Dia três de dezembro: Quatro meses se passaram desde que a análise do pó começara. Thierry, dessa vez, tinha certeza do que havia naquele coquetel estranho que matara centenas de crianças e pusera Alexander naquele estado. Preparou uma solução com o pó e pingou o reagente. Finalmente algo aconteceu.

— AAAAAAAAAA! Eu consegui! Eu consegui! Eu consegui! EURECA!— gritou o bioquímico anotando o nome do produto descoberto e vibrando muito com o conseguido. Mas não era só aquilo que tinha no pó. Testou mais um reagente em outra solução. Também com resultado positivo. Thierry anotou o nome da substância ainda comemorando e depois as isolou. Feito isso, despejou-as juntas em um béquer com ácido clorídrico. Quase caiu da cadeira com o resultado.— Minha santa Maria! Isso é um veneno dos fortes!— A solução na vasilha ficara roxa escura.— Não é à toa que as crianças morreram. Falando nisso, como o filho do Santeri escapou vivo? Não deve ter comido muito pó. Agora tenho que descobrir que substância é essa... Vamos aos cálculos. Credo, Jesus!— disse após desvendar a substância.— EURECA!— gritou.

Nesse exato instante, Santeri chegava ao laboratório, cumprimentava o recepcionista quando ouviu o grito de Thierry.

— O que aconteceu com ele?— perguntou. Mas nem deu tempo do recepcionista dizer um não sei e contar que ele já havia gritado algo parecido alguma horas mais cedo, entretanto ficou tão assustado com o grito do chefe do laboratório que sequer ousou entrar na sala para checar se tudo estava bem. Santeri entrou correndo na sala e pegou Thierry pulando como um maluco em frente à bancada. Lá estavam dois tubos de ensaio um com uma solução amarela escura e outro com uma solução vinho. E um béquer com um líquido roxo.— Ei, Thierry, o que houve pra você gritar desse jeito?

— Eu descobri, cara, descobri!— disse Thierry, eufórico, segurando Santeri pelos braços.

— Descobriu o quê?— perguntou Santeri estranhando a euforia de seu “discípulo”.

— Como assim, descobri o quê? Os componentes do pó! Olhe.— disse Thierry mostrando ao finlandês o papel onde montou as equações.

— MISERICÓRDIA! Esse treco foi feito pra matar! Meu filho escapou por milagre...— disse Santeri, lívido após ler as equações montadas por Thierry.

— Verdade. Quem fez esse pó tinha, por assim dizer, más intenções. Más, não, péssimas. A piada foi ruim mesmo, eu sei.— disse Thierry.

— Sem problemas. Ah, você tem que conhecer meu irmão caçula, Kimi. Ele também adora contar piadas sem graça. E também é toxicologista forense.

— Coincidência!— disse Thierry.

— Na minha família todos somos bioquímicos. Meu pai, eu e meus dois irmãos. Só que o Heikki, meu outro irmão, é da área industrial. Não tem vocação pra área forense, segundo ele. Mas, ironicamente, adora assistir a esses seriados policiais, como CSI, Cold Case, vai entender.

— Legal. Talvez ele goste de ver o trabalho da polícia, mas não de participar. Sabemos que a rotina é extenuante.— disse Thierry, lembrando-se de uma coisa, de repente.— Santeri, você conhece aquela banda, Avenged Sevenfold?

— Conheço sim, ótimo grupo, boas músicas... O que tem ele?

— E aquela música deles, “Brompton Cocktail”?

— Também. É uma das minhas preferidas. Por que você está me perguntando isso?

— Aqui está ele.— disse Thierry apontando para o béquer com a solução roxa. —Peguei essas duas soluções, com os elementos isolados e despejei em uma de ácido clorídrico na concentração do estômago humano e bingo! Olha o que virou.

— É, isso é um “Brompton Cocktail” mesmo...— disse Santeri.

— Sempre pensei que ele fosse outra coisa.

— Ele o quê?

— O “Brompton Cocktail”. Toda vez que ouço essa música me vem morfina ou cloreto de potássio à mente. Isso, nunca.

— Ah, colocou amido na mistura?

— Puta merda! Esqueci! Vamos fazer de novo... Ainda bem que não gastei tudo...

A dupla repetiu o experimento e o resultado foi o mesmo do sem amido.

— Prova que o amido não interferiu na reação. Deve ter sido só um meio para fazer as crianças comerem o pó.— disse Thierry.

— Isso mesmo.

— Nossa! Tenho que falar com meu irmão.— disse Thierry pegando seu celular e ligando para o de Pierre.

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No hospital, Pierre preenchia o prontuário de Alexander, preocupado, já fazia quase quatro meses que ele estava lá e ainda estava inconsciente, quando ouviu a música “Lost” do Avenged Sevenfold. Era seu celular. Olhou na tela, era seu irmão que lhe ligava.

— Fala, mano.

— Pierre, finalmente descobrimos o que havia naquele pó.

— Sério? Anda, diga o que é!

Thierry explicou para o irmão quais eram as substâncias, as reações e os novos produtos. Pierre sorriu ao ouvir o resultado da reação.

— Existe remédio pra isso, mano!— disse eufórico correndo para buscar o remédio em questão. Pegou uma ampola com um líquido leitoso e foi o mais depressa que pode para o quarto de Alex, a essa altura já formalmente adotado por Santeri e Sofia e se chamava agora, Aleksanteri Rossini Korhonen. Sofia estava ao lado de seu filho quando Pierre entrou com tudo no local.

