Moscou, Rússia, dia vinte de julho: Uma nada agradável notícia chega ao Kremlin. Uma cidade de pouco mais de quatro mil habitantes fora totalmente devastada, sem qualquer pista de quem quer que tenha feito aquilo. Apenas adolescentes e adultos entre os mortos. A cidade em questão localizava-se perto da fronteira com a China.

Após saber dessa notícia, que se espalhava por todo o país, o ministro da justiça russo estava se preparando para um pronunciamento sobre o ataque e também já tomando providências para começar a investigar essa singular investida. Quem estava por trás desse ataque? Quais eram as intenções dessas pessoas? O ministro fazia-se essas perguntas, sem saber como obter as respostas quando o secretário direto do presidente, Igor Azarov, bateu à sua porta. Faltavam vinte minutos para sua entrada em rede nacional. Conversaram durante quinze minutos e Igor só pediu uma coisa: que o ataque não fosse investigado. Nesse sentido, argumentou que o governo não tinha verba – nem tecnologia – suficiente para investigá-lo e também, esse argumento assustou o ministro, tal cidade era extremamente pequena e insignificante perante a economia russa.

— Isso não vai alterar em nenhum dólar nosso PIB.— disse Igor.— O impacto será mínimo.

Por mais absurdos que fossem esses argumentos de Igor, eles triunfaram. Embora o ministro, no pronunciamento, dissera que iriam empenhar-se ao máximo para resolver esse mistério, digno de romances policiais, nada seria feito pelo governo central.

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Alguns dias depois, Igor soube, na internet, que o tráfico de crianças no sudeste asiático, mais especificamente no triângulo do ópio (ou triângulo dourado), era alvo de uma investigação da Polícia Criminal Internacional. Suspeitava-se que alguns produtores de ópio e empresários inescrupulosos da região usavam crianças sequestradas, órfãs, vendidas pelos pais ou moradoras de rua em suas atividades, em um regime análogo ao da escravidão. Muitas dessas crianças não resistiam aos trabalhos forçados, o que era facilitado pela ausência de fiscalização, respeito aos direitos das crianças e direitos trabalhistas, por falta de resistência física e morriam. A matéria, veiculada em uma revista de renome internacional, citava diversos lugares e um deles, chamou a atenção de Igor.

A reportagem deixou Igor preocupado. “Logo, tudo estará descoberto”. Pensou ele. Logo após ler tal conteúdo, rumou para a casa de um conhecido seu, o único habitante de Moscou com quem poderia dividir essa informação.

Esse conhecido, com quem Igor pretendia dividir essa informação chamava-se Maxim Carpov. Era um ex-funcionário do governo russo que gastava seu tempo jogando, fumando, bebendo vodka, com prostitutas e com filmes pornôs produzidos em países do leste europeu e contrabandeados para a Rússia. Assemelhava-se ao Charlie Harper. Na hora em que Igor chegou a sua casa, estava vendo um pornô húngaro, enquanto fumava um charuto e bebia MUITA vodka. Maxim era um solteirão na casa dos 50 anos, moreno, de estatura mediana. E foi ele próprio quem atendeu à porta.

— Igor! O que o traz aqui?— perguntou Maxim. Ainda estava sóbrio.

— Maxim, a Interpol está investigando a região onde temos aquele negócio.

— Hum... E daí?

— Estão investigando o uso de trabalho infantil escravo.

Assustado pela informação, Maxim cuspiu vodka no peito de Igor.

— Ei, cara, preste atenção!— gritou Igor com a camisa encharcada de vodka.

— Desculpe.— disse Maxim saindo precipitadamente do local. Voltou um minuto depois.— Tome. Vá se enxugar. Pode pegar uma das minhas camisas emprestada.— terminou jogando uma toalha para Igor.

— Maxim, sou vinte centímetros mais alto que você. Uma camisa sua nunca me serviria.

