Layse

— Que horas esse avião vai chegar, moça? – Naomi Hood, minha melhor amiga, bateu bem forte no balcão de uma companhia aérea.

O movimento no aeroporto era intenso.

Turistas paravam em algumas lanchonetes espalhadas pelo imenso local, famílias inteiras se despediam de algum parente, pessoas saiam correndo em direção ao embarque de passageiros e eu estava ali, parada, enquanto via minha amiga discutir com aquela pobre funcionária.

— É o seguinte... Minha amiga sofre de síndrome do pânico! Ela não pode ficar aqui por muito tempo! – Naomi apontou para mim – E meu primo está naquele avião. A senhora pode me informar, por gentileza, que horas ele chega? Já estamos esperando há duas horas!

A moça sorriu para ela e respondeu:

— Não temos nenhuma informação, senhorita. – a funcionária retocou o batom olhando para a tela do celular.

— Ai, pelo amor de Deus! Estamos em 2011, moça e não 1970. Será que você não sabe nada mesmo sobre esse avião?

A mulher bufou e digitou algo no computador.

— Tivemos um imprevisto. O avião do Sr. Calum Hood teve que parar para abastecer. Em breve ele chegará.

— Você não está entendendo! – Naomi começou novamente.

— Hey! – a puxei pelo braço para que ela parasse de – ou de me fazer – passar vergonha ali.

A pobre funcionária só estava fazendo seu trabalho.

Claro, a moça podia ter dito antes, mas ela não podia fazer mais nada.

— Eu tomei meu remédio. Ok? – falei pra ela – Não precisa ficar contando pra todo mundo que eu tenho síndrome.

Eu sei que ela só está ansiosa para vê seu primo, mas ela realmente não precisa contar para ninguém.

Já basta eu ficar tomando antidepressivos – que inibem as substâncias do medo causadora dos meus ataques – na frente de todo mundo na escola.

— Desculpa, Layse. – ela fez uma careta – Eu só quero vê-lo o mais rápido possível.

Minha amiga tem a pele cor de âmbar, cabelos e olhos negros, corpo curvilíneo e realçado pelo vestido verde que usa agora.

— Eu sei. – murmurei alisando minha camiseta branca.

— Ah. Não.

— O que foi? – perguntei seguindo o olhar da minha amiga para trás de mim.

Então eu vi.

Lá estava ele, Luke Hemmings.

O garoto ao lado dele, Michael Clifford, apontou para gente e logo saiu pulando o correndo na nossa direção.

— Olá meninas! – ele disse com um sorriso enorme.

— Oi. – murmurei desanimada sem encarar seus olhos.

Um ano atrás, eu e Naomi estávamos desembarcando nesse mesmo aeroporto.

Pouco antes de nascer meu pai morreu em um terrível incêndio no pequeno apartamento que ele e minha mãe viviam, por causa disso a mamãe teve que me criar sozinha, um enorme desafio.

Como forma de retribuir tudo o que ela fez, me dediquei o máximo que pude aos estudos e logo consegui uma bolsa na escola da Naomi, ficamos amigas quase instantaneamente.

Ao fim do nono ano ganhei a oportunidade de concorrer a uma bolsa integral na Norwest Christian College para todo o ensino médio. A felicidade quando soube do resultado positivo foi imensa, o único problema era como eu viveria lá. A resposta veio por Naomi, ela disse que seu primo já estudava nesse colégio e que se minha mãe aceitasse, poderíamos viver juntas com a supervisão de Lucy, uma senhora simpática e governanta da casa da família Hood.

Apesar de relutar um pouco, o pai da minha amiga convenceu minha mãe, então viemos do Brasil para a Austrália.

O ano de 2011 foi muito louco.

Conheci finalmente o Calum Hood e claro, nossa antipatia foi instantânea, simplesmente não nos suportamos.

Existiam duas duplas de excluídos na Norwest, Calum e Mike, Naomi e eu. Poderíamos formar um grupo? Poderíamos, mas Mike não quis deixar o Cal sozinho quando perguntei.

Naomi conheceu Luke quando ele começou a postar covers no Yotube das músicas que minha amiga adora. Logo ele se tornou nosso melhor amigo. Obviamente o garoto Hood não podia me vê feliz e tratou de fazer amizade com o Hemmings.

Então as “divisões” mudaram. Éramos Naomi, Luke e eu ou Michael, Calum e Luke.

Desde que eu não ficasse no mesmo grupo do idiota do Cal, eu aceitava tudo.

A coisa mais importante que fiz na Austrália foi minha amizade com o Luke. Começou como qualquer outra, mas se tornou algo tão fundamental para mim que ele não era mais só meu amigo, ele já era meu pai, irmão, primo, tudo, tudo mesmo em apenas um garoto.

Era pra ele que eu corria quando tinha um problema ou precisava de um conselho.

