Emily decidiu examinar o que restou das tendas enquanto eu fui dar uma olhada na montanha-russa. Encontrei dois carrinhos que estavam presos um ao outro por um monte de hera. Os carrinhos não eram usados há um bom tempo, e quem quer que estivesse tentando fazer algo com eles tinha um alto conhecimento em mecânica e muita habilidade e talento. Fui até eles e dei uma olhada no motor, pois as rodas estavam claramente em bom estado. Alguém tinha arrumado o motor e o tinha melhorado bastante. A única coisa que faltava para ele funcionar era algo como uma correia de ventilador. Mas como arranjar uma correia de ventilador no sertão?

‑ Achou alguma coisa? ‑ Perguntou Emily. ‑ Eu achei algo na tenda que pode ser útil, mas quero que você me diga o que achou primeiro.

‑ Achei esses carrinhos de montanha-russa ‑ disse, mostrando-os com um gesto. ‑ Alguém reparou tudo, o carrinho andaria muitos quilômetros se nós tivéssemos uma correia de ventilador.

‑ Deve ter sido alguém muito inteligente ‑ ela disse.

‑ Com certeza ‑ concordei. ‑ Meu tutor me contou tudo sobre esse parque. Disse que tinha uma tenda que se chamava Casa dos Monstros, onde madame Lulu fazia um show com aberrações que eram humilhadas só por serem diferentes ‑ senti que ela tinha o mesmo sentimento de repulsa que eu por isso. ‑ Ou seja, só alguém muito inteligente ajeitaria esse carrinho, mas seria alguém muito, muito azarado para tentar fugir desse lugar quando ele estava em chamas e só não conseguir escapar por causa de uma miserável correia.... Baudelaires!

‑ Jura? ‑ Ela perguntou, surpresa. ‑ Onde? ‑ Virou a cabeça para os lados a fim de achá-los.

‑ Não, eles não estão aqui. Mas já estiveram ‑ meus olhos brilhavam diante do que eu acabara de descobrir. ‑ Bem, o último livro que meu tutor publicou sobre os Baudelaire foi "O Hospital Hostil", que conta suas aventuras no Hospital Heimlich. O livro termina com eles entrando no porta-malas do carro de Olaf. Se o Olaf veio para cá, eles também vieram, consequentemente. Mas acho que eles não escaparam.

‑ Se você diz que eles não escaparam, quer dizer que eles morreram?

‑ Não, são inteligentes demais para isso. Antes que eu me esqueça, achei outra coisa ‑ eu disse, apontando para um fosso muito fundo cheio de ossos carbonizados. ‑ Acho que era um fosso cheio de leões, pelo formato do crânio.

‑ Estou confusa ‑ disse ela.

‑ Talvez, se você me mostrar o que encontrou, eu te ajude a “desconfusar” as coisas ‑ eu disse, com um sorriso.

Ela sorriu de volta, e me levou a um lugar que um dia foi uma tenda.

‑ Os pedaços de vidro no chão sugerem que aqui foi a tenda da madame Lulu, e a bola de cristal caiu e quebrou. O monte de pedaços de papel no chão.... Bem, não sei o que significa.

- Ela era uma farsa ‑ eu disse. ‑ Você não entendeu? Ela não previa o futuro, ela só pesquisava nessa biblioteca de arquivos o que o cliente queria saber, e ela fingia que viu o futuro. A bola de cristal devia ser de vidro comum mesmo. Meu tutor já foi a uma consulta dela, e disse que a tenda ficava toda escura; depois relâmpagos vinham do céu e ele ouvia um zumbido esquisito de algum lugar da tenda. É o esquema perfeito: o cliente não a vê por causa da luz fortíssima do relâmpago e não a ouve mexer no papel por causa do zumbido.

‑Os relâmpagos podem ser só a luz do sol refletida em espelhos em movimento. Fiz esse truque uma vez para uma experiência de ciências da Escola Preparatória Prufrock.

‑ E os espelhos estariam presos um ao outro por uma tira de borracha! É brilhante! Fraudulento, porém brilhante. Madame Lulu parece ser uma pessoa má por enganar pessoas assim, acho que ela era amiga do conde Olaf.

‑ Então ‑ ela começou a entender o que estava dizendo, ‑ os Baudelaire foram seqüestrados pelo conde Olaf e foram levados até aqui; eles descobrem que a madame Lulu é uma farsa e Violet arruma os carrinhos para uma fuga, sabendo que a tira de borracha desse dispositivo de relâmpago ajudaria. Mas alguma coisa dá errado.

