Fúria dos Deuses

Ah meu Zeus, ah meu Zeus, ah meu Zeus!


Meus olhos insistiam em não abrir. Talvez fosse só um mecanismo de defesa bobo do meu sistema nervoso, e eu não sabia se agradecia aquilo eu começava a me desesperar. Eu já tinha recuperado minha audição, mas parecia que eu estava usando um daqueles fones mal conectados, onde a voz fica distante e embaralhada. Eu sentia uma mão no meu braço, e o leve roçar da grama pelas minhas pernas. Forcei as pálpebras mais uma vez, e a grande imensidão negra foi sendo substituída por um doloroso clarão.

- Blair? – Ouvi um sussurro divertido e a mão que estava no meu braço passou para minha bochecha. O foco foi recuperado aos poucos, até que eu finalmente consegui ver os olhos de Chuck e suas feições familiares de novo. Passei o olhar por cada uma das linhas angulosas do seu rosto, mas parei naqueles olhos novamente. Estavam claros, cristalinos. Ele mantinha um sorriso no rosto quando eu me mexi, percebendo que não estávamos no campo de morangos. Estávamos na floresta. Ele estava sentado sobre os pés, ajoelhado. Minha cabeça pousava nas suas pernas. Pisquei, me sentando em um solavanco.

- O que estamos fazendo aqui? – Sibilei confusa, enquanto olhava para os lados.

- Você desmaiou quando me viu. – Ele disse, com aquela droga de sorriso maroto nos lábios. – Então, como eu não quero ser visto por ninguém do acampamento, arrastei seu corpo até a floresta para te estuprar. – Franzi o cenho e entreabri a boca, então ele deu de ombros, e eu percebia que tinha dificuldades para não rir. – Vamos, confesse que era essa a explicação que você esperava ouvir.

- Não, na verdade eu esperava era “Ah, eu sou um idiota traidor e estava louco para te dar um ataque cardíaco. Quase funcionou, mas ai você acordou enquanto eu carregava seu cadáver para Cronos cortar sua cabeça”. – Esperei ele perder o bom humor, mas não aconteceu. Ele continuou sorrindo.

- Também seria uma explicação razoável.

- Falando sério, por que você veio até aqui? – Então ambos nos levantamos. O clima, antes de divertimento e alfinetadas havia ficado para trás, dando lugar a uma palpável tensão.

- Como eu disse antes de você desmaiar, eu preciso falar com você. – Argh. É tão difícil ignorar aquilo no meu estomago enquanto ele sorri assim.

- A menos que você diga que largou Cronos não temos nada pra conversar. – As palavras saiam da minha boca freneticamente.

- Bem, pelo que eu escutei no campo de morangos, acho que devo discordar. – E lá estava de novo. O Chuck divertido e sarcástico, que me fazia lembrar aqueles bons momentos e me esquecer dos maus.

- O fato de eu sentir sua falta com todas as forças da minha existência não muda a realidade. – Me peguei dizendo antes que pudesse conter. Ele ficou sério e suspirou, dando a entender que eu realmente não estava facilitando as coisas.

- Pode pelo menos me escutar? – Meus olhos marejaram. Eu não queria escutar, eu não podia! Sequer havia destampado Contracorrente, e estava sozinha na floresta com um grande espadachim que trabalhava para alguém que queria me matar. Sou neta de Atena, eu deveria ser mais racional que isso.

- Você deveria ir embora. Agora. – Falei de uma forma firme, completamente diferente de como eu me sentia.

- Eu também sinto sua falta. – Ele sussurrou, olhando para a grama. Meu coração se encheu de alegria, enquanto eu cérebro via uma ótima oportunidade de trazer ele para o lado certo de novo.

- Então volte para o acampamento. Seu pai está tão triste, tão arrependido. Eu passo minhas noites falando com ele, em um monólogo doloroso. Acho que Quíron está achando que eu enlouqueci. – Ele maneava a cabeça veemente, enquanto mordia o lábio inferior.

- Blair, você já perdeu alguém que amava muito? – Você! Eu perdi você!

- Não. – Murmurei.

- Eu perdi a única pessoa do universo que me compreendia por causa do meu próprio pai, que jamais levantou um dedo a meu favor. Você não sente que está tudo errado? Que alguém pode fazer melhor?

- Eu te entendo, Chuck. Não quer dizer que eu concorde, mas eu entendo. E você também deve aceitar que isso não é certo. Nós não deveríamos estar aqui, não deveríamos estar conversando.

- Você deveria parar de pensar. Sabe o quando é irritante? - Então ele se aproximou de mim em dois passos e me beijou, sem aviso prévio. Eu queria poder me afastar, mas não conseguia. Era magnético, surreal. Nossos lábios se moviam em sincronia, enquanto minha mão apertava seus cabelos, e trazendo mais para mim. Ele segurava minha cintura com força, juntando nossos corpos. E pronto. A lógica havia sumido. Eu só queria continuar ali, nos braços dele, sem me preocupar com o resto do mundo, com o que vai acontecer pela manhã.

Nós havíamos nos separado pela falta de ar, e nenhum de nós se atrevia a quebrar o silêncio. Eu encarava o céu, e ele a grama. Estava tentando pensar, mas os pontos de raciocínio fugiam como ratinhos assustados, o que me rendeu uma bela dor de cabeça.

- E agora? - Eu perguntei. Ele sorriu, mas não parecia feliz.

- Eu tenho que voltar. - Suspirei.

- Sei disso. - Nós nos olhamos, enquanto todas as árvores a nossa volta eram testemunhas do meu fracasso. Torcia para que as dríades estivessem dormindo.

- Queria que você ficasse longe de mim durante batalhas. Eu não quero lhe machucar.

- Você me deixou para morrer. - Falei com toda a magoa que me corroía. Ele me encarou. Seus olhos continuavam claros, mas sua íris começava a escurecer.

- Quando eu escolhi Cronos, fiz isso por achar que nada nesse mundo me preocupava. Que nada aqui podia me manter são. Quando eu deixei você e Cronos e ele disse que estaria tudo acabado, eu realmente queria que fosse verdade. Porque eu achava que se você se fosse, essa confusão, essa dor de cabeça, esse... enjoo, fosse passar. Mas quando eu estava longe, e pensei em você morta... eu senti a mesma coisa do que no dia em que eu perdi meu irmão. Um vazio, em dor irreparável. Eu não posso perder você. Porque seria o mesmo que perder uma parte de mim. Porque ainda tem algo nesse mundo que eu quero salvar. E é você. Quando tudo estiver desmoronando, eu vou te prender comigo. E nem me importa se você queria. Eu não quero você feliz, eu quero você comigo. Porque eu te amo. - Então tudo ficou embaçado. Provavelmente porque eu chorava como uma criança quando ele beijou meus lábios e secou uma lágrima que corria pelo meu rosto com o polegar. E eu fique parada, vendo ele se afastar.

Foi ai que eu percebi: eu estava tão ferrada, tão apaixonada, tão imbecil e tão machucada que não tinha mais volta. Aquilo era amor? Que droga de sentimento. Comecei a voltar para o acampamento, me sentindo culpada e ao mesmo tempo maravilhada. Ele me ama. E Cronos não pode mudar isso.