Fragmentos

Pensamentos


“Ele vem jantar, ele vem jantar...ah, é apenas mais um jantar, ele vai chegar com aquela cara de quem precisa de ajuda, de quem quer desabafar e em um minuto vira tudo do avesso e vai embora...Eu não sei dizer não, eu nunca vou saber dizer não pra ele até o dia que ele não voltar mais...o que eu vou cozinhar? Deve ser especial pra ele, sempre.”

“Não, não dá tempo de sair e comprar nada, tenho que me virar ou ele vai chegar e estarei cozinhando ainda...Niko, foco, foco, foco. “

“Por que a gente nunca consegue entender o que falta pra alguém gostar da gente? Uma hora vai aparecer alguém pra ele e outro alguém pra mim também...Assim espero. Continuaremos bons amigos eu acho, mas eu nunca vou entender o que falta? Bom, se eu perguntar pra ele já sei até a resposta – ah criatura, não falta, sobra, olha seu tamanho!”. Um sorriso.

“Uma hora essa sensação vai passar, tem que passar...que outra opção eu tenho. Já tentei tantas vezes e ele sempre tem uma desculpa, nem quando eu disse que havia cortado o Eron de vez...”

“Foco, entrada; foco, prato principal; foco, sobremesa? Não!, melhor só um café, ele vai reclamar que só penso em doces...mas não é verdade...parcialmente verdade. Acho que é ele que me faz querer comer tanto açucar pra compensar o que falta e como faz falta...Espero que um dia alguém goste de mim assim desse tamanho, depois dos trinta fica muito mais difícil emagrecer. Mas até que eu achava que tinha emagrecido um pouco...aquela história de Coruja Gorda ainda não me saiu da cabeça...Até que eu pensava que eu não era de se jogar fora...”. Panelas e mais panelas

Eu deveria ter me cuidado antes...estava acomodado com o Eron...é, mas o Eron não engordou tanto assim...Só que até pouco tempo atrás eu achava que ia durar pra sempre...Anjinho...por que será que o Félix deu esse apelido pra ele?...Mesmo na cadeia por tanto tempo quando saiu parecia um modelo desfilando, imagina antes da cadeia então...melhor não pensar nisso. Só que eu penso e muito por sinal. Vai ser bonito assim lá longe do Félix...Será que ele foi mesmo pra Espanha? A Pilar não iria mentir pra mim...”. Campainha.

“Terminei tudo, mas não deu tempo de tomar banho...mais uma vez cheirando comida...”. Um suspiro. Tira o avental e vai buscar uma blusa pra disfarçar.

“Que diferença faz o banho ou não? Ele jantará e irá embora depois que brigarmos mesmo. Só espero não ser chamado de coruja gorda ou burro! Burro é ele que não me vê! Podia ser diferente, não podia? Eu não devo ter sorte no amor, tanto tempo com o Eron pra ser traído aqui em casa...e agora louco por alguém que só quer ser meu amigo...prometo que não vou mais ficar amigo de ninguém...não, não consigo prometer isso...agora tenho meus filhos, eles serão minha companhia.” Segue em direção a porta.

“O que será que ele pensa?”

– Flores!?!

“Preciso conversar com aquela criatura, preciso; não tem mais ninguém que eu queira desabafar que não seja ele...ontem ele disse que terminou com a lacraia...que ele espera que eu faça? Que eu faço? Eu queria tentar...mesmo...mas se não der certo não me sobra ninguém...quem vai querer minha companhia? Ele disse que queria conversar ontem...eu fugi...eu nem tive forças pra falar nada...sai pro jardim e fiquei lá.Ele foi embora...Burro!” Pega o celular no bolso.

Eu ainda fico diabético...porque ele ao menos não teve a dignidade de me dar um fora, ter um compromisso, qualquer coisa...Deixa eu me arrumar...não melhor não me arrumar...uma calça e camisa...”. Banho.

“Agora já é tarde pra desistir de ir, ele deve ter cozinhado aquelas coisas maravilhosas...vai cozinhar bem assim lá no Japão...pensando bem não, com aquele cabelo e aqueles olhos vai fazer muito sucesso por lá....Eu sei que ele quer, eu quero, mas não é justo, ele tem duas crianças lindas pra cuidar...eu joguei minha sobrinha no lixo e até pouco tempo atrás não sentia um pingo de remorso.”

“Ele é meu melhor amigo. Não, ele é meu único amigo, esse é o único motivo que eu não aceitei nada antes...Eu não quero perdê-lo...”

O carro para no farol.

