Fragmentos

Enfim é Natal


– Sim…dia 24…ceia, não obrigado, é o primeiro Natal que eu vou passar com minha família em Angra...Posso recomendar alguém?

– Entendo, o senhor precisa de alguém para dividir a cozinha do restort com o chef titular em grandes eventos...Eu até tenho interesse...Podemos tentar algo a partir de janeiro?

– 500 pessoas...O senhor quer dizer?...Sim, eu entendi o valor...Pode me dar um minuto? Sim, eu entendi, preciso responder agora ou vocês tentarão trazer alguém do Rio...Posso escolher entre o Natal e Ano-Novo?...Não, o outro candidato já se comprometeu com o ano-novo?...Entendo...

“Que eu faço? É irrecusável...Se fosse o Félix, o que ele iria me dizer?”

“Carneirinho, o restaurante acabou de começar e o gasto foi grande pra abri-lo, qualquer dinheiro será bem vindo. Criatura, você ainda tem a casa para pagar em São Paulo. Vai lá que eu tomo conta das crianças e do meu pai. Pelas contas do rosário, Carneirinho, seja prático e aceita isso logo – Sim, esse seria o Félix me dizendo pra ir em frente porque é uma oportunidade única.”

– Sim, eu aceito...Podemos marcar semana que vem para eu conhecer a equipe e a cozinha? Entendi, precisamos fechar o cardápio e fornecedores até o início de dezembro...Pagamento semana que vem quando assinar o contrato e após a ceia, incluindo percentual sobre as gorjetas dos clientes. Sim, minha condição é continuar como responsável pelo meu restaurante e poder divulgá-lo na ceia... Ótimo!...Contrato fechado!

“Será que eu estou fazendo a coisa certa?”

Semanas depois, Félix está empolgadíssimo enfeitando a árvore de Natal com Jayminho, seu pai apenas observava aquela cena ao longe...já havia algum tempo que seu pai não reclamava das escolhas do filho o que já era um motivo de grande alívio. Nesse momento a única preocupação do moreno era montar aquela velha árvore de Natal da época de sua infância em Angra.

– Sim Jayminho, agora que você entrou de férias iremos para São Paulo passar o natal na casa da sua avó poderosa, minha mamy. Ela vai adorar nos ter de volta depois de tanto tempo sem irmos lá....Não que eu reclame de estarmos aqui em Angra, mas de vez em quando é bom voltar àquela selva de pedra. Você vai adorar ver as luzes de Natal...Que você quer de presente? Não, cuidado! Essas bolinhas quebram...

Aquele Natal era como se fosse o primeiro de uma vida inteira, uma vida nova para alguém que antes só conhecia o mal...No ano anterior fôra como um milagre Niko ir buscá-lo, ele nunca imaginou que depois de ser visto vendendo hot-dog na Vinte e Cinco de Março alguém poderia querê-lo além da Marcia. Havia tanta saudade dentro dele, após alguns meses em Angra o que ele mais queria era encontrar sua mãe e sua melhor amiga para compartilhar ao vivo os progressos com o pai. Talvez ainda não fossem amigos ou seu pai ainda fizesse questão de manter alguma distância de seu marido, mas no fundo Félix acreditava que o pai sabia que agora ele era feliz, como nunca havia sido antes.

Seus pensamentos foram interrompidos quando Jayminho gritou por seu primeiro pai que chegava do intervalo entre o almoço e jantar do restaurante, nos primeiros meses não era evidente, mas com a chegada das férias ou seja turistas na cidade, Niko trabalhava incansavelmente para firmar o restaurante como um dos lugares a serem frequentados por todos aqueles que passassem por Angra.

– Carnei.., Niko – ele ainda evitava grandes demonstrações de afeto com seu amado caso o pai estivesse presente – vem cá, olha a árvore que estamos montando o Jayminho e eu...Eu ainda não te falei, mas estava pensando em sairmos daqui por volta de vinte de dezembro para São Paulo para o Natal e o Ano-Novo, que você acha?