— É verdade.— riu Maxim.— Vamos lavar.— decidiu pegando a camisa de Igor, que estava jogada no encosto de uma cadeira e marchando para a lavanderia. Igor bem que tentou impedir, mas quando alcançou Maxim, este já havia mergulhado a roupa na água. Esfregou a camisa de Igor de qualquer jeito e pendurou-a no varal. O dia estava quente e seco o que na certa faria a camisa secar-se rapidamente.

Enquanto isso, Maxim convidou Igor para irem assistir televisão. O filme pornô húngaro que Maxim assistia.

As cenas que se seguiram foram um tanto quanto embaraçosas. Igor, na sala de Maxim, sem camisa, sentado no sofá ao lado do proprietário da casa, enquanto assistiam a uma produção pornô húngara que chegava a Maxim, como diversas outras coisas, por vias extremamente duvidosas. Mas o que tornava a cana constrangedora não era a procedência do filme, e sim a cena em si. Dois homens, um deles sem camisa, bebendo vodka, assistindo a um filme pornô e sem entender uma única palavra dita pelos “atores”, se é que “roteiro” seja algo necessário nesse tipo de filme. Duas horas se passaram. A dupla viu mais um filme nesse período, pois o que rolava quando Igor chegou já estava acabando, e, então, foram para a lavanderia. Igor pegou sua camisa e viu que já estava seca e vestiu-a. despediu-se de Maxim e foi embora antes que acontecesse mais alguma coisa.

Após a saída de Igor, Maxim sentou-se no sofá preocupado. Toda aquela história de investigação do trabalho infantil em área onde tinha negócios. Garantiu para si mesmo que aquilo não resultaria em nada, como sempre. Entornou mais uma dose de vodka, colocou outro DVD de pornô húngaro no aparelho e fumou mais um charuto.

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Em Lyon, duas semanas depois, Santeri e Thierry testavam diversas possibilidades dos possíveis componentes do pó. Várias substâncias químicas, todos os resultados foram negativos.

— Caramba, daria meu rim direito pra descobrir o que há nesse pó.— disse Thierry aborrecido com a falta de resultados.

— Você dá o rim direito, e eu dou o esquerdo e o fígado de bônus.— riu Santeri.— Vou ver com o agente que trouxe esse pó da China se ele sabe mais alguma coisa sobre o pó e não me contou.

Thierry levantou os olhos do tubo de ensaio que estava em suas mãos, encarando Santeri intrigado, interrompeu a adição de um reagente no tubo. Perguntou, pego de surpresa, cuspindo as palavras:

— China?

— Eu não te contei a história desse pó?— perguntou Santeri.

— Não. Não contou, não, Santeri.— Thierry parecia bravo. Sentou-se em uma cadeira, cruzou os braços e esperou que Santeri lhe explicasse a história.

Santeri interrompeu a análise, contando a história até onde sabia e até onde ela havia se desenrolado. Alexander acabara de chegar. E isso afetou Santeri. A frieza do finlandês fora posta a prova por um garotinho de quase dois anos de idade que jazia inconsciente num leito do hospital da universidade de Lyon. Quando Santeri terminou a narrativa, Thierry estava de queixo caído.

— Eles usaram esse pó pra envenenar CRIANÇAS?— perguntou o bioquímico francês abobalhado.— Meu Deus! É cada uma que acontece nesse mundo que cada dia, eu me pergunto se pode piorar. O pior: pode sim e piora. Lei de Murphy.

— Isso é verdade.— riu Santeri. Por mais que contasse a história várias vezes, já a contara a Sofia e a Pierre, ainda se chocava com a frieza dos chineses envolvidos no caso.— Ah, o médico responsável pelo garoto disse ser seu irmão.

— Pierre? Legal! Mas ele não falou nada sobre o caso comigo. Ele sabe dessa maluquice toda?— perguntou Thierry franzindo o cenho. Ele e Pierre não escondiam NADA um do outro. Os dois irmãos eram muito próximos, tal como Santeri era dos seus, embora eles (Heikki e Kimi) vivessem em Helsinque com seus pais (Markos e Paula)

— Sabe. Só não te contou porque ele ficou sabendo do caso há apenas três horas. Ainda não deu tempo.