— O que é isso, Pierre?— perguntou a italiana.

— Remédio. Santeri e Thierry desvendaram a composição daquele pó! Agora curamos Alex de vez!— disse Pierre, confiante.

— Graças a Deus! Pronto, querido, o papai e o tio Thierry conseguiram descobrir o que aconteceu com você, agora o tio Pierre vai te curar!

— Mas, o negócio que ele comeu é forte... A sobrevivência dele é milagrosa.— disse Pierre.

— Sério, Pierre?

— Sério. A intenção de quem deu esse pó para eles comerem foi, de fato, matá-los. A reação não foi acidente.— disse Pierre sombrio explicando para Sofia o que era o pó.— Pergunte depois pro seu marido que ele te explica bem melhor.

Sofia engoliu seco, apertou a mãozinha de Alex. Queriam matar seu garotinho. Mas lá estava ele, vivo. Sofia pensava agora, em como cuidaria de duas crianças. Rezava para que ambos se entendessem, tal como Santeri e seus dois irmãos, de cujos nomes não se lembrava... Agora, já estava com vinte e três semanas de gestação e em breve ela e Santeri descobriram o sexo do bebê. Embora ambos acreditassem que fosse um menino. Logo depois Santeri chegou. Beijou-a, acariciou sua barriga e, finalmente, voltou-se para Alex.

— Oi, coisa linda!— disse ao menino que, embora inconsciente, parecia sentir a presença do pai adotivo. Quase dois meses antes dessa cena, o casal entrara com o pedido para adotar o menino, a Rússia havia se negado inúmeras vezes a receber o menino e por tal motivo ele fora declarado apátrida pelo governo francês. O processo já fora finalizado e Alexander Ivanovitch, agora, chamava-se Aleksanteri Rossini Korhonen. E, o que os colegas do casal haviam descoberto, tornavam ainda mais sombria e estranha a história da pedreira.

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Mais quatro dias se passaram. Aleksanteri ainda estava inconsciente, parecia não reagir à medicação, mesmo recebendo quatro doses diárias do líquido leitoso. Mas, neste, dia, quando Pierre administrava mais uma dose, o menino abriu os olhos. Sofia ao seu lado prendeu a respiração e segurou o choro. Aleksanteri era idêntico a Santeri. Além de ter o mesmo formato de rosto, nariz, boca e até a orelha, os olhos de Aleksanteri eram azuis, no mesmo tom do de Santeri. O filho era uma miniatura do pai.

— Oi, querido, tudo bem... Sou sua mamãe, lindinho.— disse com suavidade ao menino que olhava em volta da cama, tentando reconhecer o lugar. O último lugar em que estivera consciente fora a lotada sala de espera do hospital de Kunming no colo de Gillian. Agora estava em um hospital francês ao lado de uma mulher que via pela primeira vez e que dizia ser sua mãe. Só não chorou por estar acostumado com a voz dela. Fixou o olhar no rosto de Sofia, que sorria para ele.

— Ê, o rapazinho acordou?— brincou Pierre satisfeitíssimo ao perceber o acontecido.— Oi, Alex!

Aleksanteri olhou para o médico que instantaneamente passou a examinar seus olhos. Respirou aliviado.

— Boas novas, Sofia, parece que ele não tem sequela alguma do envenenamento. Vou chamar o Henry aqui.— disse Pierre.

— Graças a Deus.

— Agora a gente pode fazer a tomografia. E, dependendo do resultado, o que fazer. Se será só reabilitação dos movimentos ou se teremos que fazer algum outro tratamento nele. Já volto.— disse Pierre correndo porta afora atrás de seu colega.

— Certo.— disse Sofia a Pierre. Voltou-se para Alex.— O papai já deve chegar, querido.— disse e em seguida curvou-se e beijou o menino.

Logo após essa cena Santeri entrou no quarto. Emocionou-se ao ver Aleksanteri acordado. O menino estava quietinho olhando para porta, não por saber que seu pai chegaria por lá, mas por ser o que estava bem na frente de sua cama.

— Oi, meu filho. Papai chegou. Te amo.— disse, beijando o menino. Depois, voltou-se para Sofia.— Realmente ele se parece comigo. O Pierre já viu isso?

— Já. E acha que ele não tem sequela alguma do que sofreu. Ele foi chamar um neurologista pra examiná-lo. Dependendo do resultado verão o que farão com ele nos próximos dias, semanas, meses...

— Ótimo, se Deus quiser ele sai desse hospital logo, verá o irmão nascer lá na Finlândia...— disse Santeri. Aquilo era algo já acertado: Sofia daria à luz em Helsinque.

— É, querido. Tomara.— concordou Sofia acariciando os cabelos de Alex. Finalmente veria seu filho livre dos eletrodos.

Logo Pierre voltou trazendo Henry Gouthier a seu encalço. O neurologista ficou feliz em ver Aleksanteri acordado e alerta deitado na cama. Foi acertar os detalhes para que ele pudesse fazer a tomografia naquele momento. Logo Aleksanteri era levado para a neurologia, fez os exames e voltou para o quarto. Santeri e Sofia aguardavam os resultados com ansiedade.

