Guizos Ao Vento

Ventanias tropicais se dissipam


Uma mesa ao luar, um garoto de camisa branca, calças de cordão e cabelos negros, e uma garota de vestido branco e cabelos arrumados em um lindo penteado.

Nico não estava nem um pouco confortável.
- Então, você é filho de Hades? - O garoto encarava a lua pedindo que o sol aparecesse.
- Sim. Ahn... Mais cozido? - Ele ergueu a panela, um sorriso torto estampado nos lábios.
- Não, obrigada. Vamos dar uma volta? - Ela perguntou, abaixando a panela de volta para a mesa.

A praia estava linda iluminada ao luar, o brilho prateado brilhava nos cabelos de Calipso.
- Você não entende. Não posso deixá-lo ir. - A voz dela cortou o silêncio, ofuscado apenas pelo som das ondas quebrando na areia. - De todos os que já estiveram aqui, nenhum despertou este sentimento tão voraz, destemido.

Apenas o som das ondas cortava o silêncio.

Uma lembrança invadiu Nico. Um quarto gigante, uma garota. Os olhos dela o queimavam com uma ardencia na espinha. Os olhos que o atormentavam a todo o instante. Vê-los ali, mesmo que por lembrança, o fez sentir a ardência em sua pele, a ardência que eles lhe causavam, o formigamento em seus braços, pois estes envolviam a cintura dela.

Um segundo. Apenas o suficiente para lhe causar todas aquelas sensações. Ele olhou para o lado e a viu. Não Calipso. Nico viu Gale.

O beijo. Era por isso que Calipso esperava. Após aquele ato, Nico seria dela por toda a eternidade. E Nico queria tocar os lábios de sua amada com os seus. Os lábios de Gale, não os de Calipso. Mas ele via a garota ali.

Segundos. Eram o que restavam para selar aquele estúpido momento. Mas a lua brilhou fortemente, como um holofote gigante iluminando tudo, e mostrando a verdadeira forma de todos.

Então Nico viu. Era Calipso, não a garota de sua lembrança. Com um impulso para trás Nico livrou Calipso de seus braços, que a envolviam como na lembrança.
- Onde vai, destemido? - Ela gritou ao longe, pois Nico corria, sua mente martelava apenas um fato: ele precisava sair dali. Encontrou alguns troncos podres.

O dia já amanheceria, a lua parecia lhe dizer isso para acalmá-lo.
- Não precisa fazer isso, destemido. - Ela surgiu, a lua clareando seu rosto e mostrando os olhos inchados. - A jangada já está a sua espera. Sei quando perco algo, por mais que eu nunca tenha tido o seu coração.

Os primeiros raios de sol o acolheram quando ele saiu daquela ilha. Era como se a Aurora o estivesse acolhendo... A mera lembrança da deusa o remeteu à lembrança de sua filha.

Foi com o balançar das ondas que ele lembrou-se subtamente da dona dos olhos de um verde intenso. Nico sentou-se apoiado no mastro com vela de linho branco, e ficou lembrando de todos os momentos que passaram juntos. O primeiro toque, a forma como os olhos dela penetraram a alma dele e o fez sentir que sua alma não era mais de seu pai, o Senhor dos Mortos, sua alma tornara-se dela. Sua voz era tão doce que seu coração vibrava no peito cada vez que a ouvia, e a gravara, torturando-se vez ou outra. Aquela primeira vez que conversaram, a forma como a presença dela tornava insuficiente o ar, por mais cômico que possa parecer. O jeito como ele teve de sussurrar as palavras naquele dia, pois não conseguia falar... Então a mente dele foi invadida por uma lembrança.

Eles estavam no bosque, observando os monstros no penhasco, prontos para o ataque. Gale virou-se e se postou a frente dele.
- Tudo vai dar certo, eu sei. - Ela sorriu. Annabeth passara a manhã atormentando a garota com isso. - Mas vou me sentir mais tranquila depois que... - Ela pegou a mão de Nico, e ele sentiu o formigamento correr por seu corpo, partindo dali. Ele só percebeu o que ela queria quando a pulseira já estava em seu pulso.
- É o mar, ele irá te ajudar quando você precisar. - Ela sussurrou em seu ouvido após um beijo na bochecha, e assim sumiu entre as àrvores. Foi de encontro aos monstros.

Nico tirou a pulseira do pulso e a encostou nos lábios. Com os olhos fechados sussurrou: Acampamento Meio-Sangue. Por mais que seus pensamentos estivessem fixos em uma pessoa.
- Estou indo para casa, para perto de você meu amor, minha Gale di Angelo.

O sol brilhava no Acampamento Meio-Sangue, Sibila havia chamado Gale para ajudá-la a fazer uma arrumação na caverna de Rachel. A ànemoi levara seu livro de couro para Rachel, pois depois de uma conversa sobre o mesmo, a garota pedira.

