Dia vinte e três de outubro. Matthew chega ao trabalho com uma pasta repleta de papéis. Nikolas, ao vê-lo, comenta com seu típico sarcasmo:

— O que é isso, Matt, o “Dossiê Odessa”?— brincou ao chegar trazendo consigo Gillian, quem estava namorando.

— Tecnicamente...— disse o agente da CIA emprestado a Interpol rindo e com um jeito sem-graça. Desde que conhecera Gillian era apaixonado por ela, mas a política da CIA impedia que agentes se relacionassem, algo permitido na Interpol. Ele poderia ter se aproveitado, mas Nikolas fora mais esperto. Aliás, Gillian se apaixonara instantaneamente pelo alemão, que só fora no embalo.

O alemão deu apenas uma risadinha e voltou suas atenções para a namorada. Outro agente também ficou perturbado ao ver a cena: Brian James Sanders, que se apaixonara por ela na pedreira, mas ao contrário de Matthew conseguia controlar melhor seus sentimentos e, desde que Nikolas e Gillian começaram a namorar foi reduzindo a paixão à amizade, porém, às vezes, tinha umas recaídas...

O casal se beijava, quando Wang e Carlson chegaram. O segundo pigarreou:

— Meus caros agentes, namorar só após o expediente.

O casal parou de se beijar extremamente sem jeito. Nikolas e Gillian coraram enquanto Brian, Jonathan, Matthew, Carlson e Wang tinham um acesso de riso. Até que Harrell chegou e ao ver todos rindo pediu:

— Alguém me conte a piada?

— Nada demais, Harrell, só tive de impor um “horário de namoro” para os agentes Schweizer e Finnes.— disse Carlson fingindo-se embaraçado com a situação.— Tenho um pouco de experiência no ramo.— continuou Carlson lembrando-se dos dois agentes casados entre si que tinha e cujo relacionamento começara dentro daquele prédio.

Harrell deu uma risada e abanou a cabeça:

— Carlson e suas piadinhas...— disse em tom debochado.— Agente Baker, o que são esses papéis?

— Ah, são uns relatórios que a CIA me mandou ontem. Sobre a região do Triângulo Dourado.— disse Matthew fazendo pouco caso.

— Ora essa, vão analisá-los!— ordenou Harrell com um tom amigável na voz.

Logo, os agentes, Carlson e Wang largaram a brincadeira de lado e passaram a analisar os papéis. Matthew, que já os havia lido, começou a falar:

— Bem, pessoal, esses papéis confirmam o que vínhamos discutindo. Aquele traficante do Mianmar, Iajuddin Wajedd, tem ligações com Li Zhou e Meiying Guo e também com um russo chamado Maxim Carpov. Ah, Li Zhou e Meiying Guo têm ligações com um funcionário do alto escalão do governo russo chamado Igor Azarov.

Harrell tomara liberdade de participar da reunião, ia dizer algo relativo às descobertas de Baker, mas Jean se adiantou:

— Deve estar aí a explicação para a resistência russa em reconhecer Alexander.— disse o francês.

— Eu ia dizer exatamente a mesma coisa.— comentava Harrell quando foi surpreendido por Jacobson que surgiu, nervoso.

— Ah, sabia que você estava aqui. Precisamos conversar, Brad.— dizia o presidente da Interpol, agitado.

— Ok, Rich, já vou. Bom resto de reunião, pessoal.— disse Harrell.

O motivo que fizera Jacobson ir atrás de Harrell fora a declaração do governo francês de que Alexander agora era um apátrida, muita coisa tinha de ser feita agora.

Enquanto isso, Matthew voltou a falar sobre o que a CIA descobrira:

— Esses dados também esclarecem a história do pó.

— Ah é? Sério? O que dizem?— perguntou Brian, curioso.

— O criador da fórmula é um cientista russo chamado Boris Poisonovski. Ele é amigo de Maxim, que o apresentou a Li Zhou, que, por sua vez, encomendou o pó de Boris.— continuou Matthew.

— Ok. Ótimo. Já temos os nomes, mas ainda há uma pergunta não respondida: POR QUE Li Zhou encomendou esse pó do Poisonovski e o dá às crianças?— perguntou Jonathan.