Aproximadamente uma hora e meia depois Pierre aparece no quarto sorrido satisfeito:

— Tudo normal. O moleque não tem sequela nenhuma.— disse o pediatra, Santeri e Sofia finalmente relaxaram. Alex seria um garoto normal que faria muita “bagunça” com o irmãozinho por nascer.— Só vai precisar de um pouco de fisioterapia pra recuperar os movimentos, voltar a andar, depois é com vocês.

— Perfeito.— disse Santeri animado. Para dia melhor que aquele, agora, só concorreriam o em que Sofia lhe contou da gravidez, o do casamento e lógico com o dia que seu filho biológico nascesse.

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Com o passar dos dias Aleksanteri foi se recuperando e Pierre começou a prever quando daria alta ao menino. Mas achava ruim o fim do contato.

Dez dias após Aleksanteri recobrar a consciência, seus pais entraram juntos no hospital onde ele estava internado, mas ainda na entrada se separaram. Sofia foi para a ala de obstetrícia e Santeri para a pediátrica. Santeri abrira mão de acompanhar o ultrassom que revelaria o sexo do bebê para ficar com o filho mais velho.

Sofia deitou-se tranquila na mesa de exames. Um técnico conduzia a sonda do ultrassom por seu abdome dizendo que tudo estava bem com o feto.

— Cabeça normal, coração ok, coluna sem problemas... Ah, quer saber o sexo?— perguntou-lhe o técnico.

— Quero sim.— disse Sofia, curiosa.

— Bem dona Rossini, seu bebê é um menino!

— Que ótimo!

— Parabéns, e... Está tudo absolutamente normal.

— Graças a Deus.— disse Sofia.

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Enquanto isso, Santeri entrou no quarto de Alex, que estava sentado na cama brincando com um carrinho, mesmo com os movimentos limitados pelos meses de imobilidade. O menino virou-se para a porta quando a ouviu se abrindo e reconheceu o pai. Abriu um enorme sorriso, esticando os braços para que Santeri o pegasse no colo.

— Oi filhão!— disse Santeri beijando-o e pegando-o no colo, tal como o garoto queria. O menino, então passou a olhar fixamente para a porta com uma carinha triste.— Que foi, querido?

Pierre, ao lado fazendo anotações no prontuário de Alex, palpitou:

— Acho que ele deve estar esperando a Sofia aparecer. Vocês sempre vêm juntos!

— A mamãe já vem, filho. Ela foi ver como está seu irmãozinho.— explicou Santeri passando a brincar com o menino.

— Ou irmãzinha.— disse Pierre.

— Talvez, mas estava sendo genérico.

— Ah, beleza. Sei.— disse Pierre em tom debochado.— Você tem algum palpite?

— Tanto eu quanto a Sofia achamos que é um menino.

— Tudo bem.— disse Pierre encerrando a conversa.

Santeri voltou a brincar com Alex torcendo para que Sofia chegasse logo com a notícia. Não estava aguentando de curiosidade. Ficou por alguns minutos nessa atividade até que Sofia chegou, sorrindo e acariciando a barriga. Alex sorriu e estendeu os braços para a mãe. Sofia não podia pegá-lo no colo, mas abraçou-o e beijou-o.

— Está com saudade da mamãe, lindo?— perguntou. E, diante da insistência do menino para ser pego, disse.— Mamãe não pode pegar você, Alex.— explicou Sofia.

— Querida, foi tudo bem lá no exame?

— Sim, está tudo bem com o bebê.

— Deu pra descobrir o sexo?— perguntou Santeri um pouco apreensivo.

— Deu querido, é um menino.

— Que ótimo!— festejou Santeri.— Alex, você vai ganhar um irmãozinho!

— Sem querer bancar o entrão, mas já bancando, meus parabéns!— cumprimentou-os Pierre. Formavam uma bela família.

— Obrigada.— agradeceu Sofia.

Ficaram por lá até Alex dormir, foram almoçar e passaram na Interpol.

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Santeri voltou ao laboratório, pois embora tivessem descoberto os dois principais componentes do pó, Santeri achava que havia ainda mais coisas misturadas naquele “Brompton Cocktail”, como o avenger Thierry batizara a mistura.

— Que mais será que isso tem?— perguntava-se Thierry.

— Eu adoraria saber.— disse Santeri.

— Acho que não é nada de diferente. Deve ter algo aí pra dar volume.— palpitou Thierry.

— Mas o quê?

Thierry estranhou. Santeri normalmente teria uma resposta para a pergunta que ele próprio fizera na ponta da língua. Ou será que Santeri estava o testando?

— Não sei. Lá vamos nós pros testes de novo...— disse Thierry desanimado.

— Deve ser coisa bem simples que todo mundo usa, como farinha, açúcar, bicarbonato, cal virgem...— palpitou Santeri.

— Tomara, Santeri, cansei de quebrar a cabeça desvendando substâncias misteriosas.

— Eu também.

Isso durou a tarde toda. Depois voltou ao hospital ficar mais um pouco com o garoto, que dormiu outra vez, no colo de Santeri.

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Em casa, o casal “esqueceu-se” de Aleksanteri por algumas horas para pensar um pouco no filho caçula.

— E então, San, temos que decidir o nome do nosso caçula.

— Bem lembrado, So. Que tal um que exista tanto na Itália quanto na Finlândia?

