Eram quase quatro horas da tarde do dia 24 de julho em Lyon, França, quando um voo vindo de Hong Kong aterrissou e taxiou na pista do aeroporto local. A bela cidade francesa tinha um final de tarde agradável de verão.

No aeroporto da cidade, Brian e Jonathan desembarcaram do avião iniciando uma verdadeira corrida contra o tempo. Liberados pelos fiscais, pegaram suas mochilas, Jonathan não deixou de dar mais uma olhadinha no conteúdo da sua, o que irritou Brian.

— O que você tanto olha aí, cara? Está me dando nervoso.— reclamou o agente californiano.

— Nada demais.— desconversou Jonathan enquanto ambos corriam atrás de um táxi.

Já dentro do veículo pediram ao motorista.

— Interpol, por favor. Ah, e o mais rápido que o senhor puder ir.— disse Brian.

— Ok.— concordou o motorista freando na frente do prédio da Interpol as quinze pra cinco da tarde.— São vinte euros.— comunicou.

Brian catou duas notas de dez euros da carteira e entregou ao motorista.

— Obrigado.— disse o agente.

— Eu é que agradeço.— disse o motorista.

— Depois eu te pago, Brian.— disse Jonathan.

— Esquenta não.— desconversou Brian.

A dupla saiu apressadamente do táxi, e entrou correndo no prédio da instituição de insígnias em punho. Correram até o setor onde trabalhavam. Estavam sem fôlego quando se viram diante das portas da sala de Ho Wang, chefe de ambos. Um chinês de cinquenta e quatro anos natural de Pequim. Bateram à porta, mas não esperaram o “entre” de Wang. Já abriram e entraram.

— Boa tarde, rapazes! O que trouxeram?— perguntou Wang feliz e surpreso com o aparecimento repentino da dupla, seus dois únicos agentes, após a exoneração de três, aposentadoria de um e transferência de outro para o setor de combate a crimes eletrônicos. Mandara-os, havia dois meses, para a região do triângulo dourado, ou triângulo do ópio para investigar a exploração de mão-de-obra escrava na região, não apenas na produção de ópio, mas também em atividades aparentemente lícitas.

— O senhor não vai acreditar Wang.— disse Jonathan agitado.— Não mesmo.

— Sério; Sullivan? Sanders, o que tem a dizer?— perguntou Wang.

— O mesmo que o Johnny, Wang. Por mais que nos tenhamos preparado psicologicamente para vermos as piores atrocidades do mundo, o que vimos foi chocante. Tem um punhado de fotos aqui.— disse Brian entregando o cartão de memória a Wang.

Wang assustou-se com as palavras de Brian. Pegou o cartão da mão do agente, colocou-o no slot do computador e começou a ver os arquivos. Entendeu o que Brian dissera ao ver as fotos desoladoras que o americano tirara na pedreira. Até que chegou na parte em que estavam as fotos das crianças mortas e da vala. Ajeitou-se na cadeira e perguntou aos agentes, totalmente surpreso:

— Quando e como aconteceu isso?

— Ontem à tarde. Elas comeram arroz misturado com um pó cinza, não sei o que era aquilo.— disse Brian.

— Pó cinza?— perguntou Wang incrédulo.

— Isso, esse pó aqui.— disse Jonathan finalmente retirando o vidro da mochila.

— Johnny, como é que você...— começou Brian finalmente entendendo o porquê de Jonathan toda hora olhar dentro da mochila. Mas foi interrompido pelo próprio Jonathan:

— Eu estava na sala do Li Zhou quando esse sujeito aqui chegou com uma caixa com vários desses potes.— confessou Jonathan mostrando a foto que tirara do sujeito do pó no celular.

Wang voltou a olhar para as fotos do computador, e depois, novamente para o pote que Jonathan contrabandeara da pedreira para Lyon. Como a companhia aérea não percebera? Olhou de novo para as fotos. Fechou os arquivos, retirou o cartão do slot, pegou o pote com o pó levantou-se e disse a seus subordinados:

— Venham comigo.

E saiu de sua sala.

