Inglaterra, 1861.

A residência dos Dashwood estava apinhada dos mais diversos tipos de cavalheiros e damas. Os membros mais respeitáveis (e alguns menos decorosos) das famílias tradicionais de Londres haviam comparecido naquele começo de temporada: desde as mocinhas recém apresentadas até as velhas senhoras; alguns rapazes novos (e logo cobiçados pelo olhar atento das mães de senhoritas) e outros conhecidos; vários casais e alguns políticos.

Carole Adler, filha de Richard e Pollyanna Adler, participava da sociedade pelo terceiro ano consecutivo. Fora apresentada aos dezesseis e, desde então, esperava pacientemente pelo homem que a cortejaria e faria dela esposa.

Bem, esperar não era exatamente a palavra correta. Tentava ao máximo não escandalizar a mãe, mas a ideia de um casamento em tão tenra idade! E o pior: com um rapaz a quem nem conhecia. Um homem que poderia maltratá-la pelo resto de seus dias!

Enquanto andava com sua amiga e confidente, Britany Jenkins, pelo salão, Carole se perguntava se era por isso que não conseguia manter sua língua ferina dentro da boca.

Os rapazes, diziam-lhe sua mãe e seu pai, apreciavam as moças recatadas e ingênuas, mesmo que não o fossem na realidade. Era o jogo de palavras e olhares que os prendiam à teia e o orgulho de uma esposa digna os faria enrolarem-se com prazer na armadilha.

Balançou a cabeça, dissipando aquela comparação infeliz. Teia? Pois eram os homens insetos indefesos e ela, uma aranha ardilosa? Não, não. Por todo seu coração inglês, poderia jurar que a prisioneira era ela. Os homens deixavam que as mulheres pensassem ter o controle sobre todo o processo do matrimônio, quando o assunto só dizia respeito ao pai da moça e ao pretendente. Ao se casar, ela descobriria, resignada, o mau negócio a que todas suas semelhantes eram submetidas.

Novamente balançou a cabeça.

– Carole? - Chamou Britany, estranhando seu comportamento distante. - Está bem? Tem balançado a cabeça nos últimos quinze minutos!

A Srta. Adler sorriu penalizada.

– Desculpe, Britany. Estou um tanto distraída hoje. - Bebeu um pouco do ponche de seu copo. - Vejamos: quantos homens poderei importunar e afastar de nós duas?

A amiga sorriu incrédula. Carole poderia não ser a mais bonita das moças, mas era dona uma impetuosidade que ela, considerada uma das mais belas, invejava.

Carole Adler possuía cerca de um metro e sessenta. Os cabelos lhe eram negros, embora o tempo passado ao sol lhes conferisse algumas mechas douradas aqui e acolá; possuía cílios densos e longos, olhos do mais profundo castanho, brilhantes e uniformes, e uma espécie de pinta no olho esquerdo que lhe conferia algum charme. Seu nariz era adunco, um pouco grande se analisado de perfil, e sua boca era muito fina, mesmo que o desenho lhe fosse perfeito. Usava um vestido de musselina azul, sua cor preferida, o saiote permitindo que se espalhasse ao seu redor como as águas de um lago: serenas, límpidas e traiçoeiras.

Britany era vinte centímetros mais alta que Carole. Seus cabelos tinham uma espécie de aloirado-sujo, acizentado, mas que somente realçava a seriedade de suas feições: olhos, cílios e nariz pequenos e delicados e os lábios cheios desenhados perfeitamente. Usava um vestido de seda rosa (embora odiasse a cor) que lhe ressaltava a pele muito alva.

– Quais são os principais assuntos da estação, Carole?

A moça deixou que um sentimento de prazer lhe tocasse a espinha. Adorava o conhecimento, as notícias, o mundo em si. A vivacidade era sua característica mais marcante.

– Não se fala em outra coisa, Brit: a guerra entre os americanos do norte e do sul.

A amiga pôs a mão na boca.

– Guerra na América?

– Sim, sim! - Disse-lhe Carole, um orgulho velado inflando-lhe o peito. - Irmãos contra irmãos. Tudo se dá devido a questões econômicas envolvendo a escravatura.

– Ah, sim - respondeu, embora não fizesse muita ideia de porque uma meia dúzia de escravos mereceria uma guerra.

– Os estados do Sul, denominados Confederados, separaram-se e declararam uma nova nação. Os ianques, do Norte, não aceitam: eis a guerra!

– E quem a mãe Inglaterra apoiará?

– Moralmente, acredito que o Sul. Nossas fábricas estarão em maus lençóis se o algodão não for vendido. Claro, poderemos comprar do Brasil e de algumas outras nações, mas nada se equipararia ao volume produzido pelos Estados Unidos ou, no caso, Confederados.

– Oh! - Espantou-se Britany. - Torço para essa guerra acabe logo: podem ter se separado de nós, mas ainda são descendentes de um mesmo povo honesto.

– Espero que esteja certa, querida, mas meu coração não pode evitar um mau pressentimento.

O assunto logo cansou a amiga, então Carole mudou de assunto. Falaram da moda, dos novos rapazes, da encantadora casa dos Dashwood e até mesmo do clima, assunto tão indispensável aos ingleses.

Um burburinho chamou-lhes a atenção:

– Gostaria de apresentar-lhes, recém-chegado da Prússia, o filho de um grande amigo: Maximilliam Ferrars.

Todos ficaram atônitos. O filho de John Ferrars? Era apenas um garoto quando o bravo pai fora reclamar a herança nas terras ameaçadoras a leste.

Quando o rapaz entrou na sala, um suspiro feminino tomou conta do salão.

Maximilliam era alto, muito alto: um metro e noventa. Seus cabelos eram lisos e claramente loiros. O rosto se parecia muito com o do pai, a autoridade presente em fronte, nariz e boca austeros. O fraque fazia com que ficasse ainda mais alto e sombrio.

O que as mulheres tanto admiravam e por que suspiravam eram, de fato, os olhos verdes do rapaz.

Alheia às impressões dos outros convidados, Carole não podia deixar de notar que o coração lhe dava pulos dentro do peito. Como Maximilliam conseguira deslumbrá-la quando nenhum mais o fizera?

Controlando-se, repetiu a si mesma durante aquela noite:

"É apenas um rosto bonito e nada mais."