Toquei a campainha três vezes antes de ser atendido e, assim que mencionei meu nome, o interfone ficou mudo. Confesso que fiquei um pouco receoso quando pensei que talvez ela ainda estivesse com raiva de mim, e considerasse a ideia de não me deixar entrar. Mas seja qual fora o motivo da demora, eu não estava nem ligando. Quando tive certeza de que ela não abriria, resolvi que, como na festa da noite anterior, eu daria conta de mim mesmo, e comecei a escalar o portão. Assim que passei pela fonte e bati na porta da mansão, fui recepcionado por uma senhora que deveria ter por volta dos cinquenta e cinco anos. Ela me olhou de cima a baixo e fechou a porta na minha cara. Ouvi enquanto ela conversava com alguém dentro da casa e, um minuto e meio depois, a porta se abriu novamente, mas dessa vez, a senhora me deu passagem. Assim que entrei, fiquei espantado com a beleza daquela casa por dentro. Eu já tinha estado lá antes, mas confesso que não havia prestado muita atenção à minha volta. A casa inteira era decorada com móveis brancos, e a ausência de cores me causava certa tontura. Virei para a senhora para perguntar onde estava Nix, mas ela não estava mais ali. Sozinho, resolvi explorar a casa. Fui até o segundo andar, onde um corredor imenso dava porta à cerca de seis quartos. A casa tinha capacidade para abrigar bem mais quartos do que isso, então pensei que talvez aqueles cômodos tivessem um tamanho consideravelmente maior do que o meu apartamento inteiro. Todos eles estavam com as portas fechadas e escolhi um que ficava bem à frente da escada para entrar. Quando imaginei as proporções, eu estava completamente certo. Só a cama era do tamanho da minha sala inteira, e o quarto, igual ao restante da casa, era decorado apenas com tonalidades de branco. Fui até a varanda, que dava vista à um imenso jardim, com árvores cerejeiras que, com absoluta certeza, foram trazidas de outros países, pois não eram naturais dali. Eu contemplava fascinado a beleza daquelas flores, quando percebi um vulto em minha visão periférica. Virei-me e vi Nix sentada em uma poltrona de couro branca na extensão da varanda. Ela vestia apenas um robe vermelho transparente e uma camisola da mesma cor por baixo. Me senti corar com a pouca quantidade de roupa que ela usava.

–O que faz aqui?

–Você me disse que eu seria bem-vindo quando quisesse vir.

–Isso foi antes de você me deixar plantada na minha própria casa e sair correndo por causa de um apartamento que deve custar menos do que o meu sofá.

Hesitei em falar qualquer coisa. Alguns segundos depois, ela quebrou o silêncio.

–Não estava nos meus planos te ver de novo mas, já que está aqui, acho que podemos terminar o que começamos na noite passada.

Nesse momento, ela se levantou e veio até mim. Colocou as mãos em volta do meu pescoço e enroscou uma das pernas em minha cintura. Coloquei minhas mãos e sua cintura e sussurrei perto de seus lábios:

–Será ótimo se pudermos terminar isso todas as noites.

–Com certeza.

Ela veio para me beijar, mas eu afastei-a quando senti o tom de ironia que usou em sua última frase.

–Se você me quer apenas para uma noite só, acho então que teremos que terminar isso outro dia.

Pude ver a fúria em seus olhos quando gritou.

–O que? Vai me rejeitar de novo? Sai. Agora. Vai embora daqui!

Ri, achando graça de tudo aquilo.

–Não.

–Eu não deveria ter te deixado entrar- murmurou, mais para si mesma.

–Me tire daqui à força então. -cruzei os braços e sorri sarcasticamente

Ela bufou, mas pronunciou as palavras seguintes com mais calma, como se tentasse explicar algo à uma criança.

–A casa é minha. E quem manda aqui sou eu. Seria muito conveniente se você se retirasse sem que eu precisasse chamar alguém pra te tirar à força daqui.

–Há é? E quem seria? Aquela senhorinha que me recepcionou? Eu sei que você mora sozinha, e parece que não tem muitos amigos, não é?! –minha auto-confiança crescia, assim como a raiva dela, que suspirou.

–O que você quer de mim, afinal?

Refleti sobre o assunto.

–Bom... Quero cumprir o trato que fiz com Fabrício.

–E posso saber do que se trata?

–Eu vou ficar aqui por uma semana. Ele apostou o carro dele que eu não conseguiria ficar aqui sem me apaixonar por você, mas eu confio em mim. E quero aquele carro. –menti, e fiquei impressionado com a minha capacidade de improvisação – ele alegou que seria impossível algum homem conviver com alguma mulher como você sem acabar em suas mãos. E eu estou disposto a provar o contrário.

Ela murchou.

–E você realmente acha que pode chegar na casa de uma mulher que vive sozinha e que você conheceu a menos de um dia, e se instalar na casa dela assim? Acha que é tão fácil?