— Bem, isso a gente não conseguiu descobrir. Só o Li Zhou poderia responder a essa pergunta.— disse Matthew.

— Então vamos voltar lá pra conseguir isso.— decidiu Brian olhando para Wang.

— Precisamos de uma estratégia para conseguirmos essa informação de Li Zhou. Alguma sugestão?— perguntou Wang dando um aval tácito para a viagem.

— Jean Laffite, você se habilita a elabora essa estratégia?— perguntou Carlson ciente de que Jean era o agente mais adequado à função.

— Hãn?— perguntou Jean, distraído.

— Está em suas mãos, ou melhor, em seu cérebro, a tarefa de arranjar um jeito de conseguirmos que Li Zhou nos conte o porquê que ele envenena as crianças.— explicou Carlson considerando já que o francês aceitaria a ideia.

— Certo. Quem vai?— perguntou Jean já pondo seus neurônios para trabalhar.

— Todos vocês exceto a Sofia.— disse Carlson.— Bom, isso se vocês realmente forem. Wang e eu temos que falar com o Jacobson antes.

— E com o Harrell.— emendou Wang.

— Ok, sendo assim...— começou Jean.— Nikolas, sinto muito, mas terei de usar sua namorada.— finalizou o francês, sem jeito.

— O que sua mente diabólica maquinou dessa vez, Sir Jean Laffite?— perguntou Nikolas sem sentir ciúmes ou receio. Talvez por que ainda não soubesse o plano que Jean elaborava.

— Calminha aí, Nik. Matt, qual é a relação entre Li Zhou e Meiying Guo?

— Aparentemente apenas profissional. Digo, a pedreira. Se existe algo além disso, não me foi passado ou nada se sabe mesmo. Posso mandar um e-mail pra CIA perguntando isso.

— Beleza. Faça isso, por favor. Tudo o que eu preciso pro meu plano é de uma mulher boazuda e de uma garrafa de vodka.— disse Jean olhando para Gillian.

— Você quer que eu seduza e embebede Li Zhou para que ele conte por que envenena as crianças?— perguntou Gillian ciente de que a mulher “boazuda” de que Jean necessitaria para seu plano seria ela. Já que Sofia não iria e, mesmo se fosse, a italiana estava grávida e jamais faria uma loucura dessas.

— Exatamente, Gil. Alguma coisa contra, Nik?— era Jean respondendo à pergunta de Gillian e buscando a aprovação do namorado da americana.

— Tecnicamente não.— decidiu Nikolas maquinando a cerca da ideia de ver sua bela namorada seduzindo o inescrupuloso Li Zhou. Saberia das razões, mas não sossegaria enquanto Gillian não saísse do quarto onde estivesse ilesa; sem ou com as respostas.

— Certo.— disse Jean.— Alguém sabe do Santeri?

— Ou analisando o pó ou no hospital, com o garoto. Ele e Sofia praticamente o adotaram.— disse Dario.

— Praticamente mesmo. Só falta a sentença do processo. Dificilmente haverá algum recurso...— disse Carlson sem dar detalhes do caso.— Mas, mudando de assunto, Laffite, explique seu plano. Vai “usar” a agente Finnes em que?

— Não é bem esse o termo, Carlson, “usar”. Preciso maturar um pouco mais esse plano antes. E, também, preciso de uma “autorização” do Nikolas.

— Autorização do Nikolas? Essa é boa.— riu Carlson.