Infelizmente, desde que me livrei do Calum, opa, desde que o primo da Nam foi para o Brasil jogar futebol, Luke Hemmings simplesmente me ignora completamente.

Percebo mais um sinal da minha dislexia (sim, eu simplesmente não posso só ter síndrome do pânico, tenho que ter TDAH também), quando Michael e Naomi estão conversando animadamente e eu aqui, com esses pensamentos.

— Sim, sim, postamos esse cover ontem. Infelizmente sem o Cal, não sei porque ele ainda insiste em jogar futebol. A música está nas nossas almas. – Mike passou a mão em sua franja loira estilo Justin Bieber.

Busco o olhar de Luke e o vejo parado no meio do movimento com os braços finos cruzados me olhando de canto.

Respiro fundo.

Dói tanto.

Em um completo momento de devaneio me vejo indo até ele.

Naomi não vai nem mesmo notar. Os olhos dela sempre brilham ao ver o Mike, mesmo que ela negue.

Desviando de algumas pessoas e tentando não me assustar, acabo esbarrando em alguém.

— Opa. Você está bem? – um garoto um pouco mais velho que eu pergunta provavelmente por causa do meu rosto assustado.

— Tudo bem, ahnnn... – murmuro me perguntando qual será o nome do rapaz com uma camisa roxa ridícula.

Ele abre um sorriso.

— Ashton. – responde parecendo ler meus pensamentos,

Sua fisionomia me lembra alguém.

Cabelos castanhos, quase loiros – como o meu – olhos escuros, boca fina e um corpo levemente musculoso.

— Ah. Tudo bem Ashton. – desvio o olhar dele e percebo Luke nos encarando fixamente.

— Acho melhor falar com seu namorado, Layse, ele parece está com ciúmes. – ele disse.

— O quê? Não! Ele não é meu... Ah, esquece. Como sabe meu nome?

— Seu cordão. – ele soou óbvio.

— Ah. – sussurrei tocando no único presente que minha mãe me deu antes de vir pra cá, um pingente com meu nome e uma corrente dourada.

— Bom, vou indo antes que ele me mate. Foi um prazer te conhecer. Espero um dia te ver por aí. Tchau. – ele acenou e saiu andando, mas de repente parou se virando – A propósito, diga ao Luke que amo os covers dele e dos outros dois.

— Ahn? – é tudo o que eu digo enquanto vejo aquele garoto estranho sair correndo no meio da multidão

Óbvio, mas um fã de 5 Seconds Of Summer, a banda dos meninos. A maioria da cidade os ama.

— Pelo menos não colocaram o nome de Bromance. – murmurei para mim mesma relembrando do dia fatídico em que tive que aguentar Calum na minha casa para que eles pensassem qual seria o nome da banda.

No fim, não deu em nada e Michael só mais tarde teve a ideia do nome atual.

— Maldita dislexia! – bato na minha própria perna quando percebo que me distraí mais uma vez e busco Luke pelo olhar.

Dessa vez o vejo andando apressado em direção à área de desembarque.

— Luke. – chamei.

Ele olhou para trás e viu que era eu, mas não parou.

— Luke. – gritei um pouco mais alto.

Vi ele bufando e se virando para me esperar.

Andei apenas dois metros e logo fiquei frente a frente com ele.

— Obrigada. – murmurei me apoiando no seu ombro.

Ele se afastou na hora e senti como se uma faca fosse enfiada no meu peito.

— Por que tem me ignorado? – perguntei enquanto uma família aparentemente ansiosa saia correndo para abraçar alguém mais a frente.

— Eu não... – ele me olhou de um jeito frio.

— Não minta. Todo mundo notou. Você está fazendo com a Naomi também, mas ela é orgulhosa demais pra perguntar.

— Você devia ser como ela! – ele murmurou baixo, mas ainda assim eu ouvi.

— O quê? – olhei para Luke incrédula.

Pensei ter visto um brilho de remorso em seu olhar. Só pensei, porque assim que ele abriu a boca entendi que ia doer, que ele ia me machucar.

Então ele falou:

— Você devia ter dignidade! Será que não deu para entender que não quero mais saber de você?

Não.

Não pode ser verdade.

Busquei seu olhar e infelizmente ou duramente vi a frieza em seu olhar.

Senti as lágrimas se acumularem em mim.

— Eu fiz alguma coisa? – minha voz soou desesperada demais.

Ele mexeu em sua camiseta azul, depois em seu cabelo colado na testa.

— Nã-não. – sua voz tremeu.

— Olha... – comecei – Se eu fiz alguma coisa, me perdoa, não era a intenção. Eu realmente...

— Para. – ele pediu sem olhar para mim – Você não fez nada!

— Então... – olhei confusa demais.

Ele deu de ombros.