Chegando lá, estavam todos os seus amigos, ou quase todos, metidos entre vassouras, baldes, esfregões, e todo o tipo de instrumentos de limpeza.
- Como está esta amanhã? - Josh disse abraçando a garota por trás e fazendo-a bailar com ele ao som das vassouras e dos gritos de Percy e Thalia.
- Tentando me controlar... Não quero matar pessoas, nem destruir casas e coisas importantes só porque meu coração está ferido. - O garoto louro, que tinha o cabelo rente e espetado, estilo militar, com máquina um, dois, quinhentos mil, não entendo disso, quis repetir que Nico não estava morto, mas sabia que isso causaria outra crise de choro e frases sem sentido como esse ser o problema.
- Gente, o que está acontecendo com a Sibila? Ela até parece... - Annabeth gritou.
- Eu, quando tem uma profecia... - A garota de cabelos castanhos tinha os olhos vidrados, em transe. Seu corpo vibrava e ela sussurrava entre os espasmos.
- Ela está recitando uma poesia? - Thalia perguntou pasma. - Que diabos de língua é essa?
- Isso é... Ah meus deuses! Ela é uma sibila! - Gale arquejou sorridente, seus olhos brilhavam.
- Nós sabemos o nome dela. - Grover baliu nervoso.
- A Gale quis dizer uma das sibilas de Apolo. - Annabeth interveio. - São mulheres agraciadas com poderes proféticos pelo deus Apolo. As sibilas vivem em grutas ou perto de correntes de água e, em estado de transe, fazem suas profecias, habitualmente em hexâmetro grego, que são transmitidos por inscrições em grego arcaico.
- Alguém pode prestar atenção aqui? - Rachel gritou, fazendo todos voltarem ás atenções para a pobre garota em transe.
- Você pode escrevê-lo para gente? - Josh perguntou. Gale ainda olhava admirada para a garota em transe.
- Não sei muito grego arcaico. Usa-se mais o antigo...
- A Gale lê para gente, não é, Gale? - Ela assentiu sem ao menos sabe com o que concordava, estava maravilhada demais para prestar atenção, há anos não via uma sibila. Annabeth sentou-se na cama de Rachel e Thalia lhe entregou onde escrever.

Ao término da profecia, Sibila desmaiou, sendo segurada por Josh.
- Agora deixe a Gale ler para gente. - Percy encarou a namorada, sentia que tinha algo estranho. Como a garota não moveu um musculo, Thalia inquiriu novamente que Annabeth deixasse Gale ler. A garota de cabelos loiros entregou a profecia para a deusa.

A ànemoi passou os olhos pelos escritos, apenas para entrar em pânico. Olhou a capa do livro que segurava e arquejou.

- Não. Pode. Ser! - Ao dizer isso, saiu correndo. Ela gostava de mover o ar brutalmente a sua volta, apenas para afastar as lágrimas e os pensamentos, mas não podia. O clima do Acampamento era controlado. Então trancou-se em seu chalé e lá ficou por horas, chorando, encostada na porta abraçando os joelhos. Até que ouviu um murmúrio baixo mas animado, que a fez levantar e ir ver se era verdade, porque não podia ser. Não podia ser mesmo.

Não sei como descrever o que lhe causou a verdade. Ela quis correr e abraçá-lo, para nunca mais soltar, queria sentir o calor que emanava do corpo dele, o formigamento que causava o toque da pele de ambos... Mas fez tudo ao contrário. Os olhos dele a deixaram nervosa.
- Seu estúpido, cão infernal cínico, semideus de sarjeta! - Gale dava tapas em Nico enquanto falava. - Foi para Ogígia e me deixou aqui semi-morta sem você!
- Mas eu voltei por você! - Ele estendeu as palmas das mãos e levantou os ombros como se dissesse que não tinha culpa.

- Isso não... - Ela parou e o abraçou, as lágrimas inundando seu rosto. - Por favor, não faça mais isso. - Ela o apertou mais forte. - Não me deixe jamais. Não vivo sem você.

- E acha que voltei por quê? - Ele estava quase reprimindo um sorriso, mas sua voz tremia. - Minha alma está presa à você. - O choro embargado em sua garganta fazia sua voz tremer cada vez mais.

O Acampamento juntou-se em volta de Nico em um segundo. Thalia encarou o garoto com cara de você-deveria-ter-ficado-por-lá.

Josh estava abraçado com Gale e a garota sorria radiante. Nico voltara. Nico di Angelo voltara por ela.
- Você gosta dele? - O garoto louro de olhos como o céu indagou, o queixo apoiado no alto da cabeça da garota.
- Eu... Claro que não! Sou uma Caçadora de Ártemis. Remunerei ao amor antes de sentí-lo.
- Se nunca sentiu o amor, como sabe que não o está sentindo?

- Pare de fazer perguntas embaraçosas. - Ela riu e deu um soco de leve no peitoral definido do amigo. - Caçadoras não se apaixonam. Vamos, pegue sua espada. Vamos treinar. - Eles se afastaram, preparando-se para um duelo, mas antes que as lâminas se tocassem, sentindo o gosto uma da outra, Annabeth interveio.

- Gale, você precisa ver isso.

- O que? - A ànemoi se virou, o sorriso estampado, o mesmo que permanecia ali desde que Nico voltara, os guizos soando com o movimento. Ela estava realmente radiante pela volta de Nico, e não podia negar.
- Vem.

Pela Mensagem de Íris podia-se ver a repórter loira oscilando pela névoa.

- Essa manhã o furacão que atingiria Nova York no fim da tarde se dissipou em uma fraca ventania tropical...

Nico sorriu para Gale, mas antes que este pudesse abraçá-la, Josh já havia envolvido a garota em seus braços.