Naquele instante o loiro gelou, procastinar de alguma maneira era seu ponto fraco e ele sabia disso...Desde a época da fura-olho em que ele relutava em acionar a doutora Silvia por causa do Fabrício ele percebera que de alguma maneira algumas situações eram difíceis de serem resolvidas...Só se viu decidido quando o assunto era Félix...A partir do momento que começou a convidá-lo para dormir em sua casa. Enfim, melhor contar logo e talvez fosse bom que ele, as crianças e o sogro fossem para São Paulo enquanto ele trabalhava na noite de Natal. Félix entenderia:

– Eu não ouvi direito Carneirinho! Você está me dizendo que foi aceitou trabalhar na véspera de Natal!? – Entre falar alto e gritar havia uma linha muito difícil de destinguir quando Félix falava nesse tom de voz. O que lhe trouxe de volta a sua nova realidade foi o olhar surpreso de Jayminho que até aquele momento não estava prestando muita atenção na conversa.

– Filho, vamos pro banho que seu pai Félix vai levar o doutor César para tomar alguns remédios... – A conversa seria bem, bem mais tarde e não seria fácil como ele havia imaginado. Com aquela desculpa esfarrapada o que ele queria mesmo era tirar Jayminho do redemoinho antes que seu sogro fizesse algum comentário desagradável ou que Félix perdesse o eixo. Talvez quando ele soubesse do valor e o que a visibilidade de ser um dos responsáveis pela ceia do maior restort de Angra poderia trazer ao restaurante quem sabe ele entendesse...

“Que eu fui fazer? Não, ele não vai entender, ele vai me consumir dizendo para eu desistir de tudo porque ele vai querer voltar para São Paulo...Por que ele não me disse isso antes, há pelo menos dois meses...Agora é tarde, o sashimi já está fatiado.”

Naquela noite era o rato fugindo do gato ou seria o contrário. Ambos evitaram troca de olhares além dos comentários natalinos, se havia alguma coisa que ambos concordaram desde que se mudaram para Angra era que as crianças não deveria ver qualquer discussão dos dois...Agora, enfim, havia chegado a hora da primeira desavença.

– Niko, como é que você decide trabalhar na véspera de Natal e não me fala nada! Eu devo ter quebrado o cálice sagrado para ouvir uma coisa dessas, assim na maior naturalidade! Olha pra mim Carneirinho, que é que eu fiz pra merecer isso? Você não se lembrou que eu iria querer ir para a casa da minha mamy rever todos? E seus pais?

– Félix, fazem alguns anos que eu não passo o Natal com meus pais, eu sempre trabalhei muito nessa época, eles entendem que não é fácil a vida de dono de restaurante...No ano passado eles não puderam ir pois foram visitar a minha irmã no sul...Fazem alguns anos que eu não os encontro nessa época – Dava até pena de Niko tentando explicar algo, amuado, na beira da cama enquanto Félix andava impacientemente de um lado para outro do quarto gesticulando como um louco.

– Niko, vamos ser racionais, liga no resort, avisa que você teve um problema pessoal e cancela isso. Que coisa mais sem sentido trabalhar no Natal...Não precisa ficar assim desse jeito, é simples, liga lá amanhã pela manhã e cancela isso, simples.

– Félix, eu sei que você administra o restaurante excelentemente bem por sinal, só que talvez, só dessa vez, você tenha que concordar comigo...Eu não posso recusar essa divulgação do restaurante...quinhentas pessoas pra divulgar e convenhamos não vai ter ninguém lá que não seja um cliente em potencial, além do extra que vai ser arrumar um bico de chef em grandes eventos nesse resort. Eu não pude recusar, isso vai dar uma sobrevida pras minhas contas quando a baixa temporada começar...Você sabe que precisamos ter um pé de meia...Olha só, se você preferir pode ir para São Paulo com seus pais e as crianças...Eu encontro vocês dia 25 à noite e não trabalho no ano-novo de qualquer jeito, que você acha?

– Eu acho que você está exagerando, na baixa temporada damos um jeito...Você quer que eu te troque por dinheiro na noite de Natal?

– Você sabe que não é isso! Que jeito vamos dar, Félix? Eu não posso deixar de pagar nenhum funcionário, incluindo você...Quando eu aceitei essa proposta eu imaginei que você entenderia...

– Niko, eu posso pedir uma ajuda para a minha mãe na baixa temporada. Você esqueceu? Eu sou rico, bem minha família é rica. Você sabe o que estou querendo dizer...

