Franklin, Tennessee 17.10.2002, 20hrs39min

Franklin era uma cidade adorável e era impossível não se acostumar com o clima da cidade; na semana seguinte meus pais me matricularam na mesma escola que Dave estudava para que eu não ficasse sozinha. Dave era um ótimo amigo, e às vezes eu me perguntava se era só amizade o que ele sentia por mim, às vezes o carinho excessivo dele me assustava.

* * *

Franklin, Tennessee 20.11.2003, 21hrs07min

Um ano se passou sem que eu percebesse, a cidade era encantadora, porem nem tudo em Franklin eram flores. Dave agora me seguia por aonde eu ia e isso me assustava, ele era ciumento e às vezes ficava furioso à toa. Uma turminha do colégio, para ser mais precisa da minha sala começou a fazer as mesmas piadinhas que faziam comigo em Meridian, mas, como eu já tinha passado por isso, não me afetava mais aqueles insultos. As discursões entre meus pais haviam ficado mais intensas e aquilo me entristecia, será que a culpa era minha? Será que eles empurravam o casamento por minha causa? Por medo de que eu sofresse com uma separação? Eu não gostava disso e eu sentia vontade de sumir quando eu ouvia os gritos vindos do quarto dos dois. Muitas vezes eu gritava do meu quarto chorando com a mão no ouvido, pedindo para que eles parassem de gritar, e então eles corriam ate mim e me abraçavam. Muitas vezes eu via meu pai sair dizendo que ia comprar algo e que não iria demorar e acabava voltando horas depois, provocando a ira da minha mãe, que preferia ignorar a presença dele a brigar com ele na minha frente.

O dia amanheceu e eu acordei com os berros vindos da escada. Minha mãe gritava furiosa com alguém.

Levantei-me rapidamente e fui correndo ver o que estava acontecendo.

- Mãe? Pai? O que aconteceu?

- HAYLEY VAI PRO SEU QUARTO A. GO. RA! – Ela berrou comigo

- Não... O que está acontecendo aqui?

- Filha... Calma... Eu e sua mãe estamos tendo uma conversa de adultos... Por favor, volte para o seu quarto... – meu pai disse segurando meu braço com delicadeza

- SOLTA A MINHA FILHA! ELA NÃO MERECE O PAI QUE TEM... MALDITA HORA QUE EU FUI CONHECER VOCÊ JOE! MALDITA HORA QUE EU FUI ME APAIXONAR POR UM COMO VOCÊ... – minha mãe gritou empurrando ele pra longe de mim e me abraçando.

- Não fala assim Cristie... A Hayley é tão filha minha quanto sua!

- CHEGA! O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? POR QUE VOCÊS ESTÃO DISCUTINDO?- eu gritei me soltando dos braços da minha mãe e tentando fazer com que eles me explicassem. Minha mãe respirou fundo e me olhou com os olhos cheios de agua. – o que foi mãe? Vocês brigaram por quê? Eu tenho o direito de saber! Sou a filha de vocês...

- Eh... Hayley... Seu pai tem uma coisa pra te... Contar... – eu olhei assustada para o meu pai, o que ele tinha para me contar? Será que era o motivo da briga deles? Eu respirei fundo e me virei lentamente para o meu pai, ele estava extremamente angustiado, os olhos cheios de agua.

- Filha... Você... Você tem que entender o que eu vou te contar agora... – ele pegou as minhas mãos, me levou ate o sofá, e sentou ao meu lado – Há seis anos... Eu vim para Franklin por causa do meu trabalho, pra resolver algumas coisas. E eu conheci uma mulher... Ela acabou mexendo muito comigo e eu me envolvi com ela... – eu olhei assustada para o meu pai, ele estava me confessando uma traição dele de há três anos! O que isso tinha a ver?

- Pai... Eu não estou conseguindo te entender... Aonde você quer chegar?

- Chega de rodeios Joe, sua filha não é idiota... – minha mãe soltou fazendo uma cara de nojo pro meu pai

- Ok Cristie... – ele olhou um pouco sem paciência pra ela

- Então...

- Então filha... Como eu disse, essa moça mexeu muito comigo... E eu acabei fraquejando... E acabei-me... Relacionando com ela.

- Pai.

