Guizos Ao Vento

Uma nova amiga e um deus do sol enfurecido


Havia um garoto sentado no topo da Colina Meio-Sangue. Um engradado de Coca-Cola repousava ao seu lado. A bebida, além de ser a sua favorita o fazia lembrar dela. Assim como a paisagem que olhava, e o lugar onde estava. O sol estava se pondo.

Mas não era o único naquele lugar.
- Pensando na vida? – Uma garota loira saiu de trás de um enorme dragão verde enrolado no Pinheiro de Thalia. O garoto nada respondeu. – Já sei, ela, a sua vida, tem nome e sobrenome.
- Sobrenome não, mas gostaria de dar a ela o meu. – Ele suspirou dolorosamente.
- De onde venho, aprendemos que devemos lutar por aquilo que queremos.
- Mas não depende apenas de mim...
- Posso? – Ela fez menção de sentar, e quando ele assentiu, o fez.
- Isso é péssimo. – A loira pegou uma lata de Coca. – Mas você já falou com ela?
- Não consegui. Ela estava ocupada. – Nico sentia seu coração pesado e ferido, como se tivesse sido atravessado por uma espada de lâmina afiada.
- Então não se preocupe, nada é o que você pensa, até que tenha falado com ela. – Soren sorriu.

Duas semanas. Era o tempo em que Nico não aparecera para jantar. Passava o dia e a noite conversando com Soren Karen. O segundo nome ela havia lhe segredado, deriva de katharos que em grego quer dizer pura, casta. Mas também acredita-se em sua semelhança ao grego aikía, tormento. Ela não o deixava se deprimir por Gale e Josh, pois sempre estava fazendo piadas ou contando algo engraçado, ou simplesmente sorrindo. Isso deixava Nico feliz. Ela era uma amiga feliz.
- Para quê acordarmos a essa hora? – Josh tentava se manter em pé, o sol ainda não havia nem nascido.
- Porque é nesse horário que brisa e ventania se encontram.
- O quê? – Josh exclamou unindo as sobrancelhas.
- Você é o meu melhor amigo, e eu queria compartilhar esse momento contigo. – A deusa sorriu. Os ventos na praia se agitavam ferozmente. A aurora do dia raiava.

Um brilho dourado surgiu aos pés de Josh, que estavam marcando com força suas pegadas. Quando o brilho se dissipou, tudo o que restou foi um punhal.

Gale riu alegre como uma criança.
- Parece que a minha mãe gosta de você. – A ànemoi saltitava. – Vamos, peque!

Josh curvou-se e segurou o punhal. Era de puro bronze celestial, mas reluzia mais que isso, mais que ouro. Reluzia como o sol.
- Sua mãe... Me presenteou? – Gaguejou ele, encarando a lâmina.
- Não é meio óbvio? – Ela gargalhou. – Ela gosta da nossa amizade. Vamos você está congelando. Esse é o encontro dos ventos durante a aurora e eu me esqueci de que pode ser frio para...
- Então por isso me trouxe aqui?
- Sim. É na aurora quando brisa e ventania se encontram.

O garoto louro abriu a porta de seu chalé, a lâmina ainda em suas mãos como um corpo estranho.
- Como ela está? – Percy estava sentado na cama de Josh, os olhos brilhando.
- Está... Bem... – Nico lembrou-se de como ela o tratava e completou mentalmente “bem louca isso sim!”
- Por que não ficou lá? – Grover mastigava a cabeceira da cama de Josh.
- Ela é tão... – Percy começou.
- Calipso nãop tem os olhos tão bonitos como Gale... Ninguém tem.