— Se eu não fiz nada quem fez? Você? Você é meu melhor amigo, eu perdoo, não importa o que você fez.

Ele negou com a cabeça e sussurrou:

— Não fui eu!

— Então quem fez? – perguntei levantando as mãos.

Ele não falou nada.

Foi como se uma faca fosse enfiada no meu peito.

— Você não vai mais falar comigo. É isso? – olhei para ele esperando que dissesse que era brincadeira e me abraçasse.

Silêncio.

— Pelo menos olha pra mim. – pedi e ele me obedeceu – Você não vai ao menos dizer o motivo?

— Desculpa. – finalmente o vi ao menos demonstrar que está sentindo algo.

Agora parece que ele vai chorar a qualquer momento.

— Pensei que fôssemos amigos. – murmurei com uma voz suave.

O rápido momento em que ele pareceu triste passou.

— Nunca fui seu amigo.

Pronto. A facada feriu cada lugar do meu coração.

Uma única lágrima se atreveu a escorrer por meu rosto e ainda assim ele não me encarou.

— Olhe pra mim. – minha voz soou mais forte do que nunca, mas ele não obedeceu – Luke, olhe para mim.

Ele obedeceu.

— Eu fui sua amiga. Eu fui realmente fui e...

— Que clima triste é esse, galera? – de repente vi surgir um garoto moreno de lábios carnudos e cabelo raspado atrás do loiro a minha frente – Já está tentando fazer a cabeça de todo mundo contra mim, Layse O’Brien?

— Cara, que saudade! – Luke se virou para o amigo e abraçou.

O espanto foi visível em meu rosto.

Há alguns segundos ele estava sendo um... Um... Um... Um idiota! E agora está abraçando o amigo.

— CALUM! – ao longe a voz de Mali, irmã do Cal, gritou e logo seus olhos se voltaram pra ela.

Ela abraçou o garoto e eu analisei Luke que ria com os resmungos do Hood.

Como ele pode rir depois de...

— Ai meu Deus! É o Calum! O avião não caiu! – a voz da minha amiga surgiu no meio da multidão.

Naomi pulou em cima do primo assim que Mali o soltou.

— Cara que falta você não fez! – Mike surgiu brincando com o amigo e se juntando a aquele abraço.

— Droga Layse. Você podia ter me avisado. Na verdade, vocês dois! – minha amiga olhou para Luke e ele nem sequer retribuiu.

Confusa, minha amiga olhou para mim e eu balancei a cabeça tentando transmitir que Luke é um idiota. Naomi assentiu provavelmente achando que ele está triste e eu tomei suas dores. Pobrezinha, ela ficará decepcionada quando souber o que ele falou e mais tarde ficará com muita raiva.

— Hey! Pensa que escapou do meu abraço, O’Brien? – Calum ajeitou sua camisa cinza e soltou sua mala.

Revirei os olhos não o levando a sério.

Repentinamente Cal se aproxima demais de mim e dou um passo para trás, mas não escapo.

Seus braços me envolvem e ele enterra a cabeça no meu pescoço.

— Senti sua falta. De verdade. – seu hálito bateu contra minha pele e meu coração acelerou devido à proximidade.

— Ah. Com certeza. – respondi ironizando batendo duas vezes na sua costa para que não dissessem que eu não retribuí.

Ele se afastou um pouco, mas não soltou minha cintura.

— É sério.

Arqueei a sobrancelha e ele continuou:

— Não tinha ninguém para mim zoar, lá!

Todos começaram a ri, inclusive eu.

Dei um leve tapa no seu braço.

— Viu? Eu senti falta disso!

— Tome outro pra matar a saudade. – dei mais um tapa rindo.

Então vi Luke e a dor retornou com tudo.

— Vamos logo Cal? O papai e a mamãe estão no trabalho, teremos que passar lá para ele te verem. – Mali colocou a mão nas costas do irmão – Se quiserem vir com a gente, Naomi.

— Não, vamos de táxi. – respondi querendo evitar ficar próximo ao Calum.

Todos sorriram, pois sabiam o motivo.

— Um dia vocês se casam. – Mike bateu nas costas do amigo.

— Nem em sonho! – nós dois falamos juntos o que só fez o pessoal ri ainda mais alto.

Luke pigarreou e a dor invadiu meu peito novamente.

— A propósito, onde você estava, Mali? Fiquei no balcão um tempão querendo saber que horas o Cal ia chegar. – Naomi começou a conversar com sua prima.

— Estava na lanchonete, ué. Não ia ficar no meio do caminho, já sabia que ele ia atrasar.

As duas começaram a andar na frente acompanhadas do Cal.

Ao meu lado Michael sorria com um Luke carrancudo em seu encalço, mas isso não me impediu de virar e dizer:

— Você é um tremendo idiota, Hemmings!

[...]