- Filha... Eu tive outra filha com ela! –ele soltou de uma vez com os olhos fechados, eu sinceramente não estava acreditando naquela historia, meu pai não podia ter feito aquilo com a minha mãe... Ele não podia ter feito àquilo comigo

- O... O... O que pai? –Eu disse com a voz embargada- uma... Uma... Uma fi... Fi... Filha? Eu tenho uma... Irmã? Por que você fez isso? Por que você me traiu e a mamãe?

- Filha... Filhinha... Calma... Como eu disse, eu fraquejei...

- PARA PAI! NÃO VEM MAIS COM DESCULPAS... VOCÊ PASSOU DOS LIMITES... PAI EU... CONFIAVA EM VOCÊ...

- Filha... Não fala isso...

- EU FALO SIM, VOCÊ SABE QUE EU TENHO DIREITO... É O SENHOR QUE NÃO TEM DIREITO NENHUM!

- Eu sei meu anjo...

- NÃO ME CHAMA ASSIM...! EU TE ODEIO PAI... EU TE ODEIO! – eu coloquei a mão no rosto e saí correndo e chorando

- FILHA... FILHA ESPERA AÍ... –eu pude ouvir o meu pai me chamando, mas eu não dei ouvidos pra ele.

- VIU O QUE VOCÊ FEZ! – minha mãe gritou com ele desesperada

Eu continuei sem dar ouvidos pra eles e entrei no meu quarto batendo a porta com força, eu não conseguia raciocinar direito, era tudo muito bagunçado ainda pra mim, como o meu pai poderia ter feito aquilo? Cara eu tinha uma irmã... E não sabia...?

- Filhinha abre essa porta... Vamos conversar... – meu pai gritou do outro lado da porta. Eu escondi meu rosto debaixo do travesseiro pra tentar não escuta-lo mais, eu não queria acreditar que aquilo era verdade, não podia ser verdade.

Confesso que a ideia de ter uma irmã me assustava, não era uma atitude minha de “garota mimada” por não querer uma irmã, afinal eu sabia que a ultima pessoa que tinha culpa nessa historia era ela, e sim por que eu não acreditava que o meu pai tinha feito aquilo. E pensar que ela tinha seis anos! Ela tinha passado seis anos sem um pai do lado, como eu tive, fazia que me deixava com mais ódio ainda, a coitadinha não tinha culpa dos pais irresponsáveis que tinha.

Naquela noite eu não consegui dormir, fiquei escutando meus pais brigarem mais um pouco no quarto, minha mãe estava magoada demais, mas ela ainda o amava. Eu também pensava pelo lado dela, tudo que ela tinha passado por todo esse tempo, e tudo que ela ia enfrentar daqui pra frente.

Acho que eu nunca tinha visto a minha mãe tão abatida e magoada como naqueles últimos dias, ela não tinha animo pra nada, nem pra levantar da cama, se eu não ficasse em cima ela não comia, não bebia, não ia ao banheiro, enfim, não fazia mais nada. Meu pai ainda estava lá em casa, mas era por pouco tempo, ele ia se mudar pra casa da tal “irmã” que eu tinha. Isso me deixava triste, ter que pensar que eu não veria meu pai todo dia agora, me acordando ou me pondo pra deitar era um pouco deprimente, mas era a vez da tal garota ter o pai que eu tive durante toda a minha vida. A única coisa que me preocupava era minha mãe, em qual estado ela ficaria quando ele fosse embora, então decidi ficar com ela. Meu pai não se assustou quando eu disse isso pra ele, mas ele ficou magoado, acho que ele esperava que eu fosse com ele, ele tinha uma esperança que eu pudesse ter “perdoado” ele.

Ver meu pai arrumando as coisas pra ir embora de casa foi a coisa mais dolorosa que eu já tinha visto ou sentido na vida, eu ainda jurava que ele mudaria de ideia, mas por mais que o meu pai tinha feito aquilo com a minha mãe ele era correto de mais pra ficar lá em casa, minha mãe não saiu do quarto, não moveu um musculo, nem ao menos deu “tchau”, eu fiquei na sala, sentada, olhando pro nada, temendo a hora do adeus. Por mais que ele falasse que eu poderia vê-lo quando eu quisesse não seria mais a mesma coisa, eu não teria mais meu pai comigo... Então era uma espécie de Adeus.

Meu “ultimo” abraço nele foi o mais doloroso, eu não queria solta-lo, eu comecei a chorar desesperadamente e ele tentava me consolar, mas ele também chorava, eu tentava puxar ele pra dentro de casa de novo, mas ele fazia força pra ficar lá fora pra ir, até que me dei conta que ele ia embora de qualquer forma então me soltei dele de cabeça baixa sem parar de chorar, ele segurou o meu rosto e depois o limpou.