— Boa ideia, se bem que pra Itália ele não irá muito.— disse Sofia lembrando-se dos problemas que envolviam sua família, que não tinha o menor interesse na vida dela. Ela ligara para lá para contar da gravidez não recebera nenhum retorno. Enquanto os pais de Santeri ligavam ao menos uma vez por semana.

— Sem essa, vai, eles ainda vão te ligar.

— Já se passaram quase quatro meses que eu liguei lá e nada! Nem quando falei sobre o Alex eles deram atenção. Quer saber de uma coisa, San? Desisto. Eles sequer saberão que o bebê nasceu.

— Calma, So, calma. Isso não vai se resolver assim. Um dia eles param com esse gelo. E de gelo eu entendo.

— Só você pra me fazer rir de uma dessas, San.

— Esquece isso, vamos pensar em um nome pra ele.

— Tem razão, temos coisas mais importantes pra fazer agora... Mas acho que vamos ter que apelar pra internet...

— Que seja...

Depois de algumas horas lendo as enormes listas de nomes, escolheram um que soaria bem nas duas línguas: Elias. O bebê se chamaria Elias Rossini Korhonen.

— Então, filho, gostou do seu nome? Elias?— perguntou Santeri para o bebê.— Se gostou, dá um chute na sua mãe.

Sofia começou a rir até que sentiu um chute do bebê.

— Ele gostou, querido.— disse Sofia.— Filho, faz de novo pro papai sentir.— “pediu” Sofia pondo a mão de Santeri no lugar onde sentira o chute do bebê, o que logo se repetiu. O finlandês beijou a barriga de Sofia e virou-se para a mulher:

— Sou o homem mais feliz e sortudo do mundo, tenho uma mulher maravilhosa, dois filhos lindos e o emprego dos meus sonhos...

Sofia sorriu e abraçou Santeri. Ele e os meninos eram tudo que ela tinha. O desinteresse de sua família por sua vida era tanto que a última vez que vira seus parentes fora no seu casamento. Vários deles dizendo que aquilo não duraria nada... Quando contou a seus pais que estava grávida, a notícia foi recebida pelo casal com total indiferença, o que se refletia até hoje. Aquela fora a última dez que conversara com seus pais.

— Te amo, San. Não sei o que seria de mim sem você.— disse ela beijando-o.

— Não se subestime, So. Nossas vidas se cruzaram por acaso. Se Carlson não a tivesse convocado para a equipe no caso Mackintosh, nós nunca nos conheceríamos.— filosofava Santeri.

— Mas, aqui estamos nós, casados e esperando um bebê. E com outro filho no hospital.

— É... Não vejo a hora de trazer o Alex pra casa.

— Nem eu... Estive pensando em colocá-lo nesse quarto aqui, disse Sofia dirigindo-se a um cômodo vazio do apartamento de quatro quartos onde moravam.

— Boa. O Elias fica naquele lá, um já é o nosso, e o outro fica pra nossa garotinha.

— Nossa garotinha?— perguntou Sofia olhando intrigada para o marido.

— Não pensa em ter uma filha não? O sonho da minha mãe era ter uma filha. Quando ela engravidou do Kimi dizia o tempo todo que queria que fosse uma menina, mas não era. Mal de família.

— Se fosse uma doença até entendia você chamar isso de mal de família, mas não é nada grava só nascerem homens.

— Há cinco gerações?

— Bom, não sei explicar, mas pode ser só uma coincidência.

— Coincidência demais pro meu gosto.

— Como queira. Agora, voltando ao assunto, claro que penso em ter uma filha, mas demoramos três anos pra conseguir, será que vai demorar isso tudo de novo?

— Talvez sim, talvez não... Francamente, não sei.— confessou Santeri.

— Você não é obrigado a saber de tudo querido. Nossa, quase meia noite já... Vamos dormir. Amanhã temos muito que fazer...

— Ok. Vamos dormir.

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Passavam-se as festas de fim de ano e a família de Santeri foi passar esse período em Lyon. Markos e Paula encantaram-se com o pequeno Alex. A mãe de Santeri não parava de dizer o quão parecido com seu filho seu neto era.

— Santeri era igualzinho a ele nessa idade, pena que eu não trouxe fotos... Quando ele sai do hospital?— perguntou Paula.

— Não sei, dona Paula, talvez dentro de um ou dois meses... Pierre quer vê-lo andando de novo antes de dar-lhe alta.— disse Sofia.

— Puxa vida... E, quando vocês vão pra Finlândia?

— Em março, assim que ele tiver alta. A senhora vai se enjoar da gente, nós vamos ficar lá até maio.

— Quer dizer que meu neto caçula vai nascer lá na Finlândia?— perguntou Markos, que estava brincando com Alex.— Mas que ótima notícia! E, Sofia, não há como enjoar de vocês. Meu medo é o Santeri, o Heikki e o Kimi explodirem nossa casa fazendo experiências científicas de cunho duvidoso.

Sofia riu, sabia que Santeri, Heikki e Kimi faziam bagunça na cozinha da casa de seus pais testando reações químicas. Agora, dessa vez, teriam Alex de platéia. Como toda criança, o menino se encantaria com aquilo, e poderia até se tornar um bioquímico como o pai, o avô e os tios. E Sofia calculou que até mesmo o bebê que gerava também tinha grandes chances de ser Bioquímico. A força da genética seria enorme.

