chan tinha feito - ela falou, parecendo notar isso só agora - Eu me ofereceria pra refazê-la, mas... não tenho a menor idéia de como se faz uma trança, então...
– Não se preocupe, eu mesmo faço isso - o sextanista respondeu, voltando a trançar seus cabelos, com tanta rapidez que Mikoto se surpreendeu. Em seguida, eles ouviram o sinal tocando ao longe
– Ah, certo... bem, eu... preciso ir agora. A aula de culinária já terminou, e eu não posso perder a próxima também - a garota se levantou, parecendo ainda meio incerta, sem saber se deveria ir ou não - Você... vai ficar bem?
– Vou sim, não se preocupe. Arigatou, Mikoto-chan. Sabe, as pessoas têm razão no que dizem sobre você... você realmente tem um jeito protetor, e materno, mais até do que minha própria mãe. Obrigado, de verdade - Ele se levantou também, sorrindo pela primeira vez desde que se encontraram na arquibancada
– Ah, imagina... fico feliz que alguém feito eu tenha conseguido ajudar em alguma coisa - ela riu mais alto, nervosa. Eles seguiram juntos para o interior do prédio, cada um indo para sua própria sala de aula, Mikoto feliz por ter sido capaz de ajudar alguém em um assunto tão complexo, e Daisuke um pouco mais esperançoso em perceber que não precisava desistir de sua felicidade ainda.

*** Próximo Capítulo: Triste Melodia do Coração ***