- Filha, não corte mais meu coração... Papai está indo, mas ele te ama mais que tudo... Você sempre será a minha princesinha, ok?- eu apenas acenei que sim com a cabeça, eu não acreditava naquilo, agora teria outro alguém, outra filha, outra família não íamos ser os Williams mais. Minha vontade era puxar ele pra dentro de casa, colocar as malas dele pra dentro de novo, mas eu era pequena demais, fraca demais pra o fazer mudar de ideia. Ele não ia mudar de ideia. Só o vi se afastando até o carro depois ele entrou no carro e aos poucos ele sumia, eu fiquei lá até não conseguir mais vê-lo, melhor, fiquei lá até lembrar-se de voltar pra dentro de casa e ir ver a minha mãe.

Limpei meu rosto, respirei fundo e entrei. Minha mãe não podia me ver daquele jeito, agora antes de qualquer coisa ela precisava de uma pessoa forte do lado dela para auxilia-la e ampara-la em tudo, e essa pessoa ia ser eu, eu seria obrigada a crescer agora, e pela minha mãe eu não me importava de ter que fazer isso. Quando me senti pronta, eu subi ate o quarto dela com uma bandeja de café, ela não tinha comido nada naquele dia.

- Mãe... Eu... Trouxe o seu café...

- Obrigada meu anjinho, mas a mamãe não vai querer agora... Ela não esta com estomago pra comer hoje... – ela se escondeu mais ainda no meio dos travesseiros e nos lençóis da cama.

- Mas a senhora tem que comer... – eu me sentei do lado de e coloquei a bandeja no chão – eu sei que vai ser difícil agora... Só a gente... Mas a gente vai ter que ser forte mãe, a vida tem que continuar, mesmo que sejamos só entre a gente, só nós duas, Eu cuidando da senhora e a senhora cuidando de mim... Eu sei o quanto isso deve estar sendo difícil pra senhora, mas a gente tem que virar essa pagina... Pra sempre.

- Eu sei filha... – ela falou voltando a chorar de novo e se escondendo nos travesseiros – Mas é tão difícil filha... Entenda, o tombo que a mamãe acabou de levar foi forte e vai demorar um pouquinho pra sarar, mas logo logo eu vou estar melhor de novo... É só uma questão de tempo... E um pouquinho de paciência comigo, ta meu anjo?- ela me molhava forçando um sorriso e segurando o choro e tentando me confortar e me deixar mais tranquila

- Hey mãe... Eu sei que ta doendo muito agora,... Quer dizer, eu não sei por que eu nunca amei alguém assim, mas, por favor, coma... Por mim... Só Deus sabe o quanto ver o papai ir embora doeu em mim, mas, eu resolvi virar essa pagina pela senhora... Eu não quero que a senhora finja estar bem, nem que a senhora fique segurando o choro, pois todos sabem que não esta nada bem e que chorar é a melhor forma de desabafar, mas, por favor, mãe, por Deus, por mim coma alguma coisa... Eu não quero ver a senhora internada de novo em um hospital... – pensar na ultima vez que ví minha mãe num hospital por causa da abstinência de comida dela me deixou desesperada, minha mãe não podia ficar sem comer.

- Olha por você eu posso comer... Mas espera um pouquinho meu anjo... Pode ser pior se a mamãe comer agora sem querer entenda... Eu só preciso de um tempinho agora... Pra mim, pra eu colocar tudo na minha cabeça em ordem... – ela me olhou dando um sorriso torto e com os braços esticados – Vem cá princesinha da mamãe, me da um abraço... Fica aqui um pouquinho com a mamãe... Por favor?

- Claro mãe... – eu me aproximei e dei um abraço apertado nela, sem que eu conseguisse segurar as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto rapidamente tudo foi embolando no meu peito, o estado da minha mãe, a ida do meu pai, o ódio das pessoas do colégio, a irmã que eu não conhecia... Era tanta coisa que se eu não chorasse eu ia explodir. Minha mãe se assustou quando me viu chorando, ela nunca tinha me visto com a guarda baixa, as vezes que eu ficava naquele estado eu sempre me trancava no meu quarto.