Jonathan e Brian apenas se entreolharam e seguiram Wang. Logo, estavam no setor de narcóticos. Entraram na sala onde os seis agentes do setor conversavam sobre as atividades de um produtor de ópio na mesma região onde Brian e Jonathan estavam 48 horas antes. Wang pegou sua identificação e mostrou-a a um dos agentes, alto loiro de olhos azuis aparentando ter 40 anos.

— Com licença, onde é a sala do Carlson? Sou Ho Wang, do setor de tráfico e exploração humana e tenho algo que pode interessá-lo.— disse o próprio Wang.

— Ok. É a segunda porta à direita nesse corredor.— respondeu o agente abordado dando um leve sorriso. Um finlandês chamado Santeri Korhonen.

— Certo. Muito obrigado.— agradeceu Wang curvando ligeiramente o tronco e logo depois entrando com os dois agentes no tal corredor.

Santeri e seus colegas, o francês Jean Laffite, o alemão Nikolas August Schweizer, o brasileiro Renato Almeida e os italianos Dario Fraschetti e Sofia Rossini, esta casada com Santeri, ficaram observando Wang e seus dois subordinados sumirem pelo corredor. Quando o trio sumiu do campo de visão dos agentes, Dario perguntou:

— O que será que eles querem mostrar pro Carlson?

— Sei lá. Talvez falar pra ele que traficantes de drogas usam mão-de-obra escrava e exploram outros na produção e distribuição de drogas, como se isso fosse uma grande novidade.— disse Santeri sarcástico.

Os demais riram e Nikolas, um sarcástico de nascença, disse:

— Dá licença, Santeri, mas EU sou o sarcástico da turma.

— Ah, é?— provocou Santeri empurrando levemente o alemão. O grau de amizade entre o sexteto aumentara muito nos últimos três anos, depois que desbarataram a quadrilha de traficantes de cocaína liderada pelo escocês Peter Mackintosh, que se suicidara na cadeia pouco depois de ser preso. Desde então não tinham um grande caso em mãos.

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Alheio às brincadeiras dos agentes de Carlson, Wang e seus dois únicos agentes seguiram pelo corredor até a segunda porta, uma caminhada de mais ou menos cinco metros. Wang bateu à porta.

— Entre.— disse Carlson. O chinês acatou a ordem e seus dois agentes acompanharam.— Wang! O que o traz aqui?

— Bem, Carlson, meus agentes estavam no Triângulo Dourado quando se depararam com algumas cenas que, talvez, valha a pena você ver.

— Ah, sim. E... Quem são os rapazes?— perguntou Carlson.

— Opa, me esqueci. Brian James Sanders e Jonathan Christopher Sullivan. Foram eles que viram e fotografaram as cenas gravadas neste cartão de memória.— disse Wang estendendo a mão com o cartão de memória para seu colega.

— Ok, vamos ver.— disse Carlson pegando o cartão de memória das mãos de Wang. Colocou-o no slot do computador e logo estava revoltado e triste com o que vira.— Como puderam fazer isso?— perguntou a Wang, que só levantou os ombros.— Como essas crianças morreram?

— Poucas horas antes de falecerem elas consumiram arroz com ESTE pó.— respondeu Wang empurrando o pote contrabandeado por Jonathan para mais perto de Carlson.

O chefe do setor de narcotráfico olhou para o pote e outra vez para as fotos. Digitou um comando no computador. Logo em seguida na sala dos agentes...

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— Santeri, mensagem do Carlson no computador.— avisou Renato interrompendo a “briga” de Santeri com Nikolas.

— Ele está me chamando lá na sala dele.— disse Santeri ao ler a mensagem.— A gente termina a briga depois, Schweizer.— terminou dando um leve empurrão em Nikolas, que esperou o finlandês sair da sala para virar-se para a mulher dele e soltar mais uma:

— Você dormiu de calça jeans essa noite, Sofia?

Risada geral.

— Isso não te interessa, Nik.— disse Sofia gargalhando. O alemão de fato sabia atrapalhar a concentração de seus colegas.

— Não tinha outra coisa pra perguntar não, Nik? Você solta cada uma meu caro, que dá vergonha.— disse Renato.

— Eu sei que exagero de vez em quando, mas essa eu não consegui segurar...