Mas o que de fato incomodava Sofia era seu cunhado, Heikki, não que ele fosse chato, grosso, ao contrário, engraçado e carinhoso até demais, e simplesmente lindo. Heikki Korhonen, bioquímico industrial, chefe do setor num importante laboratório farmacêutico da Finlândia, trinta e oito anos, deixava seus dois irmãos no chinelo quanto o assunto era a beleza física dos três. Além disso, Heikki parecia mais apegado a Alex que Kimi, toda vez que entrava no quarto do menino no hospital trazia algum brinquedo para ele, Kimi também “entupia” o menino de presentes, entretanto a frequência era bem menor que a de Heikki.

— Ô Heikki, maneira aí, é presente demais para uma criança só.— censurou-o Santeri.— Ele nem vai ter tempo de brincar com isso tudo.

— Estou tirando o atraso. Por dois anos da vida dele não fui tio dele, agora ele vai saber o que é ter um tio coruja e mimador de sobrinhos.

— Heikki, você não existe.— riu Sofia.

— Ok. Mas evidências mostram o contrário.

Mas, tanto Heikki quanto Kimi demonstraram um enorme carinho pelo garoto. Contar piadas e fazer palhaçadas, não só para Alex, mas com qualquer frase dita por qualquer um também era a “especialidade” da dupla.

A essa altura, François Bouvier fora “demitido” do hospital por sua conduta inescrupulosa com alguns pacientes, inclusive Alex. Em seu lugar ficara o cirurgião que o apelidou de “Dr. House”. Assim, as visitas do chefe tornaram-se momentos bacanas. Os xingamentos de François a Alex foram substituídos por “mocinho”, “garotinho” e outras palavras do gênero. A substituição ocorreu quando Alex ainda estava inconsciente.

E, com o jeito descontraído e cômico, tornaram-se também amigos de Pierre e de Thierry (Foram com Santeri ao laboratório de toxicologia e fizeram Thierry quebrar três béqueres em ataques de risos). Certa vez, quando entraram no quarto de Alex no hospital, Pierre, que lá estava disse:

— Olha Alex, seus tios malucos chegaram!

— Vou considerar esse “maluco”, um elogio, Pierre.— disse Heikki.

— Beleza.

Enquanto isso Santeri e Sofia viam a casa mudar. Os quartos dos meninos estavam já prontos, embora a previsão para o nascimento de Elias fosse ao início de abril. Em meados de fevereiro do ano seguinte, Pierre entra no quarto de Alex e anuncia:

— Boas novas, Santeri, Sofia! Semana que vem ele tem alta.

— Obrigada, Pierre.

— Viu, Alex, você vai pra casa semana que vem! O tio Pierre vai sentir saudade de você, sabia?

— Pode aparecer lá em casa para vê-lo e também, você vai cuidar desse aqui.— disse Santeri colocando a mão sobre a barriga de Sofia.

— Será um prazer. Podem contar com meus serviços e com minhas visitas.

Mas, foi no dia do aniversário de 37 anos de Sofia, 13/02 que Alex fez o que Pierre, Henry e a terapeuta e seus pais tanto queriam. Andou de novo. Brian havia dito aos médicos (por meio de Santeri) que vira o menino andando enquanto estava na pedreira. Saiu de perto da terapeuta direto para os braços do pai, agachado esperando-o.

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Naquele dia treze de fevereiro, já em casa após voltarem do hospital, às seis e meia da tarde, deixando lá Alex, já adormecido, Sofia foi tomar banho, enquanto isso, Santeri pegou uma bela caixa de veludo preto que estava guardada havia dias na gaveta de seu criado-mudo. Ficou olhando para a caixa fechada, deitado na cama até que, por fim, Sofia saiu do banho e ainda estava envolta apenas em uma toalha quando seu marido a abraçou e a beijou. Beijando, em seguida, a barriga de trinta e duas semanas de gestação.

— Parece que foi ontem que você me contou que estava grávida, So.— disse o finlandês alisando a barriga da italiana.

— Verdade.— concordou a italiana acariciando a barriga.— Em menos de dois meses ele nasce.

— Ah, toma, querida. Feliz aniversário.— disse Santeri lhe entregando a caixa de veludo.

— Obrigada, San.— agradeceu Sofia beijando-o.

Sofia, então, abriu a caixa. Lá dentro, estava uma corrente em ouro branco com um pingente, também de ouro branco, em formato piramidal de três faces. Uma delas estava lisa, mas, nas outras duas, estavam escritos os nomes dos dois meninos do casal. ALEKSANTERI e ELIAS.

— É linda, San. Muito obrigada. Te amo.— disse a italiana colocando a corrente no pescoço.— Ela nunca mais vai sair daqui.— completou beijando o finlandês.

Mais tarde, ainda naquele dia, falaram com os pais e irmãos de Santeri que também souberam que Alex estava andando de novo.

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Quatro dias depois, dia dezessete de fevereiro, Pierre entra no quarto, Alex está sentado na cama brincando com o pai.

— Bom dia, Pierre.— cumprimenta Sofia.

— Bom dia! Tudo bem com vocês?— perguntou Pierre; ele parecia nervoso.

— Com a gente sim, mas você está bem?— Santeri notava o nervosismo do médico.

— É a notícia que tenho pra lhes dar.

— E... Qual é?— Sofia ficou apreensiva. Pelo jeito Alex tinha algum outro problema.