Naquela hora o Carneirinho apenas cirrou os olhos, em nenhuma hipótese ele aceitaria ajuda da família de seu marido, era uma promessa que ele tinha feito a si, fazer aquele restaurante funcionar sem nunca ouvir uma palavra do doutor César que ele também se vendera a Félix. Seu companheiro não pestanegou em tentar concertar o que havia dito:

– Niko, esse seria o nosso primeiro Natal juntos, em família; parece até que você esqueceu isso. Todos juntos em São Paulo. O que você quer que eu diga para o meu pai? Que ele não vai para São Paulo porque você tem que trabalhar...

– Félix, meu amor, eu não estou pedindo isso. Já disse, vão vocês na frente e eu encontro vocês em seguida. Eu tenho certeza que os meninos nem vão sentir a minha falta se você estiver ao lado deles.

– Acontece Nicolas Corona que eu vou sentir muito a sua falta! – E como um furacão Félix virou-se para sair do quarto sem esquecer de bater a porta com força, com raiva. Niko não foi atrás dele, apesar de saber que ele iria para a praia escutar as ondas. Não havia outra opção senão ir descansar, haveriam alguns dias até o natal e até lá ele convenceria Félix que apesar da dor em deixá-los naquela noite especial aquilo era o melhor a fazer pelo futuro financeiro de todos. Ele odiava a idéia de se ver como um mercenário sem alma, mas com dois filhos e tantas dívidas era o mais sensato.

Já na cama ele não conseguia dormir, onde estaria Félix que não voltava? Seria melhor ir atrás dele? Quando ele fazia sinais que iria até a praia, a porta se abriu devagarzinho e em seguinda ele deitou-se ao lado dele. Eles gostavam de dormir com a janela de cortinas abertas para acordarem com a luz do sol, dessa maneira sempre havia uma certa luz dentro do quarto e assim Niko não resistiu, abriu os olhos para ver como ele estava.

Ele apenas o olhava com as sombrancelhas franzidas a meia luz, já deveria ter se acalmado o suficiente ou perto disso. Em sinal de paz, Niko começou a organizar aquelas sombrancelhas negras até que elas ficassem relaxadas como ele imaginava que elas deveriam sempre ser. Engolindo seco o loiro se resignou a dizer antes de virar-se novamente:

– Boa noite, meu amor.

Por menos de um segundo Félix hesitou, mas não queria dormir sem um abraço de seu Carneirinho, quando sua mão tocou o ombro dele para puxá-lo de volta foi como um choque, desses em que as pessoas ficam arrepiadas e nunca conseguem explicar o porquê. Mesmo com toda aquela tensão em volta da discussão eles amaram-se. Não com a premissa que fazer amor iria resolver aquele dilema, na verdade o que eles precisavam era um do outro e não havia porque negar isso.

Nos dias seguintes e além daqueles Félix se recusou a conversar sobre o Natal, ele não sabia o que fazer, era insuportável para a idéia de deixar Niko trabalhando feito um carneirinho sem dono, mas o que ele poderia fazer? Ainda havia seu pai, se ele decidisse levar o pai à São Paulo para o Natal não haveria outra opção a não ser ficar lá cuidando dele, se ficasse em Angra era certeza que o pai acabaria com o Natal dos dois decepcionado por não ir visitar Paloma e seu filho mais novo nessa época do ano.

Niko seguia ocupadíssimo, além do movimento maior no restaurante com início da temporada, ainda precisava ir constantemente ao resort para organizar o grande dia, de acordo com sua experiência ele sairia dia vinte e quatro pela manhã de sua casa para só retornar na madrugada do dia vinte-cinco. Com tudo isso na cabeça ainda estava pensando o que ele teria para o almoço de natal, afinal depois de tanto trabalho ele precisaria comer algo antes de ir para São Paulo.

Aproveitando-se que Félix tinha ido ao centro de Angra para uma reunião com o contador, Niko foi procurar seu sogro pela casa, quem sabe agora com o clima natalino eles poderiam ter uma conversa ao menos civilizada:

– Doutor César, com licença, podemos conversar? Querida, será que você poderia nos deixar alguns minutos sozinhos.

César apenas dignou-se a concordar, ele sabia que não adiantaria nada tentar expulsar aquele rapaz sem antes terem alguma conversa, se lembrava bem dele lhe dizendo o quanto amava seu filho antes de partirem para Angra, por mais que ele se negasse a ouvi-lo.