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Na sala de Carlson, Wang não resistiu e perguntou ao colega:

— Desculpe aí, mas o que você fez?

— Chamei um de meus agentes, doutor em toxicologia para ver essas fotos e o pó. Ele deve ter alguma ideia do que seja.— respondeu Carlson.

— Ah, ótimo.

Logo, escutaram três batidas na porta.

— Korhonen, pode entrar.— autorizou Carlson, supondo ser o agente chamado quem batia.

— Pois não, Carlson, por que me chamou?— era Santeri. O agente parecia preocupado.

— Korhonen, venha aqui. Já viu isto alguma vez na sua vida?— perguntou Carlson apontando para o pote com o pó.

Santeri franziu o cenho e se aproximou da mesa do chefe. Abriu o pote manuseou o pó, cheirou-o e colocou uma ínfima quantidade na língua. O que deixou Brian apavorado.

— Nunca vi isso na minha vida.— disse Santeri, chateado.— Onde foi que arrumaram isso?

— Lá no Triângulo Dourado. Deram isso para algumas crianças comerem junto com arroz e... Elas faleceram duas horas depois. Bem na minha frente.— respondeu Brian.

— Sei que parece cruel, mas poderia descrever o processo de morte delas agente...— pediu Santeri.

— Brian James Sanders, prazer.

— Prazer, Santeri Korhonen.

— Jonathan Christopher Sullivan, mas pode me chamar de Johnny.

— Prazer.— disse Santeri com um sorrisinho no rosto.— Sanders, voltando ao assunto, poderia me descrever como foi que as crianças morreram?

— Ah, claro, Korhonen. Elas começaram a sentir náuseas, vomitar, ter convulsões e, por fim, perderam a consciência e faleceram.— disse Brian com as cenas ainda vivas na mente.— Ah, apareceram manchas arroxeadas e esverdeadas no corpo delas, durante o processo, sem grandes explicações.

— Essas manchas poderiam ser fruto de violência física.— supôs Santeri.

— Não. Apesar da situação deplorável do lugar elas não eram fisicamente agredidas. Ah, nos dez dias em que fiquei lá, elas só foram alimentadas uma vez. Nesse dia. Acho que elas não precisavam apanhar pra sofrer lá...— disse Brian.

— Veja as fotos, Korhonen.— sugeriu Wang apontando para o computador.

— Ah, é. Bem lembrado.— disse Santeri contornando a mesa do chefe para ficar de frente ao monitor. Ao ver aquelas crianças vivendo em condições sub-humanas, sentiu um aperto no peito. Ele e Sofia, casados há três anos, tentavam ter um filho praticamente desde antes do casamento e não haviam conseguido nada ainda. Uma daquelas crianças poderia ser a filha do casal. Controlando a revolta, concluiu o raciocínio.— Pelo o que vocês descreveram, essas lesões na pele já devem ser resultado de necrose dos tecidos. Talvez reação do corpo a algum componente desse pó.— disse e logo uma linha de raciocínio bioquímica começou a se fazer.— Bom, talvez esse pó, reagindo com o amido do arroz, no meio ácido do estômago humano, tenha produzido uma neurotoxina, o que provocou as convulsões e a perda de consciência. Resíduos dessa reação também caíram na corrente sanguínea e necrosaram o tecido. Isso explica também as manchas. Já quanto ao óbito, ou a neurotoxina atacou o centro de controle do cérebro ou os resíduos atacaram o miocárdio ou as duas coisas, por que não?

Enquanto Santeri falava, aparentemente pensando alto, Carlson, Wang, Brian e Jonathan se entreolhavam sem entender nada, mas não ousavam interromper o pensamento do finlandês. Até que quando Santeri finalmente parou de falar, Brian pediu-lhe, bem sem-graça:

— Korhonen, você poderia traduzir pra gente o que acabou de falar?

— Desculpem, me empolguei... É o seguinte: Quando essas crianças comeram o arroz com o pó, eles podem ter reagido com o ácido do estômago produzindo uma substância que ataca as células nervosas daí porque elas tiveram convulsões. E, como toda reação deixa resíduos dos reagentes, eles entraram na corrente sanguínea e mataram as células, inclusive as do tecido cardíaco. O que explicaria o óbito, mas pra termos certeza disso, precisaríamos fazer uma necropsia em uma delas.