‑ Já sei! O fosso de leões! Recentemente, um folheto escrito "Espetáculo Carnívoro no Parque Caligari" foi levado pelo vento até as montanhas. Madame Lulu e Olaf deviam estar planejando jogar alguém naquele fosso, uma aberração ou um dos Baudelaire, e aí, antes que isso aconteça, o Conde Olaf traiu todo mundo e incendiou o parque. Deve ter incendiado a tira de borracha também ‑ eu disse, triste.

‑ Não, essas tiras são resistentes ao fogo, não queimariam.

‑ Então, na confusão do incêndio do parque...

‑ Ela deve ter sido jogada aos leões.

Nós corremos até o fosso. Foi fácil achá-la: estava bem entre as costelas de um leão, meio suja de cinzas. Por impulso, eu pulei no fosso. Caí de joelho, o que acabou sangrando um pouco. Cheguei até lá e peguei a tira de borracha.

“Querida Violet”, pensei, ”se você esperasse mais um pouco, veria sua invenção dar certo”.

Eu não conhecia Violet pessoalmente, portanto, não tinha intimidade para chamá-la de “querida” ou para dar um conselho a ela. Mas Lemony me contara tanto sobre ela que às vezes eu sentia que a conhecia desde que nasci.

‑ Seu louco! ‑ Gritou Emily, de cima do fosso, na borda dele, ao lado da montanha-russa. ‑ E agora, como vai subir para cá?

‑ Deixe de ser chata ‑ gritei de volta. ‑ Pegue um pouco de hera e me puxe de volta.

Ela o fez. Na verdade, ao invés de me puxar, ela só segurou a hera, e eu fui obrigado a subir por mim mesmo.

Fiz os últimos ajustes no carrinho, colocando a tira de borracha.

‑ Pronto ‑ eu disse, como lágrimas nos olhos, de orgulho. ‑ Vamos sair daqui.

Fiz uma pose heróica de quem acaba de fazer algo magnífico, como descobrir a cura para o câncer, e não alguém que faz com que carrinhos de montanha russa sejam capazes de viajar. Eu tinha deixado o casaco, o mapa, a geléia, o pão e a máquina de escrever no chão. Coloquei-os no segundo carrinho, enquanto Emily e eu nos ajeitávamos no primeiro. Engraçado.... Agora que eu percebi.... Eu tinha levado a máquina de escrever, mas não tinha levado papel!

‑ Nem acredito ‑ ela disse. ‑ Vamos sair desse sertão, sem a ajuda de ninguém além de a de nós mesmos.

‑ Esperava o quê? Somos inteligentes, talentosos...

‑ Convencidos ‑ ela completou, com uma risada.

Comecei a dirigir aqueles carrinhos. O dispositivo que Violet construíra estava mesmo ótimo.

‑ Para onde você acha que eles foram? ‑ Ela perguntou. ‑ E por que esses carrinhos não queimaram?

‑ Duas perguntas respondidas: Os Baudelaire devem ter ido para as Montanhas de Mão-Morta, pois acho que eles encontraram o mapa codificado que madame Lulu tinha, que mostrava o caminho até aquela base de operações ‑ meu tutor que disse que madame Lulu tinha esse mapa ‑; e os carrinhos não queimaram porque estavam separados do resto do parque. A montanha-russa também. Os leões podem ter morrido porque, provavelmente, alguma tenda em chamas se despregou do chão e acabou caindo no fosso onde eles estavam.

Você é muito inteligente. Eu não teria descoberto um quinto do que descobri sem a sua ajuda.

‑ Você também ajudou, com os seus conhecimentos sobre a tira de borracha, e o dispositivo de relâmpagos. Sem você, não teria chegado aonde cheguei.

Vi ela corar com o meu comentário.

‑ E então, para onde nós vamos? ‑ Ela perguntou, tentando mudar de assunto.

‑ Bom, eu sei onde vai ser a próxima reunião de C.S.C. porque fui eu quem colocou o Colóquio Secreto Criostático na geladeira da base de operações. Se conheço J.S., o destinatário do lugar seguro, a reunião só pode ser no Hotel Desenlace.

‑ Então nós vamos para lá?

‑ Não ‑ eu disse. ‑ Nós vamos achar o açucareiro antes de tudo.