– Eu não sei se o Félix já conversou com o senhor, mas eu vim lhe pedir um pouco de paciência com as crianças na viagem para São Paulo, o Fabricio ainda é pequeno e o Jayminho também pode ficar impaciente. O carro irá bem cheio....

– Do que você está falando rapaz? O que houve com o outro carro?

– Vocês irão na frente para São Paulo. Eu vou trabalhar no Natal.

– Trabalhar? Ninguém vai ao restaurante na noite de Natal... – Nesse momento César parou de ignorar Niko para mirá-lo de frente.

– Errr, o restaurante estará fechado, mas fui contratado para organizar a ceia daquele resort perto daqui, não terei como viajar para São Paulo antes do dia vinte e cinco; então o senhor, o Félix e as crianças irão na frente e a viagem pode ser longa, por isso eu fiz questão de vir aqui lhe pedir pelas crianças. – Niko mantinha uma certa distância de César ou por respeito ou por medo, não queria iniciar uma confusão com seu sogro, seria a gota d’água para Félix, ele não suportava que o pai ficasse nervoso de qualquer forma.

– Rapaz, você deve cozinhar muito bem. Aquele hotel é um dos melhores do país e sempre que estive lá a comida era excelente. Parabéns. Agora me deixe descansar.

Apesar de não ter ouvido uma confirmação que ele entenderia a impaciência das crianças, pelo menos tinha sido parabenizado pelo trabalho.

Com Fabricio foi fácil, ele ainda não tinha idade para sentir falta do pai nessa data; Jayminho, por sua vez ficou um pouco choroso com toda aquela explicação, ele bem que tentou prometer que ficaria comportado na casa sozinho esperando por Niko na manhã de Natal. Em vão. Por fim ele foi convencido que muitas vezes precisamos fazer o que é necessário, não o que queremos e seria melhor que ele fosse na frente com seu outro pai para São Paulo.

Dia vinte chegou e nada de Félix viajar como havia dito, ao final Niko entendeu que ele decidira ficar até o dia vinte e quatro. Todos sairiam depois que ele fosse para o resort trabalhar. Ele não se opôs, quanto mais tempo pudesse ficar com os meninos e seu amor, melhor seria.

Na noite anterior ao dia vinte quatro mais uma vez Niko estava acariciando as sombrancelhas de Félix que insistiam em demonstrar insatisfação com tudo aquilo:

– Você precisa mesmo fazer isso? – Era a enésima vez que Niko ouvia essa pergunta.

– Como gerente dos meus restaurantes, você me faria recusar essa oportunidade? Responda como meu gerente.

– Como gerente eu diria que tudo isso é irrecusável, imagina a visibilidade...Mas como seu marido eu jamais permitiria que você ficasse longe da gente no Natal, lembra o ano passado quando você foi me buscar? Aquilo mudou minha vida.

Eles sorriram.

– A minha também, quem diria que a gente iria se casar em tão pouco tempo e vir morar aqui. Olha meu anel de casamento aqui? – E o loiro faz questão de mostrar o anel que havia ganhado antes de se casarem. Félix sorri, satisfeito.

– Você poderia ter meu nome se quisesse...

– Eu já disse que gosto do meu nome assim...E seu pai não iria aceitar que eu fosse um Khoury...De verdade o que importa é o que eu sinto por você. Você é minha família agora...

– Se eu sou sua família, da próxima vez Carneirinho não aceite nada sem me consultar antes. Você tem certeza que vai dirigir até São Paulo?

– Sim, eu chego de madrugada, descanso até o almoço e saio no começo da tarde, não haverá ninguém na estrada. Não se preocupe.

– Eu sempre vou me preocupar com você, Carneirinho. Devo ter cortado os cabelos de Sansão para ouvir algo assim...Mas preciso te perguntar uma coisa...O chef titular do resort é bonito?

– É uma mulher, Félix. E se fosse um homem ainda assim não teria a mínima importância...Você deveria saber...

– Eu preciso cuidar do que é meu...pronto, falei!

Niko se pudesse iluminaria o quarto com o sorriso que acabava de dar.

– Obrigado.

– Obrigado por quê agora? – A voz era de uma curiosidade extrema, quebrando o clima recém criado...