–Me carregue pra fora daqui e eu irei embora.

Eu realmente não a conhecia, mas ela não tinha como me tirar dali a força, e eu tinha certeza de que ela não encontraria alguém que fizesse o trabalho por ela tão cedo. Preferi me sentir como um parente desconhecido distante que se instalou ali pois não possuía lugar para ficar, do que como um estranho que se instala na casa de outra estranha apenas por diversão, e que era o que eu realmente estava fazendo. Nix subiu as escadas e, antes de entrar em seu quarto, se virou e disse:

–1. Que você fique ciente de que não vai conseguir nada comigo enquanto estiver aqui dentro, 2. Eu tenho o telefone da polícia cadastrado no meu celular, sempre do meu lado, caso você tente algo contra a minha vontade, 3. só não te denuncio por que tenho pena de você, e 4. –suspirou- você tem sorte de eu não ter instinto de psicopata.

Virou-se e entrou no quarto. Bom, eu consegui pelo menos parte do que queria e, por hora, isso já estava de bom tamanho.

Subi para o quarto em que tinha entrado antes, e decidi me acomodar por lá. Joguei minha mochila no armário e deitei na cama que tinha o dobro do meu tamanho. Talvez quase o triplo. Apesar do aviso de Fabrício para preparar as câmeras em lugares específicos logo no início, mantive-as guardadas dentro da mochila, pensaria nelas depois. Tomei um banho e assisti um filme na gigante televisão do quarto. Duas horas depois, minha barriga roncava, já deveria ser por volta das 11 horas da noite. Coloquei uma roupa qualquer e desci descalço, pronto para preparar alguma coisa. Na cozinha, vasculhei em busca de ingredientes e preparei um macarrão com queijo. Uma hora depois, o jantar estava pronto, assim como a mesa arrumada. Só pra deixar claro que levei mais tempo procurando tudo naquela cozinha gigante do que preparando a janta. Assim que tudo estava nos conformes, resolvi subir e chamá-la para jantar. Bati na porta duas vezes e, quando ela me mandou embora, resolvi entrar, mesmo sem ser convidado.

–Por que você tem que ser tão teimoso? Caralho! Se instala na minha casa sem a minha permissão e entra no meu quarto sem ser convidado, qual é o seu problema em ter um mínimo de respeito?

–Que vocabulário é esse, hein? Pensei que pessoas “civilizadas” não falavam assim. –ri com sarcasmo

–A casa é minha! O quarto é meu! E eu falo o que quero! Sai daqui, agora.

–Calma esquentadinha! –levantei as mãos em um sarcástico gesto de rendição- Só vim avisar que o jantar está pronto.

Sai do quarto e desci. Assim que sentei, ela veio me acompanhar em silêncio. Continuava com a mesma roupa de antes, mas os cabelos estavam mais desgrenhados, como se tivesse acabado de acordar, e ela estava somente de camisola. Ela me olhava constantemente e imaginei que fosse me agradecer. Mas parece que era orgulhosa demais para isso. Jantamos em silêncio e Nix se levantou para lavar a louça.

–De nada.

Ela me fuzilou assim que pronunciei aquelas palavras e resolvi levantar para ajudá-la.

–Eu trouxe um filme bem legal, que tal assistirmos depois?

–Por que eu daria esse gostinho à você?

–Por que eu vou ficar aqui por uma semana, e seria legal se você ao menos tentasse não querer me matar o tempo todo. –ela me ouvia, rígida. Estendi-lhe a mão- Amigos?

Ela me analisou de cima a baixo, até parar o olhar na minha mão estendida e, sem apertá-la, disse:

–Podemos tentar. –e se dirigiu até o sofá.

Subi num passo rápido, vasculhei a bolsa atrás do filme e desci. Parei na frente da TV para pôr o DVD e, assim que me sentei no sofá, percebi que Nix comia uma barra de chocolate inteira.

–Como você consegue manter esse corpo comendo assim?

–Está me chamando de gostosa?

–Acho que eu enfatizei demais, desculpe. –pensei melhor- Mas não nego a afirmação.

Por um segundo, pude perceber um mínimo sorriso brotar em seus lábios.

–Chocolate me acalma.

–Continua nervosa?

–Ainda tenho a sensação de que você não vai me fazer bem.

–Passo uma impressão tão ruim assim?

–Cala a boca que vai começar o filme.

Músicas de abertura, enredo, duas horas e meia e créditos depois, Nix dormia encostada em mim, com a barra de chocolate por menos da metade no chão. Peguei-a no colo e, com algum esforço que nunca admitiria, acomodei-a na própria cama. Não pude evitar observá-la antes de sair. Afinal, eu sou um homem além de tudo, e não é sempre que se pode admirar uma garota com uma beleza daquela dormindo. Ri diante de meu pequeno progresso, e fui me deitar no meu quarto, naquela cama que me engolia.