Capítulo 23 - Quem Você Ama?

Depois da reunião do Conselho daquela tarde, os cinco Guardiões estavam mais uma vez jogando uma partida de pôquer. E, como de costume, Tsukasa estava ganhando de lavada.

– Ahh, eu desisto! - Mikoto exclamou, depois de perder pela quinta vez seguida, jogando suas cartas para o alto - Eu nunca vou ganhar, é impossível derrotar o Tsukasa!
– Se você continuar com esse pessimismo, aí sim que você nunca vai ganhar, Mikoto-san - o mais novo respondeu tranquilamente
– Mas ela tem razão. Desde que eu entrei pro Conselho que não consegui vencer um único jogo sequer! - Daisuke observou - Você nunca perde não, é??
– Não seja bobo, é claro que não tem como eu ganhar todas as rodadas, isso é impossível - o Rei respondeu, como se ele tivesse dito um completo absurdo
– Ah, é? Pois, nos cinco anos em que nos conhecemos, eu nunca vi você perder uma única partida sequer - Aruto observou
– Ah, esqueçam isso! O Tsukasa-kun é invencível, todos sabemos disso, apenas aceitem e pronto! - Midori exclamou, deixando suas cartas horríveis de lado também e desistindo do jogo - Esqueçam esse jogo bobo, todos sabemos que o Tsukasa-kun vai vencer mesmo. Eu estou mais interessada é em saber como andam as coisas entre você e o Souma-senpai, Mikoto-chan!
– O que?! Como assim "como andam as coisas"? - a ruiva indagou, com uma expressão confusa no rosto, sem entender a repentina mudança de assunto - Nós só temos treinado vôlei, como de costume... por que está perguntando isso, Midori-chan?
– Ora, você sabe! Desde que nós... bem... - ela fez uma pausa, pensando se deveria citar aquilo - Bem, desde que nós duas brigamos... eu acidentalmente deixei aquilo escapar na frente dele, então... realmente não mudou nada entre vocês?
– "Acidentalmente", é? Pra mim estava mais é pra "propositalmente" mesmo - Aruto debochou, dando uma risadinha
– Não foi nada, foi um acidente, eu já disse! - a Rainha exclamou - Mas então, Mikoto-chan... realmente não mudou nada entre vocês?
– Não, eu já disse... temos apenas treinado, como de costume - a Às repetiu
– Mas, mesmo que vocês continuem apenas treinando vôlei juntos... você ao menos já está consciente dos seus sentimentos por ele, não é Mikoto-chan? - Daisuke intrometeu-se, fazendo a Às ofegar com a pergunta
– S-Se você fala sobre... a-aquela "acusação" da Midori-chan, eu... sei que ela tinha razão no que disse - Mikoto desviou os olhos para baixo, sentindo o rosto esquentar
– "Acusação"? - Midori repetiu - Francamente, Mikoto-chan, diga que gosta dele de uma vez!
– Ahhh!! Não diga isso!!! - a Às berrou, enrubescendo rapidamente - Droga, e eu estava evitando ao máximo usar essa palavra... isso é embaraçoso demais, não diga isso assim do nada!!
– Hai, hai, já entendemos... mas que é verdade, é! - a Rainha exclamou vitoriosa, contendo uma risada
– Você não está em posição de criticar os outros, Midori-chan... todo mundo aqui sabe que você morre de amores pelo Fujisaki-senpai, mas também não disse nada pra ele ainda! - a ruiva rebateu, fazendo a amiga ofegar
– M-M-Mas por que é que você está f-falando isso a-agora?! - a Rainha gaguejou com dificuldade, corando ainda mais do que Mikoto
– Ora, por acaso vai negar que gosta dele? - a Às arqueou uma sobrancelha
– N-Negar eu não vou, mas... d-dizer isso assim de repente, é... - ela murmurou, juntando as pontas dos dedos - C-Como você mesma disse, isso é... m-muito constrangedor...