– Obrigado por não implicar tanto. Acredite em mim, no ano que vem você vai ver que todo esse meu sacrifício vai ter valido a pena, nosso restaurante vai ser um sucesso aqui na região! – Os olhos azuis eram de uma confiança extrema, Niko sabia exatamente o que estava fazendo.

– Não me agradeça ou eu vou desistir de ir lá no resort dar um escândalo por convidarem você justo para a noite de Natal. Boa sorte, minha vida. – Não era preciso dizer o que aconteceria depois.

Na manhã seguinte marejado Niko se despediu de todos, inclusive do doutor César que lhe desejou boa sorte na enorme ceia que ele seria um dos responsáveis. Aquele desejo de boa sorte foi um presente inesperado para Niko que já estava acostumado a ser ignorado na maioria das vezes pelo sogro.

Félix ficou parado na saída da casa, o dia ia ser longo. Niko saiu, sem querer olhar para trás pelo espelho retrovisor, estava de coração partido em deixá-los ir para São Paulo mas seria melhor assim, o dia prometia muito trabalho e ele não poderia desviar a sua atenção por nada.

– Ai seu Félix, eu não sei como o senhor tem coragem de deixar o seu Niko aqui em Angra sozinho... – Era Adriana, inconformada com a tristeza de Jayminho em deixar seu pai sozinha para viajar para São Paulo.

– Adriana, eu não quero ouvir mais nenhuma palavra dessa viagem para São Paulo hoje, estamos entendidos?

– Sim, senhor. – E ela se foi com a cara amarrada para dentro tratar de arrumar Jayminho e Fabricio, ao final seguia ordens e infelizmente ela não teve coragem de negar ajuda ao ‘seu Niko’ durante a ausência dele no Natal. Sua folga ficara para o ano-novo.

Niko estava ocupadíssimo no resort, ele nunca havia preparado tanta comida de uma única vez, nada poderia de dar errado, mas se aquilo era um teste ele precisava se sair muito bem. O dia passou voando, o único alento foi receber uma mensagem de Félix dizendo que tudo estava bem, só ouve tempo para uma resposta “que bom, ligo mais tarde”...Só que esse mais tarde nunca chegava e ele nem se deu conta que a meia noite passou e já era Natal. O que ele queria de verdade era que tudo acabasse logo, já estava exausto e ainda precisava dirigir de volta para casa...

Por fim toda a equipe recebeu os parabéns do gerente geral do resort e Niko recusou educadamente uma saideira, a única coisa que ele realmente queria era descansar em sua cama para viajar o mais rápido possível e reencontrar quem realmente importava.

Era estranha a sensação da casa vazia, não havia brinquedos pelo chão ou Félix impaciente na varanda entre mirar as ondas do mar e a porta na expectativa dele chegar. Quem diria que ele estaria perdidamente encantado com essa nova vida:

– É Niko, Feliz Natal pra você! Amanhã cedo eu ligo para eles e aviso que estou saindo. Pensando bem, não tão cedo, eu preciso dormir muito hoje. Acho que posso me dar esse presente de Natal.

Pela manhã ele jazia estendido na cama de seu quarto, havia deixado todas as cortinas fechadas para ter certeza que não acordaria com o raiar do sol pela força do hábito.

– Quantas vezes eu já lhe disse para não dormir sem camisa? Vai pegar um resfriado desse jeito...Acorde...Quem diria que um dia eu ainda diria isso para você?

Niko ainda relutava em sair do mundo dos sonhos, como última tentativa permanecia com os olhos fechados enquanto se espreguiçcava

– Hummm, devo estar sonhando, eu poderia jurar que ouvi a voz da minha mãe.

– Feliz Natal, filho! Quanta saudade!

– Mamãe?!? Mas como? – Seria um sonho, sua mãe vindo acordá-lo no dia de Natal? Ele abriu os olhos incrédulo, deveria ser algum tipo de alucinação que se desfez no momento que ela lhe ofereceu um abraço, ele explodiu entre lágrimas e felicidade.

– Eu posso entrar? Já são quase dez horas filho. Parece que morar na praia não está te fazendo tão bem assim.

– Papai?!? Ah meu Deus, como vocês chegaram aqui sem me avisar?

– Papai...Feliz Natal – era Jayminho correndo pra abraçar Niko, praticamente passando por cima do avô.