— Ah, sim.— disse Jonathan impressionado com a precisão e frieza do relato do finlandês.

— A parte da autópsia vai ser difícil.— disse Brian. Finalmente, toda aquela loucura acontecida na China fazia algum sentido, ao menos quimicamente.

— Tudo bem. Ah, Carlson, poderia contatar o laboratório de toxicologia da polícia aqui? Quero analisar esse pó.

— Tem, claro, já vou providenciar.— disse Carlson.

— Desculpe por não poder ajudá-los.— disse Santeri, chateado.

— Você já ajudou muito. E, com a análise do pó, se o laboratório for cedido, o que eu acredito que vai acontecer, você descobre, Korhonen. Ah, obrigado pela ajuda.— agradeceu Wang saindo, depois da sala com Brian e Jonathan.

— Pode voltar para sua sala, Korhonen.— dispensou-o Carlson ao ficarem sozinhos.

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Quando Santeri voltou para a sala, o clima de brincadeira fora enterrado. O mesmo Nikolas que estava brincando com ele falava sério agora sobre a investigação que faziam:

— Esse cara é um dos maiores fornecedores de Victor Lupescu, o Agulha. Pena que com o fim da Rede Fiorella ele não tenha aparecido por aqui mais.

— É verdade. A morte de Mackintosh, três anos atrás, destruiu a rede. Ninguém fala mais neles.— disse Jean.

— É que os dois que sobraram estão presos.— disse Dario referindo-se a Lars Van Gogh e Pablo Ortega, ambos cumprindo suas penas no presídio de Lyon por tráfico de entorpecentes.

— Oi, pessoal.— disse Santeri querendo avisar que já estava de volta.— Algo novo?

— Nada. Esse birmanês de nome esquisito é fornecedor de heroína de meio mundo de traficantes em dezenas de países, mas ainda não sabemos como interceptar a rota. Ah, um dos traficantes que recebe droga dele é Victor Lupescu, também integrante da extinta Rede Fiorella de Cocaína. Faz um tempão, segundo o Nik, que ele não dá as caras aqui em Lyon.— disse Renato.

— Pra trazer heroína pra cá, Lupescu usava a Rede Fiorella, que, como todos já sabemos, foi destruída com a prisão de Mackintosh.— disse Santeri sem vontade de contar a seus colegas o que vira na sala de Carlson. Aquilo o perturbara. Passou o resto do tempo quieto deixando o raciocínio pesado da investigação para seus colegas. Sentou-se ao lado de Sofia e ficou segurando a mão da italiana. Talvez ela soubesse do caso da equipe de Wang, mas em casa, não na Interpol.

— Para sermos mais exatos, a última aparição deles em território francês foi na época da morte da Catalina Tomescu, há mais de três anos.— disse Nikolas.

— Verdade.— disse Dario.— Depois disso Marius Dragulescu e Victor Lupescu nunca mais apareceram aqui.

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Os agentes continuaram discutindo o caso. Vários caminhos foram traçados, mas não muito produtivos. Como no caso anterior, necessitariam, e muito, da ajuda do acaso. E a ínfima participação de Santeri deixou os agentes preocupados. E, em casa, Sofia não deixou o assunto passar batido:

— O que foi que o Carlson queria com você, querido? Você voltou de lá tão estranho...

— Coisas horríveis. Uma pedreira na China usa trabalho escravo infantil e depois de algumas semanas, mata as crianças envenenadas com um pó cinza.

— Caramba, horrível mesmo.— disse Sofia passando a mão no ombro de Santeri.— Mas não foi só isso, não?

— Pior que não. Sanders, um dos agentes que estava lá tirou inúmeras fotos das crianças trabalhando e principalmente delas mortas. Fiquei pensando no... Filho que queremos ter, So, foi difícil não pensar nisso vendo aquelas imagens de crianças de cinco anos naquele estado. Dezenas de crianças mortas por nada. Isso acabou comigo.— disse Santeri visivelmente deprimido.