A ànemoi foi até a baia dos pégasos, e lá encontrou Sibila.
- Nunca entendi muito bem o fato de eu ser assim, estranha. Passei praticamente a minha vida inteira fazendo profecias sem saber. Julgava-me louca, mas meu nome carregava mais sobre quem sou do que eu imaginava. – Ela disse sem olhar para trás, concentrada demais em um pégaso marrom.
- Nossos nomes carregam mais de nossa personalidade e nosso destino do que podemos compreender ou suportar. – A deusa sorriu. – Ninguém nunca disse de quem você é filha. A não ser que...
- Sou filha de Hermes. – Cortou-a com desgosto, a voz tremendo cheia de mágoa.
- Qual o problema? – Gale se aproximou, acariciando o focinho do pégaso marrom também.
- Que problema? – Sibila indagou, a voz ainda trêmula escondida atrás do ódio.
- Em ser filha de Hermes.

E então a ànemoi surpreendeu-se. A filha de Hermes não respondeu, virou-se e a deusa percebeu que esta tinha o rosto curvado, banhado em lágrimas. Gale não agüentou e ao primeiro soluço envolveu-a em um terno abraço, cantando como o vento.

Ficaram alguns minutos ali, entre soluços e ventanias.
- Os garotos...do...chalé...tentaram...me... – Ela soluçou e Gale chiou, como uma mãe ninando o seu bebê. Sabia antes mesmo de Sibila lhe falar. O vento lhe mostrara os pensamentos da garota.
- Mas isso é inadmissível! Além de ser ridículo, estúpido, nojento é terminantemente proibido aqui no Acampamento e em qualquer lugar! – O vento mudou de calmaria para ventania tempestuosa. Os pégasos se agitavam e suas baias chacoalhavam.
- Não, tudo bem, Travis e Connor disseram que iam resolver. – Sibila engolia os soluços.
- Como eles vão resolver algo assim? Esses idiotas têm de ser expulsos agora mesmo!
- Não, deixe meus irmãos resolverem. – Gale ia falar algo, mas desistiu ao ver que a garota estava quase a beira de outra crise de choro.

Era proibido. Mas ela era uma deusa.

Por mais que não fosse o chalé dela.
- Por que isso? – Josh perguntou enquanto levava as coisas de Sibila para o chalé de Ártemis. – Qual o problema com o outro?
- Nada. Decidi fazer uma festa do pijama. – Mentiu.
- E precisa levar todas as coisas dela para o seu chalé?
- Sem perguntas estúpidas. – Gale revirou os olhos, mas temia não conseguir mentir.

Sibila estava tomando banho, e levou um susto ao abrir a porta do banheiro e dar de cara com Josh entrando no chalé com as suas coisas. Ao ver Josh, virou-se ainda na soleira da porta e se trancou no banheiro. Não podia deixar que o garoto visse seus olhos vermelhos e inchados.
- O que... Por que a Sibila... Aconteceu alguma coisa, Gale? Por que se aconteceu, me diga agora. – Havia determinação em sua voz.
- Pare de ser maníaco. Já disse que não aconteceu nada. – A deusa encarava as suas unhas. – Ela só não queria que você a visse de toalha, oras.
- Mas nunca tivemos problema com isso. – Josh deu de ombros, sem saber o que estava falando e sem nem uma imagem vir-lha a cabeça. Apenas sabia que aquilo era verdade.
- E aí, gostando do presente que a sua mamãe lhe deu? – Desconversou rindo a garota temendo não conseguir mentir para Josh por muito tempo. Josh era como um irmão para ela.
- Ela é muito boa.
- Só acho cômico um filho do Mundo Inferior com um punhal feito dos raios da aurora. – A ànemoi gargalhou. – Sabe o que lembrei? – Ela não esperou ele responder. – Mundo Inferior É Para Fracos.

Uma movimentação acordou as duas garotas no chalé de Ártemis. O carro do sol estacionara no Acampamento. A pressa foi tanta que Gale nem se deu conta da rosa branca em seu travesseiro.

A multidão estava em volta do carro, todos de pijamas. Gale e Sibila abriram espaço por entre as pessoas e chegaram na primeira fileira.