Félix, de camisa branca, acabava de parar na porta segurando Fabrício nos braços assistindo a tudo com um largo sorriso.

– Com licença, deixa eu entregar essa criaturinha aqui para o pai dela... Feliz Natal, Carneirinho.

Os olhos vermelhors de Niko indicavam que não poderia haver presente melhor de Natal do que todos ali.

Fabricio, como sempre, tinha fome e seus avós e Jayminho sairam para socorrê-lo. Finalmente a sós, Niko não se segurou, tantas perguntas e tanto a agradecer pela surpresa, fazia tanto tempo que ele não via seus pais no dia de natal.

– Eu não entendo Félix, e seu pai? Como você conseguiu ir e voltar para São Paulo tão rápido? E como meus pais conseguiram chegar aqui? Eu te amo, sabia?

Félix sorria com a alma, se Niko se sentia presenteado ele não fazia idéia de como ele também estava feliz.

– Calma, criatura, eu devo ter jogado pedras na manjedoura para ter que ouvir tantas perguntas. Vamos por partes, como Jack, o estripador!

– Félix, vira essa boca pra lá. Eu só entendo de cortar peixe...- era nítida a alegria do Carneirinho

– Eu já havia convidado seus pais para passar o Natal conosco na casa da mami, já havia organizado isso há uns 3 meses, só que você acabou gerando uma mudança de planos com essa história de trabalhar aqui em Angra...Foi um apocalipse conseguir passagens de avião nessa época. Eles passaram a noite de Natal com a minha mãe e vieram no primeiro voo para o Rio hoje, eu fui buscá-los hoje pela manhã. Uma ma-ra-vi-lha dirigir até o Galeão e voltar para cá sem nenhum trânsito. Simples assim.

– Tá Carneirinho, ainda falta explicar como você não percebeu a gente em casa. O carro eu deixei naquele posto na entrada do condomínio e as crianças e eu dormimos no quarto de hóspedes. Imaginei que você não iria inspecionar a casa ao chegar. Mas não é disso que eu quero conversar agora, e lá no resort, como foi?

Niko até que tentou fazer suspensemas não resistiu:

– Um sucesso! Eu dúvido que eles consigam fazer melhor no ano-novo. Mas depois eu te conto tudo. Você ainda não falou do seu pai, ele foi para São Paulo de avião?

Niko se aproximava de Félix para ter certeza que ele iria respondê-lo mesmo que estivesse olhando as ondas pela janela do quarto.

– Sabe Niko, eu não sei muito bem como explicar isso...Foi meu pai que me deu esse Natal com você...Acredita?...Ele me disse que eu seria a pior pessoa do mundo se não passasse esse Natal com a minha família completa e que ele não queria ser o responsável por separar crianças dos pais. Ele me disse que sou pai dos meninos – Com a voz embargada ele completou – Ele reconhece que nós somos uma família...

Félix sentiu que Niko o puxava para um abraço e só se esforçou para não deixar que aquele momento acabasse.

– Feliz Natal, Félix.

– É Carneirinho, Feliz Natal!

– Eu preciso ir falar com seu pai, onde ele está?

– Ele deve estar no jardim...Você tem certeza?

Ajeitando as sombrancelhas do amado, Niko confirmou que sim.

– Senhor César, com licença.

– Diga rapaz.

Niko via aquele homem que apesar dos meses em que moravam debaixo do mesmo teto, eles ainda eram desconhecidos.

– Feliz Natal! – E antes que o pai de Félix pudesse responder qualquer coisa, ele foi surpreendido por um abraço. – Feliz Natal!

– Agora vá, rapaz...Agora vá, sua família o espera... – César não pareceu muito comfortável com aquele gesto de carinho, mas não soube como reagir. Faltava algo.

– O senhor almoça com a gente? É natal...

– Sim rapaz, diga a meu filho que venha me buscar ou peça para a enfermeira. Agora eu quero ficar sozinho. Obrigado.

– Eu que agradeço, senhor César. – Manter qualquer conversa com seu sogro era sempre mais difícil do que Niko imaginava.

Antes que Niko se afastasse o suficiente um novo gesto indicaria que nem tudo estava perdido:

– Rapaz?

– Sim..? – Aproximando-se novamente, ele não teve dúvidas do que ouviria:

– Feliz Natal...