Jean, de fato, precisava ajustar uma série de fatores do plano. Entre eles, a possibilidade, ainda que remota, de Gillian ser reconhecida na pedreira por Li Zhou e Meiying. Foi pra casa sabendo que teria muito trabalho nesse aspecto. O plano teria que estar ajustado e sem brechas para escapatórias dos chineses, mas que ao mesmo tempo, tivesse saída para os agentes e que os colocasse sob o mínimo risco possível. Tudo isso antes de Jacobson dar o aval para a viagem. Jantou pensando no plano e, depois, passou horas roteirizando o plano, com detalhes da execução. A base parecia simples. A bela Gillian seduziria Li Zhou a ponto de o chinês “baixar a guarda” e levá-la para o quarto. Lá, se a primeira parte do plano desse certo, ela deveria embebedá-lo (Jean anotou neste ponto perguntar a Santeri se havia alguma droga que potencializasse o efeito do álcool na função “soltar o bebum”) e induzi-lo a contar os motivos que o levavam a matar as crianças. Nessa hora, a americana deveria tirar um MP4 da bolsa e gravar a falação de Li Zhou. Feito, isso quando Li Zhou “capotasse” pelo excesso de álcool, Gillian deveria limpar o local tirando todo e qualquer objeto que pudesse identificá-la e sairia de lá com o gravador. Então, os agentes partiriam imediatamente para o aeroporto mais próximo. Para Meiying Guo, a ideia seria a mesma, mas, se fosse necessário “interrogar” a chinesa, quem faria o serviço seria Nikolas ou Brian. Os agentes bonitões teriam o trabalho de seduzir a chinesa. Nikolas, sarcástico, até teria mais facilidade que o “travado” Brian. Jean estava tão envolvido no plano que chegou a sonhar com ele. Acordou com novas ideias. Rabiscou-as num pedaço de papel e foi pra Interpol.

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Enquanto isso, Santeri e Sofia pensavam na história do filho deles. Alexander. Abandonado ainda recém-nascido, o menino ainda jazia inconsciente no hospital de Lyon. Na opinião do casal, ele já sofrera mais que a maioria das crianças da idade dele.

O menino vivia em um orfanato e foi levado para uma pedreira pra ser escravizado e com sua “sentença de morte” assinada. Teve sorte de, no dia marcado para seu assassinato, estar enjoado e ter dois agentes da Interpol e dois da CIA no mesmo lugar. E só tinha pai, mãe e o irmão agora, graças à rápida atitude de Wang, Harrell, Jacobson e do governo francês, que o retiraram de lá rapidamente. E, principalmente ao casal que decidiu tê-lo por filho.

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Na Interpol, Jean mostrou o plano para os colegas, inclusive Santeri e Sofia. Ao final, o francês virou-se para Santeri lhe perguntou:

— Santeri, existe alguma droga que potencializa os efeitos do álcool?

— Várias. Cocaína, por exemplo. O que exatamente você quer que aconteça com quem ingerir a mistura?

— Fale mais que a boca e perca totalmente seu discernimento, seu filtro. Conte todos os seus podres que jamais contaria sóbrio.

— Entendi. Misturar diversos tipos de bebidas alcoólicas também traz esse efeito. Mas dependendo da dose, uma única bebida alcoólica faz tudo isso. E, claro, isso varia de pessoa pra pessoa.

— Imaginei.— disse Jean.— Santeri, mais uma, se a gente diluir uma bebida alcoólica com água e bebermos, ficamos bêbados mais depressa ou não?

— Não. Você vai diluir o álcool da bebida, vai facilitar o trabalho do fígado.

— Certo.

Os demais agentes ouviam a conversa de Jean e Santeri calados. Onde o ex-delegado de polícia queria chegar com aquele papo? Jean queria dopar Li Zhou e Meiying para que os agentes conseguissem as respostas que queriam?

— Jean, você quer dopar o Li Zhou e a Meiying para que eles nos contem por que matam as crianças?— perguntou Matthew.

— É por uma boa causa. Aliás eles nem perceberão que estão sendo induzidos.— disse o francês.

— Ainda assim, estou achando essa sua ideia um tanto esquisita, Jean.— disse Matthew.

— Eu também.— disse Jonathan.

— É, confesso que o plano parece esquisito a primeira vista. Eu também ainda preciso consertar algumas partes dele. Quem sabe ele fique mais verossímil então.— disse Jean tentando não transparecer o quão chateado ficou com o descrédito de Matthew e Jonathan ao seu plano.

— Você ainda tem tempo, Laffite, ainda não entregamos os requerimentos para o Jacobson.— disse Carlson.

— Isso. Ajustem o plano ao máximo para que vocês corram o mínimo de risco possível.— era Wang.