– É, eu não sei quem está mais enrolada, se é a Midori-chan ou a Mikoto-chan mesmo... - Daisuke comentou, deixando suas cartas de lado também, visto que ninguém mais ali parecia querer continuar jogando, e se servindo de um pouco de chá
– Me pergunto qual dessas duas pamonhas vai ter coragem de se declarar primeiro - Aruto deu uma risadinha, imaginando a cena
– Vamos apostar pra ver qual delas se declara primeiro? - Tsukasa perguntou, se animando com a idéia
– Mas não mesmo!!! - os outros quatro gritaram em uníssono, e ele se encolheu, desistindo da idéia
– Não importa quem pretenda se declarar primeiro, seja lá em quem você apostar com certeza será a primeira a se declarar, Tsukasa-kun - o mais velho sentenciou, como se prevesse o futuro
– É... eu não iria querer que o Tsukasa apostasse em mim - Mikoto falou um tanto temerosa
– É, se ele fizesse isso, você inevitavelmente seria a primeira mesmo - Daisuke concordou
– Ano nee Daisuke-kun... você parece estar adorando dar palpite na nossa vida... mas e quanto á você? - Midori perguntou, encarando-o
– Hein? O que tem eu?
– Você não tem nenhuma pessoa de quem goste? - a Rainha indagou curiosa, fazendo o mais velho se engasgar com o chá
– Ahá, uma reação suspeita! - Aruto acusou, apontando para o mais velho, enquanto Tsukasa dava tapinhas nas costas dele - Aposto que ele tem alguém de quem gosta e não contou pra ninguém! E eu aposto o meu almoço de amanhã como é um garoto!
– O que?! - Daisuke pareceu se desengasgar automaticamente diante da acusação - Por que estão perguntando uma coisa dessas pra mim? E por que raios eu gostaria de um garoto afinal?!
– Você sabe, por causa da Yui-chan, é claro! - o Valete explicou
– Aff... eu pensei que já tinha explicado isso pra vocês - Daisuke suspirou cansado - É verdade que eu gosto de usar roupas de menina, mas isso não significa que eu tenho algum tipo de interesse amoroso por garotos. É a única coisa que realmente não me permite ser uma garota completa
– Quer dizer, isso, e "aquilo" que você tem entre as pernas, né... - Aruto murmurou, fazendo Midori corar furiosamente com o comentário. Depois dos vários segundos que Mikoto levou pra entender o comentário do Valete, ela corou também
– Não diga essas coisas assim, Aruto-kun, tem garotas aqui! - Tsukasa sibilou - E, só pra constar, parece que não é de um garoto que o Daisuke-kun gosta, então você acabou de perder seu almoço de amanhã
– Ehh?! Ahh não, isso não conta, ninguém chegou a aceitar a aposta oficialmente! - Aruto rebateu - E afinal de contas, você tem alguém de quem goste ou não, hein Daisuke?? - ele acrescentou, mudando rapidamente de assunto
– Parem de me fazer essas perguntas, daonde vocês tiram essas idéias afinal?! - o Coringa tentou desconversar
– Bom, você é o mais velho de todos nós, então... tecnicamente, deveria ser o primeiro a se apaixonar, eu acho - Tsukasa falou meio incerto, e os demais balançaram a cabeça concordando, surpresos que logo o mais novo de todos tivesse encontrado um argumento tão bom. Os outros três só queriam fazer fofoca mesmo
– Vamos, pare de enrolar e admita logo, Daisuke-kun! - Midori exclamou, cansada de toda aquela enrolação
– M-Mas eu já disse que não tem ninguém... eu nem conheço tanta gente assim. Aqui na escola, só falo com alguns garotos da minha classe e com vocês, então realmente não tem como...