O deus do sol estava enfurecido.
- Por que acha que ele está assim? – Perguntou Nico di Angelo ao lado de Gale.
- Ele está uma fera. E é algo sobre a Sibila. – Josh surgiu atrás, falando com a ànemoi por cima de seu ombro.
- O que? – Gale arquejou e foi em direção a Apolo. Sibila a seguiu.
- Não me importa se ela é filha de Hermes, Hécate, Afrodite ou Atena, é uma de minhas sibilas e não passará por este constrangimento novamente. Ela ficara no meu chalé!
- Mas precisamos da permissão de Hermes... – Quíron inquiriu.
- Tenho certeza de que ele não irá se opor a isso. – O deus loiro gritava. – Meus filhos não farão tal desrespeito com a minha... – E então ele a viu. E sua expressão de repente ficou terna, como um dia calmo de sol. O deus abriu os braços, convidando-a para um abraço.

E ela correspondeu.
- Parece que é muito querida, minha sibila. – O deus com aparência jovem, de uns vinte anos, sorriu.
- Como assim?
- Nunca achou estranho falar com pégasos, ou cavalos, não se molhar ao entrar na água... – Ele a afastou um pouco, ainda a abraçando, apenas para encarar seus olhos. – Você é abençoada por Poseidon. Tenho certeza de que ele cederia seu chalé igualmente, mas faço questão de que fique com meus filhos e filhas. – O sorriso ainda estava estampado em seu rosto. – Não deve temer o seu destino. Isso é um dom. Não é qualquer uma que é abençoada a ser uma de minhas sibilas. Mas, acho que tenho um presente para você. Algo que, enquanto usar não temerá seu dom. – O deus tirou do bolso de sua calça jeans um anel. A jóia brilhava mais que ouro, mais que tudo que Sibila já tinha visto. - É feito de um fio de um raio de sol. Pode se gabar. – Ele riu.
- Obrigada. – A garota sorriu tímida e o deus colocou o anel em seu anelar.
- Pronto, agora somos comprometidos. – Brincou ele. – Adoraria passar o dia aqui abraçado com você, mas estou atrasado, Aurora não me espera. – E aumentando o tom de voz para falar com a multidão: - Preparem o chalé para a chegada dela. Espero revê-los em breve. – E assim o deus se foi, não antes de dar uma piscadela para a garota de pijamas que ele acabara de abraçar.

Não se comentava em outra coisa. Apolo fizera questão de que Sibila ficasse em seu chalé. Três garotos que não foram reconhecidos por seus pais apareceram muito feridos, antes de serem expulsos do Acampamento. Os irmãos Stoll de repente machucaram demais as mãos em uma travessura que não deu certo... E Aeráki sentava ao lado de Nico em um grupo de pedras qualquer no bosque.

O quê?
- Você e a minha irmã brigaram? – Disse ela encarando o garoto intensamente.
-Eu não sei. – Ele arriu os ombros. – Desde que voltei de Ogígia...
- Ela não larga aquele garoto, Joshua, e se não está desfilando com ele pelo Acampamento, estão na Casa Grande paparicando os monstros que ela adotou como sua família.
- Não entendo. Passei cada segundo meu em Ogígia pensando nela, mas parece que ela estava ocupada demais aqui me substituindo. – Sua voz era fria, fria de dor.
- Shh... – Aeráki pôr a mão nos lábios do garoto de intensos olhos escuros que agora a encaravam. – Não pense nisso agora. Farei com que esqueça todos esses problemas. – Ela se inclinou, uma brisa leve e gostosa os envolvia.

Gale surgira atrás das árvores com seu arco e flecha em punho. Caçava monstros. De onde estava não podiam vê-la, mas ela podia ver toda a cena.

Não por muito tempo, pois a deusa saiu correndo, chorando. A ventania à sua volta fazendo os guizos soarem suave e tristemente. Mas Nico e Aeráki não ouviram.

Ele encarava os olhos da garota que se aproximava. Ela era idêntica à Gale. Seus olhos eram idênticos aos de sua amada, só que menos... intensos. Ela não era Gale.
- Não posso, desculpe.

Nico di Angelo levantou-se deixando a deusa ali, sozinha e pasma.

E foi encontrar-se com Soren, desabafar com a amiga.

E seu dragão de estimação.