— Tudo bem, San, vem cá.— disse Sofia abraçando o marido.— Sinto muito pelo o que viu. E, acredito que logo teremos nosso bebê. Só precisamos de um pouco mais de paciência.

— É. E a minha já está se esgotando. Já tem mais de três anos. E... Vamos tentar essa noite de novo?

— Claro, por que não?— disse Sofia beijando Santeri.

No dia seguinte, ambos acordaram ainda pensando na história da pedreira chinesa e no sofrimento daquelas crianças... E Sofia ainda havia sonhado com um menininho loirinho como Santeri dormindo em uma cama com ela sentada ao lado, velando-lhe o sono. Nem imaginava o que se desdobraria nos próximos meses...

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Dois dias depois da volta dos agentes de Wang, de Carlson e Santeri verem toda aquela carnificina, o americano chamou o finlandês para sua sala. Tinha um papel timbrado da polícia judiciária francesa em mãos.

— O que houve, Carlson?— perguntou Santeri ao atender a solicitação.

— Chegou a resposta do laboratório. Como sempre, a polícia colaborará. Mas, dessa vez o chefe do laboratório irá auxiliá-lo pessoalmente na análise.

— O chefe irá me ajudar pessoalmente? Normalmente ele enfiaria um estagiário pra fazer isso.— estranhou Santeri. Apesar da distância temporal, lembrou-se do então estagiário da polícia francesa, Thierry, que o ajudara na análise da cocaína extraída do estômago de nigerianos mortos em Madrid. Agora, depois de três anos, ele já estaria formado e decerto, atuando em outra área.

— Ah, Santeri, sente-se aqui.— pediu Carlson. Santeri obedeceu-o.

— O que o senhor quer, Carlson?

— Conversar um pouco. Anteontem, quando vimos aquelas fotos que os agentes de Wang trouxeram, você, ao voltar para a sua sala estava um pouco, como eu diria, abatido. As fotos te chocaram?

— E teria como não chocar, Carlson? Ainda mais ultimamente... Em casa... Sofia e eu só pensamos em crianças, no filho que talvez um dia, teremos. E... Ver dezenas de crianças mortas mexeu comigo.

— Compreendo. Imaginou que poderia ser o pai de uma delas?— perguntou Carlson.

— Mais ou menos.

— Certo. Agora, tente esquecer aquelas imagens.

— Vou tentar.

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Depois dessa, Santeri voltou à sua sala. Seus colegas ainda tentavam decifrar a complicada rede da heroína Birmanesa. Passaram o resto do dia absortos na investigação. Exceto Santeri, em cuja mente repetidamente passava as fotos tiradas por Brian James Sanders. As imagens já pareciam ter se impregnado em sua cabeça. Passados alguns minutos, voltou à sala de Carlson:

— Carlson, não estou conseguindo. Quando eu menos espero lá estão elas de novo aparecendo na minha cabeça.

— Falou com seus colegas sobre as imagens?

— Não. Só com a Sofia, lá em casa.

Carlson pensou se valeria à pena ou não contar aos seus demais subordinados sobre o caso da equipe de Wang. Inicialmente, decidiu que não.

— Ok, tudo bem. Mantenha essa história sob sigilo, por enquanto. Você só está a par dela por ser toxicologista. Se precisarmos dos serviços dos demais agentes aí sim eles saberão. Tudo vai depender do que acontecerá nos próximos dias, semanas, meses...

— Tudo bem. Eu vou precisar de um calmante. Vou tomar um chá.— decidiu Santeri.

— Boa ideia. Tome um de camomila.— sugeriu Carlson.

— Sou toxicologista, Carlson.— riu Santeri saindo da sala do chefe e, ao passar pela sala onde trabalhava com os colegas, chamou pela mulher.— So, vem comigo. Quero conversar com você.

— Bem, pessoal, já volto.

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O casal foi para a cozinha da Interpol, lá, enquanto tomavam o chá, Santeri disse que não conseguia se livrar das imagens vistas dois dias antes na sala do chefe.

— Elas grudaram na minha cabeça. É eu me distrair que elas aparecem. São tão reais que dá até pra sentir o cheiro do lugar.