– Nem mesmo a Nodoka-chan? Eu reparei que, depois que a salvamos, vocês ficaram bem próximos... não pense que eu não percebi isso - Midori falou astutamente, fazendo o mais velho se engasgar de novo
– N-N-Não é n-nada disso... e-ela é s-só minha a-a-amiga... - Daisuke titubeou, corando furiosamente, e Midori surpreendeu com o quanto ele tinha ficado abalado com a acusação. Não se lembrava de jamais o ter visto tão envergonhado, nem mesmo quando se tornava a Yui-chan
– Ora, quem você acha que engana com isso?! Até eu consigo perceber que você está mentindo! - Mikoto exclamou
– Então é verdade Daisuke-kun? Você... gosta mesmo da Nodoka-chan? - a Rainha tornou a perguntar, fazendo o mais velho se encolher e corar mais ainda, se é que era possível. Ele abaixou a cabeça, até que a franja cobrisse seus dois olhos por completo
– É que... a Nodoka-chan é tão... tão bonita. Mais linda do que a Yui-chan jamais será... ela é uma menina de verdade afinal, então tem uma graciosidade natural, sem forçar nada, sem precisar de teatro. E, ao mesmo tempo, ela não é apenas bonita, e maldosa ou ignorante, como a maioria das garotas que eu conheci. Além se der naturalmente delicada, ela também é tão... inocente, e tímida... é simplesmente perfeita - ele falou tão baixo que os outros tiveram que se aproximar mais para ouvir, e parecia estar falando mais consigo mesmo, como se estivesse pensando em voz alta, aparentemente se esquecendo de que estava sendo ouvido
– Ou seja, aquela menina é uma mistura das duas coisas que o Daisuke mais preza - Loli se intrometeu - Ela não apenas é linda e graciosa por fora...
– ... mas também é inocente e pura por dentro - Junjou completou - Eu gosto daquela menina... é muito melhor do que as garotas falsas e maldosas com quem o Daisuke... isto é, a Yui-chan costumava andar antes de conhecer vocês
– Ehh... quem diria, então é verdade mesmo! - Midori exclamou, um tantinho admirada - Aiinnn, você fica uma gracinha quando está envergonhado, Daisuke-kun, não sabia que era tão tímido! Mas não se preocupe, vamos ajudar você!
– Não!!! - o Coringa gritou, recuperando-se repentinamente do seu ataque de vergonha - Não se atrevam a interferir, ou eu juro que conto pro Fujisaki-kun e pro Souma-kun que você e a Mikoto-chan gostam deles, ouviram bem?!
– Eeeii!! Eu não disse que ia interferir! Por que está me incluindo nisso também?! - a Às exclamou
– Só por garantia
– Tá bem, tá bem, não vamos interferir! - Midori respondeu à contragosto - Mas, por que você não fala com ela? A Nodoka-chan parece gostar de você também... inclusive no dia que nós três jogamos vôlei, e você estava conversando com a Nodoka-chan, ela pareceu ficar bem chateada quando viu que você estava com a gente, como se estivesse com ciúmes
– Eu já expliquei sobre aquilo pra ela, disse apenas que perdi uma aposta e por isso fui obrigado a jogar com vocês. Sem falar que... ela não vai gostar de mim quando souber da minha dupla-identidade - o mais velho respondeu simplesmente
– Ah, sim... isso... pode ser mesmo complicado de aceitar - Tsukasa concordou
– Com certeza é. Se eu contar, e ela ficar com raiva, ou decepcionada... não posso arriscar uma coisa dessas, é melhor continuar sendo apenas amigo dela
– Por que você simplesmente não deixa de ser a Yui-chan? Seria muito mais simples assim! - Aruto sugeriu
– Aham, claro... tão simples quanto você se decidir se gosta da Mizue-chan ou da Souko-chan, né - Daisuke rebateu com ironia
– Eiii! Como assim, de qual das duas eu gosto?! - o Valete exclamou na defensiva
– Ora, não me diga que tem uma terceira pessoa? - Midoi indagou, entrando na brincadeira
– Claro que não! E o que isso tem a ver com a história afinal?! - Aruto rebateu, sem entender como raios a conversa tinha ido parar nele
– Nada, mas nós sabemos que tanto a Mizue-chan quanto a Souko-chan gostam de você, então... de qual das duas você gosta afinal, hein? - Mikoto se intrometeu
– Parem de me perguntar isso! Eu nunca disse que gostava da Mizue! - o Valete gritou, recuando
– Ora, quer dizer que a Souko-chan é a sua preferida afinal? - Daisuke indagou
– E-Eu nunca disse isso! Eu só... bem... quero dizer... ahh, já chega de me fazerem essas perguntas idiotas! Vão interrogar outra pessoa! - ele gritou, embora soubesse que provavelmente não iria escapar assim tão facilmente
– Nada disso, todos nós já fomos interrogados, agora é sua vez! - a Às rebateu
– Todos uma ova! Ainda falta o Tsukasa! - Aruto apontou para o mais novo acusadoramente - Vamos lá, Tsukasa, é sua vez! Diz aí, de quem você gosta?