— Ele... Vai pra casa hoje!

— Ai, que ótimo! Que horas?— perguntou Santeri afagando a cabeça de Alex.

Pierre olhou no relógio, estava gostando de fazer suspense:

— Pode ser agora.— anunciou.

— Aí, filho, vamos pra casa!— disse Santeri o levantando e beijando.

— Vou arrumar a papelada da alta e já trago aqui. Volto logo.— disse Pierre.

— Ok.— disse Sofia.

Assim que Pierre saiu, ela e Santeri se abraçaram.

— Finalmente o nosso filho está livre.— comemora a italiana.

O pediatra voltou em poucos minutos trazendo alguns papéis. Explicou para o casal o que acontecia, e que eles tinham que assinar aqueles papéis. Santeri e Sofia leram e assinaram os tais papéis e, finalmente levaram Aleksanteri para a casa. Santeri pegou-o no colo e saiu com ele do hospital.

Com Alex em casa, Sofia decidiu se afastar da investigação, recebendo uma licença de Jacobson que duraria até que Elias tivesse um ano. E, Santeri passou a se perguntar se Aleksanteri entendia o que ele e Sofia falavam com o menino. Pois ele apenas os olhava, fazendo o que lhe era pedido apenas em algumas ocasiões. Nisso, Santeri começou a “desenferrujar” seu russo falando com o menino no idioma natal. Embora ele tivesse passado sete meses ouvindo cada hora uma língua diferente, ainda se lembrava do russo e acatava as ordens de Santeri. E com o tempo Santeri começou a ensinar inglês e finlandês para seu filho. Três semanas após a alta do menino, o casal e ele embarcaram rumo a Helsinque.

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Na Interpol, alheios à história de Aleksanteri e no início de outubro, dois meses antes de ele recobrar a consciência, os agentes tentavam entender o que levara o governo russo a negar a existência do menino. Não conseguiam. Brian, sempre desconfiado, passou a acreditar que havia envolvimento, se não de TODO o governo russo, de pessoas diretamente ligadas ao alto escalão desse governo no caso da pedreira. Vários fatos pareciam apontar nessa direção. A vista grosa do governo diante da invasão e dizimação de uma cidade inteira, ainda que de pequeno porte, e o descaso com o menino. Passou a acreditar que Alex fora conseguido para a pedreira nessa invasão. Precisava ir até lá agora. Decidiu falar com Wang.

— Pessoal, preciso falar um negócio com o Wang... Volto em um minuto.— disse Sanders.

— O que vai resolver com ele?— perguntou-lhe Jonathan.

— Nada demais. Quero esclarecer uma dúvida, só isso.— mentiu Brian.

Feito isso, o agente encaminhou-se até a sala de Wang. Bateu à porta.

— Oi, Sanders, o que deseja?— perguntou Wang.

— Seguinte, Wang.— disse Brian passando a expor suas recentes desconfianças para o chefe, depois.— Quero ir à região da cidade dizimada fazer umas pesquisas.

— Interessante ideia, Sanders.— disse Wang, sem saber se Brian falava sério ou não.— Vou conversar com Jacobson a respeito disso.

— Ok, aguardo novidades. Poderei mesmo ir lá? Ainda que sozinho?

— Você deseja mesmo ir até lá?

— Claro que sim. Achou que eu estava brincando, Wang?

— Não brincando, mas sem segurança... Vou levar o caso a Jacobson, se ele achar que vale a pena, você e Sullivan serão enviados ao local.

— Ok.

Wang remexia-se na cadeira, Brian James Sanders lhe fizera um pedido inusitado. Levaria, de fato a ideia a Harrell e Jacobson. A dupla diretora da Interpol aprovou e o referido agente e seu colega Jonathan Christopher Sullivan foram enviados para a região da cidade dizimada, disfarçados de jornalistas entusiastas em criminalística, com o intuito de pesquisar o caso para uma revista de curiosidades. O caso colou com várias autoridades. E eles só revelaram a verdadeira razão da visita ao local para um delegado de polícia, lotado em uma delegacia de uma cidade próxima a dizimada que investigava o caso. A cidade em questão estava dentro da jurisdição desse delegado. Ele havia descoberto coisas interessantes. A maioria das crianças moradoras da cidade havia sumido, principalmente as de um orfanato. Entre elas, Alexander. O garotinho, aliás, passara a vida toda no abrigo. Segundo as pesquisas do delegado, sua mãe era uma garota de programa que fora encontrada morta uma semana após o parto e seu pai biológico era desconhecido. Embora tivessem levado as crianças embora, os responsáveis pelo massacre não tiveram a ideia de destruir os papéis que lá estavam, com a história de vida de cada uma delas.

E lá acharam a ficha de Alexander Ivanovitch. Nascido há quase dois anos no dia dezoito de outubro, coincidentemente o dia do aniversário de Santeri e de seu irmão Kimi. No ano corrente, Santeri faria quarenta e um anos e Kimi, seu irmão caçula, trinta e quatro. Filho de uma mulher que aparentava ter vinte e sete anos e dissera apenas o nome na ocasião do parto, realizado na clínica da cidade. Este fora fácil. Menos de duas horas após dar entrada não hospital ele já havia nascido. Entretanto, três horas após o parto, ela saiu do hospital deixando lá o bebê e não mais voltando. Foi encontrada morta, à beira de uma estrada oito dias depois. “Cotada” na cidade como garota de programa, seu assassinato, com dois tiros de uma pistola Glock nove milímetros nunca foi realmente investigado. Após ler tais informações, Brian entregou os papéis para Jonathan dizendo, em tom de brincadeira:

— Mais um caso para dona Lilly Rush.— o agente americano fazia referência à personagem de Kathryn Morris no seriado “Cold Case” no qual se solucionava casos antigos, ditos sem solução pela polícia à época dos fatos.