Thierry estava confuso. Um tanto ressentido por Santeri ter-lhe ocultado a história, porém sabia que a intenção do finlandês era poupá-lo daquela barbaridade. E imaginou como Santeri estava atordoado com a história. Por mais frio que o finlandês fosse, era impossível não se chocar com tais atos. E Santeri, para completar, tinha a guarda do menino.

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Sofia, enquanto isso, estava na Interpol, falando sobre Alexander com os colegas. Chamava o garoto de Alex o tempo inteiro. Ainda falava sobre o menino quando Carlson a chamou.

— Onde está Santeri?— perguntou-lhe o americano.

— Foi pro laboratório analisar aquele pó.— disse Sofia.

— Ah, sim. Agora, gostaria de saber mais sobre aquele garoto.— disse Carlson levando Sofia para sua sala.

Lá, Sofia começou “técnica” repetindo o que Pierre lhe dissera sobre a condição dele, e também, que precisavam fazer mais exames para fechar um diagnóstico do que o menino sofria e definir seu tratamento. E que isso tudo dependia da descoberta dos componentes do pó por Santeri e Thierry. De repente, desmoronou. Disse a Carlson que Alex era lindo, parecido com Santeri e que ela já não mais conseguia se imaginar sem ele.

— Sofia, acalme-se.— disse Carlson.— Compreendo o que está acontecendo. Vocês dois estão enxergando nessa criança o filho que tanto desejam ter. O governo francês está em contato com o governo russo. Talvez ele não fique aqui por muito tempo. Mas, tudo ainda tem uma aura de mistério, ou melhor, de incerteza. Pode ser que no fim vocês consigam adotá-lo, mas primeiro, esperem a situação se resolver.

— Tudo bem, Carlson.— disse Sofia, enxugando as lágrimas.— Quanto à adoção, não sei se o San está disposto a isso.

— Tudo a seu tempo, Sofia. Dê tempo ao tempo.— disse Carlson ostentando um sorrisinho e encerrando a conversa.

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Sofia saiu da sala de Carlson e voltou ao hospital. Encontrou-se com Pierre que lhe disse que os primeiros exames de sangue feitos não tiveram resultados conclusivos. Mas fariam novos exames, com métodos diferentes. E, também, que os eletrodos na cabeça de Alex tinham sinal estável, garantindo, um menor risco de lesões cerebrais.

— Ironicamente, agora, precisamos de um “Doutor House” de verdade.— concluiu Pierre.

— Vocês vão descobrir o que aconteceu com ele.— disse Sofia.

— É isso. Tomara. Deus te ouça.— disse Pierre, saindo do quarto de Alexander.— Volto outra hora.

Após isso, Sofia aproximou-se do leito do menino, beijou-o e ficou acariciando o rostinho dele.

— Te amo, coisinha linda.— dizia para o menino.

Já estava lá havia quase uma hora, quando Santeri voltou. Estivera no laboratório por horas. O finlandês se aproximou da cama de Alex, beijou-o e, para a surpresa de Sofia, disse ao garoto:

— O papai chegou, Alex.

— Como é que é, San? Papai?

— É, So. Sinto-me o pai desse menino, além do quê, nossos nomes são parecidos. E ele também é parecido comigo, segundo você.

— Nomes parecidos? Como assim?

— Santeri, é versão reduzida de Aleksanteri, Alexander em finlandês.— explicou o próprio.

— Ah, interessante!

O casal, então voltou suas atenções para o menino. Santeri pegou uma das mãozinhas dele e, examinando os dedinhos, dizia:

— Olha que delicadeza, que coisinha mais linda que é o meu moleque!

— Ele é lindo mesmo, San.

— É, você tem razão, So. NOSSO FILHO é lindo.

— É... Nosso filho. Querido, a mamãe te ama, viu?— disse Sofia finalmente tomando coragem de se dizer mãe do garoto.

O casal continuaria se dividindo entre Interpol, hospital e o laboratório (esse apenas para Santeri) por vários meses. Mas não era só isso que estava mudando na vida do casal.

A proximidade com Pierre transformou-se em amizade, e ele foi o responsável por alertar Sofia de um importante acontecimento na vida dela.