– Ahn... e-eu... etto... - Tsukasa baixou os olhos, sem saber o que responder. Corou um pouco e gaguejou algo indecifrável, parecendo não acreditar que estavam fazendo aquele tipo de pergunta pra ele
– Etto... a-acho que o Tsukasa-kun ainda é muito novo pra isso afinal... deve ser muito cedo pra ele pensar nesse tipo de coisa - Midori falou depois de alguns segundos de silêncio constrangedor, ficando com pena do amigo
– N-Na verdade, eu... t-tenho uma pessoa de quem gosto - Tsukasa respondeu depois de vários segundos reunindo coragem pra falar, porém ainda sem conseguir erguer os olhos
– O que?! Sério?? - a Rainha gritou, meio chocada - E quem é??
– E-Eu... s-sinto muito, mas não posso dizer - ele murmurou, ainda encarando o chão
– Ahh, não é justo! Você sabe quem são as pessoas de quem gostamos, então tem que dizer de quem você gosta também! - Mikoto gritou
– Mas eu não obriguei nenhum de vocês a falar! Vocês falaram porque quiseram... ou melhor, porque a Midori-san e o Daisuke-kun obrigaram - o mais novo rebateu - Sinto muito, mas eu realmente não posso dizer quem é
– Por acaso... a pessoa de quem você gosta não estaria nessa sala agora, estaria, Tsukasa-kun? - Daisuke indagou, e Tsukasa enrubesceu até a raíz dos cabelos, corando tanto ou mais do que o Coringa tinha corado quando foi interrogado sobre Nodoka. Os quatro mais velhos se entreolharam, alarmados
– Ehh... é isso mesmo, Tsukasa? A pessoa de quem você gosta é um de nós? - Aruto repetiu a pergunta, parecendo repentinamente curioso pra saber a resposta, e quase fazendo Tsukasa desmaiar de tanta vergonha
– E-E-Eu já f-falei que n-não posso f-falar! - foi tudo que o mais novo conseguiu responder, num fio de voz.

Aruto abriu a boca pra discutir outra vez, porém, antes que ele falasse alguma coisa, a porta de vidro do Royal Garden se abriu, sobressaltando à todos. Por ela, entrou Fujisaki, que disse:

– Nee Aruto-kun... você tem relógio?
– O que?! Ahn... tenho, tenho sim - ele respondeu, confuso com aquela pergunta estranha
– Então use. Você está atrasado pro ensaio de novo
– Ah... certo. É claro, o ensaio. Desculpe gente, tenho que ir... - Aruto levantou-se, pegou seu violino e seguiu o mais velho para fora da sala, com uma cara de quem preferia ter ficado ali interrogando Tsukasa
– Ahn... Tsukasa-kun - Daisuke chamou depois que o Valete saiu - Aquilo que eu perguntei antes... bem...
– Esqueçam isso. Não temos tempo pra falar dessas coisas, vamos terminar de preencher os relatórios que deixamos de lado por causa daquele estúpido jogo de pôquer - o mais novo se levantou e começou a distribuir papéis entre os membros restantes, parecendo ter se recuperado milagrosamente depois que Aruto saiu. Os três mais velhos se entreolharam de novo, sem saber o que dizer ou fazer, além de obedecer as ordens de Tsukasa sem discutir e deixar esse assunto delicado de lado. Até que Mikoto falou, tão baixo, que duvidava que alguém tivesse ouvido
– Mas foi você quem quis jogar pôquer, Tsukasa...

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Quase uma hora depois, as atividades do Conselho Estudantil tinham terminado, assim como o ensaio do clube de música. Daisuke despediu-se dos amigos primeiro, que seguiram em uma direção diferente, e se perguntou se encontraria Aruto no caminho de volta, já que ambos moravam na mesma direção, mas não viu o mais novo em parte alguma. Ao invés dele, acabou encontrando outra pessoa.

– Indo embora tarde também, Daisuke?
– Ah... Fujisaki-kun - ele respondeu ao avistar o garoto de cabelos roxos - Pois é, a reunião só terminou agora. Eu pensei em procurar o Aruto-kun, ele ainda está na sala do clube?