— Arquivado? Falta de provas?

— Não foi encontrada nenhuma pista que pudesse direcionar a qualquer suspeito e ela era garota de programa, supostamente.— explicou Brian enquanto Jonathan lia os papéis.

— E...— Jonathan pedia uma explicação mais convincente.— Ser garota de programa não tira nenhum direito civil, até onde sei, seu assassinato merecia ser investigado com a mesma dedicação que fariam se a vítima fosse o Dalai Lama, o Nelson Mandela, o Papa...

— Cidade pequena, Johnny. Conservadora. A maioria da população deve ter dito “que bom que mataram aquela puta” em vez de “pobre mulher, morreu brutalmente e ainda deixou um filho recém-nascido” esta suposta fama dela, inclusive impediu que Alexander fosse adotado. Ninguém quis criar o filho de uma prostituta.

Jonathan coçou o queixo. A barba, sem ser feita há quatro dias, o incomodava.

— Preconceito. O que arquivou o caso não foi falta de pistas, e sim preconceito da sociedade. Embora não percam direitos civis, prostitutas são vistas como excremento da sociedade cuja eliminação é bem-vinda. Daí o motivo. Pode ser que saibam quem a matou.— filosofou o irlandês Jonathan.

— Bem por aí, mesmo...— concordou Brian.

A dupla de agentes sentia pena de Alexander. Recusado por inúmeros casais pelo simples fato de sua mãe ter supostamente sido garota de programa, ficara relegado um orfanato pouco estruturado. Mesmo sendo um menino lindo, o sonho de muitos pais, loirinho, delicado, de olhos azuis. Por um breve instante, Brian sentiu um calafrio na espinha. E se o amor e a compaixão de Santeri e Sofia pelo menino se evaporassem ao saber dessa história? Por outro lado, isso poderia também aumentar tais sentimentos.

Já a invasão da cidade era um completo mistério. Nada se sabia sobre quem, como e porque aquilo fora feito. Aquele caso precisaria da maestria de um Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Miss Marple, e outros grandes detetives da literatura unidos para resolver. Quatro dias depois de desembarcarem lá, estavam de volta a Lyon com mais de quinhentas páginas de documentos que o delegado responsável deixara copiar, não intimidado pelas insígnias, mas ciente de que a Interpol estava atrás da verdade. Prometeu colaborar se descobrisse qualquer outra coisa nova e Brian passou-lhe seu e-mail, pedindo que os arquivos lhe fossem enviados de forma eletrônica, evitando assim, viagens e o risco de o intercâmbio ser descoberto pelos membros do governo russo que queriam abafar o caso.

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Em paralelo a isso, a CIA também investigava o caso, mas por suspeitar de envolvimento de americanos no caso. Fotografias tiradas por satélites e agentes à paisana colhiam diariamente informações que eram repassadas por e-mail a Matthew Owen Baker. Temporariamente deslocado com sua colega Gillian Mary Finnes para Lyon. Entre as fotos, havia algumas de um ônibus velho saindo da cidade do massacre. O motorista poderia ser visto com bastante nitidez. Só que na Agência Americana de Inteligência ninguém sabia quem era aquele homem de traços orientais.

Recebidos esses e-mails, Matthew imprimiu tudo em cada e levou pra Interpol. Ao exibir a foto do motorista, Jonathan, já de volta da Rússia, foi o primeiro a reconhecê-lo.

— Eu o vi na pedreira em duas ocasiões. Ele apareceu pra falar com Li Zhou uma vez e era o motorista do ônibus que levou as crianças russas e de outras nacionalidades, principalmente mongóis e afegãs pra lá. E eu acho que foi neste ônibus.— disse Jonathan.

— Sabe o nome dele, Johnny?— perguntou Gillian.

— Gil, agora você me pediu demais. Li Zhou até disse o nome dele pra mim, mas é um nome complicado e diferente, não consegui memorizar. Cinco minutos depois eu já havia esquecido e não quis perguntar de novo para Li Zhou para não despertar suspeitas.— explicou Jonathan.

Nisso, Dario olhou para as fotos e achou o tal motorista um tanto familiar. Para confirmar seus pressentimentos, perguntou a Nikolas:

— Nik, você que bom fisionomista... Esse motorista aqui não é o Iajuddin Wajedd?

— Eu iria lhe fazer a mesma pergunta, Nik.— disse Jean.

— Se não é o próprio é o irmão gêmeo idêntico dele.— respondeu Nikolas sem deixar o sarcasmo de lado.

— E há suspeitas de que ele use trabalho infantil escravo lá nas suas plantações de papoula do Mianmar.— acrescentou Renato.

— Algo extremamente provável e muito comum naquela região. E... Se ele leva crianças para a pedreira do Li Zhou, pode muito bem pegar algumas para “uso próprio”.— disse Brian achando, posteriormente, a expressão “uso próprio” um tanto seca e até cruel.