– Flores, flores, bouquet a dez reais...vai aí moço?

O sinal abre.

– Mal-educado, por isso que está aí sozinho nesse carro!

“Onde eu estou com a cabeça? Deixa eu ir naquela floricultura perto do condomínio dele, ele merece muitas flores, flores lindas como ele. Como ele existe? Tudo seria tão diferente se ele existisse antes...não, não seria, eu faria de tudo para ele ser o meu carneirinho particular...ele não merece à vida que eu dei ao anjinho...ele merece alguém bom...só espero conseguir ajudá-lo a não encontrar alguém que o faça sofrer...eu não vou suportar...eu não sou o que ele merece, nunca serei...”

“Que eu estou dizendo? Deixa eu escolher as flores logo, não quero atrasar. Preciso tanto conversar com ele pra contar do meu dia...é um peso sem fim isso...meu pai, aquela Galine e se não fosse por mim, ah...Ele nunca reconhecerá isso, sempre vai achar que eu estou triunfando sobre a doença dele...”

“Essas são lindas, elegantes, como eu e principalmente,não são orquídeas...as últimas que levei quase quebrei na cabeça dele por causa da lacraia...”

“Eu devia ligar e dizer que tive um problema com meu pai e voltar pra casa. Ah, mas essas flores são tão lindas...ele deve ter cozinhado tanto...vou, conversamos e brigamos no final como sempre. Amanhã será um novo dia e ainda seremos amigos. Não existe isso de querer algo com o melhor amigo e se não der certo continua sendo a mesma coisa...Sempre muda. Sempre! Eu não quero que mude com ele...” Um sorriso ao se olhar no espelho pra ajeitar as sombrancelhas depois que para o carro na frente da casa.

– Flores!?!

“Acho que ele gostou...”

“Pra que essas flores? O que será que ele fez agora pra já vir trazendo flores? Ele vai pedir desculpas como sempre...”

“Até pra comer ele é tão elegante...espero que ele goste...ele vai desabafar...deixa eu me concentrar nele agora...eu preciso ajudá-lo...eu sempre vou...Nada, parece que não há problema, por que ele veio então?”

Após o jantar.

“Se ele deixasse eu o ensinaria o que é amar, como se o amor fosse uma lição...mas se fosse eu cuidaria dele...Deixa ele falar Niko, deixa, quem sabe?”

“Por que ele sempre me lembra do Anjinho? Por que ele sempre me lembra do corpo dele? Talvez seja pra me fazer perceber que eu não sou pra ele, que é elegante demais pra me dar um fora decente...Deixa eu recolher os pratos, não quero que ele veja que eu estou desapontado...o que eu estava esperando além das flores?...Você é tão bobo Niko, infelizmente ele tem razão...ele sempre tem razão...eu não vou mudar isso em mim. Coruja! O que eu podia esperar? Eu queria esperar tudo, acontece que não há nada agora...Talvez ele venha me dizer que vai pra Espanha...Ele não queria recomeçar em outro lugar?”

“Félix, Félix, ele não gosta do Anjinho...você sabe disso..não era isso o que ele queria ouvir, vai dizer que você não sabe?...Levanta...vai lá concertar o que você disse antes que ele te expulse daqui...ele não merece sofrer por isso...você havia dito pra Márcia que havia tomado uma decisão...Eu vou!”. Com um sorriso ele criou coragem e foi em direção à mesa pra continuar a conversa...

Ele quer ficar aqui...ele quer...será que eu bebi demais?

Ele sorriu de volta...agora não tem mais volta, eu preciso tanto, preciso dele. Espero que ele me aceite...

Um abraço, um beijo. O quarto. O sonho. A realidade.

Ah se eu soubesse que seria assim, como me faltou coragem, como me faltou? Logo eu tão seguro, tão decidido. Como eu não pude perceber isso? Ele é tudo.Eu sou nada. Eu poderia ficar aqui pra sempre e faltaria tempo pra deixá-lo mais e mais feliz. Eu nunca soube o que era ser amado de verdade, mas se alguém me perguntasse hoje como seria isso, seria o Carneirinho a resposta...Eu não o mereço. Agora eu entendo Pandora e a caixa, eu joguei a minha sobrinha fora e ainda assim recebo um anjo de volta. Deixa eu aproveitar essa noite, não vai durar muito tempo...Ele vai perceber que eu sou um erro, se nem meu pai gosta de mim como alguém poderia? Como o Niko poderia?’

Enquanto o abraçava, lembrava das palavras do poeta – que seja eterno enquanto dure.