– Que nada, ele saiu mais cedo, o abusado... como é que pode né, ele chega mais tarde e sai mais cedo, é muita cara de pau! - o mais alto reclamou, andando ao lado dele
– É, bem.... geralmente eu concordaria, mas hoje acho que não posso culpá-lo por isso - Daisuke falou mais para si mesmo
– Como assim?
– Bem, é que... antes de você chegar, nós estávamos falando sobre as pessoas de quem gostávamos, e... acho que o Aruto-kun ficou meio abalado com o assunto - ele explicou
– Ahh, então é isso... ele bem que parecia bastante desconcentrado no ensaio hoje - o flautista murmurou pensativo - E então? Por acaso você também tem uma pessoa de quem goste?
– M-M-Mas por que raios todo mundo me pergunta isso?! - Daisuke recuou, assustado com a pergunta repentina
– Eu aposto que tem! Por acaso seria... a Nodoka-chan, do quinto ano? - o maior arriscou
– Mas como é que todo mundo sabe disso??? - o Coringa exasperou-se, sentindo o rosto arder como se estivesse em brasas
– Há! Acertei mesmo?! - Fujisaki indagou, visivelmente empolgado com o assunto, e Daisuke balançou minimamente a cabeça, confirmando - Eu sabia! Você é muito óbvio, Daisuke, tem que aprender a disfarçar melhor essas coisas... além do mais, as únicas meninas com quem você anda além da Nodoka-chan são a Midori-chan e a Mikoto-chan - ele lembrou - A Mikoto-chan eu sei que não é, ela tem aquele jeito... bem, meio masculino... e parece que ela tem uma queda pelo Souma, então não deve ser ela. A Midori-chan... admito que pensei que você poderia gostar dela no começo, vocês parecem ser tão próximos... - ele fez uma careta, parecendo repentinamente irritado - Mas, depois que observei bem, vi que o relacionamento de vocês é mais fraternal, então não tinha como ser possível. E você vive andando com a Nodoka-chan de uns tempos pra cá, almoça junto com ela e tudo... e, céus, como você cora quando está junto com ela, sério! Se não quiser que os outros saibam, então aprenda a disfarçar isso melhor
– Não importa que os outros saibam... isso nunca dará certo mesmo - o Coringa respondeu cabisbaixo
– Ah, é? E por que não?
– Você sabe porque. Por causa do meu outro lado...
– Ah, sim... isso é complicado mesmo - o maior concordou , entendendo isso muito melhor do que os outros membros do Conselho - Mas, Daisuke, ao contrário de mim, você tem o direito da escolha. Se acha que isso vai atrapalhar, então por que simplesmente não pára?
– Foi a mesma coisa que o Aruto-kun me disse. Eu não posso simplesmente parar... ao contrário de você, eu gosto de fazer isso, não posso simplesmente parar do nada. Não tem como eu desistir de uma parte de mim assim tão facilmente
– Bem, então... você terá que arriscar e contar a verdade pra ela
– Não posso fazer isso. Se eu falar a verdade, e ela me odiar por isso.... se ela se afastar de mim... eu não vou aguentar - Daisuke abaixou a cabeça, de modo que a franja lhe cobrisse os olhos - Não posso me arriscar a perder o relacionamento que tenho com ela agora... é melhor que as coisas fiquem assim mesmo
– Bem, isso eu entendo... o medo de perder alguém de quem gostamos por causa de nossa identidade - Fujisaki comentou, falando mais consigo mesmo do que com ele
– É por isso que você não falou a verdade pra Midori-chan? - Daisuke perguntou repentinamente
– Quê?! M-Mas... como... droga, e eu que pensei que estava disfarçando bem - ele passou a mão pelos cabelos nervosamente
– Você disfarça. Mas eu convivo com vocês, por isso acabei percebendo - o menor respondeu gentilmente - Você devia contar... a Midori-chan sabe a verdade sobre mim, e aceitou surpreendentemente bem. Não acho que ela se afastaria de você por causa disso