— É, nós sabemos. E também, precisamos de um “plano ‘B’” caso essa história de sedução não funcione.— disse Renato.

— Pois é, Renato, ainda tenho que pensar nisso.— disse Jean.

— Uma escuta eletrônica não resolveria?— palpitou Jonathan.

— Como assim?— era Dario.

— Colocaríamos uma escuta no escritório de Li Zhou e outra no de Meiying Guo. E, então, gravamos o que eles negociarem.— explicou Jonathan.

— A ideia é boa, cara, mas pode não nos ajudar. Li Zhou tem que ser induzido a nos dizer por que envenena as crianças. E uma escuta não tem esse poder. Vamos ter de dar a cara à tapa mesmo.— imaginou Brian.

— É, você tem razão.— admitiu Jonathan.

— Tem outra saída.— começou Renato. Quando todos o olhavam perguntando que saída seria essa o brasileiro continuou.— Torturá-los. Mas sei que isso não é cabível ao nosso caso. Por mais que eles tenham feito aquilo com as crianças.

— De fato, Renato. Por mais que estejam tentados a torturá-los, não poderemos fazê-lo. Vocês poderão ser expulsos daqui se descobrirmos a tortura.— disse Carlson.

— É, eu sei.— disse Renato um pouco aborrecido.

— Ok. Agora, qual o interesse de Igor e Maxim na pedreira e se há algum, qual a relação deles com Li Zhou e Meiying Guo?— perguntou Brian.— Diz algo aí, Matt?

— Da relação entre eles, interesses russo na pedreira... Hum... Não. Infelizmente não. Vamos ter que pesquisar.

— Aquele sujeito que você viu lá na pedreira não é o tal Boris Venenovski, Johnny?— perguntou Nikolas. Todos o olharam com cara de interrogação.

— É Poisonovski, não Venenovski, Nik.— corrigiu Jonathan rindo.

— Ah, poison e veneno são a mesma coisa.— escapou Nikolas.

— Tecnicamente, mas não num nome. Aliás esse sobrenome é dos mais sugestivos que já vi na minha vida.— completou Brian.

— Verdade. Mas que ficou engraçado, ficou.— disse Jonathan ainda rindo da piada.

— Falando sério agora, foi ele quem levou o pó pra pedreira, e pelo jeito, não era a primeira vez. Correto?— era Nikolas, guardando sua personalidade brincalhona na gaveta. Noutra ocasião a tiraria. Mas agora, ela era desnecessária.

— Exatamente. Na ocasião em que presenciei o encontro, Boris disse a Li Zhou que o pó que levava era idêntico ao que levara na última vez. O que prova que essa “parceria” é das antigas... Aquela vala cheia de corpos de crianças deve servir de prova.

— Isso mesmo. Eu já estava me esquecendo de falar pra vocês que a CIA analisou aquela vala. Nela há aproximadamente quinhentos corpos, todos de crianças entre três e doze anos. A faixa etária dos trabalhadores da pedreira. O que nos faz supor que Li Zhou e Meiying Guo utilizam essa estratégia há pelo menos dois anos. Coincidentemente, esse é o tempo de existência da pedreira em questão.— disse Matthew.

— Caramba! Ainda não consigo entender essa história das crianças. Não é possível que eles consigam tantas crianças sem despertar suspeitas!— disse Nikolas.

— A taxa de natalidade lá no sudeste asiático é extremamente alta. Há um grande número de famílias cm seis, sete, oito, nove dez ou até mais filhos, principalmente nas áreas rurais. Há pouca fiscalização do poder público e polícia é “coisa de cidade grande”. Pode-se entrar tranquilamente num vilarejo rural, matar os pais das crianças “desejadas”, por assim dizer, que não fazem nada. Não há um inquérito, uma investigação para se apurar o fato. Algo que é comum também, é o pai matar a mãe por qualquer motivo fútil, e abandonar as crianças, dependendo da classe social deles eles ficam sem qualquer amparo da comunidade e do Estado. Isso sem contar que, na maioria desses países, órgãos de proteção a infância como conselho tutelar são inexistentes. E, quando existem, são ineficientes e corruptos, os traficantes de crianças conseguem ludibriar o já precário sistema judiciário desses países.— explicou pacientemente Brian.