— Sei, deve ser difícil mesmo, querido.— comentou Sofia.— Nessas horas seria melhor se a nossa mente fosse como um computador. Com um simples comando daríamos sumiço no que não queremos mais nos lembrar.

— Se fosse simples assim, eu não estaria nesse estado.— rebateu Santeri.

— Ah, querido, tem uma coisa que eu me esqueci de te contar.— disse Sofia.

— O quê?

— Esta noite, sonhei com uma criança. Um menino loiro. Ele estava dormindo em uma cama e eu sentada ao lado dele.

— Sim. O que tem isso? Era um bebê de poucos meses ou já era uma criança maior.

— Grande, já. Acho que tinha uns três anos. Estava usando uma camiseta amarela. Só isso que eu lembro.

— Legal. Outra hora a gente conversa mais sobre isso.

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No dia seguinte, Santeri só passou na Interpol para pegar o pote com o pó e o ofício resposta da polícia francesa. Depois disso, foi para o laboratório. Carlson se encarregaria de explicar aos demais agentes o motivo de sua ausência.

Lá chegando, mostrou o ofício na recepção do laboratório. Santeri ficou conversando com um funcionário quando outro saiu de uma das salas, caminhou até o balcão onde Santeri estava e deu um leve tapa no ombro do finlandês.

— Thierry? Há quanto tempo, hein? Ainda aqui?— perguntou Santeri ao reconhecer o sujeito.

— Sim, claro. É a minha área.— disse Thierry.

— Legal. Ah, tem uma análise para eu fazer aqui, vou falar com o chefe se ele não deixa você me ajudar.— disse Santeri.

Thierry sorriu, balançou a cabeça e disse:

— Não vai ser preciso, Santeri. Eu sou o chefe do laboratório. Por isso escrevi aquilo no ofício. Reviver aqueles dias...

— Sério? Poxa, meus parabéns! Subiu rápido!— admirou-se Santeri.

— É...— disse Thierry, sem jeito.

— Bom, então vamos começar isso logo! Isso aqui vai nos dar muito trabalho.— decidiu Santeri.

— Vamos nessa. O que temos dessa vez?

— Isso aqui.— disse Santeri mostrando o pote com o pó.— Um pó cinza cuja ingestão provoca náuseas, vômito, convulsões, perda de consciência e, por fim, óbito de quem o ingere.

— Vai dar trabalho mesmo. Isso deve ser uma tremenda mistura de compostos químicos, alguns, talvez, até pouco conhecidos.

— Não tinha pensado nessa parte. Mas, ainda está disposto?

— Claro! Vamos descobrir a fórmula desse pó aí independentemente de quanto tempo gastemos.

Em seguida a dupla de bioquímicos entrou em uma das salas do laboratório. Thierry retirou um grosso livro da estante, e começou a pesquisar sobre sais orgânicos. Santeri tomou a liberdade de pesquisar na internet. Aquela seria a análise mais complicada que faria em toda sua vida profissional. Não tinha a menor ideia do que poderia compor aquele pó. Qualquer coisa poderia estar na composição. E, cada sintoma, uma reação do organismo a um diferente composto, isso sem contar que eles poderiam combinar entre si criando novos compostos. Pensando nisso, Santeri decidiu pesquisar por neurotoxinas.

Depois de duas horas, os dois voltaram a conversar:

— E aí, Alguma ideia?— perguntou Thierry.

— Nenhuma. Literalmente pode haver QUALQUER COISA nesse pó. Vamos ter que ir por tentativa e erro, excluindo os resultados.

— É verdade. Se ao menos tivéssemos uma ideia do que tem nesse pó...

— Vamos pesquisar mais um pouco. Substâncias que reagem em meio ácido, provocando os sintomas.

— Boa, vamos nesse caminho.

— Beleza. Essa análise vai me tirar o sono.— disse Santeri.

No mais, o Finlandês estava tranquilo. A análise estava nas mãos de Thierry, um brilhante bioquímico. Ele deveria ter, no máximo três anos de formado e já chefiava o laboratório de toxicologia de Lyon. Prova cabal de sua enorme capacidade. Santeri, sabendo disso, ficou extremamente feliz, Thierry merecera o que acontecera com ele.

0 E a análise demoraria meses, de fato...