– É porque você é só amigo dela - o maior observou - É muito mais fácil aceitar um amigo travesti do que aceitar... você sabe - ele desviou o rosto para o lado, embaraçado - O pior é que a história não acaba aí, sabe... você tem o direito da escolha, e pode parar com isso quando quiser, mas eu não. Mesmo que eu conte a verdade pra ela, e supondo que ela aceite... a história não acaba aí. Minha família toda tem convivido com isso por várias gerações. É tradição da família, se o casal não tiver uma filha mulher, o filho homem deve se travestir e assumir a responsabilidade de se travestir e executar uma dança ainda mais bela do que a da geração anterior. E se, quando crescer, eu não tiver uma filha mulher... meu filho terá que passar pela mesma coisa que estou passando agora. Eu não quero que meus filhos passem por isso, não quero que mais ninguém tenha que enfrentar isso... mas não há nada que eu possa fazer, minha família tem feito isso há séculos! Não sei nem quando essa tradição sem sentido começou.... as crianças futuras estão fadadas a passar pela mesma coisa que eu estou passando agora. Meus filhos, e depois os filhos deles, e os filhos dos filhos deles, todos estão destinados a se travestir e dançar como uma refinada e graciosa dama para todo o sempre... como uma maldição
– Isso é... realmente triste olhando desse ponto de vista - Daisuke falou depois de algum tempo, sem saber muito bem o que responder - Bem, não se preocupe tanto, ainda falta muito pra você se casar e ter filhos. E quem sabe, talvez você dê sorte e tenha uma filha mulher!
– Eu acho meio difícil... a maioria das crianças da minha família nascem meninos, é muito difícil nascer uma menina - o mais alto contou - Seria bem mais fácil se pudéssemos trocar de lugar, sabe... assim eu poderia ser um garoto normal, e você poderia usar vestidos o quanto quisesse
– Seria uma ótima idéia... mas, acho que não daria certo
– E por que não?
– Bem... há alguns anos atrás, na primeira vez que fui à uma apresentação sua, eu... b-bem, eu fiquei realmente impressionado com a sua dança, e de como as pessoas te admiravam, mesmo sabendo que você era um garoto travestido - Daisuke contou, meio sem jeito - E, quando cheguei em casa, liguei uma música e tentei imitar os passos de dança que vi na sua apresentação... o resultado foi tão ruim que eu tropecei, caí e bati com o pé na quina de um móvel... resumindo, eu torci e o pé e fiquei sem andar por quase uma semana. Ou seja, eu sou um péssimo dançarino... por isso não daria certo se eu trocasse de lugar com você
– Nossa, você dança tão mal assim, é?! - o mais alto exclamou, surpreso - É uma pena... a única falha no meu plano perfeito - ele falou sarcasticamente - É, parece que não só eu, as gerações futuras também estão condenadas a se travestir... fazer o que, deve ser o destino, eu acho
– Ei, a minha família tem um Templo, lembra? Então eu vou rezar pra que a sua geração dê sorte e nasça ao menos uma menina dessa vez! - Daisuke exclamou de repente, tentando animá-lo
– Obrigado, mas... acho meio difícil de uma oração dessas ser realizada, se for feita por uma pessoa que se traveste por vontade própria - o maior respondeu, abafando uma risada
– Ah, é?! Pois vai dar certo sim, você vai ver! Meus dois lados rezarão por você, então a prece terá poder em dobro! Não apenas eu, Yuiki Daisuke, rezarei por você... - Daisuke falou, como se agora fosse uma questão de honra, meio zangado por ele duvidar dos poderes do Templo de sua família - Mas também meu outro lado, a Yui-chan. A prece terá seu poder dobrado, então com certeza funcionará! - ele completou, falando com a voz de Yui-chan, bem mais delicada e feminina, dando uma piscadela
– Uau... você é mesmo bom nisso, hein?! - Fujisaki admirou-se - Está bem então... vou torcer pra que essa prece dê certo. Arigatou, Daisuke
– Agradeça aos deuses do Templo, eles é quem farão com que a prece se realize! - o menor respondeu, voltando a usar seu tom de voz normal, e Fujisaki se impressionou mais ainda com a capacidade dele de "mudar de identidade" tão rápido. Eles continuaram o caminho de casa, um pouquinho mais otimistas sobre as surpresas que o futuro lhes reservava.

*** Próximo Capítulo: Sondando a Verdade ***