— Puxa vida! A frieza desse povo me impressiona!— comentou Nikolas.

— Impressiona a mim também. Sempre que eu vejo algo sobre essa região imagino que a lei lá é aplicada como é aqui.— disse Dario.

— Longe disso, Dario. Além de mal serem aplicadas, as leis lá são totalmente diferentes. Mas ainda assim fica uma pergunta sem resposta: Por que Li Zhou mata as crianças após algum tempo? Não seria mais fácil se ele mantivesse as mesmas? Aposto que o que ele paga para os traficantes de crianças por vez, mais o que ele deve pagar ao Boris pelo pó é mais caro que dar um prato de comida para cada uma delas por dia.— disse Renato.

— Caramba, Renato, nunca pensei por esse lado. Nem sei o que responder agora.— disse Jonathan.

— O único que pode lhe responder essa pergunta é Li Zhou. OU seja: teremos que por em prática o plano de Jean.— disse Brian.— Matt, tem mais alguma coisa da CIA aí, ou você já disse tudo?

— Me deixe dar uma olhada... Não, já disse tudo. Se quiserem ler...— finalizou o agente da CIA colocando os relatórios sobre a mesa e sofrendo quieto ao ver Gillian debruçar-se sobre Nikolas para ler o relatório com o alemão.

Os agentes estavam absortos na leitura dos relatórios quando Harrell e Jacobson apareceram na sala.

— Bom dia, turma!— cumprimentou-os Jacobson, assustando os agentes que estavam concentrados na leitura.— Como vão as investigações?

— Mais ou menos. Estamos respondendo à maioria das perguntas, mas a principal dela ainda está sem resposta: POR QUE Li Zhou mata as crianças após algum tempo? O Renato disse algo interessante a esse respeito mais cedo.— explicou Brian.

— Essa pergunta é complicada mesmo de responder, Sanders. O próprio Li Zhou deve ser o único a ter sua resposta, mas o que foi que o Almeida disse?— era Jacobson amenizando o fato de seus agentes não saberem os motivos da matança.

Renato explicou para a chefia da Interpol o que pensava sobre o fato. Depois...

— Tem razão, meu caro... Li Zhou deve estar tomando o maior prejuízo com essa estratégia... Bem, azar dele... E; mudando de assunto, soube que vocês têm um plano para descobrir a resposta dessa traiçoeira pergunta. Confere?

— Temos sim, mas é um pouco arriscado.— disse Jean expondo seu plano para a chefia.

— Embebedar e seduzir Li Zhou? Parece coisa de filme! Bem inusitado. Mas talvez funcione.— palpitou Harrell.— Mas creio que este seu plano seja um tanto surreal, Laffite. E, agora, quem vai executar esse plano?— perguntou o secretário olhando furtivamente para os agentes e, por alguma razão desconhecida, fixou o olhar em Nikolas. O alemão percebeu e soltou mais uma.

— Sai pra lá, Harrell. Eu não gosto dessa fruta. Quem vai fazer esse serviço é a Gillian.

— Ah, claro, óbvio. Gillian Mary Finnes, como não pensei nela?— perguntava-se Harrell rindo da situação.

— Brad, onde você estava com a cabeça pra achar que SCHWEIZER ficaria com um homem? Por mais surreal que seja o plano do Laffite imagino que isso não está no “script”. Correto, meu caro?— era Jacobson rindo da encrenca na qual seu amigo havia se metido.

— Pode apostar que sim. Sequer pensei nisso. Falando no assunto, Matt, sabe algo disso?

— Nada que pudesse nos dar pistas dessa parte da história foi vista, ou melhor relatada. Pode ser que não consideraram isto algo relevante.— respondeu Matthew rindo da situação.

— Ok, chega de brincadeira. Carlson e Wang me entregaram os requerimentos da viagem de vocês à China. Antes, porém de a autorizarmos, Laffite, quero uma cópia desse plano na minha mesa. E, como você deve saber, ele deve implicar o mínimo risco para qualquer um de vocês. O resto das instruções vocês já sabem de cor, não preciso repetir.— disse Jacobson.