— Certo, mas ainda fica um problema no ar... ONDE ele consegue arranjar tanta criança?— perguntou Nikolas.

— Nik, a região do triângulo dourado é uma das mais pobres do mundo e com uma cultura muito diferente da nossa, a ocidental, sobre trato com crianças. Lá, ao contrário daqui, crianças são objeto de direito dos pais, não sujeitos de direitos. E a pobreza crônica dessa região faz com que alguns pais vendam seus filhos, por trocados, na ingênua esperança de que os compradores deem uma vida melhor a elas. Mal sabem que isso põe os filhos na mão de traficantes que os exploram até a morte.— explicou Jonathan.

— Tem pai e mãe que vende os próprios filhos?— Nikolas estava com nojo da notícia.— Não consigo acreditar.

— Mas isso é verdade. E, em algumas culturas da região, crianças são vistas como um estorvo na vida dos pais. Mas a maioria vende por achar que quem está comprando vai dar aos filhos deles educação, saúde uma vida melhor da que podem oferecer. Já os compradores querem mão de obra barata, o que conseguem. Alguns dólares na aquisição, um prato de comida por dia e pronto. Se bem que alguns nem comida dão para seus escravos.— disse Jonathan lembrando-se da pedreira. As crianças só se alimentaram no dia do envenenamento.— Além dos direitos da infância serem praticamente inexistentes, os direitos trabalhistas da região também deixam a desejar.— Jonathan continuava a explicação. Brian apenas maneava a cabeça, positivamente.

Nikolas, Gillian, Dario, Jean, Renato e Matthew sentiam repugnância das informações. Não conseguiam compreender esse costume asiático. “Como um pai pode vender seu filho pelo preço de uma camiseta?” perguntava-se Nikolas. Se fizessem o mesmo na Alemanha iriam para a prisão. Já Santeri e Sofia pensavam no que Brian e Jonathan trouxeram da Rússia, todas as informações sobre Alexander. Pobre garoto. Rejeitado pela mãe e pela sociedade em um orfanato. Agora, finalmente ele teria uma família. Os dois, o bebê, os irmãos e pais de Santeri, já que Sofia tinha quase nenhum contato com seus parentes, em Gênova. A italiana se controlou para não sair da reunião e ir ao hospital ficar com o menino. Era início de outubro, o aniversário dele estava chegando e ele, provavelmente o passaria inconsciente.

Outra coisa que intrigava não só os agentes, mas também a diretoria da Interpol era a resistência dos russos em reconhecer Alexander como um nacional. Nem mesmo provas obtidas na própria Rússia de que o menino nascera lá serviam. Eles negavam continuamente a ideia de que ele poderia voltar para lá.

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No hospital, graças a sua situação de refugiado, Alexander era tratado com desprezo por François Bouvier, o chefe do hospital, que não economizava nas palavras ásperas quando o assunto era o menino. Talvez, quando ele fosse adotado a situação mudasse. E nada que Pierre falasse funcionava.

— Pelo amor de Deus, doutor Bouvier, ele é um bebê que não tem nem dois anos! Nada do que aconteceu com ele tem culpa dele!

— Isso não me interessa. Quero esse estrangeirinho encardido fora do meu hospital.

— Ele não vai sair daqui.— disse Pierre firme.

— Não vai, é?— ameaçou François.

Pierre entendeu o tom de ameaça de François. Postou-se na frente dele de braços cruzados, peitoral estufado e ar desafiador:

— Encoste um dedo nele e quem nunca mais vai entrar nesse hospital é o senhor! Que espécie de médico é o senhor que não se empenha em salvar uma vida só por que ela não é de um francês?

Sentindo-se derrotado, François deu as costas a Pierre e voltou para suas dependências. Henry Gouthier, neurologista de Alexander e também colega de Pierre na faculdade de medicina, assistiu à cena e aplaudiu-o.

— Ótimo, Pierre, alguém precisava falar umas verdades pra esse cretino do Doutor House.

— O Doutor House merece respeito, Henry, ao contrário desse covarde aí.

— Sei... Como está Alex?

— Recuperando-se. Falta só descobrir o que o intoxicou e depois se ele terá lesões neurológicas decorrentes dessa intoxicação. E isso é um trabalho seu, Henry.

— Eu sei, e me empenharei ao máximo. E, quanto ao doutor House daqui, relaxe. Ele é o único membro do hospital que não gosta de Alex. Ele não poderá fazer nada contra o menino.

— Eu sei. Mas se ele tentar ele vai se ver comigo. Sindicância na área.— disse Pierre em tom de ameaça.

— Pode me chamar como testemunha.— decretou Henry.

— Ok.

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Na Interpol, tal conflito do hospital não chegara, mas a resistência dos russos deixava tanto Jacobson quanto Harrell intrigados. A ameaça da França de expatriar o menino não surtira resultados. Eles continuavam negando. Dois meses já se passaram desde a chegada de Alexander na França. O tempo se esgotara. O governo francês declarou que ele era um apátrida e estava disponível para adoção. Pouco tempo depois, a notícia chegou até Jacobson.

Uma semana depois, Santeri e Sofia ingressavam com a ação de adoção dele na justiça francesa. Na qual além de adotarem o menino, mudariam seu nome para Aleksanteri. Tudo prometia correr rapidamente.