Sinceramente, não sei como cheguei vivo até em casa, só sei que nunca mais dirigiria depois de mais de três copos de bebida alcoólica. E que um raio atinja meu crânio se eu fizer isso de novo! Bom... Pelo menos eu descobri que o cheiro de queimado que vinha do meu apartamento era apenas uma tentativa falha de jantar do Fabrício. Ri da cara dele quando vi a cor da carne que ele tinha feito, e fui fuzilado pelo seu olhar. Temperei o bife e fiz um arroz com queijo. Assim que ficou pronto e nos sentamos para comer, comentei:

–Até bêbado eu cozinho melhor do que você quando está sóbrio, Fab. Sinceramente...

Comemos em silêncio, e ele se dirigiu para lavar a louça depois do jantar, ato que eu seria louco se contestasse. Quando voltou, eu estava na sala, assistindo um filme que peguei pela metade enquanto vasculhava o guia de programas. Ele se sentou do meu lado e disse:

–Achei que não passaria a noite em casa. Não acreditou que eu estava mal de verdade, acreditou?

–Não. Apenas não confio o suficiente nos seus instintos pra te deixar sozinho na minha casa.

Ele revirou os olhos.

–Hm... Você é um idiota, sabia?

–Quer começar uma DR, é? Ok. Você começa. –Ri do meu próprio tom de cinismo

–Cala essa boca, Ed! Qual era o nome dela?

–Por que quer saber?

–Por que sim! -suspirei

–Nix.

–Nix? Tem certeza disso?

–Tenho, por que o espanto?

–Nada... É só que não ouvi falar bem dela. Comeu?

–Se a resposta fosse “sim”, eu não estaria aqui pra você me fazer essa pergunta.

–Tá... Ela te deu o endereço?

–Sim... Fab, que porra de interrogatório é esse?

–Você rejeitou ela bêbado?

–Não rejeitei, eu só disse que zelava pelo meu apartamento.

–Você não vai voltar lá.

–Vou sim! Por que não voltaria? Olha só pra ela, cara...

–Por que não, Ed! Eu não ouvi falar nada bem dela pelas pessoas que conversei naquela festa, e não quero que você se machuque por causa de uma noite com uma prostituta qualquer!

–Me machucar, Fab? Olha pra mim –exibi um sorriso auto-confiante- e vê se eu tenho cara de quem se apaixona fácil.

–Não estou falando desse tipo de dor, Eduardo, estou dizendo se machucar de verdade. Eu sei que você não é tolo o suficiente pra se deixar levar por qualquer puta.

–Para de chamar ela assim! Você não a conhece pra falar assim dela!

Ele respirou fundo.

–E você, Ed, conhece?

Refleti, mas não obtive uma resposta coerente, não no meu estado. Fui para o quarto dormir, amanhã pensaria melhor sobre o assunto.

No dia seguinte, acordei com uma dor latejante na cabeça. Tentei me lembrar do dia anterior, mas só obtive imagens vagas. Imagens como uma imensa mansão branca e uma briga com Fabrício. Não lembrava muito bem sobre o que havíamos discutido, e resolvi levantar e calar aquele ronco no estômago de uma vez por todas. A cozinha estava limpa como nunca e meu amigo estava no sofá. Preparei um lanche simples e um copo de iogurte e fui sentar-me ao lado dele, que permanecia com a cara amarrada desde o dia anterior.

–Bom dia Fab. – ele suspirou antes de responder

–Se lembra de algo? – fiz que não com a cabeça

–Muito vago.

–Quantos copos tomou?

–Uns cinco.

–E ela te deixou dirigir até aqui sozinho?! Meu Deus, eu não deveria ter voltado.

–Aliás, voltou como?

–Busão. Demorei uma hora e quinze até chegar aqui. Enfim... Acho que preciso esclarecer algumas coisas com você.

–Sou todo ouvidos. –sorri, mas meu sorriso se tornou breve ao ver sua expressão de seriedade.

–Ninguém se atreve a entrar lá, Ed. Eu ouvi algumas pessoas comentando sobre ela quando estava indo embora, depois de ver vocês juntos. Quando estava saindo, olhei pra ver se você estava bem, quando uma mulher me puxou. Uma senhora, pra ser mais exato. Ela me contou que existem várias denúncias de abuso sexual e tortura vindas daquela casa.

–Mas mora mais alguém com ela?

–Esse é o caso, Ed. Não. Nix mora completamente sozinha. Tem uma empregada que vai três dias por semana, mas só à tarde. As denúncias são relacionadas à ela e, sinceramente, não sei como aquela mulher ainda não está na cadeia, se tudo o que ouvi for verdade.

–Isso é ridículo... Até parece que uma garota frágil daquela faria alguma coisa dessas!

–Não sei não cara... Em todo caso, não quero que volte lá,

–Ela não faria nada comigo... Eu tenho três vezes o tamanho dela.

–Os homens que fizeram as denúncias também.

–Mas é diferente, ela me conhece! Eu não vou deixá-la fazer nada comigo, relaxa. Eu vou pra lá hoje à noite fazer uma visita. –ri por dentro quando uma ideia passou pela minha cabeça- Pode colocar uma câmera na minha mochila, se isso te deixar mais seguro.

Eu sorria maroto, ciente de que ela não faria nada contra mim, e eu ainda tiraria proveito da situação. Parecia o plano perfeito. Por outro lado, Fab me encarava sério.

–Mochila? Como assim, mochila? Pretende passar mais de uma noite lá, Eduardo? –Ele se levantou, furioso.

–Escuta, o plano é o seguinte: você instala câmeras escondidas na minha mochila, enquanto eu fico lá por uma semana. Se ela ameaçar fazer algo contra mim, eu ameaço mostrar as imagens para a polícia, comprovando as denúncias e levando ela pra cadeia. Fechado? –também tinha a outra parte, que era aproveitar cada noite naquela casa com maestria, mas Fab não precisava saber disso. Ele permaneceu quieto, e eu dei tempo à ele para que absorvesse a ideia e, se tudo corresse como o planejado, concordasse com ela. Depois de alguns poucos minutos, sua expressão relaxou e, assumindo um ar de derrota, falou, apertando a minha mão:

–Fechado. Mas se algo der errado, não venha se lamentar pra mim.

Um sorriso atravessou meus lábios, eu sempre ganhava. Era fato. Me levantei para arrumar minhas coisas no quarto, mas fui interrompido.

–Hey, Ed, espero que já tenha superado o trauma de quando naufraguei seu último carro, porque vou ocupar seu apartamento pelo resto da semana.

Gelei. Eu sabia que ele sorria ao perceber minha expressão, mas decidi que seria firme naquela escolha. Não perderia uma mulher que estava na palma da minha mão, ainda mais com a beleza de Nix. E respondi-o ainda de costas.

–Não superei totalmente, tanto que passei essa noite aqui. Mas tenho certeza de que quando chegar lá, ela me fará esquecer.

Sorri, enquanto sentia seus olhos fuzilando minhas costas.