— Sim senhor.— disse Jean iniciando imediatamente o trabalho. Sentou-se em um dos computadores, colocou 3 Doors Down para tocar, principalmente sua música favorita, “Running Out Of Days”. Matthew reconheceu a música de seus conterrâneos.

— Ô banda boa... Você tem bom gosto, Jean.— disse o agente da CIA.

— Obrigado. Foi o Nik quem me fez gostar deles.

— De nada. Nasci na mesma cidade que Brad Arnold, Todd Harrell e Chris Henderson. Escatawpa, no Mississippi.

— Sério? Legal.

Depois dessa conversa, Jean se concentrou em digitar o texto dos passos do plano e só voltou a conversar com os colegas pra pedir “palpites” no texto e aprimorar o plano. Sentiu falta de Santeri, que poderia incrementar a parte “alcoólica” do plano, fornecendo o nome de uma substância que potencializasse os efeitos da bebida. Mas, no fim, decidiu colocar uma observação sobre uma possível alteração da bebida feita por Santeri. Imprimiu o que seria a versão definitiva do plano e levou até Carlson.

— Muito bom., Jean, pode levá-lo direto à sala de Jacobson. Meio surreal esse plano , mas tomara que dê certo.

— Harrell também achou o plano surreal. Ok, vou levar até eles.— disse Jean saindo da sala e levando o papel para a sala de Jacobson.

Nos dias seguintes à entrega, os agentes se ocuparam em preparar a viagem. Santeri não saiu do Hospital. Queria ficar o máximo de tempo possível perto de Alex, não sabia quanto tempo duraria a missão na China e nem se voltaria vivo de lá... Sua vontade era que o tempo parasse. Mas ainda se passaria quatro semanas até que, de fato eles embarcassem rumo ao país da Muralha.

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Enquanto isso, na China...

Início de Novembro.

Era mais um dia quente e seco na região da pedreira de Li Zhou e Meiying Guo. Outras crianças trabalhavam na sem parar, famintas e cansadas. Li Zhou, vendo-as trabalhar de forma ineficiente pela janela de seu escritório pensou em dar-lhes logo o arroz com o pó de Boris. Quando um homem alto e magro chegou à pedreira. Meiying Guo, que estava andando no meio dos “escravinhos” reconheceu-o imediatamente e foi até a entrada recebê-lo. Abriu o portão e deixou o sujeito entrar.

— Li está aqui?— perguntou o visitante.

— Sim, Igor.— respondeu-lhe Meiying secamente. Mas já lhe aviso, não encontramos o corpo daquela criança.

— Pelo amor de Deus Meiying! Preciso achar esse corpo! Falou com o Iajuddin? Ele foi naquele local mesmo? E se outros acharem esse corpo ou essa criança eu estou ferrado, pra não dizer outra coisa.— perguntou e explicou Igor preocupado.

— Sim, falamos com ele. Ele foi lá sim, e, pela última vez, se acalme! Venha comigo.— disse Meiying nervosa com a agitação de Igor.

No escritório da pedreira, onde Li Zhou se encontrava, Igor e Meiying entraram atropeladamente. O chinês dono do empreendimento assustou-se com a correria.

— Igor? Que você está fazendo aqui?— perguntou Li.

— Aquele menino, Li, o que aconteceu com ele?

— Que menino, Igor? Acha que tenho departamento de recursos humanos?— debochou Li Zhou.

— Deixe de ser cínico, Li. Você sabe muito bem a que criança me refiro. Um garotinho de menos de dois anos.

— Ah, sim, desse eu me lembro. Uma bela porcaria de empregado. Não sei por que o Iajuddin o trouxe.

— Ele não tinha nem dois anos ainda Li. DOIS ANOS!— Igor já havia perdido a paciência.

— Abaixa essa bola aí, Igor.— repreendeu-o Li Zhou.— Mas me diga uma coisa, por que você está tão aficionado em encontrar essa criança? Vá resolver com o Iajuddin.