- Meu anjinho... O que foi? O que aconteceu? Porque você ta chorando assim? Shiii calminha... A mamãe ta aqui... Calma... Calma... – ela levantou o meu rosto e começou a limpa-lo, depois de um beijinho na minha testa e me abraçou de novo toda preocupada. – Não fica assim meu anjo... Como você mesma disse, tudo vai passar... Esta bem? Mamãe promete ta? Mamãe promete que logo logo para de doer ta? Mamãe promete... – ela repetia varias vezes mexendo passando a mãe no meu cabelo.

- Desculpa mãe... Eu... Eu... Eu... Não queria chorar... Desculpa... Eu vou ser forte da próxima vez... Desculpa... – eu repetia enquanto ela limpava meu rosto – eu não vou chorar de novo...

- Não... A senhorita ta mais que certa, não foi a senhora mesmo que disse que chorar era a melhor forma de desabafar? Então, você tem chorar um pouquinho... Você precisa disso... Isso chora que faz bem... Lava a alma... Você não esta errada por está chorando... E você não precisa ser forte sempre ta... Pode chorar sim... Não quero que você fique doente falta disso... Promete a mamãe que vai se abrir assim e chorar mais vezes? – eu forcei um riso e acenei que sim e voltei a me encolher no abraço dela. Não sei quanto tempo eu fiquei daquele jeito, só sei que foi muito tempo, mas depois acho que nós duas estávamos mais leves, minha mãe tinha me feito comer também enquanto ela comia o que eu tinha levado pra ela.

Decidimos passar o dia inteiro juntas, depois do café nós duas sentamos de frente pra tv com uma vasilha enorme de chocolate e as cobertas para assistir um filme bobo que ia passar. Mas no meio do filme eu acabei dormindo o que foi motivo dela me zoar quando eu acordei.

- Uhnn? O que aconteceu no filme? – eu disse esfregando o olho

- Ah desde a hora que você dormiu? Muita coisa... Tipo, o filme começou... Depois aconteceram umas coisas lá e agorinha mesmo ele acabou acredita?- ela falou segurando o riso em um tom de deboche

¬_¬

Ela estava debocha com a minha cara...

- Jura mãe? Achei que o filme era eterno... – ela caiu na gargalhada - Uhnn, eu acabei pegando no sono, sei lá acho que eu estava muito cansada...

- Eu sei meu anjo... A mamãe só estava brincando com você, pode ficar tranquila... Mas enfim... Fica tranquila, você não perdeu muita coisa... O filme não era muito bom, era meio fraquinho... – eu ri

- E o que temos pra fazer agora? Acho que se eu parar pra ver outro filme eu vou acabar dormindo de novo...

- Mas se você quiser dormir meu anjo... Já pode ta? Ai mais tarde a gente sai pra comer um sanduíche, que tal? Aquele bem verde, do jeito que você gosta... – ela tentava de tudo pra me animar e isso acabava animando ela também então eu não podia negar isso pra ela.

- Ok dona Cristie... Algo beeem verde... – eu disse rindo – e um sorvete também... Não vai ser nada mal... Uhnn... Mãe... Eu posso te perguntar uma coisa?

- Uhnn... Pode sim meu anjo, ah porque eu não levo uma “vida verde” igual a sua? Por não minha querida, eu já tentei e não consigo, eu definitivamente não sei como você consegue... Sei lá aquilo é horrível! Não é vida, me desculpe filha, mas é a verdade u_u.

- Não é isso não mãe... – eu disse rindo – é que agora você acha necessário mesmo, eu ter uma cama de casal no meu quarto? Por que aquele papo de garotos no meu quarto e blábláblá era só pra implicar com o papai não era? Uma cama de casal não tem necessidade nenhuma naquele quarto enorme!

- Ah sim... – ela riu – você achava mesmo que eu só queria implicar o seu pai? Não filha, era sério mesmo... Aliás, ainda é sério mesmo... Vai chegar à época em que isso vai ser realmente necessário minha querida... A final, daqui uns anos, eu acho, os garotos vão começar a frequentar o seu quarto e você a frequentar os quartos deles meu anjo... – Eu senti meu rosto ficar vermelho, eu não tinha o costume de ficar falando isso com ninguém, muito menos com a minha mãe. Ela riu e mudou de assunto.

Aquele dia nós duas passamos o resto do dia conversando sobre coisas de menina, sobre garotos e sobre outras coisas também. À noite fomos comer a tal sanduiche que minha mãe tinha dado ideia e voltamos pra casa. Éramos mais que mãe e filha agora, éramos melhores amigas.