— É difícil explicar, cara.— Igor trocava o desespero pela vergonha.

— Então tente.— disse Li, provocando Igor.

Igor pestanejou e hesitou, mas acabou contando a Li Zhou o motivo de sua fixação naquela criança. Era uma pesquisa que vinha fazendo já há algum tempo. Li Zhou quase caiu da cadeira ao ouvir as suspeitas de seu sócio russo.

— Você está falando sério, Igor?— perguntou Li Zhou assustado. Meiying, que ouvira a conversa, também estava boquiaberta com a revelação. “Minha nossa!” disse a chinesa, baixinho.

— Sim. Mais alguma coisa?

— Tenho sim. No que isso vai te prejudicar?

— Àquela época, Li, eu não tinha motivos para ter feito o que fiz, e agora, alguns inimigos políticos meus estão espalhando esses rumores lá em Moscou. Se eles provarem... Minha vida está acabada.

— Por isso você quer a criança?

— Exato. Ela é a única prova do que aconteceu.

— Mas o que iniciou esses rumores?

— Besteira minha, cara.— disse Igor explicando o acontecido: Em agosto daquele ano, fizera seu governo recusar um acordo com a França. Não via benefícios para a Rússia nele. E, também, fatos ocorridos há três e dois anos podiam ressurgir, atrapalhando a vida de Igor. Maxim era o único além de Li Zhou que sabia da história. E não era uma história fácil ou bonita. Pelo contrário...

Lá na pedreira, pouco antes de partir, Igor fez a Li Zhou a pergunta cuja resposta os Agentes da Interpol e da CIA tanto queriam saber:

— Só mais uma coisa, Li. Por que você envenena as crianças?

— A produção delas cai com o tempo. Aí, tenho que trocar.— Li respondeu como se falasse de máquinas, não de seres humanos. Era frio e indiferente.

— Era só alimentá-las com frequência.— contestou Igor.

— Se eu fizer isso, tenho uma queda nos lucros de cinco por cento.— rebateu Li Zhou.

— Você faz isso com essas crianças por ínfimos cinco por cento de lucro?— Igor estava mais surpreso com este fato que Li Zhou ficara com sua embaraçosa história.

— Ah, Igor. São crianças sem família nem nada. A maioria delas foi comprada dos PRÓPRIOS PAIS. Se nem eles querem seus filhos, eu dou um jeito nisso. Mato mesmo.— Li Zhou falava como se estivesse matando baratas ou qualquer outro bicho dessa estirpe.

— Não acredito que entrei nessa.— disse Igor, arrependido.

— Problema seu, Igor e nem tente sair disso agora.— ameaçou Li Zhou.

— Vai fazer o quê? Por o Iajuddin atrás de mim?— devolveu Igor.

— Que tem eu?— perguntou o birmanês. Estava na porta da sala de Li Zhou ouvindo a conversa, só que não fora visto nem pelos chineses e nem pelo russo.

— Nada, Iaj. Li Zhou está me ameaçando de morte. E como sempre você ou um de seus capangas é quem vai fazer o serviço sujo se ele resolver levar a cabo a ameaça.

— Você sempre soube que era um caminho sem volta, Igor, pare de choramingar! Nem se arrisque a pular fora do barco. Quando começamos você já sabia que as coisas seriam assim. Nada do que Li Zhou falou era novidade. Já o que você disse... Anda usando meu produto?— disse Iajuddin.

— Não. E a gente muda com o tempo. Meus valores são outros agora.— disse Igor.

— São nada!— rebateu Iajuddin.— Você só está com esse discurso por que está com medo das podreiras que aprontou no passado virem à tona e te destruírem politicamente. Devia ter sido mais homem há três anos, meu caro. Ah, antes que me pergunte de novo, não levei essa criança suspeita para o Mianmar.

— Não mesmo? Tem certeza?— insistiu Igor.

— Não. Chega disso, Igor.— pediu Iajuddin, farto daquela conversa.

— Queria ver se fosse com você, Iajuddin.— provocou Igor.

— Sei que não é.— devolveu Iajuddin fazendo pouco caso da provocação.